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CLUBE DE REVISTAS

BOMBA
ATÔMICA:
COMO A ARMA
NUCLEAR
LANÇADA
PELOS EUA
INFLUENCIOU
OS RUMOS DA
HISTÓRIA
A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO ED. 378 SETEMBRO DE 2023

FUTURO
INCERTO
COM CREDIBILIDADE
EM JOGO, TWITTER,
FACEBOOK E OUTRAS
PLATAFORMAS PASSAM
POR MOMENTO DE CRISE
E TRANSIÇÃO. E MUITA
COISA PODE MUDAR COM
A REGULAÇÃO DELAS
(INCLUSIVE PARA VOCÊ)
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COMPOSIÇÃO
SETEMBRO DE 2023

03
CAPA
COM MUDANÇAS E
NOVAS REGULAÇÕES,
O QUE SERÁ DAS
REDES SOCIAIS?

“É sempre ou quase sempre errado


trazer um ser à existência”
23 Entrevista com David Benatar

38
SOCIEDADE

EFEITOS DA BOMBA
ATÔMICA FORAM MUITO
ALÉM DA GUERRA FRIA
58
QUER QUE EU DESENHE?
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TECNOLOGIA
TEXTO Caio Delcolli EDIÇÃO Luiza Monteiro ILUSTRAÇÃO Maurício Planel DESIGN Flavia Hashimoto

O QUE SERÁ DAS REDES SOCIAIS?

EM MOMENTO DE
CRISE E TRANSIÇÃO,
PLATAFORMAS
COMO TWITTER E
FACEBOOK ESTÃO COM
A CREDIBILIDADE EM
JOGO — E MUITA COISA
PODE MUDAR COM A
REGULAÇÃO DELAS
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Alguns dias antes de a aquisição do Twitter


por Elon Musk se consolidar, o empresário bi-
lionário de 52 anos anos avançou pelo hall de
entrada do prédio em que se encontra a sede
da rede social, na cidade de São Francisco, nos
Estados Unidos, carregando nos braços uma pia
branca. A cena pode parecer estapafúrdia, mas
fazia uma baita provocação. Na língua inglesa,
a expressão let that sink in, em tradução lite-
ral para o português, significa “deixe aquela pia
entrar” ou “deixe aquilo afundar”. Em tradução
livre para o nosso idioma, “assimile isso” seria
uma expressão equivalente.

Ao carregar a pia, em outubro de 2022, Musk


parecia brincar com a dificuldade que muitas
pessoas — além dos acionistas e diretores que
se opuseram à compra — devem ter tido de ab-
sorver que ele, dono de uma fortuna estimada
em US$ 192 bilhões (R$ 956 bilhões), havia se
tornado proprietário também da plataforma
usada por 541 milhões de pessoas — um grupo
do qual você talvez faça parte. Dono de uma
imagem pública um tanto excêntrica — e na-
poleônica —, o empresário postou em sua pró-
pria página no Twitter um vídeo que registra a
cena com a pia.
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O episódio levantou a dúvida: qual será o futuro da rede social? Pois


desde que Musk a comprou, a plataforma tem se transformado bas-
tante (veja o quadro na página 8). Até de nome ela já mudou — a
marca agora se chama X, e o logotipo é a mesma letra na cor preta.
Adeus, pássaro azul que por tantos anos foi sinônimo do Twitter.

E as alterações não ficaram só nas aparências: após a aquisição, o


discurso de ódio cresceu na rede, de acordo com o Center for Cou-
ntering Digital Hate e a Anti-Defamation League, entre outras en-
tidades que fazem levantamentos a partir de redes online. Insultos
de cunho racista contra afro-americanos subiram de uma média di-
ária de 1.282 para 3.876. Os ataques homofóbicos, contra homens
gays, por sua vez, aumentaram de 2.506 para 3.964. Já os antisse-
mitas, dirigidos tanto a judeus quanto ao judaísmo, subiram 61%.

Em paralelo, o valor de mercado do Twitter (ou X) tem caído. Em


abril, Musk afirmou que “todos ou quase todos” os anunciantes
voltaram ou disseram que voltariam a trabalhar com a platafor-
ma após a instabilidade inicial da aquisição — mas as coisas não
iam tão bem assim. A receita de origem publicitária do início da-
quele mês até a primeira semana de maio foi de US$ 88 milhões.
Trata-se de um valor 59% menor que o do mesmo período do ano
anterior, segundo dados internos do Twitter publicados pelo jor-
nal The New York Times.

Os funcionários acreditam que a queda pode decorrer do aumento


do discurso de ódio e do conteúdo de sexo explícito. Em junho, a
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plataforma foi avaliada pela consultoria de investimento Fidelity


em um terço do valor pago por Musk na compra, que foi de US$ 44
bilhões (aproximadamente R$ 220 bilhões). E, ao que parece, as
coisas não andam ruins só para a ex-rede do pássaro azul.

CRISE GERAL
Isso tudo acontece em um momento de hemorragia financeira
para as Big Techs do Vale do Silício, como é chamada a região da
Califórnia berço das inovações em tecnologia. Em janeiro deste
ano, Google, Meta — que detém Facebook, Instagram, WhatsApp
e a recém-lançada Threads —, Amazon, Twitter e Microsoft soma-
vam, juntas, mais de 50 mil demissões nos três meses anteriores,
segundo a agência de notícias Reuters. Isso se deve a uma queda
na quantidade de vendas após a pandemia de covid-19 ter se ate-
nuado e ao fato de uma recessão estar à espreita nos EUA.

Só o Twitter demitiu 80% dos funcionários desde o início da nova


gestão. Outra mudança implementada foi a extinção do departa-
mento de comunicação da rede no Brasil — a GALILEU, portanto,
não teve a quem solicitar uma nota de posicionamento. Jornalistas
de outros países têm recebido da rede social, por e-mail, o emoji
de fezes quando pedem informações.

Mas até mesmo novas plataformas têm dificuldade de engajar. No


último dia 5 de julho, a Meta lançou Threads, rede social criada
para rivalizar diretamente com o Twitter. Em menos de uma sema-
na, ela chegou a 100 milhões de usuários, muitos deles eufóricos
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com a possibilidade de sair da rede de Musk. Mas, em aproxima-


damente duas semanas, o engajamento caiu 70% em comparação
com o pico visto em 7 de julho, conforme detectou a empresa Sen-
sor Tower, de acordo com o jornal The Wall Street Journal.

A verdade é que, apesar da proposta ser publicar textos curtos, a


plataforma tem diversas limitações em comparação a sua rival —
como ausência de trending topics, uso de hashtags e busca por pa-
lavras-chave. Além disso, começaram a circular denúncias acerca
da política de proteção de dados da Threads, que coletaria infor-
mações sensíveis dos usuários. Inclusive, o app não foi aprovado
na União Europeia por ferir a Lei dos Mercados Digitais de lá.
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ADEUS, TWITTER Diante desse cenário, você pode perguntar:


Veja algumas das princi-
pais mudanças na rede como usaremos as redes sociais daqui para a
social após a aquisição frente? “A gente não sabe se o atual momen-
por Elon Musk
to é um divisor de águas”, diz o jornalista Max
Fisher, autor do livro A Máquina do Caos: Como
O selinho azul dos perfis as Redes Sociais Reprogramaram Nossa Men-
verificados tornou-se
pago por assinatura. te e Nosso Mundo, lançado originalmente em
2022 e em março deste ano no Brasil, pela edi-
Os tuítes das contas tora Todavia. “Mas, pelo menos nos EUA, ago-
pagas podem chegar a ra as pessoas veem as redes e o Vale do Silício
ter 25 mil caracteres
— enquanto os das não como de direita. E o alcance do Twitter, em es-
pagas não podem passar
do limite tradicional
pecial entre os jovens, tem caído bastante.”
de 280 — e podem ser
editados até 30 minutos
depois da publicação. Fisher se refere ao impacto da chegada do Tik-
Tok ao país, em 2017. Desde que a plataforma
Os números de chinesa se instalou em solo norte-americano,
visualizações e vezes as outras têm enfrentado quedas significativas
em que as postagens
são salvas agora de audiência. Um levantamento da Cloudflare,
são exibidos.
provedora de tecnologia da informação, mostra
que, em janeiro deste ano, o Twitter estava em
O limite de membros
em grupos no Twitter
32º lugar no ranking de sites mais acessados.
aumentou de 50 para Em junho, havia caído dez posições. A restrição
100 participantes.
no acesso às postagens, uma das mudanças im-
plementadas por Musk, também pode ter cola-
A plataforma vai se
chamar “X” e já mudou borado com a queda.
o logotipo.
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O TikTok e o YouTube, por outro lado, vêm crescendo. A quantidade


de usuários ativos por mês na rede social chinesa tem aumentado
sem parar desde 2018, hoje estando na faixa projetada dos 100
milhões. O YouTube, por sua vez, tem crescido praticamente sem
interrupções há dez anos e hoje está perto dos 250 milhões. Os
dados são da empresa de pesquisa de mercado Insider Intelligence
e foram publicados pela revista The Economist em março.

