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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes

Departamento de Biologia Celular

Disciplina: Biologia Celular

PAE - 2020-2

Coordenadora: Simone Vargas da Silva

Apostila:
Proteínas, Carboidratos e Lipídeos - estrutura e funções

Esta apostila foi formulada para auxiliar o ensino remoto de biologia celular para o curso
de nutrição, durante o período acadêmico emergencial (PAE), em função da pandemia do
novo Coronavírus. Trata-se de um material de apoio ao estudante e, como tal, não substitui
a bibliografia recomendada. Cabe ressaltar que essa apostila não tem fins lucrativos e,
portanto, não deve ser comercializada, sob nenhuma hipótese.

2020
Proteínas: Estrutura e Funções

I. Introdução:

As proteínas são as macromoléculas mais abundantes no organismo, estão presentes em


todas as células e em todas as organelas celulares. São caracterizadas como polímeros
formados por aminoácidos (monômeros). Os aminoácidos apresentam uma fórmula
estrutural comum e são compostos por um grupamento amino (um nitrogênio ligado a dois
hidrogênios); um grupamento carboxil (um carbono ligado a um oxigênio por uma dupla
ligação e a uma hidroxila por uma ligação simples). Esses dois grupamentos estão ligados a
um carbono central, o qual também está ligado a um hidrogênio e a uma cadeia lateral (R)
que varia de acordo com o aminoácido (Figura 1). É essa cadeia lateral que determina a
polaridade dos aminoácidos. Quanto a sua polaridade, os aminoácidos podem ser
classificados em:

• Não polares (Cadeia lateral alifática) - caráter hidrofóbico;


• Aromáticos - hidrofóbicos;
• Polares: sua cadeia lateral é capaz de se ligar a hidrogênio e água (hidrofílicos) e
podem não apresentar carga, apresentar carga negativa ou carga positiva.

Figura 1: Classificação dos aminoácidos de acordo com a sua polaridade. A cadeia lateral (rosa) está
ligada a um carbono central, que por sua vez está ligado a um grupamento amino, a um hidrogênio
e a um grupamento carboxil (Extraído e modificado: LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. &
COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014. Ed. Artmed).

Outra característica importante dos aminoácidos é que eles são considerados moléculas
anfóteras, ou seja, podem se comportar tanto como ácidos, quanto como bases em meio
aquoso. É importante salientar que o pH do meio aquoso interfere no comportamento de
doar ou receber elétrons. Assim sendo:

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Em meio ácido, comportam-se como uma base, aceitando prótons e adquirindo carga
positiva, sendo ionizados em seu radical amina. Já em meio básico, comportam-se como
ácidos, doando prótons e adquirindo carga negativa, sendo portanto ionizados em seu
radical carboxil. Essa característica confere as proteínas, peptídeos e aminoácidos o caráter
de bons tampões, pois impedem variações da concentração de H+, mantendo o pH do
meio.

II. Estrutura:

Como dito anteriormente, as proteínas são formadas por cadeias de aminoácidos que são
ligados através de ligações peptídicas (Figura 2A). A formação de uma ligação peptídica é
um exemplo de reação de condensação, onde dois hidrogênios (do grupo amino) e um
oxigênio (do grupo carboxila) são perdidos, formando uma molécula de água (Figura 2B).
À partir da perda de água, os dois aminoácidos podem se conjugar, formando uma ligação
peptídica, resultando em uma AMIDA, um grupamento funcional que apresenta um átomo
de nitrogênio próximo a um carbonil. Este grupamento funcional conecta cada aminoácido
durante a formação da cadeia peptídica.
A

Figura 2: Ligação peptídica entre dois aminoácidos (A). A perda de dois hidrogênios e um oxigênio
(em azul), configuram uma reação de desidratação (perda de água) e a formação de uma amida (em
vermelho). (modificado: khanacademy.org)

A conjugação de dois aminoácidos forma um dipeptídeo (Figura 3). A conjugação de três a


dez aminoácidos é chamada de oligopeptídeo, acima de dez é chamada de polipeptídeo. Já
as proteínas são classificadas como cadeias polipeptídicas acima de 300 aminoácidos que
apresentam atividade biológica.

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A B

Figura 3: Dipeptídeo (A) e Polipeptídeo (B) (modificado: khanacademy.org)

Os peptídeos apresentam um lado N-terminal (grupamento Amina) e outro C-terminal


(grupamento Carboxil). Convencionalmente, as proteínas são descritas com a sua porção
N-terminal a esquerda da cadeia e a sua porção C-terminal a direita (Figura 4). Cada
unidade monomérica presente na cadeia polipeptídica é denominada de resíduo.

Figura 4: Representação das porções N-terminal (lado esquerdo) e C-terminal (lado direito) de um
peptídeo. (modificado: khanacademy.org)

As proteínas apresentam estruturas distintas que contribuem para as suas funções. De


acordo com a sua estrutura, as proteínas podem ser classificadas em: primária, secundária,
terciária e quaternária. A estrutura primária é formada por uma sequência simples de
aminoácidos. A nomenclatura desses aminoácidos pode ser representada por uma
sequência/código de três letras ou de uma única letra (Figura 5A e B). Considerando-se que
existem 20 aminoácidos diferentes (Figura 5B), o número de proteínas a serem formadas é
potencialmente infinito.

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Figura 5: Representação da estrutura primária da proteína (A) e nomenclatura dos aminoácidos(B).
(modificado: khanacademy.org)

A estrutura secundária refere-se a arranjos mais estáveis, dando origem a certos padrões
estruturais (p. explo: α-hélice e folhas-β), nos quais os aminoácidos são ligados,
principalmente, por pontes de hidrogênio.

Figura 6: Conformação secundária de uma proteína. α-hélice: os aminoácidos se enovelam ao redor


de um eixo imaginário. A "torção" é dada pelas ligações de hidrogênio formadas pelas porções N-
terminal de um aminoácido e C-terminal de outro. Folhas-β: as cadeias polipeptídicas se arranjam
lado a lado e são ligadas por pontes de hidrogênio entre segmentos adjacentes. (Extraído e
modificado: LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª
Edição, 2014. Ed. Artmed).

A estrututura terciária se refere a estrutura tridimensional da proteína, sendo mantida por


interações entre os radicais dos aminoácidos. A estrutura terciária de uma proteína confere
maior estabilidade a mesma, pois reduz a superfície acessível a solventes. A estrutura
terciária de uma proteína não se dá de forma aleatória no seu processo de tradução, sendo
específica a cada proteína e tendo relação com a sua função. Alguns fatores influenciam a
estrutura terciária das proteínas, tais como:

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• As cadeias hidrofóbicas (grupamento alquil) encontram-se voltadas para a parte
interior (dentro), onde não entram em contato com solventes aquosos. Por outro
lado, resíduos hidrofílicos são encontrados na superfície, onde interagem om
moléculas de água.
• Outra interação que estabiliza a estrutura terciária de uma proteína é a ponte
dissulfeto. Sabemos que a cisteína tem um grupamento SH, chamado tiol, na sua
cadeia lateral, o qual é um análogo sulfúrico de um grupamento hidroxil. Quando
duas cisteínas estão próximas, seus grupamentos tióis podem reagir entre si, criando
uma ponte dissulfeto, uma ligação covalente entre os átomos de enxofre que pode
ocorrer em qualquer região da cadeia polipeptídica (Figura 7A). Esta ligação
colabora para a manutenção da integridade estrutural terciária de uma proteína.

A estrutura quaternária refere-se a proteínas formadas por duas ou mais cadeias


polipeptídicas distintas, formando complexos protéicos. Tais unidades polipeptídicas não
estão ligadas por interações covalentes, mas por interações eletrostáticas, como pontes de
hidrogênio, interações hidrofóbicas polares e interações de Van der Waals (Figura 7B).

Figura 7: Pontes dissulfeto (A) e estrutura quaternária da hemoglobina. (modificado:


khanacademy.org)

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O que são chaperonas?

A síntese de proteínas não é um processo corriqueiro, trata-se de um processo altamente


coordenado que é determinado pela necessidade do uso destas biomoléculas pelo
organismo. Durante a síntese protéica, algumas proteínas não conseguem se enovelar
sozinhas, deixando assim de chegar a sua estrutura secundária, terciária ou quaternária e,
consequentemente, de desempenhar a sua função. Este assunto será abordado mais tarde
com mais detalhes, contudo aqui, é importante destacar que as células apresentam uma
classe de proteínas que auxiliam no enovelamento de outras proteínas. Essas proteínas são
denominadas chaperonas.

Somente as proteínas na sua estrutura secundária, terciária e quaternária podem sofrer


processo de desnaturação. A desnaturação protéica implica na perda da estrutura de uma
proteína e, consequentemente, a perda da função. O processo de desnaturação pode se dar
por ação química ou pelo calor. Quimicamente, alterações no pH do meio podem induzir a
desnaturação de proteínas por alterar o estado de ionização dos aminoácidos, mudando a
interação elétrica entre eles. As proteínas costumam desnaturar em valores extremos de pH
(abaixo de 3,0 e acima de 10). No entanto, elas são mais estáveis a desnaturação em seus
pontos isoelétricos. O aumento da temperatura também promove a ruptura da ligação
entre os aminoácidos, induzindo a desnaturação protéica.