A população entre 18 e 24 anos passa até 60 minutos por dia no


TikTok e aproximadamente meia hora no Instagram e no Snapchat
— e menos de 20 minutos no Facebook. Já a faixa etária de 25 a
34 anos tem usado o Facebook cada vez menos desde 2019: hoje,
esse grupo se conecta à rede por até menos de 20 minutos diários.
Já no que se refere ao Instagram e ao TikTok, os índices ficam em
uma parcela entre 40 e 20 minutos por dia. “Isso é um lembrete
de que, mesmo que o Twitter pareça ser importante para mim e
outros jornalistas, porque nós o usamos bastante, são o TikTok e o
YouTube que estão dominando tudo”, diz Fisher.

EFEITOS NEFASTOS
Outra decisão autoritária de Musk foi encerrar as APIs (sigla em in-
glês para “interface de programação de aplicações”) gratuitas do
Twitter. Isso impede que usuários façam login na plataforma por
meio de aplicativos de terceiros, como Post News e Flipboard. Na
prática, a rede está forçando essas empresas a se tornarem clien-
tes se quiserem continuar integradas à plataforma. Ela tem afeta-
do muitos desenvolvedores, pesquisadores acadêmicos e quaisquer
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outras entidades ou pessoas que precisem le-


vantar dados para fazer análises. Agora, todos
têm que pagar para ter acesso a eles.

Segundo Karina Santos, coordenadora de mídia


e democracia do Instituto de Tecnologia e Socie-
dade (ITS Rio), no Rio de Janeiro, as APIs foram
importantes para que as duas últimas eleições
no Brasil acontecessem com integridade. O ITS
Rio participou do comitê de desinformação do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o Minis-
tério Público Federal e as próprias plataformas
para monitorar a atuação de robôs, os bots, que
disseminam mentiras e ataques e prejudicam o
debate público ao inflar, com as contas automa-
tizadas, hashtags. “Todas as pesquisas que ana-
lisam o papel das redes sociais no debate públi-
co e na democracia estão ameaçadas por causa
dessas mudanças no Twitter”, afirma Santos. “A
transparência dos dados está sendo reduzida.”

“As redes sociais foram


criadas para agir como drogas
psicoativas e você passar o
maior tempo possível nelas”
Max Fisher, jornalista e autor de A Máquina do Caos (Todavia, 2023)
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Para todos os efeitos, o Twitter não é mais a mesma “praça pública”


de antes. Hoje, ele passa longe de corroborar uma interpretação
recorrente que tínhamos sobre as redes sociais aproximadamente
uma década atrás. Você se lembra que muitos acreditavam nelas
como plataformas democratizantes, pois dão espaço a pessoas de
quaisquer segmentos da sociedade para se expressar? Nos últi-
mos anos, pessoas negras e LGBTQIA+, por exemplo, tiveram seu
alcance ampliado graças às redes digitais. O Facebook foi uma fer-
ramenta fundamental para a organização dos protestos da Prima-
vera Árabe em 2010, do movimento Occupy Wall Street no ano
seguinte e, em 2013, das Jornadas de Junho no Brasil.

Agora, porém, esse espírito alvissareiro desapareceu. Os grandes


protestos mobilizados nelas são os antidemocráticos, como os de
8 de janeiro de 2023 no Brasil e os 6 de janeiro de 2021 nos EUA.
Muito se fala ainda do efeito nefasto dessas plataformas sobre a
saúde mental dos usuários, do vício que elas causam, dos anúncios
excessivos, da cultura de uso organizada em torno de um ideal de
“eu” e “nós” versus “eles”, em brigas por causa de política e por aí vai.

Max Fisher lembra que, desde o início, as redes foram projetadas


para isso. “Elas foram criadas para agir como drogas psicoativas e
você passar o maior tempo possível nelas. O modelo seguido foi o
de máquinas caça-níqueis, por isso as plataformas têm tantas lu-
zes coloridas, o celular vibra com as notificações e usá-las te dá a
sensação de estar ganhando, assim como nos sentimos depois de
ingerir bastante açúcar ou álcool”, explica.
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Vale dizer que os picos de dopamina causados por curtidas não são
altos como aqueles causados pelo consumo de cocaína, cigarro ou
cafeína, por exemplo. Mas, no frigir dos ovos, todo esse processo de-
sencadeia reações químicas em nosso cérebro que satisfazem nossa
necessidade básica pela aprovação da comunidade em que estamos
inseridos. Estímulo e recompensa são vinculados no melhor estilo
pavloviano — as curtidas impulsionam nosso sistema produtor de
dopamina. É o mesmo processo que fazia os cachorros do fisiolo-
gista russo Ivan Pavlov salivarem quando ouviam os sinos tocarem.
Eles sabiam que seriam recompensados com comida.

TUDO PELO CLIQUE


Mas é claro que as redes não vão te deixar satisfeito por completo,
e por isso continuamos a usá-las. Na mesma década em que acon-
teceram todas aquelas ondas de protestos, essas plataformas se
tornaram ainda mais viciantes e poderosas. “As redes sociais apren-
deram a te fazer sentir raiva e a mostrar a você o ódio, o que é mais
efetivo do que qualquer outra emoção para colar sua atenção a elas.
E, especialmente, aprenderam a te dar a sensação de que você deve
responder a isso tudo dentro da própria plataforma”, diz Fisher.
“Toda vez que você vê uma postagem com ódio a uma minoria, como
imigrantes ou negros, o alcance dela será estendido ao máximo.”

Trata-se de um efeito do sistema de recomendação feito com algo-


ritmos, explica Luciano Antonio Digiampietri, doutor em ciência da
computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
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e professor de análise de redes sociais do curso de Sistemas de


Informação da Universidade de São Paulo (USP). A partir do que
fazemos dentro das plataformas, elas nos trazem mais conteúdos
semelhantes para nos manter engajados, assim gerando dados
que elas comercializam para empresas anunciantes.

É como se estivéssemos trabalhando de graça para Mark Zucker-


berg. “O algoritmo aprende inclusive que você gosta de ‘brigar’ so-
bre alguns assuntos, então ele te mostra o que você gosta e o que
você não gosta para te manter engajado”, detalha Digiampietri.
Parte expressiva da receita das plataformas vem das propagan-
das, e algumas são pagas apenas quando clicadas pelos usuários.
Em suma, sem engajamento — independentemente do conteúdo
da postagem —, sem grana.

Você talvez ainda se lembre do escândalo da Cambridge Analytica,


no qual a consultoria, que hoje não existe mais, utilizou dados de
milhares de usuários do Facebook sem o consentimento deles para
fazer propaganda política. Os dados foram usados pela campanha
do ex-presidente Donald Trump. Em 2021, a crise de credibilidade
da plataforma se aprofundou ainda mais quando Frances Haugen,
ex-funcionária do departamento de combate à desinformação elei-
toral do Facebook, delatou a empresa em entrevistas a jornalistas
e entregou documentos internos ao Congresso americano.

Haugen provou por meio deles que a empresa de Zuckerberg fi-


cou de braços cruzados em relação a picos de discursos de ódio,
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desinformação sobre vacinas e conteúdos que estimulavam a ló-


gica do “nós vs. eles” em países com conflitos armados. Todos es-
ses perigos eram de conhecimento da alta cúpula de executivos
da rede. Mas, a despeito disso, eles escolheram a inércia mesmo
tendo à mão ferramentas que poderiam resolver os problemas.

Segundo os documentos vazados por Haugen, a solução passaria


pela implementação de mudanças nos algoritmos, o que resulta-
ria em menos engajamento e, portanto, lucros com publicidade.
Poucos meses antes, a Organização das Nações Unidas (ONU) ha-
via acusado o Facebook de colaborar diretamente, por meio de
sua tecnologia, com o fomento ao conflito armado em Mianmar,
país ao sul da Ásia antes chamado Birmânia, em que budistas ra-
dicais perseguem minorias de outras doutrinas religiosas, como
os mulçumanos rohingyas.

Não é de causar espanto, portanto, que a lógica do “tudo pelo cli-


que” das redes sociais há anos esteja sendo vinculada a casos de
depressão, ansiedade e sensação de solidão mundo afora. Os jo-
vens têm sido um dos grupos mais afetados. Segundo uma pesqui-
sa de 2017 publicada no periódico American Journal of Preventive
Medicine, entre 2 mil adultos dos EUA na faixa de 19 a 32 anos,
usar as plataformas por mais de duas horas diárias dobrou o risco
de eles terem o sentimento de exclusão alimentado.

O TikTok afirmou a GALILEU que, no Brasil, busca desestigmatizar


a saúde mental com as hashtags #saudemental, #autocuidado e
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#saudedamente, entre outras iniciativas. No


que se refere à desinformação, tem parcerias
com checadores de fatos e, durante as eleições
de 2022, compartilhou vídeos sobre educação
midiática e desenvolveu um guia com informa-
ções de fontes confiáveis.