Desnaturação protéica pelo calor: Desnaturação protéica pelo pH:

Clara Albumina

Calor
Caseína desnaturada
Albumina desnaturada

Coalho

Ponto isoelétrico (pH isoelétrico - pI): corresponde ao valor de pH em que a


molécula se encontra eletricamente neutra, ou seja, quando o número de
cargas positivas for igual ao número de cargas negativas. Cada proteína possui
um pI característico, que reflete a proporção entre aminoácidos ácidos e
básicos.

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Em alguns casos, a desnaturação de proteínas pode ser um processo reversível. Nestes
casos, a renaturação ocorrerá quando o agente desnaturante for removido. No caso de
desnaturação pelo calor, por exemplo, o processo de desnaturação é irreversível.

As proteínas podem ser classificadas ainda de acordo com a sua configuração em proteínas
globulares ou fibrosas. As proteínas globulares apresentam dobras na cadeia polipeptídica,
assumindo uma forma compacta como uma bola com superfície irregular. Algumas dessas
proteínas porém, podem se reunir para formar filamentos que abrangem todo o
comprimento de uma célula. Um exemplo são os filamentos de actina (Figura 8A e B), uma
estrutura helicoidal longa produzida a partir da actina, uma proteína globular, (Figura 8B)
muito abundante em células eucarióticas, formando um dos principais sistemas de
filamentos do citoesqueleto.

A B

Figura 8: Célula eucariótica com marcação fluoresente (imunofluorescência) dos microfilamentos de


actina (verde) e núcleo (roxo) (A). Esquema mostrando o monômero de actina (actina globular) e
sua posição no microfilamento (F-actina) (B). (modificado: khanacademy.org)

As proteínas fibrosas consistem de proteínas que apresentam uma estrutura tridimensional


relativamente simples e alongada. Sua principal função é fornecer estrutura, suporte e
auxílio biomecânico. Os aminoácidos que formam a cadeia polipeptídica da proteína
apresentam um radical não polar, o que torna essas proteínas insolúveis em água e,
consequentemente, insolúveis em fluidos aquosos como o plasma e o citoplasma celular.
Dentro da grande família de proteína fibrosas destaca-se a α-queratina. Os filamentos de
queratina são extremamente estáveis e são o principal componente em estruturas como
cabelos, unhas e chifres. As proteínas fibrosas são especialmente abundantes no meio
extracelular, onde são um componente importante da matriz extracelular, auxiliando na
junção das células para formação dos tecidos. O colágeno é uma das proteínas mais
abundantes nos tecidos animais, representando cerca de 30% ou mais das proteínas totais
do corpo humano. Sua estrutura básica consiste em três longas cadeias polipeptídicas (tripla
hélice), cada uma contendo o aminoácido glicina em sua terceira posição. Muitas moléculas
de colágeno se ligam lado a lado para criar matrizes longas e sobrepostas, gerando assim
fibrilas de colágeno que conferem aos tecidos conectivos resistência à tração. Já foram
identificados pelo menos 16 tipos de colágeno, dentre eles: o colágeno tipo I (principal
componente dos ossos), colágeno tipo II (cartilagem), dentre outros. Como a maioria das
proteínas fibrosas, o colágeno é insolúvel em água.

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O colágeno tem sido amplamente utilizado na indústria alimentícia, farmacêutica e
cosmética devido a sua excelente biocompatibilidade e baixa antigenicidade. Além do
seu valor nutricional que o estabelece como uma fonte protéica, o colágeno e os
produtos derivados da sua biodegradação podem exercer várias atividades
biológicas, em potencial nas células da matriz extracelular, o que pode justificar suas
aplicações em suplementos alimentares e preparações farmacêuticas. Do ponto de
vista nutricional, a suplementação com colágeno e seus derivados pode estimular o
metabolismo da matriz extracelular, levando a um aumento da biossíntese de
colágeno. Embora experimentos em animais e ensaios pré-clínicos em humanos
tenham sugerido os efeitos biológicos benéficos do colágeno e de seus derivados,
ainda é muito cedo para fazer recomendações clínicas gerais sobre a ingestão
apropriada de suplementos nutricionais de colágeno e alimentos funcionais que
podem afetar a saúde humana.

Ver mais em: Liu et al. 2015. Collagen and Gelatin. Annu. Rev. Food Sci. Technol. 6:527–57.

II. Funções:

As proteínas exibem uma enorme variedade de funções biológicas, atuando como enzimas,
receptores celulares, hormônios, anticorpos, entre outras. De acordo com as suas funções,
elas podem ser classificadas em:

• proteínas de transporte;
• proteínas de reseva;
• proteínas contráteis;
• proteínas estruturais;
• proteínas de defesa;
• proteínas regulatórias;
• enzimas.

A característica funcional mais importante das proteínas é a sua capacidade em se ligar


reversivelmente a várias moléculas de modo firme e específico. Essa característica contribui
para as diferentes funções das proteínas. Quando uma molécula se liga reversivelmente a
uma proteína, esta molécula é chamada de ligante. Um ligante pode ser uma molécula de
qualquer natureza, incluindo outra proteína.

O local onde o ligante se liga na proteína é chamado de local ou sítio de ligação. O sítio de
ligação de uma proteína é complementar em tamanho, forma, carga e caráter hidrofóbico
ou hidrofílico (polaridade) ao ligante. A interação entre eles é específica, permitindo que a
proteína consiga discriminar entre as milhares de moléculas diferentes em seu ambiente, se
ligando especificamente apenas a uma ou algumas. Essas interações específicas são
essenciais para a manutenção da ordem de um sistema vivo.

Proteínas de transporte: São capazes de se ligar reversivelmente a grupos específicos,


proporcionando o seu transporte. Exemplo: hemoglobina - se liga ao oxigênio. O oxigênio

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apresenta baixa solubilidade em soluções aquosas e não pode ser transportado para os
tecidos em quantidade suficiente. Além disso, sua difusão através dos tecidos também é
ineficaz em distâncias superiores a alguns milímetros. Assim, em animais, o oxigênio é
transportado pelo sangue ligado a hemoglobina nos eritrócitos (glóbulos vermelhos).

Em organismos multicelulares, o transporte e o armazenamento de


oxigênio depende da sua ligação reversível a proteínas. Contudo,
nenhuma das cadeias laterais disponíveis nos aminoácidos é adequada
para essa ligação. Desta forma, certos metais de transição como o Ferro e
o Cobre desempenham esse papel, pois apresentam alta capacidade de
reter oxigênio. O Ferro é o metal mais comum utilizado para o transporte
de oxigênio porém, o Ferro livre é capaz de formar compostos altamente
reativos com o oxigênio (espécies reativas de oxigênio) que podem
danificar o DNA e outras macromoléculas. Por isso, o Ferro encontra-se
normalmente sequestrado ou ligado a proteínas que o tornem menos
reativo. Quando o oxigênio precisa ser transportado por longas
distâncias, o mesmo se encontra ligado ao Ferro e este, por sua vez, está
incorporado a um grupo prostético chamado heme.

Proteínas de reserva: auxiliam no armazenamento de moléculas importantes. Exemplo:


Ferritina. A ferritina é uma proteína globular, responsável pelo acúmulo de ferro
intracelular, A ligação do ferro a essa proteína protege as células do efeito tóxico do Ferro
livre e constitui uma reserva de Ferro rapidamente mobilizável.

Proteínas contráteis: participam da contração, motilidade e conformação celular. Exemplo:


miosina e actina, interagem entre si para a formação de fibras resistentes, responsáveis pela
contração muscular (Figura 9).

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Figura 9: O mecanismo de contração muscular. O aumento do cálcio intracelular permite que o
cálcio se ligue a troponina expondo na actina os sítios de ligação a miosina. A partir daí, ocorre a
ligação (pontes cruzadas) da miosina e actina e a fibra se contrai. (modificado: khanacademy.org)

Proteínas estruturais: servem como suporte, fornecendo proteção ou resistência a


estruturas biológicas. Exemplo: Colágeno - é o principal componente de pele, ossos,
tendões, cartilagem, vasos sanguíneos e dentes. Como explicado anteriormente (Página 7),
o colágeno é uma proteína fibrosa e é uma das principais proteínas que compõe os tecidos
animais.

Proteínas de defesa: Participam da defesa do organismo contra patógenos e injúrias.


Exemplo: anticorpos ou imunoglobulinas - são produzidas pelos vertebrados e participam
da defesa do organismo contra antígenos (substâncias estranhas ao organismo, capazes de
desencadear a produção de anticorpos). Os anticorpos apresentam um alto grau de
especificidade em relação ao antígeno que reconhecem. Sua estrutura típica é formada por
quatro cadeias polipeptídicas, unidas por pontes dissulfeto. As extremidades de cada cadeia
é capaz de reconhecer e se ligar ao antígeno, neutralizando o mesmo.

Proteínas regulatórias: participam da regulação de atividades fisiológica e celulares.


Exemplo: hormônio insulina - é um hormônio protéico de caráter anabólico, essencial para
a manutenção da homeostase da glicose, do crescimento e da diferenciação celular. A
insulina é secretada pelas células β das ilhotas pancreáticas após as refeições em resposta a
elevação da concentração dos níveis circulantes de glicose e aminoácidos. O mecanismo de
ação da insulina será discutido mais adiante.

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Vacinas: breve histórico

As vacinas estimulam a produção de anticorpos capazes de reconhecer e neutralizar os


antígenos causadores da doença. O conceito das vacinas surgiu há mais de seis séculos à
partir da idéia de se deixar as pessoas entrarem em contato com uma versão mais branda
da doença a fim de criar imunidade contra as formas mais graves. No séc. XIII, os egípcios
aplicavam uma técnica chamada de variolação para prevenir os indivíduos da varíola, uma
doença mortal. Essa técnica consistia em manipular a lesão causada pelo vírus em um
paciente com sintomas brandos, transformando a casca dessas lesões em pó e inoculando
em uma pessoa saudável através do nariz, boca ou um corte na pele... Bem mais tarde, no
século XVIII na Inglaterra, as mulheres que trabalhavam na ordenha de vacas e infectavam-
se com o vírus da varíola desses animais, a Variolae vaccinae, uma vez recuperadas da
versão mais branda da doença se tornavam imunes à varíola humana. À partir desse fato, o
cientista Edward Jenner estudou de forma mais criteriosa essa alternativa de variolação e
chegou a conclusão que ela era realmente eficaz. Somente no final do século 19, Louis
Pasteur demonstrou que a inativação por aquecimento da bactéria do antraz, o Bacillus
anthracis, também imunizava contra a bactéria virulenta. Pasteur atribuiu o nome de
vacina a esse medicamento, em homenagem a Jenner e seus estudos com a Variolae
vaccinae... Desde quando as vacinas foram introduzidas no mundo, algumas doenças
comuns entre nós desapareceram: em 1979, a varíola foi erradicada do mundo, e desde
1989, o Brasil e as Américas nunca mais registraram um caso de poliomielite.

Extraído do Jornal da USP - 20/04/2020. Site: jornal.usp.br/?p=299739

Outro tipo de proteínas regulatórias são as enzimas. As enzimas atuam aumentando a


velocidade de uma reação, apresentando atividade catalítica. Devido ao alto grau de
complexidade e especificidade, as enzimas serão o tópico específico da próxima aula.

Exercício dirigido:

1. Explique os quatro níveis organizacionais da estrutura das proteínas.

2. Explique por que os aminoácido, os peptídeos e as proteínas são considerados bons


tampões?

3. O que é o processo de desnaturação de proteínas? Cite dois fatores que podem ocasionar
a desnaturação de proteínas.

4. Na figura abaixo, explique a reação de perda de elétrons dos dois aminoácidos. Qual o
nome dado ao dímero desses aminoácidos?

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5. Cite e explique três funções das proteínas, dando exemplos diferentes daqueles dados
nessa apostila.

6. Defina ponto isoelétrico e explique a sua importância para a estrutura das proteínas.

7. Você já ouviu falar em Mal de Alzheimer? E Mal de Parkinson? Pesquise brevemente


sobre essas doenças e explique a relação delas com a estrutura de proteínas.

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Carboidratos (Hidratos de carbono, glicídeos ou açucares): Estrutura e Funções

I. Introdução:

Os carboidratos são as macromoléculas mais abundantes no planeta, apresentando um


papel central no metabolismo dos animais e plantas. Em plantas, a biossíntese de
carboidratos se inicia com o dióxido de carbono e a água, com auxílio da energia de luz,
num processo chamado de fotossíntese (Figura 1).

Figura 1: Em plantas, a glicose é sintetizada à partir de CO 2 e água, num processo denominado


fotossíntese. O seu armazenamento é realizado sob a forma de amido ou pode ser convertida a
celulose (estrutural) - visto com mais detalhes adiante.

A estrutura dos carboidratos é composta de moléculas de carbono, hidrogênio e oxigênio,


numa proporção aproximada de: 1 átomo de carbono (C) para 1 molécula de água (H2O).
Esta composição dá a essa macromolécula o seu nome: Hidrato de carbono, popularmente
chamado de carboidratos, glicídeos ou, simplesmente, açúcares.

Com relação ao seu tamanho, os carboidratos biologicamente importantes são classificados


em:

• Monossacarídeos,

• Oligossacarídeos e Dissacarídeos;

• Polissacarídeos.

Monossacarídeos: são conhecidos como açúcares simples, cujo principal exemplo é a


glicose. Os monossacarídeos apresentam no mínimo três e no máximo sete átomos de
carbono. Sua fórmula geral é representada por: Cn(H2O)n. Apresentam as seguintes
propriedades físico-químicas: são incolores, altamente solúveis em solventes polares e
insolúveis em solventes apolares.

Muitos dos átomos de oxigênio encontrados nos monossacarídeos encontram-se em


grupamentos hidroxila (OH), porém um deles encontra-se como parte de um carbonil
(C=O). A posição do grupamento carbonil pode ser utilizada para classificar os açúcares:

• Se o grupamento carbonil estiver por último na cadeia, determinando que este seja
um aldeído, o açúcar é chamado de aldose (Figura 2).

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• Se o grupamento carbonil encontra-se na parte interna da cadeia, de modo que
existam outros carbonos ao seu redor, este forma um grupamento cetona e o
açúcar é chamado de cetose (Figura 2).

Os monossacarídeos podem ser classificados também, de acordo com o número de


átomos de carbono em sua cadeia, por exemplo: trioses (três átomos de carbono);
pentoses (cinco átomos de carbono); hexose (seis átomos de carbono) (Figura 2).

Figura 2: Monossacarídeos - são chamados de açúcares simples. Podem apresentar um aldeído


(aldose) ou uma cetona (cetose) em sua estrutura. O gliceraldeído e a dihidroxiatena são os
monossacarídeos mais simples (trioses). (modificado: khanacademy.org)

Aqui, falaremos um pouco mais sobre a glicose e seus isômeros. A glicose é um importante
monossacarídeo que apresenta seis átomos de carbono (C6H12O6), outros monossacarídeos
importantes neste tópico são a galactose e a frutose. Em comum, esses três
monossacarídeos apresentam a mesma fórmula química (C6H12O6) porém, eles diferem na
organização dos seus átomos, tornando-os isômeros entre si, portanto, a frutose é um
isômero estrutural da glicose e da galactose, o que significa que ela apresenta a mesma
fórmula estrutural das outras duas, mas que seus átomos estão ligados de uma forma
diferente (Figura 3).

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Já a glicose e a galactose são estereoisômeros, pois seus átomos estão ligados na mesma
ordem, porém apresentam um configuração tridimensional diferente em torno do seu
carbono assimétrico. Esta pequena diferença é suficiente para determinar a ação enzimática
capaz de quebrar (separar) essas duas moléculas, quando elas formam o dissacarídeo
lactose.

Figura 3: A glicose, a galactose e a frutose são isômeros. A glicose e a frutose são estereoisômeros,
seus átomos estão ligados na mesma ordem, porém apresentam configuração em torno do seu
carbono assimétrico diferente (modificado: khanacademy.org)

Relembrando...

• Carbono assimétrico: É aquele que se apresenta ligado a quatro radicais


(R) diferentes.

Os açúcares que vimos até agora são representados como uma cadeia linear, no entanto,
alguns destes podem ser também representados em forma de anel. Isso se deve ao fato de
muitos açúcares de 5 ou 6 carbonos poderem existir tanto numa forma, quanto na outra.
Essas formas existem em equilíbrio umas com as outras, porém em soluções aquosas elas
se apresentam na forma de anéis, mais estáveis do ponto de vista energético. A formação
do anel se dá quando o grupamento carbonil se liga covalentemente com o oxigênio de um
grupamento hidroxila ao longo da cadeia. A formação dessas estruturas em anel é o
resultado de uma reação geral entre alcoóis e aldeídos ou entre alcoóis e acetonas para
formar derivados chamados hemiacetais ou hemicetais, respectivamente (Figura 4).

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Figura 4: Formação de anéis pela glicose, frutose e ribose. Na formação de anéis, os
monossacarídeos com mais de cinco átomos de carbono não apresentam o grupamento carbonil
livre, ele está ligado covalentemente com uma das hidroxilas presentes ao longo da cadeia. O
aldeído em C1 reage com a hidroxila em C5, produzindo um anel com seis átomos (5 carbonos e 1
oxigênio), denominado de piranose, devido a sua analogia ao pirano. Já as aldopentoses (ribose) e
cetohexoses (frutose) formam anéis pentagonais (4 átomos de carbono e 1 átomo de oxigênio),
chamados de furanose, devido a sua analogia com o furano (modificado de: LEHNINGER, T. M.,
NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Carbono anomérico: é o carbono (carbonil - C1 das aldoses e C2 das cetoses) do monossacarídeo


cíclico. No caso da glicose, as duas formas resultantes são α-D-glicose e β-D-glicose (Figura 4). As
formas α e β são anômeras. No anômero α, a hidroxila (OH) ligada ao carbono anomérico (C1) está
abaixo do plano do anel. No anômero β está acima do plano do anel.