REGULAR É PRECISO?
Todos os especialistas entrevistados pela GALI-
LEU para esta reportagem concordam em um
ponto: a regulação das redes pode melhorar
essa realidade de danos aos usuários e à pró-
pria sociedade. Max Fisher, autor de A Máquina
do Caos, diz que atualmente há duas escolas de
pensamento que regem os projetos de lei circu-
lando em diferentes países. Uma é praticamen-
te cirúrgica, ele explica, pois defende que as re-
gulações realmente inteligentes devem definir

“O algoritmo aprende inclusive


que você gosta de ‘brigar’ sobre
alguns assuntos, e te mostra o que
você gosta e o que você não gosta
para te manter engajado”
Luciano Antonio Digiampietri, professor de análise de redes sociais na USP
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especificamente o que os algoritmos podem fazer ou não, o tipo


de conteúdo que pode ser promovido e as responsabilidades le-
gais caso as diretrizes sejam desrespeitadas. Dessa maneira, os
interesses financeiros podem ser controlados e alinhados em bem
comum, mesmo que as empresas em si não mudem.

A outra escola de pensamento defende que as plataformas devem


ser tratadas assim como a indústria do cigarro, pois comercializam
um produto que prejudica a saúde e é viciante. A ideia é dificultar
a divulgação dele, reduzindo o número de novos usuários. No Bra-
sil, por exemplo, é comum que empresas de telefonia não cobrem
pelo uso da internet quando ele se dá por meio dos aplicativos
nos celulares — que já tendem a vir com as redes instaladas. Se
uma regulação inspirada na indústria do cigarro fosse aprovada,
isso seria proibido, bem como a publicidade das redes sociais se-
ria objeto de restrições. “Esse modelo tem se mostrado bem-suce-
dido nos EUA, porque hoje menos pessoas morrem de câncer de
pulmão do que antes”, diz Fisher. “Mas o que desanima é ver que
foram necessários 50 anos para chegarmos a isso e a indústria do
cigarro ainda mata bastante gente ano a ano, e não é penalizada.”

Mas há quem defenda que as plataformas de redes não são as úni-


cas responsáveis. “A tecnologia é um produto social, construído a
partir de um determinado arranjo político e econômico. As redes
sociais nasceram no fim dos anos 1990 de uma sociedade capitalis-
ta e neoliberal, com um determinado tipo de relação com o merca-
do publicitário”, analisa Heloísa Massaro, diretora do InternetLab,
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centro independente de pesquisa nas áreas de direito e tecnologia.


Segundo Massaro, a arquitetura das plataformas também pode ser
entendida como agnóstica. Ela não é neutra, pois favorece ou des-
favorece determinados tipos de interações. O conteúdo de comuni-
dades depende das relações dos indivíduos entre si. “A arquitetura
interage com dinâmicas políticas, sociais e econômicas já existen-
tes naquela sociedade.”

Antes das redes, já havia o pânico moral relacionado a, por exem-


plo, o impacto de videogames violentos sobre as crianças ou ideais
de beleza divulgados em propagandas. A regulação dessas plata-
formas, portanto, não irá resolver esses problemas. “O que regu-
lações conseguem fazer é promover discussões sobre os tipos de
conteúdo veiculados, como parâmetros de moderação, o que pode
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mitigar alguns dos riscos. Mas é importante entender isso nesse


contexto mais amplo”, propõe a diretora do InternetLab. Regula-
ções dificilmente conseguiriam mudar os modelos de negócios des-
sa indústria gigantesca, segundo Massaro.

E é importante lembrar que as redes, hoje, têm papel central na


comunicação entre pessoas, e ele é baseado na comercialização
de espaços publicitários a partir das audiências. “A gente precisa
debater como construir um equilíbrio entre a demanda do mo-
delo de negócios e o que é possível mitigar”, defende. “A questão
central aqui é o tipo de espaço online que nós queremos construir
e como o construímos garantindo direitos fundamentais, como a
liberdade de expressão.”

De todo modo, a regulação do mercado das redes é um dos gran-


des assuntos do momento. Mundo afora, notam-se efeitos disso.
Nos EUA, por exemplo, o governador do estado de Utah, o repu-
blicano Spencer Cox, assinou recentemente duas medidas que re-
gulam as redes para menores de 18 anos. Desde março, pelo me-
nos um dos responsáveis deve consentir explicitamente antes de
seus filhos criarem contas nas plataformas. Um toque de recolher,
se não for alterado pelos adultos, bloqueia o acesso das crianças
entre 22h30 e 6h30 da manhã.

O estado da Califórnia aprovou uma lei semelhante no ano pas-


sado e, em 2023, outros projetos circulam pelos parlamentos de
Texas, Ohio, Louisiana, Arkansas e Nova Jersey. A ideia é proteger
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crianças e adolescentes de bullying, discurso de


ódio e quaisquer outros conteúdos que possam
prejudicar a saúde mental de menores de idade.

Algo parecido acontece do outro lado do Atlân-


tico. No fim de agosto, entrou em vigor na União
Europeia um conjunto de leis que impõem às
plataformas, entre outros pontos, mudanças
que as tornem mais seguras para menores de
idade. Isso inclui proibir publicidade baseada
em dados sensíveis — como religião, orienta-
ção sexual e etnia —, dar aos usuários a opção
de não participar de sistemas de recomenda-
ção e submeter os algoritmos a especialistas
que possam avaliar se eles seguem as diretri-
zes da regulação.

“A gente precisa debater


como construir um equilíbrio
entre a demanda do modelo
de negócios e o que é
possível mitigar”
Heloísa Massaro, diretora do InternetLab
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No Brasil, há uma proposta nesse sentido: o projeto de lei (PL)


2630/2020, apelidado de “PL das Fake News”. De autoria do se-
nador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a proposta (veja o que
ela prevê na página 22), se aprovada, instituiria a Lei Brasileira de
Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O re-
lator do projeto é Orlando Silva (PCdoB-SP). Na prática, ele iria,
por exemplo, impedir redes sociais de ser utilizadas por crianças
e adolescentes, em casos de plataformas que não tenham sido
projetadas tendo esses grupos como público. Os serviços teriam
que oferecer um nível elevado de privacidade e proteção de dados
e seriam proibidos de monitorar o comportamento dos usuários
para direcionamento de anúncios.

Já no que se refere a eleições, o impulsionamento pago de pos-


tagens deve tornar públicos todos os anúncios, mencionando o
valor e o tempo de veiculação de cada conteúdo. Os aplicativos
de trocas de mensagem, por sua vez, limitariam a distribuição em
massa de conteúdos e mídias. Se aprovado, o PL se somaria ao
Marco Civil da Internet, implementado em 2014. Procurados pela
reportagem, o TikTok afirmou a GALILEU que não se posicionaria a
respeito do PL, enquanto a Meta não enviou uma nota de posicio-
namento acerca do projeto.

De acordo com Max Fisher, as plataformas, é claro, não querem


ser um mercado regulado. “Mark Zuckerberg é um bom exemplo
da política do Vale do Silício”, observa o jornalista. “Pessoalmente,
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essas pessoas são progressistas de esquerda e acreditam no par-


tido Democrata [dos Estados Unidos], mas os interesses finan-
ceiros delas acabam fazendo com que promovam mais a direita.”
O futuro é incerto, mas já sabemos de algo importante sobre ele
— as plataformas terão, sim, de assumir mais responsabilidades.
Mesmo que a contragosto.

POR TRÁS DO “PL DAS FAKE NEWS”


Entenda o que prevê o projeto de lei 2630/2020

Regras para a publicidade digital; Caso detectem informações que


levantem suspeitas de ocorrência
Implementa diretrizes e de crimes ou ameaça à vida, as
mecanismos de transparência para empresas deverão comunicá-las
redes sociais, ferramentas de busca, às autoridades imediatamente;
como o Google, e serviços de troca
de mensagens, como WhatsApp O governo não poderá investir
e Telegram; recursos públicos para propagandas
em sites e páginas de redes sociais
Remuneração às empresas de que promovam, recomendem ou
jornalismo que veiculam conteúdos direcionem para discursos ilícitos;
nas plataformas;
Páginas de interesse público, como
As redes deverão “atuar a de governantes e ministros não
preventivamente” para coibir poderão bloquear usuários;
“conteúdos potencialmente ilegais”;
Figuras políticas poderão ter mais de
Publicação na internet de relatórios um perfil e indicar qual profissional
semestrais de transparência se responsabiliza pelo mesmo;
em português que detalhem os
procedimentos de moderação de A imunidade parlamentar vai
conteúdo; se estender às redes.
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ENTREVISTA

“É sempre ou
quase sempre
errado trazer
um ser à
existência”

COM David Benatar POR Marília Marasciulo


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Principal expoente moderno do


antinatalismo, filósofo sul-
-africano David Benatar defende
que ter filhos é algo imoral — ideia
que vem ganhando cada vez mais
adeptos mundo afora

O
O último Censo Demográfico brasileiro, com dados
referentes a 2022 e divulgado em junho pelo Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
mostrou uma tendência demográfica no país: queda nas
taxas de fecundidade (filhos por mulher) e de natalidade
(número de nascimentos por habitantes). Em resumo, cada
vez menos pessoas estão nascendo por aqui, acompanhan-
do um cenário que já vinha sendo observado em países do
Hemisfério Norte há décadas.