Os carbonos anoméricos dos monossacarídeos cíclicos podem sofrer oxidação por agentes
oxidantes que contem íons de Cobre (Cu+2), assim os monossacarídeos com átomos de
carbono anoméricos livres são chamados de açúcares redutores; enquanto os envolvidos
por ligações glicosídicas são chamados de não redutores.

Dissacarídeos e oligossacaríedos: Os oligossacarídeos são polímeros relativamente


pequenos, contendo de dois a dez (ou mais) monossacarídeos. Podem ser encontrados
ligados a polipeptídeos ou a lipídeos. Existem duas classes de oligossacarídeos: os N-
ligados e os O-ligados. Os oligossacarídeos N-ligados estão ligados a polipeptídeos por
uma ligação N-glicosídica (com o grupamento lateral do aminoácido asparagina), Os
oligossacarídeos O-ligados estão ligados ao grupamento hidroxila da cadeia lateral dos
aminoácidos serina ou treonina nas cadeias polipeptídicas ou, ainda, pelo grupamento
hidroxila dos lipídeos de membrana.

Os dissacarídeos são os oligossacarídeos mais abundantes. São formados pela ligação


covalente de dois monossacarídeos, onde a hidroxila de um monossacarídeo reage com o
carbono anomérico de outro, numa ligação denominada de ligação O-glicosídica.

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• Maltose: é um dissacarídeo obtido à partir da hidrólise do amido. Consiste de dois
resíduos de glicose em uma ligação glicosídica α (1→4), onde o C1 de uma glicose
se liga ao C4 de outra (Figura 5).

Figura 5: Formação da maltose. A hidroxila de uma das glicoses


(à direita) se condensa com o hemiacetal da outra (à esquerda)
com eliminação de água e formação da ligação O-glicosídica.
Areação inversa é a hidrólise da ligação O-glicosídica
(modificado de: LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX,
M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

• Lactose: encontrada apenas no leite. É formada pela união do C1 da β-D-Galactose


com o C4 da D-glicose , formando uma ligação glicosídica β (1→4).

• Sacarose: É o açúcar extraído da cana de açúcar. Constitui-se pela união de uma α-


D-glicose com uma β-D-frutose, através de uma ligação glicosídica α,β (1→2). Essa
ligação ocorre entre os carbonos anoméricos de cada açúcar (C1 da glicose e C2 da
frutose). A sacarose é um açúcar não redutor, pois não apresenta terminação
redutora livre.

Figura 6: A lactose é um dissacarídeo formado pela união da galactose com a glicose e é encontrada,
naturalmente, no leite. A sacarose é um dissacarídeo formado pela glicose e a frutose, conhecido
popularmente como açúcar de mesa. Ao contrário da maltose e da lactose, a sacarose não contém
carbono anomérico livre, sendo assim um açúcar não redutor (modificado de: LEHNINGER, T.
M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014)

Polissacarídeos: Os polissacarídeos são polímeros de médio a alto peso molecular, também


denominados de glicanas, diferem entre si pela identidade do monossacarídeo que os
formam, o comprimento da cadeia, os tipos de ligação e o grau de ramificação. de acordo
com os monossacarídeos que o compõem, podem ser classificados em:
homopolissacarídeos e heteropolissacarídeos.

18
• Homopolissacarídeo: contém apenas um tipo de monossacarídeo na sua cadeia.
Alguns homopolissacarídeos servem como formas de armazenamento de
monossacarídeos. O amido (vegetal) e o glicogênio (animal) são
homopolissacarídeos desse tipo e são utilizados como fontes de energia. Outros
homopolissacarídeos servem como elementos estruturais na parede celular de
plantas e no exoesqueleto de animais. A celulose e a quitina são exemplos desses
heteropolissacarídeos.

Amido: Grande parte das células vegetais é capaz de sintetizar amido (homopolissacarídeo
de reserva das plantas), porém esse polissacarídeo é especialmente abundante em
tubérculos e sementes. O amido consiste em dois tipos de cadeia de glicose: a amilose e a
amilopectina. A amilose consiste em uma cadeia não ramificada de resíduos de D-glicose
ligadas por ligações α1→4. Essas cadeia variam em peso de alguns milhares a mais de um
milhão. A amilopectina também tem alto peso molecular (até 100 milhões). Ao contrário da
amilose, a amilopectina é altamente ramificada. As ligações glicosídicas que unem as
moléculas de glicose na cadeia da amilopectina são do tipo α1→4 e, nos pontos de
ramificação, são do tipo α1→6 (Figura 7).

α1→4

α1→6

α1→4

Figura 7: Amilose (linear) e amilopectina (ramificada), os polissacarídeos do amido (modificado:


khanacademy.org)

Glicogênio: é o principal homopolissacarídeo de reserva em células animais. Assim como a


amilopectina, o glicogênio apresenta uma cadeia ramificada, onde ss ligações glicosídicas

19
que unem as moléculas de glicose são do tipo α1→4 e, nos pontos de ramificação, são do
tipo α1→6 porém, o glicogênio é mais ramificado e mais compacto que o amido. É
encontrado abundantemente no fígado, onde pode constituir até 7% do peso úmido e, no
músculo esquelético.

Celulose: Alguns polissacarídeos apresentam papel estrutural, dentre eles, destaca-se a


celulose. A celulose é uma substância fibrosa, resistente e insolúvel em água. è encontrada
na parede celular das plantas, principalmente, no caule e troncos. A celulose constitui
grande parte da massa da madeira , o algodão é quase puramente celulose. A celulose é um
homopolissacarídeo de cadeia linear (não ramificado), consistindo de 10000 a 15000
unidades de glicose. Enquanto na amilose, amilopectina e glicogênio, os resíduos de glicose
estão na configuração α, na celulose, esses resíduos encontram-se na configuração β. Os
resíduos de glicose na celulose estão ligados por ligações glicosídicas do tipo β1→4. Essa
diferença confere a celulose propriedades estruturais e físicas bem diferente do amido e do
glicogênio. O amido e o glicogênio são consumidos na dieta e sofrem ação de enzimas
salivares e intestinais que hidrolisam as ligações glicosídicas α1→4 entre as unidades de
glicose. Em contrapartida, muitos animais não conseguem utilizar a celulose como fonte de
energia, pois lhes falta a enzima que é capaz de hidrolisar as ligações β1→4.

Quitina: Outro homopolissacarídeo com papel estrutural. A quitina é o principal


componente do exoesqueleto de artrópodes, como insetos e crustáceos. estruturalmente, a
quitina parece com a celulose, mas é composta de unidades modificadas de glicose que
contém um grupo funcional com nitrogênio.

Fibras de celulose

Figura 8: Celulose e quitina são homopolissacarídeos estruturais (modificado de: khanacademy.org


e LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição,
2014).

• Heteropolissacarídeos: contém dois ou mais diferentes tipos de monossacarídeos na


sua cadeia. Atuam dando suporte extracelular para os organismos. Em tecidos
animais, por exemplo, o espaço extracelular é formado por vários tipos de

20
heteropolissacarídeos, que formam uma matriz, responsável pelo suporte, forma e
proteção de células, tecidos e orgãos. Os principais exemplos de hetroplissacarídeos
são os peptideoglicanos e os glicosaminoglicanos.

Peptideoglicanos: São macromoléculas que compões a parede celular de bactérias. São


constituídos de cadeias polissacarídeas e polipeptídicas unidas por ligações cruzadas
covalentes, que formam uma bainha forte que envolve toda a célula, impedindo o inchaço
celular e a lise da célula, devido a entrada osmótica de água. A estrutura polimérica dos
peptideoglicanos é composta de cadeias lineares de N-acetilglucosamina ligada a resíduos
de ácido N-acetilmurâmico (Ligações do tipo: β1→4). A lisoenzima é uma enzima capaz de
hidrolisar as ligações glicosídicas do tipo β1→4 ente N-acetilglucosamina e ácido N-
acetilmurâmico, promovendo assim a morte da bactéria. A lisoenzima está presente na
lágrima, onde atua na defesa a bactérias, impedindo a infecção dos olhos. Já a penicilina e
outros antibióticos relacionados matam as bactérias impedir a síntese de ligações cruzadas
entre as cadeias polissacarídeas e polipeptídicas, tornando a parede celular mais frágil e
incapaz de resistir a lise osmótica.

Algumas algas marinhas apresentam paredes celulares que contém ágar, uma mistura de
heteropolissacarídeos sulfatados feitos de D-galactose e um derivado de L-galactose ligado
a éter entre C-3 e C-6. Os dois principais componentes do ágar são o polímero não
ramificado de agarose (e um componente ramificado, agaropectina. O ágar pode ser
utilizado comercialmente em cápsulas para vitaminas e medicamentos, pois trata-se de um
material inerte que, ao chegar ao estômago, será prontamente dissolvido.

Glicosaminoglicanos: são heteropolissacarídeos da matriz extracelular. Em animais


multicelulares, o espaço extracelular dos tecidos é preenchido por um material semelhante a
um gel, chamado de matriz extracelular. Essa matriz é composta por uma malha de
heteropolissacarídeos e proteínas fibrosas, como o colágeno, a elastina, a fibronectina e a
laminina. Os glicosaminoglicanos são polissacarídeos lineares compostos de resíduos
repetitivos de dissacarídeos. Um dos dois monossacarídeos é sempre N-acetilglicosamina
ou N-acetilgalactosamina e o outro é, na maioria dos casos, um ácido urônico, geralmente
ácido D-glucurônico ou L-idurônico. Em alguns glicosaminoglicanos, um ou mais
grupamentos hidroxilas dos amino açúcares são esterificados com sulfato. A combinação
de grupos sulfato e grupos carboxilato dos resíduos de ácido urônico dão aos
glicosaminoglicanos uma densidade muito alta de carga negativa. Para minimizar as forças
repulsivas entre grupos vizinhos carregados, essas moléculas assumem uma alta viscosidade
e elasticidade, quando em solução. Os padrões específicos de resíduos de açúcar sulfatado e
não sulfatado em glicosaminoglicanos fornecem reconhecimento específico por uma
variedade de ligantes de proteínas que se ligam eletrostaticamente a essas moléculas. O
ácido hialurônico glicosaminoglicano (hialuronato em pH fisiológico) contém resíduos
alternados de ácido D-glucurônico e N-acetilglucosamina. Os hialuronatos formam
soluções claras e altamente viscosasque servem como lubrificantes no fluido sinovial das
articulações.

21
Glicoconjugados:

São compostos formados à partir da ligação covalente de moléculas de açúcares a proteínas ou aos
lipídeos. Atuam nas funções celulares e como mediadores para interações específicas célula-
célula.de organismos multicelulares. Existem duas classes de glicoconjugados formados pela ligação
de açúcares a proteínas: as glicoproteínas e as proteoglicanas.

Glicoproteínas: se formam pela ligação covalente de um ou vários oligossacarídeos a uma proteína.


Encontram-se na face externa da membrana plasmática, na matriz extracelular e no sangue. No
interior das células são encontrados em organelas específicas como o complexo de golgi, grânulos
secretores e lisossomos. Nas glicoproteinas, a ligação covalente entre os açúcares e a cadeia
polipeptídica é a parte central da estrutura. As principais ligações são: (1) ligações N-glicosídicas
entre a N-acetilglicosamina e o aminoácido asparagina (Asn) e; (2) ligações O-glicosídicas entre a N-
acetilgalactosamina e o grupamento hidroxila dos aminoácidos serina (Ser) ou treonina (Thr). Muitas
das proteínas secretadas por células eucarióticas são glicoproteínas, incluindo a maioria das
proteínas do sangue. As imunoglobulinas (anticorpos) e certos hormônios, como o hormônio folículo-
estimulante, hormônio luteinizante e hormônio estimulador da tireóide, são glicoproteínas. Muitas
proteínas do leite, incluindo lactoalbumina e algumas das proteínas secretadas pelo pâncreas (como
a ribonuclease) são glicosiladas, assim como a maioria das proteínas contidas nos lisossomos. Além
disso, as glicoproteínas exercem papel fundamental na adesão celular, um evento crítico para o
crescimento e a diferenciação celular.

Proteoglicanos: são macromoléculas presentes na superfície celular ou na matriz extracelular, onde


uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanas estão ligadas covalentemente a uma proteína de
membrana ou a uma proteína secretada. Os proteoglicanos são os principais componentes do tecido
conjuntivo , onde interagem não covalentemente com outros proteoglicanos, proteínas e
glicosaminoglicanos, fornecendo força e resistência. Essas moléculas atuam como organizadores de
tecidos, influenciam o desenvolvimento de tecidos especializados, medeiam as atividades de vários
fatores de crescimento, e regulam a estruturação das fibrilas de colágeno na matriz extracelular. A
unidade básica de um proteoglicano consiste em um núcleo protéico ligado covalentemente a
glicosaminoglicanos.

Outra classe de glicoconjugados são os glicolipídeos. Consistem de lipídeos de membrana ligados


covalentemente a oligossacarídeos.Os gangliosídeos são um tipo de lipídeo de membrana presentes
em células eucarióticas em que a cabeça (polar), voltada para a superfície da membrana, forma um
complexo com oligossacarídeos e alguns monossacarídeos.

Exercício dirigido:

1. Vários açúcares, como a lactose, existem em duas formas anoméricas. Explique porque a
sacarose não apresenta anômeros.

2. Celulose e glicogênio são homopolissacarídeos formados por glicose com propriedades


físicas bastante distintas. Qual(is) característica(s) estrutural(ais) desses dois polissacarídeos
fundamentas suas diferentes propriedades físicas?

22
3. Os carboidratos apresentam importante função de reserva energética. Em situações de
escassez de nutriente ou intenso gasto energético, plantas e animais são capazes de obter
energia a partir desta reserva energética:

a. Diferencie os carboidratos de reserva encontrados em animais e vegetais.

b. Por que a glicose só pode ser estocada na célula sob a forma de polímeros?

4. A penicilina é um antibiótico natural derivado de um fungo descoberto em 1928 por


Alexander Fleming. Qual o mecanismo de ação deste antibiótico?

5. Conceitue: proteoglicanos, glicoproteínas e glicolipídios. Cite funções importantes


desempenhadas por estas moléculas nos seres humanos.

6. O consumo de carboidratos na dieta é essencial, pois eles representam a principal fonte


de energia para o nosso organismo. Contudo, o consumo excessivo ou deficiente dessa
macromolécula traz consequências deletérias para o indivíduo. Com base nessa afirmações,
pesquise e explique as consequências do consumo excessivo e deficiente de carboidratos.

23
Lipídeos: Estrutura e Funções

I. Introdução:

Os lipídeos biológicos são um grupo de compostos quimicamente diversos, com funções


variadas, que tem em comum o fato de serem insolúveis em água e solúveis em solventes
apolares ou fracamente polares. Os lipídios incluem diversas substâncias como as gorduras,
óleos, ceras, terpenos, esteróides e muitas vitaminas. As gorduras e os óleos são a principal
forma de armazenamento de energia em muitos organismos. Já os fosfolipídeos e os
estérois são lipídeos estruturais importantes que compõem as membranas biológicas. Além
da sua função de armazenamento de energia e sua função estrutural, os lipídeos atuam
também como cofatores de enzimas, transportadores de elétrons, agentes emulsificantes no
trato digestivo, hormônios, mensageiros intracelulares, dentre outros.

Lipídeos de armazenamento:

Os óleos e as gorduras utilizados como forma de armazenamento de energia são derivados


de ácidos graxos. Os ácidos graxos são ácidos carboxílicos com cadeias de hidrocarbonetos
que variam de 4 a 36 átomos de carbono de comprimento (C4 a C36). Em alguns ácidos
graxos, essa cadeia não é ramificada e é totalmente saturada (ausência de duplas ligações);
em outros, a cadeia apresenta uma ou mais duplas ligações (insaturada). A nomenclatura
dos ácidos graxos leva em consideração o tamanho da cadeia e o número de duplas
ligações. Por exemplo, o ácido palmítico é um ácido graxo saturado de 16 átomos de
carbono, cuja nomenclatura é 16:0. Já o ácido oléico, um ácido graxo insaturado de 18
átomos de carbono, com uma dupla ligação, tem nomenclatura 18:1. As posições das
duplas ligações são designadas por um número superescrito depois do símbolo delta ().
Sendo assim, um ácido graxo com 20 átomos de carbono com uma dupla ligação entre C9
e C10 (sendo o C1 o carbono carboxila) e outra entre C12 e C13 é designado 20:2(9,12)
(Tabela 1).

Em relação aos ácidos graxos insaturados, eles podem ainda ser classificados em
monoinsaturado (apenas uma dupla ligação) e polinsaturados (duas ou mais duplas
ligações). É importante ressaltar que as duplas ligações dos ácidos graxos polinsaturados
nunca estão conjugadas (uma ao lado da outra), sendo separadas por pelo menos, um
grupo metileno. A localização da dupla ligação define o tipo de ácido graxo polinsaturado.
Quando a dupla ligação se localiza no terceiro carbono, iniciando-se a contagem pelo lado
ômega, ou seja, a partir da extremidade oposta à carboxila, este é denominado um ácido
graxo polinsaturado ômega-3, já quando a dupla ligação se localiza no sexto carbono, este é
denominado um ácido graxo polinsaturado ômega-6.

Já foi observado que os seres humanos não são capazes de biossintetizar os ácidos graxos
polinsaturados ácido linoleico (18:2, 9,12 ω-6) e ácido α-linolênico (18:3, 9,12,15 ω-3), sendo
portanto considerados ácidos graxos essenciais, devendo ser consumidos na dieta. Após a
ingestão de ácido linoleico e ácido α-linolênico, a enzima -6 dessaturase converte ácido
linoleico em ácido araquidônico (AA) e o ácido α-linolênico em ácido docosaexaenoico

24
(DHA) e ácido eicosapentaenoico (EPA), responsáveis pela produção dos intermediários
lipídicos da inflamação.