Ainda é cedo para saber os reais motivos por trás desses


indicadores, mas já há quem se questione se, em um mun-
do de crises econômicas, pandemias, mudanças climáticas,
guerras e armas atômicas, faz sentido trazer novas pessoas
à existência. Para os adeptos do antinatalismo, a resposta
é um categórico “não”. Essa linha de pensamento, que não é
nova e remete a Sófocles, na Grécia Antiga, tem como princi-
pal expoente moderno o filósofo sul-africano David Benatar.
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Autor do livro Better Never to Have Been: The Harm of Co-


ming into Existence (“Melhor nunca ter existido: o mal de vir
à existência”, em livre tradução), publicado em 2006 e sem
edição no Brasil, ele defende a ideia de que o ato de vir a
existir representa por si só um grave dano, e que, portanto,
criar um ser senciente é algo imoral. À primeira vista, o con-
ceito talvez soe estranho, até mesmo antinatural. Mas, se-
gundo Benatar, ele vem sendo cada vez mais reconhecido.

Primeiramente, por pessoas que acreditam que a Covid-19


e, sobretudo, as mudanças climáticas, são sinais inequívocos
de que o mundo está cada vez pior. Depois, por mulheres que
sofrem com a pressão de ter filhos. “Muitas vezes, elas se de-
param com a crítica de que são egoístas por não quererem
engravidar. Agora elas têm um argumento muito bom para
explicar por que não precisam ter filhos, e que na verdade
pode ser errado tê-los. Muitas mulheres me explicaram que
esse é um pensamento reconfortante”, destaca o filósofo.

Na entrevista a seguir — concedida por videochamada com


câmera fechada, já que Benatar não divulga a própria ima-
gem —, ele explica a lógica por trás do pensamento antina-
talista e por que essa visão não necessariamente implica
que o mundo é um lugar só de sofrimento. Ele também fala
sobre como esse conceito vem repercutindo desde o lança-
mento do livro e como se relaciona com temas como direi-
tos reprodutivos e aborto.
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SUA ABORDAGEM DO ANTINATALISMO TEM UMA PERSPECTI-


DAVID
VA MAIS FILOSÓFICA, AO QUESTIONAR O SENTIDO E O FARDO DA BENATAR
VIDA, DO QUE UTILITÁRIA, AO NÃO TRATAR TANTO DE TEMAS COMO é um filósofo e
CRESCIMENTO POPULACIONAL E A QUESTÃO AMBIENTAL. COMO autor sul-africano,
conhecido pelo
VOCÊ DEFINIRIA SUA VISÃO? livro Better Never
to Have Been: The
Existem diferentes maneiras de entender o termo. Harm of Coming
into Existence,
Uma forma muito limitada é simplesmente nos re- publicado em
ferirmos à ideia da redução no número de pessoas 2006 pela Oxford
University Press.
que nascem. Assim, por exemplo, pode-se falar so- Atualmente, é pro-
bre uma política antinatalista na China, onde ten- fessor na Universi-
taram reduzir o número de filhos que as pessoas dade da Cidade do
Cabo, onde leciona
poderiam ter. Não é uma oposição categórica, e Filosofia e dirige o
sim uma redução da fecundidade. Mas, quando eu Centro de Bioética.

e muitas outras pessoas usamos o termo, normal-


mente nos referimos a uma oposição mais genera-
lizada a trazer alguém à existência. A ideia de que
é sempre ou quase sempre errado trazer um ser
senciente ao mundo.

Acho que há muitos argumentos para essa posição.


Concentro-me no que chamo de argumentos filan-
trópicos: aqueles centrados nos interesses do ser
que você traria à existência e no fato de que é um
dano para essa pessoa fazer isso. Logo, é errado se
reproduzir. Mas há também o que chamo de argu-
mentos misantrópicos, que se preocupam com os
CLUBE DE REVISTAS

27

interesses dos outros seres além do ser que você


trará à existência. Alguns argumentos ambientalis-
tas antinatalistas são misantrópicos, porque dizem
que se eu gerar uma criança, ela será agora uma
emissora de carbono e contribuirá para a mudança
climática, que tornará a vida pior para muitas ou-
tras pessoas, por isso eu não deveria ter um filho.

Mas também há argumentos ambientalistas que


são filantrópicos, porque partem do questiona-
mento: se eu criasse essa criança, em que tipo de
mundo ela viveria? Ela não seria prejudicada ao
nascer? Portanto, os diversos argumentos podem
assumir formas diferentes. Às vezes são filantrópi-
cos, às vezes, misantrópicos.

E VOCÊ CONSIDERA O ANTINATALISMO UMA FILOSOFIA EGOÍSTA


OU ALTRUÍSTA?

Não nego que existem pessoas que podem ser


egoístas ao não quererem ter filhos. Não quero ne-
gar que possa haver razões de interesse próprio
para desistir dessa ideia. Mas o interesse próprio é
diferente do egoísmo, ele não necessariamente ig-
nora os interesses de outras pessoas. A motivação
por trás dos argumentos filantrópicos e misantró-
picos não é egoísta. São, na verdade, argumentos
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28

“Na verdade, penso que


o que é egoísta é ter filho,
porque essa criança
não precisa ser posta
à existência”
David Benatar rebate o argumento de que pessoas que não querem
ter filho são egoistas

preocupados com os interesses dos outros, seja o


da criança que você colocaria no mundo, seja dos
outros seres que seriam afetados por isso.

É uma crítica comum dizer às pessoas que não


querem ter filhos que elas estão sendo egoístas,
mas acho que não há base para afirmar isso. Na
verdade, penso que o que é egoísta é ter filho,
porque essa criança não precisa ser posta à exis-
tência. Não há interesses que conduzam um ser
a sua própria existência. Quando você coloca al-
guém no mundo é por motivos pessoais: porque
você quer ter um bebê, quer ser capaz de criar
uma criança ou você quer se livrar da pressão de
seus pais por netos.
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29

E POR QUE VOCÊ ACHA QUE AS PESSOAS AINDA QUEREM TER FI-
LHOS, QUE A PROCRIAÇÃO AINDA É UMA PARTE MUITO IMPORTAN-
TE DA EXISTÊNCIA HUMANA?

São milhões de anos de reforço evolutivo. Existe


um impulso biológico profundo que não se mani-
festa em cada um, mas que é adaptável na pers-
pectiva evolutiva. E é por isso que vemos tantas
pessoas com essa necessidade.

VOCÊ VÊ O MUNDO COMO UM LUGAR DE SOFRIMENTO, PARA ONDE


SERIA PREJUDICIAL TRAZER ALGUÉM. POR QUE PENSA ISSO?

Não acho que haja apenas danos. Uma vez que as


pessoas existem, há certas coisas que podem ser
feitas para beneficiá-las. O que estou negando é a
crença de que você necessariamente beneficia al-
guém ao criá-lo, ou que há algum valor moral em
criá-lo para que, uma vez criada, essa pessoa pos-
sa ser beneficiada. Porque, se ela perdesse esses
benefícios por não ter nascido, ela não teria per-
dido nada. Não se trata de afirmar que, de forma
geral, não há benefício neste mundo, mas em dizer
que não há nenhum benefício em vir à existência.

Acho que, empiricamente, as coisas estão contra


nós e contra todos os seres sencientes. O mundo é
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30

um lugar muito difícil se você pensar em tudo o que


tem que fazer para manter as coisas ruins afasta-
das. Se você apenas parasse e não fizesse nada, fi-
caria com sede, com fome. Você acabaria morrendo
apenas de desnutrição ou desidratação. Você tem
que agir ativamente para manter as coisas ruins sob
controle. Existe uma entropia que você tem de lutar
contra. E por que é assim? Bem, acho que porque o
mundo é apenas indiferente a nós. Nossas vidas são
apenas uma luta contra a entropia. E é uma luta que
eventualmente se perde quando você morre.

QUE TIPO DE REAÇÕES VOCÊ RECEBE A ESSAS OPINIÕES?

Reações muito confusas. Muito do retorno que re-


cebo pessoalmente são de pessoas que simpatizam
com essas ideias, e elas realmente acham bastante
reconfortante saber que essas visões estão sendo
defendidas filosoficamente. Às vezes, essas pessoas
pensam que estavam sozinhas, que eram as únicas
que tinham esse pensamento. Outro tipo de reação
é hostil. Mas as pessoas que costumam expressar
esse tipo de ponto de vista o fazem em fóruns ter-
ceiros. Elas não expressam isso diretamente para
mim, mas vão desabafar sobre isso em um artigo
online ou em qualquer outro lugar.
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31

“Nossas vidas são


apenas uma luta contra a
entropia. E é uma luta que
eventualmente se perde
quando você morre”
Benatar explica sua visão de que o mundo é um lugar de sofrimento

O PRIMEIRO LIVRO QUE VOCÊ PUBLICOU SOBRE O ASSUNTO FOI EM


2006, E MUITA COISA ACONTECEU DESDE ENTÃO, INCLUSIVE UMA
PANDEMIA. O QUE VOCÊ PENSA SOBRE O ESTADO ATUAL DO MUNDO?