Os ácidos graxos essenciais contribuem para a regulação de propriedades das membranas


biológicas como fluidez, permeabilidade e modulação de proteínas ligadas à membrana.
Quando são incorporados aos fosfolipídios das membranas celulares, torna-as mais fluidas.
Além disso, os ácidos graxos essenciais são precursores de mediadores lipídicos envolvidos
na inflamação, migração celular, permeabilidade vascular e vasoconstrição. Esses
mediadores podem ter propriedades pró-inflamatórias, anti-inflamatórias e pró-resolutivos.

Devido as suas funções e pelo fato de não serem produzidos endogenamente, é


fundamental a ingestão dietética dos ácidos graxos essenciais contudo, devemos enfatizar
que a relação de ingestão ω 6:ω 3 é o fator determinante para a síntese e a ação desses
mediadores. Ao longo das últimas três décadas, o consumo de dietas com proporção de
ω6:ω 3 passou de 1:1 para 20:1. Infelizmente, a dieta ocidental tende a ser deficiente em ω-3
e, as últimas recomendações são de uma relação 1:4. Altas proporções de ω6:ω3 promovem
a inflamação e a ocorrência de muitas doenças, incluindo doenças cardiovasculares, câncer
e doenças autoimunes. O EPA e o DHA podem ser obtidos exclusivamente de alimentos
de origem animal, sendo os frutos do mar a principal fonte alimentar destes ácidos graxos.
Por sua vez, o ALA é encontrado em fontes vegetais, como óleo e as sementes de chia e
linhaça. O ALA, é essencial para o crescimento e o desenvolvimento normais e pode
desempenhar um papel importante na prevenção e tratamento da doença arterial
coronariana, hipertensão, diabetes, artrite e outras doenças inflamatórias e imunes.

Nos ácidos graxos de ocorrência natural, as duplas ligações encontram-se na configuração


cis. Os ácidos graxos trans são produzidos pela fermentação no rúmen de animais leiteiros
e obtidos de laticínios e carnes. Além disso, são produzidos pela hidrogenação de óleos de
peixe e óleo vegetais. O consumo de dietas ricas em gorduras trans correlaciona-se com o
aumento dos níveis séricos de LDL (colesterol ruim) e diminuição do HDL (colesterol
bom). Normalmente, é recomendado evitar o consumo de grande quantidade desses ácidos
graxos porém, infelizmente, alimentos muito consumidos pela população em geral, como
batatas fritas, biscoitos, dentre outros, tendem a ser ricos nesses ácidos graxos.

As propriedades físicas dos ácidos graxos e dos compostos os quais eles fazem parte são
determinadas pelo tamanho e o grau de insaturação da cadeia de hidrocarbonetos. Quanto
maior o tamanho da cadeia e menor a quantidade de duplas ligações, menor é a
solubilidade em água. O ponto de fusão dos ácidos graxos também é influenciado pelo
comprimento e o grau de insaturação da cadeia. À temperatura ambiente, os ácidos graxos
saturados (16 a 24 átomos de carbono) apresentam uma consistência cerosa, enquanto os
ácidos graxos insaturados de mesmo tamanho são líquidos a temperatura ambiente. Essa
diferença nos pontos de fusão se deve aos diferentes graus de empacotamento das
moléculas de ácido graxo (Figura 1).

25
Tabela 1: Ácidos graxos de ocorrência natural: estrutura, propriedades e nomenclatura

Figura 1: Empacotamento dos ácidos graxos em agregados estáveis. A extensão do


empacotamento depende do grau de saturação. (modificado de LEHNINGER, T. M.,
NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Em animais vertebrados, os ácidos graxos livres (gorduras não esterificadas que apresentam
o grupamento carboxil livre) circulam no sangue ligados de forma não covalente a uma
proteína, a albumina sérica. Contudo, no sangue, os ácidos graxos se apresentam como
derivados dos ácidos carboxílicos, ésteres ou amidas. Na ausência desse grupamento
carboxil carregado, esses ácidos graxos são ainda menos solúveis em água do que os ácidos
graxos livres.

26
Triacilgliceróis: Também chamados de triglicerídeos, são compostos de três ácidos graxos,
cada um deles ligados em uma ligação éster com um único glicerol (Figura 2).

Figura 2: Glicerol e um triacilglicerol (modificado de LEHNINGER, T. M., NELSON, D.


L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Quando os triacilgliceróis são formados pelo mesmo tipo de ácido graxo, são chamados de
triacilgliceróis simples. A maioria dos triacilgliceróis de ocorrência natural são misturados,
contém dois ou mais ácidos graxos diferentes. Os triacilgliceróis são moléculas apolares,
hidrofóbicas e insolúveis em água. Tais características se devem ao fato das hidroxilas
polares do glicerol estarem ligadas ao grupamento carboxil dos ácidos graxos através de
ligações do tipo éster.

Em muitas células eucarióticas, os triacilgliceróis formam uma fase separada observada


microscopicamente, uma gota de gordura presente no citosol (meio aquoso), servindo
como depósito de energia. Em vertebrados, células especializadas chamadas adipócitos
estocam grandes quantidades de triacilgliceróis, sob a forma de gotículas ou uma grande
gota de gordura (Figura 3).

Figura 3: Fotomicrografia do tecido adiposo epididimal de camundongos. Coloração


hematoxilina-eosina (HE). (Fonte: o autor)

27
Os triacilgliceróis também são armazenados na forma de óleos nas sementes de vários tipos
de plantas, onde fornecem energia e são precursores biossintéticos no processo de
germinação. Os adipócitos e as sementes em germinação possuem enzimas capazes de
hidrolisar os triacilgliceróis, liberando ácidos graxos que serão transportados para locais
onde serão utilizados como combustível. Do ponto de vista energético, existem duas
vantagens em se estocar triacilgliceróis, quando comparados a polissacarídeos como o
glicogênio e o amido. Primeiro, a oxidação dos ácidos graxos rende mais de duas vezes
energia (1 g = 9 Kcal), quando comparado a oxidação de carboidratos (1 g = 4 Kcal).
Segundo, os triacilgliceróis são hidrofóbicos, portanto não hidratados, sendo assim, o
organismo que estoca gordura não precisa carregar o peso extra da água de hidratação
associada aos polissacarídeos (2 g por grama de polissacarídeo). Em humanos, o tecido
adiposo (composto por adipócitos) é o órgão/tecido armazenador de triacilgliceróis e é
distribuído sob a pele (tecido adiposo subcutâneo), cavidade abdominal (tecido adiposo
visceral) e na mama.

Em alguns animais, o triacilglicerol estocado sob a pele serve também de isolante térmico,
além de servir como estoque de energia. Focas, pinguins e outros animais polares de sangue
quente tem uma reserva importante de tecido adiposo sob a pele. Em animais hibernantes
como o urso, esses depósitos de tecido adiposo servem para os dois propósitos, isolamento
térmico e fonte de energia.

Os triacilgliceróis encontrados nos óleos vegetais, nos laticínios e nas carnes são fontes
alimentares de lipídeos. Esses alimentos contém uma variedade de ácidos graxos que
diferem no tamanho da cadeia e no grau de insaturação (Figura 4). Os óleos vegetais (óleo
de milho e o óleo de oliva, por exemplo) são compostos de ácidos graxos de cadeia
insaturada e são líquidos a temperatura ambiente. Industrialmente, esses óleos podem ser
convertidos a forma sólida, através da hidrogenação catalítica, a qual transforma algumas
das duplas ligações em ligações simples e converte outras a duplas ligações trans. Os
triacilgliceróis que contém apenas ácidos graxos saturados são os principais componentes
da gordura da carne e se apresentam como sólidos brancos à temperatura ambiente.
Quando alimentos ricos em lipídeos ficam por muito tempo expostos ao oxigênio
atmosférico, eles podem estragar e ficar rançosos, apresentando gosto e cheiro
desagradáveis. O ranço é resultado da clivagem oxidativa das duplas ligações dos ácidos
graxos insaturados, produzindo aldeídos e ácidos carboxílicos de menor comprimento e,
portanto, mais voláteis.

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Figura 4: Composição de ácidos graxos no óleo de oliva, na manteiga e na carne
(modificado de LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de
Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

• Necessidades de lipídeos:

As células podem obter combustíveis de ácidos graxos de três fontes: os lipídeos consumidos
na dieta, os lipídeos armazenados nas células como gotículas de gordura e pela síntese de
lipídeos em um órgão para exportação para outro. Algumas espécies usam todas as três fontes
sob várias circunstâncias, outros usam um ou dois. Os vertebrados, por exemplo, obtém
gorduras na dieta, mobilizam as gorduras armazenadas no tecido adiposo (em células chamadas
adipócitos) e, no fígado, convertem o excesso carboidratos dietéticos em gorduras para
exportação para outros tecidos. Em média, 40% ou mais da necessidade diária de energia de
humanos, em países altamente industrializados, é fornecido por triacilgliceróis dietéticos
(embora a maioria das diretrizes nutricionais não recomendam mais do que 30% da ingestão
calórica diária proveniente de gorduras). Os triacilgliceróis fornecem mais da metade das
necessidades de energia de alguns órgãos, particularmente o fígado, coração e músculo
esquelético em repouso. As principais fontes de lipídeos da dieta são:

#Manteiga, carnes, queijos, creme de leite #Azeite de oliva;

#Óleo de palma; #Òleo de canola;

#Óleo de coco; #Óleo de soja, girassol , linhaça e milho;

#Oleaginosas; #Peixes marinhos de regiões geladas e


profundas.

29
Absorção de lipídeos da dieta:

Os lipídeos provenientes da alimentação são absorvidos e empacotados nos quilimícrons. A


maior parte do conteúdo desses quilomícrons são triacilgliceróis que são liberados para os
tecidos adiposo e muscular, através da ação da lipoproteína lipase durante o transporte através
dos capilares. À partir daí, os quilomícrons remanescentes depletados de triacilgliceróis, mas
ainda contendo colesterol e apolipoproteínas são captados pelo fígado, onde são absorvidos por
endocitose mediada por receptores para suas apolipoproteínas. Os triacilgliceróis que ainda
restam entram no fígado por esta via para ser oxidados e fornecer energia ou para fornecer
precursores para a síntese de corpos cetônicos. Quando a dieta contém mais ácidos graxos do
que o necessário, o fígado empacota os triacilgliceróis, com apolipoproteínas em VLDL
(lipoproteína de muito baixa densidade). As VLDLs são transportadas no sangue para tecidos
adiposos, onde os triacilgliceróis são removidos e armazenados em gotículas de lipídios dentro
dos adipócitos. A extração dos triacilgliceróis das VLDLs converte gradualmente parte delas a
LDL (lipoproteínas de baixa densidade), que transportam o colesterol para os tecidos extra-
hepáticos ou de volta para o fígado. Quando em excesso nos tecidos extra-hepáticos, o
colesterol é transportado de volta ao fígado como HDL (lipoproteína de alta densidade), onde
parte do colesterol é utilizado na síntese de sais biliares.

Lipídeos estruturais:

As membranas biológicas são formadas por uma bicamada lipídica, que atua como uma
barreira à passagem de moléculas polares e íons. Os lipídeos que compõem essas
membranas tem caráter anfipático, apresentam uma extremidade da molécula hidrofóbica,
e a outra extremidade hidrofílica. Aqui, descreveremos 3 tipos gerais de lipídeos de
membrana: glicerofosfolipídeos, esfingolipídeos e esteróis.

Em relação a sua estrutura, as porções hidrofílicas desses lipídeos anfipáticos podem ser
desde um grupamento OH até outros mais complexos. Em glicerofosfolipídeos, por
exemplo, a cabeça polar (hidrofílica) é unida a porção hidrofóbica por uma ligação
fosfodiéster, formando os fosfolipídeos. Outros esfingolipídeos não apresentam fosfato,
mas tem açúcar simples ou oligossacarídeos em suas extremidades polares, formando
glicolipídeos. No grupo dos lipídeos de membrana existe uma enorme variedade de
30
combinações de caudas apolares e cabeças polares. O arranjo desses lipídeos nas
membranas e suas funções estruturais e funcionais será visto na aula de membranas.

Glicerofosfolipídeos: ou fosfoglicerídeos, são lipídeos de membrana, onde dois ácidos


graxos estão ligados através de uma ligação éster ao primeiro e segundo carbono do glicerol
e um grupo altamente polar está ligado através de uma ligação fosfodiéster ao terceiro
carbono (Figura 5). A nomenclatura dos fosfolipídeos é derivada do composto original.
Fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina tem, respectivamente, colina e etanolamina em seus
grupos polares. Em todos esses compostos, o grupo principal é unido ao glicerol por meio
de uma ligação fosfodiéster, na qual o grupo fosfato carrega uma carga negativa em pH
neutro. O álcool polar pode ser carregado negativamente (como no fosfatidilinositol 4,5-
bifosfato), neutro (fosfatidilserina) ou positivamente carregada (fosfatidilcolina,
fosfatidiletanolamina). Essas cargas contribuem para as propriedades de superfície das
membranas.

Figura 5: Estrutura geral dos glicerofosfolipídeos (modificado de LEHNINGER, T. M.,


NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Esfingolipídeos: são uma classe de lipídeos de membrana que apresentam uma cabeça polar
e duas caudas apolares. Diferente dos glicerofosfolipídeos, os esfingolipídeos não contem
glicerol. São compostos de uma molécula do aminoálcool de cadeia longa esfingosina ou de
um de seus derivados, uma molécula de ácido graxo de cadeia longa e um grupamento
polar (cabeça) que está ligado por meio de uma ligação glicosídica em alguns casos ou por
uma ligação fosfodiéster, em outros (Figura 6).

Figura 6: Estrutura geral dos esfingolipídeos (modificado de LEHNINGER, T. M.,


NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Os carbonos 1, 2 e 3 da molécula de esfingosina são estruturalmente análogos aos três


carbonos do glicerol. dos glicerofosfolipídios. Quando um ácido graxo é ligado a amida -
NH2 -no carbono 2, o composto resultante é uma ceramida, a qual é estruturalmente
semelhante a um diacilglicerol. A Ceramida é a estrutura padrão de todos os

31
esfingolipídeos. Existem três subclasses de esfingolipídios derivados de ceramida, porém
apresentam diferenças em seus grupos polares (cabeça), são eles: esfingomielinas,
glicolipídeos neutros (sem carga) e gangliosídeos.

As esfingomielinas contêm fosfocolina ou fosfoetanolamina como seu grupo polar (cabeça)


e, por isso, são classificados junto com os glicerofosfolipídios, como fosfolipídios. As
esfingomielinas assemelham-se a fosfatidilcolinas em suas propriedades gerais e estrutura
tridimensional, e por não ter carga líquida em seus grupos de cabeça. Elas estão presentes
nas membranas plasmáticas de células de animais e são especialmente abundantes na
bainha de mielina, uma membrana que envolve e isola os axônios de alguns neurônios.

Os glicosfingolipídios estão presentes, principalmente, na face externa das membranas


plasmáticas. Apresentam grupos polares com um ou mais açúcares conectados diretamente
a OH no carbono 1 da ceramida e não contêm fosfato. Os cerebrosídeos têm um único
açúcar ligado à ceramida. Os que apresentam como açúcar a galactose são característicos
das membranas plasmáticas das células do tecido neural, e aqueles com glicose, nas
membranas plasmáticas das células em tecidos não neurais. Os globosídeos são
glicoesfingolipídios neutros (sem carga) com dois ou mais açúcares, geralmente D-glucose,
D-galactose ou N-acetil-D-galactosamina. Os cerebrosídeos e os globosídeos, às vezes, são
chamados de glicolípideos neutros, uma vez que não têm carga a pH 7.

Os gangliosídeos são os esfingolipídeos mais complexos. Apresentam oligossacarídeos


como seus grupos polares e um ou mais resíduos de ácido N-acetilneuramínico (Neu5Ac),
um ácido siálico. O ácido siálico dá aos gangliosídeos uma carga negativa em pH 7, o que
os distingue dos globosídeos.

Em humanos, as porções de carboidratos de certos esfingolipídeos definem o grupo


sanguíneo (Figura 8).

Figura 7: Os glicosfingolipídios determinam os grupos sanguíneos em humanos. Os


grupos sanguíneos (O, A, B) são determinados, em parte, pelos oligossacarídeos presentes
nos grupos polares (cabeça) dos glicosfingolipídeos. (Fuc representa o açúcar fucose.)
(modificado de LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de
Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

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Esteróis: são lipídios estruturais presentes nas membranas da maioria das células
eucarióticas. A característica estrutural deste grupo de lipídios da membrana é o núcleo
esteróide, que consiste em quatro anéis unidos, três com seis carbonos e um com cinco
(Figura 8). O núcleo esteróide é quase plano e relativamente rígido; os anéis não permitem
rotação sobre ligações C-C. O Colesterol é o principal esterol nos tecidos animais, trata-se
de uma molécula anfipática, com um grupo (cabeça) polar (o grupo hidroxila em C-3) e um
corpo de hidrocarboneto não polar (o núcleo esteróide e a cadeia lateral de hidrocarboneto
em C-17), seu tamanho é quase tão longo quanto um ácido graxo de 16-carbonos.Outros
esteróis semelhantes ao colesterol são encontrados em eucariontes, como: estigmasterol em
plantas e ergosterol em fungos, por exemplo. As bactérias não podem sintetizar esteróis, no
entanto, algumas espécies podem incorporar esteróis exógenos em suas membranas. Além
de suas funções como constituintes da membrana, os esteróis servem como precursores
para uma variedade de produtos com atividades biológicas específicas, tais como:
hormônios esteróides e ácidos biliares.

Figura 8: Colesterol. (modificado de LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M.


M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014).

Lipídeos biologicamente ativos:

Os triglicerídeos (lipídeos de armazenamento) e os lipídeos estruturais (glicerofosfolipídeos,


esfingolipídeos e esteróis) desempenham, com algumas exceções, um papel passivo na
célula. Como vimos, os triglicerídeos são armazenados até serem oxidados por enzimas e
os lipídeos de membrana formam barreiras impermeáveis ao redor das células e
compartimentos celulares. No entanto, existe um outro grupo de lipídeos, presentes em
quantidades muito menores, que tem funções ativas no tráfego metabólico, atuando como
metabólitos e mensageiros. Alguns atuam como hormônios, sendo transportados pelo
sangue, indo atuar em células-alvo. Certos lipídeos podem atuar como mensageiros
intracelulares, sendo formados à partir da resposta a um hormônio ou fator de crescimento,
por exemplo. Outros lipídeos funcionam como cofatores de enzimas, na transferência de
elétrons nas mitocôndrias. Alguns lipídeos são capazes de capturar a luz no processo de
visão, outros produzem corantes naturais, como o laranja da abóbora e da cenoura. Estes
lipídeos especializados são derivados de lipídeos das membranas plasmáticas ou de
vitaminas lipossolúveis (vitaminas A, D, K e E).