Muitas vezes, há uma tentação de pensar que esta-


mos vivendo o pior de todos os tempos, e não acho
que isso seja verdade. O mundo sempre foi muito
ruim. Sob certos pontos de vista, já foi muito pior
do que é agora; sob outros tantos, é pior agora do
que antes. Se olharmos para a pandemia, o mundo
passou por coisas muito piores. Uma vacina foi de-
senvolvida muito rapidamente, ao passo que pesso-
as na Peste [Bubônica] não tiveram esse benefício,
e uma população muito grande morreu. O mundo
hoje é melhor em alguns aspectos e pior em outros.
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32

E VOCÊ ACHA QUE ISSO TORNA AS PESSOAS MAIS ABERTAS À


IDEIA DO ANTINATALISMO?

Acredito que a sensação de que o mundo está pio-


rando torna as pessoas mais abertas a isso. Mas
não tenho certeza se elas estão certas em pensar
que o mundo está piorando. Talvez a motivação
mais convincente para essa crença no momen-
to seja a mudança climática. Há uma sensação de
que isso representa uma ameaça bastante séria. A
existência de armas nucleares é outra motivação.
Nada bom pode resultar disso.

Então, em resumo, acho que você está certa ao di-


zer que a sensação de que o mundo está piorando
torna as pessoas, pelo menos algumas, mais sim-
páticas ao antinatalismo. Mas não tenho certeza
se o mundo está piorando realmente.

QUAIS VOCÊ CONSIDERA QUE SERIAM AS IMPLICAÇÕES SE TODO


MUNDO, DE FATO, PARASSE DE TER FILHOS?

Considerei isso no meu livro de 2006. Na verdade,


luto por essa possibilidade, embora afirme, obvia-
mente, que não vai acontecer de todos desistirem
da procriação porque leram um livro ou foram
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33

convencidos por argumentos. Eu simplesmente


não tenho fé o suficiente na humanidade para que
as pessoas sejam persuadidas a abandonar esse
tipo de impulso biológico profundo.

Não é uma perspectiva real acreditar que os hu-


manos serão extintos porque decidiram que é er-
rado ter filhos. A humanidade acabará por se ex-
tinguir, só não sabemos como será. É possível, por
exemplo, que a última geração sofra uma morte
instantânea. Mas é muito mais provável que essa
extinção ocorra em fases, que é o que normal-
mente acontece com a maioria das espécies. E
isso envolve uma quantidade significativa de difi-
culdades para os seres finais. Não haveria estru-
turas sociais, não haveria assistência médica, não
haveria força policial. Haveria muita insegurança,
problemas de saúde e incapacidade de obter aju-
da. São coisas terríveis.

Isso será uma verdade para a geração final, seja


agora, seja mais tarde. Se for mais tarde, teremos
várias gerações intermediárias de pessoas viven-
do, sofrendo e morrendo. Se você me perguntar
qual das duas trajetórias é a pior, acho que é aque-
la em que a extinção acontece mais tarde.
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34

É MUITO INTERESSANTE PARA UMA MULHER VER UM HOMEM FA-


LANDO SOBRE PROCRIAÇÃO E EXPLICANDO PARA AS PESSOAS
QUE NASCER É IMORAL. TALVEZ PORQUE GRANDE PARTE DA PRES-
SÃO PARA TER FILHOS RECAIA SOBRE AS MULHERES. QUAL É SUA
OPINIÃO SOBRE ISSO?

A primeira coisa a dizer é que eu não tenho estu-


dos científicos profundos para apoiar essa afirma-
ção. Mas parece-me que há, sim, mais pressão so-
bre as mulheres. Por exemplo, uma jovem vai a um
ginecologista e quer ser esterilizada antes de ter
filhos. As mulheres tendem, pelo que li, a enfren-
tar mais resistência do que os homens que querem
fazer vasectomia.

Muitas mulheres jovens me dizem como elas


acham libertadora a ideia antinatalista, porque
elas sentem essa pressão para ter filhos. Muitas
vezes, elas se deparam com a crítica de que são
egoístas por não quererem ser mães. Agora elas
têm um argumento muito bom para explicar por
que não precisam ter filhos, que na verdade pode
ser errado tê-los. E muitas me sugeriram que esse
é um pensamento reconfortante.
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35

Algumas pessoas já me perguntaram: “por que um


homem deveria falar sobre esses assuntos?” E eu
digo que não são apenas as mulheres que são tra-
zidas à existência, os homens também são. É um
problema que afeta todos nós. Além do mais, de
uma forma ou de outra, é preciso duas pessoas
para dançar o tango. São necessárias duas pesso-
as para produzir um bebê em quase todos os tipos
de casos. Acho que isso é, sim, um assunto para
homens e mulheres falarem.

OUTROS ASSUNTOS QUE RECAEM MUITO SOBRE AS MULHERES


SÃO O ABORTO E OS DIREITOS REPRODUTIVOS, QUE DE CERTA
FORMA TÊM RELAÇÃO COM QUESTÕES ANTINATALISTAS. QUAL
SUA OPINIÃO SOBRE ESSES TEMAS?

Antes de tudo, acho que precisamos fazer uma


distinção entre dois tipos de questões morais.
A primeira é: moralmente, as pessoas deveriam
ter bebês? É moralmente permitido ter filhos? E
podemos fazer uma pergunta paralela: é moral-
mente permitido fazer um aborto? Há outra ques-
tão moral que podemos fazer, que é: a lei deveria
dar a você a liberdade de ter filhos? E ainda outra
questão paralela: a lei deveria dar liberdade para
fazer um aborto?
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36

Dado isso, minhas visões são antinatalistas em tor-


no do primeiro questionamento. Ou seja, a questão
sobre a moralidade de fazer e o que moralmente
você deve fazer. E minha opinião é que é imoral
ter filhos. Logo, acho imoral não fazer um abor-
to se você estiver num estágio inicial de gravidez.
Porque, sendo antinatalista, me oponho a trazer
um ser à existência. Então, a questão seguinte é: e
quando o ser entra em existência? Se você combi-
nar minha visão antinatalista com uma visão cen-
trada na senciência, o que vai fazer diferença se
você existe ou não é você ter capacidade de sentir
ou não. Talvez nos últimos estágios da gestação os
fetos sejam sencientes, por isso, a meu ver, eles já
existem. Se você fizer um aborto nesse ponto, não
impedirá que alguém exista. Você o estará tirando
da existência. É por isso que acho que nos primei-
ros estágios da gravidez você é moralmente obri-
gado a fazer um aborto.

“Não acho que a lei deva


exigir que as pessoas
não tenham filhos”
O filósofo pondera sobre questões como o direito ao aborto
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37

Mas tudo isso é diferente do que a lei deveria di-


zer. Nesse aspecto, não sou um antinatalista, por-
que não acho que a lei deva exigir que as pessoas
não tenham filhos. Não acho que a lei deva exi-
gir que as pessoas façam abortos. A lei, até certo
ponto, tem que dar a você o direito de fazer coi-
sas que você não deveria. Por exemplo, o direito
à liberdade de expressão. Algumas coisas que as
pessoas dizem quando têm direito à liberdade de
expressão são coisas que elas realmente não de-
veriam dizer. Coisas indelicadas, más, falsas. No
entanto, não devemos silenciá-las. Assim, há uma
diferença entre o que é moralmente permitido fa-
zer e o que a lei deve permitir que você faça.

QUAL É A MENSAGEM MAIS IMPORTANTE QUE VOCÊ GOSTARIA DE


TRANSMITIR AO MUNDO SOBRE O ANTINATALISMO?

É difícil expressar brevemente, mas suponho que a


única mensagem que eu daria é de que essa ideia
pode parecer louca e estranha quando você ouvi-
-la pela primeira vez, mas não rejeite-a tão rapida-
mente. Leia os argumentos cuidadosamente com a
cabeça tão aberta quanto possível, e você poderá
descobrir que há mais neles do que pensava.
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SOCIEDADE
TEXTO Nathalie Provoste EDIÇÃO Luiza Monteiro DESIGN Flavia Hashimoto

Coluna de fumaça atinge mais de 18


km de altura após bombardeio na
cidade japonesa de Nagasaki, em
1945. (Foto: Getty Images)

ECOS
DA BOMBA ATÔMICA
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AS ARMAS NUCLEARES DETONADAS EM 1945 NÃO FORAM O FIM


DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL OU O INÍCIO DA GUERRA FRIA,
SIMPLESMENTE. O USO BÉLICO DA FISSÃO DO ÁTOMO NOS
IMPACTA ATÉ HOJE – E PARA MUITO ALÉM DA GEOPOLÍTICA

N
Na noite de 30 de dezembro de 1943, num la-
boratório secreto em Los Alamos, no estado do
Novo México (EUA), cientistas se reuniram para
uma celebração: Niels Bohr, ganhador do Prê-
mio Nobel de Física em 1922, estava indo visi-
tá-los. O dinamarquês chegou à festa, fez um
cumprimento geral e prontamente se dirigiu ao
líder científico do local, o físico estadunidense
J. Robert Oppenheimer. “É realmente grande o
bastante?”, Bohr quis saber, de cara. A pergun-
ta, na verdade, poderia ser traduzida assim: a
bomba atômica que vocês estão desenvolvendo
é poderosa o suficiente para tornar guerras fu-
turas inconcebíveis?