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• Sinais intracelulares derivados de fosfatidilinositol e esfingosina:

O fosfatidilinositol e seus derivados fosforilados atuam regulando a estrutura e o


metabolismo celular. O fosfatidilinositol 4,5-bifosfato presente na face citoplasmática
(interna) da membrana plasmática serve como um sítio de ligação específico para certas
proteínas do citoesqueleto e para algumas proteínas solúveis envolvidas na fusão da
membrana durante a exocitose. Além disso, também serve como fonte de moléculas
mensageiras que são liberadas no interior da célula, em resposta a sinais extracelulares. A
síntese desses mensageiros se inicia com a remoção enzimática do grupo polar (cabeça)
dos fosfolipídeos da face interna da membrana plasmática e termina com a ativação de
uma enzima, a proteína quinase C (PKC). Por exemplo, quando o hormônio
vasopressina (também conhecido como hormônio antidiurético - ADH) se liga à
receptores na membrana plasmática das células epiteliais do ducto coletor renal, uma
fosfolipase específica é ativada (fosfolipase C) e hidrolisa a ligação entre o glicerol e o
fosfato do fosfatidilinositol 4-5 bifosfato, liberando dois produtos: o inositol 1,4,5-
trifosfato (IP3), que é solúvel em água, e o diacilglicerol, que permanece associado a
membrana plasmática. O IP3 induz a liberação de cálcio do retículo endoplasmático. O
aumento do cálcio intracelular e o diacilglicerol levam a ativação da proteína quinase C
(PKC). Esta enzima (PKC) catalisa a transferência de um fosfato do ATP para um ou
mais resíduos de aminoácidos em uma proteína (fosforilação), alterando a atividade
dessas proteínas e, consequentemente, o metabolismo da célula.

Os esfingolipídeos de membrana também são fontes de mensageiros intracelulares.


Ceramida e esfingomielina são reguladores de proteínas quinases. A ceramida e seus
derivados estão envolvidos na regulação da divisão, diferenciação, migração e morte
celular programada (apoptose).

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• Síntese de mediadores lipídicos: metabólitos do ácido araquidônico -
eicosanóides.

Os eicosanóides são mediadores lipídicos derivados do ácido araquidônico, um ácido


graxo polinsaturado (20:4, 5,8,11,14 ω-6). A síntese dos eicosanóides se dá à partir da
ação de hormônios que vão levar a ativação da fosfolipase A, uma enzima que cliva os
fosfolipídeos presentes na face interna da membrana plasmática, levando a liberação do
ácido araquidônico (araquidonato em pH 7). O ácido araquidônico liberado pode ser
oxidado por enzimas cicloxigenases (COX), levando a produção de prostaglandinas e
tromboxanos. Pode ainda sofrer ação das enzimas lipoxigensases (LOX), levando a
produção dos ácidos mono-hidro-peroxi-doeicosatetraenóicos (HPETEs), os ácidos
hidroxi-eicosatetraenóicos (HETEs) e os leucotrienos (LTs).

As prostaglandinas atuam em vários tecidos, regulando a síntese do mensageiro


intracelular 3, 5-AMP cíclico (cAMP). As prostaglandinas afetam uma ampla gama de
funções celulares e teciduais. Algumas prostaglandinas estimulam contração do músculo
liso do útero durante a menstruação e o parto. Outras afetam o fluxo sanguíneo e a
capacidade de resposta de certos tecidos para hormônios como epinefrina e glucagon.
As prostaglandinas também participam da elevação da temperatura corporal
(produzindo febre) e causam dor e inflamação.

Os tromboxanos são produzidos por plaquetas e atuam na formação do coágulo


sanguíneo e na diminuição do fluxo sanguíneo para o local onde está localizado o
coágulo.

Os leucotrienos foram descritos pela primeira vez em leucócitos. Sua ação está
associada a migração dessas células para o foco inflamatório e a contração do músculo
liso, principalmente nos pulmões, podendo causar asma.

Antiinflamatórios não esteroidais (AINEs), como a aspirina e o ibuprofeno, bloqueiam


a formação de prostaglandinas e tromboxanos à partir do araquidonato, através da
inibição da enzima ciclooxigenase.

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• As vitaminas A e D são precursores de hormônios

As vitaminas são compostos essenciais para a saúde de humanos e outros vertebrados. Não
podem ser sintetizadas por esses animais e devem, portanto, ser obtidas na dieta. Os primeiros
estudos nutricionais identificaram duas classes gerais de vitaminas: aquelas solúveis em
solventes orgânicos não polares (lipossolúveis) e aquelas que podem ser extraídas de alimentos
com solventes aquosos (hidrossolúveis). As vitaminas lipossolúveis, foram distribuídas em
quatro grupos: A, D, E e K, todas isoprenóides, ou seja, compostos sintetizados pela
condensação de unidades múltiplas de isopreno. Duas delas, as vitaminas A e D são
precursoras de hormônio. A vitamina D3, também chamada de colecalciferol, é normalmente
formada na pele a partir do 7-desidrocolesterol em uma reação fotoquímica conduzida pelo
componente UV da luz do sol. A vitamina D3 não é biologicamente ativa, mas é convertido
por enzimas no fígado e rim para 1,25-dihidroxicolecalciferol, um hormônio que regula a
absorção de cálcio no intestino e os níveis de cálcio nos rins e nos ossos. A deficiência de
vitamina D leva a defeitos na formação óssea e ao raquitismo. A vitamina D2 (ergocalciferol)
é um produto comercial formado pela irradiação UV do ergosterol do fermento. A vitamina
D2 é estruturalmente semelhante à D3, com uma ligeira modificação na cadeia lateral anexada
ao anel D de esterol. Ambos têm os mesmos efeitos biológicos e D2 é comumente adicionado
ao leite e manteiga como um suplemento alimentar. Assim como os hormônios esteróides, o
produto do metabolismo da vitamina D, 1,25-dihidroxicolecalciferol, regula a expressão do
gênica, ativando, por exemplo, a síntese de uma proteína intestinal de ligação ao Ca+2.

• Hormônios esteroidais

Os hormônios esteróides são sintetizados à partir da oxidação do esterol , porém não


apresentam a cadeia lateral alquil ligado a cadeia D do colesterol, fazendo com que sejam mais
solúveis que o esterol. Os hormônios esteróides são transportados na corrente sanguínea,
ligados a proteínas plasmáticas. No seu local de ação, são capazes de atravessar a membrana
plasmática, entrando na célula e se ligando a receptores intracelulares, desencadeando
mudanças na expressão gênica e no metabolismo. Os principais grupos de hormônios
esteróides são os hormônios sexuais masculino e feminino e os hormônios produzidos pelo
córtex da adrenal, o cortisol e a aldosterona. A prednisona e prednisolona são drogas
esteróides (sintéticas) com atividades antiinflamatórias potentes, mediadas em parte pela
inibição da liberação de araquidonato pela fosfolipaseA2 e, a consequente inibição da síntese
de leucotrienos, prostaglandinas e tromboxanos. Eles têm uma variedade de aplicações
terapêuticas, incluindo o tratamento de asma e artrite reumatóide.

Exercício dirigido:

1. Os pontos de fusão de uma série de lipídeos com 18 átomos de carbono são:

ácido esteárico: 69,6°C;

ácido oléico: 13,4°C;

ácido linoleico: -5°C;

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ácido linolênico: -11°C.

(a) Qual aspecto estrutural desses ácidos graxos de 18 carbonos pode ser correlacionado
com o ponto de fusão?

2. Quanto ao tamanho da cadeia dos ácidos graxos, pesquise o que são ácidos graxos de
cadeia longa, ácidos graxos de cadeia média e ácidos graxos de cadeia curta e explique as
particularidades de cada um.

3. Uma característica estrutural comum dos lipídeos de membrana é sua natureza


anfipática. Por exemplo, na fosfatidilcolina, as duas cadeias de ácidos graxos são
hidrofóbicas e o grupo de cabeça de fosfocolina é hidrofílico. Para cada dos seguintes
lipídios de membrana, nomeie os componentes que servem como unidades hidrofóbicas e
hidrofílicas: (a) fosfatidiletanolamina; (b) esfingomielina; (c) gangliosídeo; (d) colesterol.

4. O que são ácidos graxos essenciais? Exemplifique uma função biologicamente ativa para
esses lipídeos.
5. Explique o papel dos triacilgliceróis, como eles são formados e o principal local de
estocagem deles em vertebrados.

6. Você sabe o que são lipoproteínas? Descreva os tipos e as funções das lipoproteínas no
processo de absorção e transporte de lipídeos.

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