Esse momento retratado em Oppenheimer —


filme do diretor Christopher Nolan sobre o físi-
co norte-americano que estreou em julho e ar-
recadou mais de US$ 722 milhões em bilheteria
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40

em apenas um mês — aborda a expectativa que alguns cientistas


tinham em relação às armas nucleares durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Para eles, no melhor dos cenários, as bom-
bas de fissão não só acabariam com o conflito iniciado em 1939
como também poderiam mudar a geopolítica global para melhor.
Por outro lado, elas representavam uma “ameaça perpétua para a
segurança humana”, como o próprio Bohr profetizou em 1944.

De fato, o impacto das armas nucleares sobre a humanidade foi


muito além do jogo político entre potências globais. Os ataques às
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, não
só marcaram o início da Guerra Fria como inauguraram a Era Atômi-
ca, com consequências ecológicas, geopolíticas, culturais, tecnoló-
gicas, sanitárias e psicossociais sentidas até hoje. A história dessas
armas começou em 1938, quando a fissão de urânio foi descoberta
por cientistas na Alemanha. No ano seguinte, Albert Einstein escre-
veu uma carta para o então presidente dos Estados Unidos, Franklin
D. Roosevelt, alertando sobre a possibilidade dos nazistas estarem
desenvolvendo “bombas extremamente poderosas.”

Foi o suficiente para convencer os norte-americanos a financia-


rem pesquisas sobre armas atômicas a partir de 1940. Os Estados
Unidos só declararam sua entrada na Segunda Guerra Mundial em
dezembro de 1941, quando o Japão — que integrava o Eixo com a
Alemanha e a Itália — atacou a base naval de Pearl Harbor, no Ha-
vaí. Menos de um ano depois, o Projeto Manhattan foi oficializado
pelos EUA para desenvolver a bomba atômica.
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41

SENTIMENTOS CONFLITANTES

J. Robert Oppenheimer foi “a escolha mais improvável” para co-


mandar esse programa militar, na visão do historiador e jornalista
Kai Bird. Junto ao também historiador
Martin J. Sherwin, Bird escreveu a bio-
grafia Oppenheimer: Triunfo e Tragédia
do Prometeu Americano, originalmente
lançada em 2005 e que em julho ganhou
sua primeira edição brasileira, pela edi-
tora Intrínseca. Vencedora do renomado
prêmio Pulitzer em 2006, a obra emba-
sou o longa-metragem de Nolan lançado
neste ano. “Ele não era um administra-
dor. Era simplesmente um professor de
física em Berkeley, onde gerenciava tal-
vez uma dúzia de alunos de graduação”,
continua Bird, em entrevista a GALILEU.

Um dos desafios enfrentados pelo cientis-


J. Robert Oppenheimer, físico e líder do
Projeto Manhattan, que desenvolveu a ta foram os sentimentos conflitantes de
primeira bomba atômica dos EUA.
(Foto: Getty Images) seus colaboradores no Projeto Manhattan.
Por exemplo: enquanto Edward Teller es-
tava mais interessado em desenvolver uma bomba de hidrogênio
— que é ainda mais poderosa do que as armas usadas em 1945 —,
Isidor Rabi se posicionava contra bombardeios desde 1931, quan-
do viu imagens de militares japoneses atacando um subúrbio de
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42

Xangai, na China. Embora tenha atuado como consultor do Projeto


Manhattan, Rabi se recusou a se mudar para Los Alamos.

Mas eles se uniam por uma motivação em comum: impedir que


o ditador nazista Adolf Hitler usasse sua própria arma nuclear.
“Havia um conceito de ‘precisamos construir uma não tanto para
usá-la, mas em autodefesa’”, contextualiza a historiadora Cindy C.
Kelly, fundadora e presidente da Atomic Heritage Foundation, or-
ganização sem fins lucrativos dos Estados Unidos dedicada a pre-
servação e interpretação do Projeto Manhattan e da Era Atômica.
Sem falar nas esperanças que Oppenheimer e outros participan-
tes do Projeto Manhattan tinham de que sua arma fizesse líderes
políticos repensarem mais guerras.

A Alemanha Nazista acabou se rendendo aos Aliados em 7 maio


de 1945, o que fez vários cientistas de Los Alamos se questiona-
rem sobre a utilidade da bomba atômica. No entanto, o governo
norte-americano já tinha outra preocupação: o fortalecimento
da União Soviética. Parecia conveniente manter a superiorida-
de atômica dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.
Assim, mesmo com alertas de Oppenheimer e outros cientistas
sobre uma corrida armamentista, os militares decidiram fazer
o primeiro teste de uma bomba atômica da história. Conhecido
como Experimento Trinity, o evento aconteceu no Novo México,
em 16 de julho de 1945.
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43

Com o poder destrutivo da arma comprovado, os Estados Unidos


se uniram ao Reino Unido e à China para elaborar a Declaração de
Potsdam, que exigia a rendição das forças armadas japonesas. Caso
contrário, o Japão enfrentaria “destruição imediata e total”, alertava
o ultimato. Isso sem revelar que os norte-americanos tinham bom-
bas atômicas e já haviam estudado seus dois primeiros alvos.

À esquerda: físico
Norris Bradbury
junto a dispositivo do
Experimento Trinity,
que fez primeiro teste
da bomba atômica.
(Foto: Getty Images)

Acima: efeito após detonação da bomba atômica


no Experimento Trinity, em 16 de julho de 1945,
em Los Alamos, nos EUA. (Foto: Getty Images)
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44

Cenário na cidade japonesa de


Hiroshima em 1945, após o ataque
com a bomba atômica dos Estados
Unidos. (Foto: Getty Images)

TRAGÉDIA SEM PRECEDENTES

Quando uma bomba de fissão nuclear explode, emite uma luz ca-
paz de cegar. Ela gera uma onda de choque e cria uma bola de
fogo que pode chegar até 4 mil graus Celsius no hipocentro. De-
pois, quando a pressão nessa área cai, uma outra onda de choque
ocorre em direção a ela, varrendo novamente o que estiver no
caminho. Em Hiroshima, quase tudo foi destruído ou ficou grave-
mente danificado até um raio de 4,8 km da explosão; mas outros
danos foram além dessa distância, com estilhaços de vidro joga-
dos até 19 km do hipocentro. “A onda de choque foi tão grande
que arrancou casas e prédios com alicerce e tudo. Pessoas foram
pulverizadas”, descreve o físico Marcelo Lapola, doutor em físi-
ca pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “E, depois da
explosão, quem não morreu pelo calor ou pela onda de choque,
morreu pela radiação liberada.”
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45

A arma lança radiação de duas formas: em raios, que atravessam


pessoas e construções, e em partículas, que podem ser ingeridas
ou inaladas por humanos. “As ondas radioativas ficam mais pró-
ximas ao hipocentro e duram menos de um minuto, enquanto as
partículas podem se dispersar muito com o vento e permanecer
perigosas entre horas e milhões de anos depois, a depender da
estrutura química específica da partícula”, explica o historiador
Robert A. Jacobs, em seu livro Nuclear Bodies - The Global Hi-
bakusha (2022), sem edição no Brasil.

O número exato de mortes causadas pelas bombas atômicas da


Segunda Guerra Mundial é desconhecido. Estimativas da Atomic
Heritage Foundation e das prefeituras das cidades japonesas atin-
gidas apontam que, até o final de 1945, entre 90 mil e 160 mil pes-
soas morreram em Hiroshima, e cerca de 80 mil em Nagasaki. Mas
os efeitos sobre a população se deram também de outras formas.

A psicóloga social Cristiane Izumi Nakagawa, doutora pelo Insti-


tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), estu-
dou os sobreviventes desses ataques, que também são conheci-
dos pelo termo em japonês hibakushas. Ela foi a Hiroshima para
ouvir e analisar os testemunhos dessas pessoas, e percebeu que
não há um padrão na forma como elas seguiram a vida. Algumas
se tornaram militantes contra o armamento atômico, por exem-
plo; já outras acabaram cometendo suicídio.
CLUBE DE REVISTAS

“Eles compreendem que tanto a vida


dos norte-americanos quanto a dos
japoneses eram ‘bucha de canhão’.
Eram simples instrumentos para
uma guerra imperialista”
Cristiane Izumi Nakagawa, psicóloga social

Um dos relatos que mais marcaram Nagakawa foi o de Shozo


Kawamoto, que tinha 10 anos quando perdeu a família no bom-
bardeio de 6 de agosto de 1945. “Ele passou 70 anos sozinho.
Inclusive, escondia o fato de ser um hibakusha, porque se juntou
ao Yakuza [famosa organização criminosa do Japão] para sobre-
viver”, conta a psicanalista. “Muitas crianças que sobreviveram,
para não morrerem de fome, se juntaram à máfia.” Segundo a
especialista brasileira, vários sobreviventes também quiseram
estudar o cenário histórico-político da Segunda Guerra Mundial
enquanto tentavam processar a tragédia que haviam vivenciado.
E a maior parte deles não fala de vingança ou retaliação. “Eles
compreendem que tanto a vida dos norte-americanos quanto a
dos japoneses eram ‘bucha de canhão’. Eram simples instrumen-
tos para uma guerra imperialista entre Japão e Estados Unidos.”

BOMBA PARA SALVAR VIDAS?

O Japão assinou sua rendição aos Aliados em 2 de setembro de


1945. A primeira reação dos norte-americanos com o fim da Segun-
da Guerra Mundial foi de “intenso, imenso alívio”, segundo Cindy C.
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47

Kelly. A população não tinha a dimensão humana das explosões


das bombas atômicas; até porque o presidente Harry S. Truman
não havia tocado nisso em seu pronunciamento sobre os ataques.
Ademais, os efeitos da radiação não eram discutidos na imprensa
naquela época.

Foi só em agosto de 1946 que esse “bem-estar” com as armas nu-


cleares começou a mudar. Na época, a The New Yorker, uma das
revistas mais influentes dos EUA, dedicou uma edição inteira à re-
portagem Hiroshima, na qual o jornalista John Hersey reunia os re-
latos de seis sobreviventes do ataque à cidade japonesa. “A partir
dessas histórias, os americanos puderam entender a tragédia que
tinha ocorrido em termos humanos. E começaram a duvidar das
mensagens do governo, que eram tão higienizadas”, relata Kelly.

Mulher varre destroços


em Hiroshima depois de
ataque nuclear em 1945.
(Foto: Getty Images)
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48

Truman tinha que convencer a população de que havia tomado


uma boa decisão na guerra. Uma das principais estratégias para
isso foi elaborar um artigo para a revista Harper’s Magazine em
fevereiro de 1947. Assinado pelo secretário de guerra Henry L.
Stimson, mas escrito pelo ghostwriter Mac Bundy, o texto dizia
que as bombas atômicas haviam feito menos vítimas do que faria
uma invasão dos norte-americanos ao Japão, o “plano B” para
terminar a guerra no Pacífico. “Fui informado de que tais ope-
rações poderiam custar mais de um milhão de baixas, contan-
do apenas as forças norte-americanas”, justificava o artigo. Kai
Bird entrevistou Bundy para um de seus livros, The Color of Truth
(2000), e ouviu que esse argumento havia sido “tirado do ar”. “E,
até hoje, muitos americanos acreditam que a bomba foi neces-
sária e que salvou centenas de milhares de vidas, ou mesmo um
milhão delas”, aponta o escritor.

Ao mesmo tempo que procurou controlar a narrativa sobre as


bombas atômicas em seu território, o governo Truman impôs uma
censura no Japão, que foi ocupado pelas tropas norte-america-
nas entre 1945 e 1952. “Havia pouquíssimas informações dispo-
níveis sobre a situação em Hiroshima e Nagasaki”, conta Robert
Jacobs, que é professor de História no Instituto da Paz da Uni-
versidade de Hiroshima. “Os jornais não podiam publicar fotos,
e todas as matérias tinham que ser aprovadas pelo Exército dos
Estados Unidos.”
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49

GUERRA NUCLEAR LIMITADA

Cientistas também se manifestaram publicamente sobre as bom-


bas atômicas. Em 1946, um grupo composto por Oppenheimer,
Bohr e outros nomes famosos da época lançou o livro de ensaios
Um Mundo ou Nenhum. Nele, compartilharam as informações —
e preocupações — que tinham sobre o poder do átomo. Em seu
artigo, Oppenheimer raciocina que produzir uma bomba atômica
sairia mais barato do que esforços de guerra com materiais explo-
sivos comuns; afinal, uma única arma nuclear equivale a dezenas
de milhares de toneladas de TNT. No entanto, ele também anali-
sa que as explosões no Japão tiveram um impacto humano muito
grande. “Parece que a aquisição consciente desses novos poderes
de destruição exige a determinação igualmente consciente de que
eles não devem ser usados e que todas as medidas necessárias se-
jam tomadas para garantir que não sejam usados”, escreve o físico.

“Até hoje, muitos americanos


acreditam que a bomba foi
necessária e que salvou
centenas de milhares de vidas,
ou mesmo um milhão delas”
Kai Bird, jornalista e coautor da biografia Oppenheimer:
Triunfo e Tragédia do Prometeu Americano (Intrínseca, 2023)
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50

Mas a largada para a corrida armamentista da


Guerra Fria já fora dada. Os planos das bombas
atômicas haviam sido vazados durante o Pro-
jeto Manhattan; portanto, era questão de tem-
A CORRIDA po até que União Soviética e outras potências
ARMAMENTISTA mundiais desenvolvessem suas próprias armas
NÃO ACABOU
nucleares. Nesse contexto, quem tem mais po-
Números mostram que
as potências globais der é quem tem mais armas. Disso, também veio
seguem se munindo
de armas nucleares
o legado da dissuasão nuclear, a estratégia po-
lítica que faz da posse de armas nucleares um
instrumento de intimidação. “Hoje, elas não são
O número de só de uso militar; são de uso político, civil e mili-
ogivas atômicas
operacionais das tar”, constata o historiador Mario Marcello Neto,
nove potências
nucleares subiu que em 2020 concluiu o doutorado em história
início pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
9.576 de 2023
(UFRGS) com a tese O brilho de mil sóis: Histó-
ria, Memória e Esquecimento sobre a bomba
atômica nos Estados Unidos e no Japão.

9.440 Novos instrumentos bélicos também foram


criados, como os mísseis e a bomba de hidro-
gênio, que Edward Teller defendia aos seus
2022 colegas do Projeto Manhattan. Hoje, existem
segundo relatório do bombas de fusão poderosíssimas, capazes de
Barômetro de Proibição
de Armas Nucleares fazer toda a matéria orgânica que elas atin-
e da Federação de
Cientistas Americanos.
gem se tornar radioativa. “É triste falar disso,
CLUBE DE REVISTAS

Mas, no ano passado, 51


o número total de
armas nucleares
(incluindo as não
operacionais) no
mundo diminuiu:
do uso de uma ciência tão maravilhosa que é
12.705 a física nuclear para esse fim. E o mundo vive
nesse equilíbrio tão instável”, lamenta o físico
Marcelo Lapola, do ITA.

12.512 E engana-se quem pensa que nunca houve uma


guerra nuclear, de fato. Embora grandes cen-
tros urbanos não tenham sido carbonizados por
Foram desmanteladas
antigas ogivas russas bombas atômicas durante a Guerra Fria, Estados
e estadunidenses.
Unidos e União Soviética comandaram o que Ro-
bert Jacobs define como uma “guerra nuclear li-
mitada”. “Há muitos documentos mostrando que
ambos os países entendiam nuvens de partículas
radioativas como efeitos de armas. Formas de
90% matar pessoas. Mas isso não os impediu de infli-
do arsenal
global gir essas nuvens a todos os tipos de população.”
de armas nucleares
pertencem a Rússia
e EUA, de acordo
com a Campanha
Em Nuclear Bodies, o historiador relata que
Internacional para a mais de 2 mil testes de armas nucleares fo-
Abolição de Armas
Nucleares (INCAW). ram feitos ao redor do mundo durante a Guer-
ra Fria. Países como Estados Unidos, França
e Reino Unido fizeram muitos desses experi-
mentos longe de seus centros políticos — eles
escolheram territórios coloniais ou pós-colo-
niais, como ilhas no Pacífico, para isso. A Amé-
rica do Sul e a Antártida são os únicos conti-
nentes onde essas explosões não ocorreram.
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“Dizermos que não foi uma guerra nuclear é um privilégio de lo-


calização. É porque não aconteceu conosco; nossas cidades não
foram atacadas diretamente”, avalia Jacobs.

Partículas do Experimento Trinity, por exemplo, chegaram a ser


encontradas num campo a quase 2 mil km de distância, segundo
reportagem da revista Newsweek em novembro de 1945. Mas
há quem defenda que, embora o governo norte-americano não
tenha sido inocente no desenvolvimento das bombas atômicas,
muitos médicos e cientistas dos anos 1940 ainda não entendiam
bem a radiação. “Eles não sabiam o que era seguro para seus pró-
prios trabalhadores. Então, como saberiam o que era seguro, em
termos de partículas radioativas, para as pessoas que viveriam
a 144 km de Trinity 50 anos depois?”, indaga Cindy C. Kelly. “Acho
muito importante entender a história [do Projeto Manhattan] na
dinâmica do que as pessoas sabiam na época; não julgá-las pelos
padrões de hoje.”

“Acho muito importante entender


a história [do Projeto Manhattan]
na dinâmica do que as pessoas
sabiam na época; não julgá-las
pelos padrões de hoje”
Cindy C. Kelly, fundadora e presidente da Atomic Heritage Foundation
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Nas últimas décadas, porém, mais estudos investigaram os efeitos


das partículas dos testes nucleares sobre populações ao redor do
mundo. Um trabalho publicado em 2017 no periódico National Bu-
reau of Economic Research, por exemplo, investigou a exposição
radioativa de indivíduos em toda a Noruega entre os anos 1950 e
1960, e atestou que os locais contaminados poderiam ter impac-
tado o desenvolvimento cognitivo de seus habitantes — incluindo
fetos e os descendentes deles.

Uma revisão de 2006 na revista científica American Scientist tam-


bém confirmou os riscos sanitários trazidos pelas nuvens radioa-
tivas, e estimou que os estadunidenses em territórios onde houve
testes de armas nucleares eram mais suscetíveis a desenvolver cân-
cer de tireoide e leucemia, principalmente. Mas isso não quer dizer
que quem mora longe das áreas desses experimentos de guerra não
tenha encarado nenhuma consequência das bombas atômicas.

MEDOS E ESPERANÇAS

Uma tartaruga de gravata borboleta e chapéu surge sorridente na


animação em preto e branco. “Digam-me em voz alta: o que vocês
devem fazer quando virem o flash de luz?”, pergunta o persona-
gem. Crianças respondem em uníssono: “Abaixar e se cobrir!”. O
que parece cena de uma ficção distópica é, na verdade, o desfecho
de Duck and Cover (1951), curta-metragem que a Defesa Civil dos
Estados Unidos divulgou para crianças aprenderem a se proteger
de possíveis ataques de bombas atômicas na Guerra Fria.
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O temor nuclear deixou suas marcas em produções culturais pós-


1945. Isso se deu de diferentes formas: retratando os traumas das
bombas atômicas, apresentando-as apenas como artefatos cien-
tíficos que não são um problema “nas mãos certas” ou, então, cri-
ticando o armamento nuclear. “Para mim, a bomba atômica é uma
possível construção do fim das utopias. Quase como uma inaugu-
ração do pós-modernismo, de que ‘não, o mundo não vai ser me-
lhor amanhã, vai ser um desastre; vai acabar tudo, vai ser uma he-
catombe nuclear’”, analisa o historiador Mario Marcello Neto.

O filme japonês Godzilla (1954), por exemplo, retrata o terror da


radioatividade: o próprio diretor, Ishirō Honda, admitiu que apli-
cou características das armas nucleares de Hiroshima e Nagasaki
ao monstro. Há ecos também no mangá célebre Akira (1982). “É
sobre um ser cujo poder ninguém conhece, e que ele mesmo não
consegue controlar. É nitidamente a bomba atômica”, analisa Mar-
cello Neto. E, ainda, em produções norte-americanas de super-he-
róis. “Um desenho do Superman que analisei tem essa ideia: ‘Não é
um problema a arma nuclear, porque eu vou controlá-la’”, descreve
o historiador brasileiro.

Mas, embora a Era Atômica tenha trazido o medo da aniquilação


quase instantânea da humanidade, a fissão do átomo também deu
esperanças à ciência. “Depois da Segunda Guerra Mundial, nasceu a
teoria quântica de campos”, destaca Lapola. “Ela levou a mecânica
quântica a outro nível para estudar as quatro forças fundamentais
da natureza: gravitacional, eletromagnética, força nuclear fraca e
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força nuclear forte. Nesse sentido, houve um renascimento da ciên-


cia; mas pacífica.” O processo químico descoberto em 1938 também
possibilitou o desenvolvimento de tecnologias não bélicas, como
equipamentos de raio-X ou o motor de foguete térmico nuclear que
a Nasa vem testando para uma futura missão tripulada a Marte. “As
pessoas costumam falar que as descobertas [durante a guerra]
são como uma faca de dois gumes”, pondera Cindy C. Kelly.

LEMBRAR PARA NÃO REPETIR

Em janeiro de 2023, o Boletim dos Cientistas Atômicos, grupo


fundado por Albert Einstein e pesquisadores da Universidade de
Chicago (EUA), divulgou uma atualização alarmante do Relógio do
Juízo Final, símbolo criado em 1947 que estima quão próxima a
humanidade está da destruição por armas nucleares. Atualmente,
estamos a 90 segundos da meia-noite — o mais próximo que já
estivemos de uma catástrofe global. O motivo disso, segundo o
anúncio, é a invasão da Ucrânia pela Rússia, que “aumentou o risco
de uso de armas nucleares, levantou o fantasma do uso de armas
biológicas e químicas, prejudicou a resposta mundial à mudança
climática e dificultou os esforços internacionais para lidar com ou-
tras preocupações globais.”

Para Kai Bird, esse contexto torna as lições na trajetória de J. Ro-


bert Oppenheimer ainda mais importantes hoje. “Oppenheimer
alertou que essas não eram armas militares, mas armas de terror.
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ENQUANTO ISSO NO BRASIL…


4 fatos sobre o posicionamento brasileiro na Era Atômica

1. O Brasil nunca produziu uma arma nuclear, 3. O Brasil teria condições de produzir
mas teve interesse durante a ditadura uma arma nuclear hoje; até porque o
militar (1964-1985). “Os militares achavam enriquecimento do urânio-235, isótopo
que seria a grande oportunidade de termos que pode sustentar uma reação em cadeia
uma hegemonia na América [do Sul]”, de fissão nuclear, já é feito aqui para
explica o historiador Mario Marcello Netto. as operações em Angra 1 e 2. Porém, a
Constituição de 1988 institui que “toda
2. No entanto, o país investiu na atividade nuclear em território nacional
energia nuclear: hoje, temos duas usinas, somente será admitida para fins pacíficos e
Angra 1 e Angra 2, no estado do Rio de mediante aprovação do Congresso Nacional.”
Janeiro. Inauguradas em 1985 e 2001,
respectivamente, elas são responsáveis 4. Desde 1998, o Brasil é signatário do Tratado
por cerca de 2% da energia elétrica total de Não-Proliferação de Armas Nucleares.
produzida em nosso território. O governo O acordo foi criado pela Organização das
brasileiro também está construindo Angra 3, Nações Unidas (ONU) em 1968, por medo
que tem 65% das obras concluídas. do armamento iniciado na Guerra Fria.

“Parece que a distensão do mundo


entre capitalismo e socialismo
tirou um pouco da pauta o medo
de aniquilação nuclear”
Mario Marcello Neto, doutor em história pela UFRGS
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Estava tentando impedir que nos envolvêssemos em uma corrida


armamentista”, pontua. “É claro que os políticos em Washington
e em outros lugares não o ouviram. Então aqui estamos nós, vi-
vendo na Era Atômica e ainda sob a ameaça dessas armas.” Mas,
com o fim da Guerra Fria e o surgimento de outros temores pela
humanidade, o medo de uma guerra nuclear passou a ser encara-
do como algo cada vez mais anacrônico. “Parece que a distensão
do mundo entre capitalismo e socialismo tirou um pouco da pau-
ta o medo de aniquilação nuclear”, avalia Marcello Neto.

A dimensão e o impacto das bombas atômicas aparentam ter sido


atenuados até mesmo para as gerações mais recentes do Japão.
S. Moritomi, um dos hibakushas entrevistados pela psicanalista
Cristiane Nakagawa, se deu conta disso num dia em que esta-
va descansando num parque de Hiroshima e ouviu alguns jovens
discutirem uma informação completamente errada sobre o ata-
que de 1945. Isso o deixou espantado. Como esse horror poderia
ser tratado com tanto distanciamento, ou mesmo indiferença?
Preocupado, Moritomi se aproximou do grupo e começou a rela-
tar sua vivência. Segundo a especialista brasileira, o episódio o
fez perceber que, mais do que nunca, era importante que histó-
rias como a dele fossem transmitidas e preservadas na memória
coletiva. “Ele falou: ‘Se eles não aprenderem o que aconteceu,
isso vai se repetir’.”
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QUER QUE EU DESENHE?


POR BERNARDO FRANÇA

ARTISTA E POLÍTICO ABOLICIONISTA, MANUEL QUERINO


FOI RESPONSÁVEL POR CRIAR UM EXTENSO REGISTRO
ETNOGRÁFICO DA CULTURA AFRODIASPÓRICA
TEXTO
Arthur Almeida
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Nascido no município de Santo Amaro (BA) em


28 de julho de 1851, Manuel Raimundo Querino
foi um artista, político, pesquisador e ativista
pelo abolicionismo. Hoje, é considerado
pioneiro nos registros antropológicos
brasileiros — em especial da
cultura afrodiaspórica.
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Aos 4 anos, tornou-se órfão após


seus pais morrerem vítimas de uma
epidemia de cólera. Sob os cuidados
de uma amiga da família, mudou-se
para Salvador. Por lá, foi tutorado pelo
escritor Manuel Correia Garcia, que
incentivou o menino a iniciar na pintura.
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Depois de servir na Guerra do Paraguai,


em 1870, Querino passou a estudar
formalmente artes e arquitetura. Premiado
diversas vezes por seus trabalhos, teve seu
nome incluído entre os alunos fundadores
do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e da
Escola de Belas Artes.
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Politicamente, atuava à frente da luta


abolicionista e escrevia artigos para
denunciar absurdos sofridos pela população
preta escravizada. Também foi um dos
responsáveis por criar uma das primeiras
cooperativas de trabalho do Brasil,
a Liga Operária Bahiana.
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Até morrer aos 71 anos, no dia 14 de


fevereiro de 1923, Querino se dedicou ao
registro etnográfico. Como resposta aos
preconceitos raciais que permaneceram
mesmo após a abolição da escravatura,
publicou dezenas de artigos e livros
focados na história, na arte e no folclore
afro-brasileiros.

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