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O Pensamento do Poder Aeroespacial:

sua correlação com a Geopolítica


João Rafael Mallorca Natal ª

Resumo: Diversos são os conceitos de Poder Aéreo, tornado Poder Aeroespacial


na medida em que os vetores de emprego deixaram a atmosfera e passaram a
atuar no chamado Espaço Exterior. O presente artigo de caráter doutrinário de-
bruça-se sobre o Poder Aeroespacial e suas interfaces com a Geopolítica. Enfatiza
também o ideário e a produção de quatro destacados estudiosos brasileiros que
contribuíram decisivamente para a construção do pensamento Aeroespacial em
nosso País.
Palavras-chave: Poder Aeroespacial, geopolítica, aviação.

INTRODUÇÃO “ciência da vinculação geográfica


dos acontecimentos políticos”, e
A Ciência denominada Geo- tem por objetivo principal “o apro-
política, de adoção relativamente veitamento racional de todos os
recente, é aquela na qual, derivada ramos da Geografia no planeja-
da Política, da História e da Geo- mento das atividades do Estado”.
grafia, “o Estado se apresenta co- O militar e geopolítico alemão
mo um organismo vivo”1. Karl Haushofer, por sua vez, defi-
O termo Geopolítica foi cu- ne a Geopolítica como a “arte de
nhado pelo sociólogo sueco Rudolf guiar a política na prática” 2.
Kjellen, em 1916, em sua obra O Dentro do contexto geopolíti-
Estado como forma de vida. De co, surge então uma subdivisão
acordo com Therezinha de Castro, desta, denominada Geoestratégia,
em sua obra Geopolítica: Princí- ou seja, a relação entre a Geografia
pios, Meios e Fins, de 1986, é uma e a Estratégia. A Geoestratégia

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a Coronel de Infantaria da Aeronáutica. Associado titular do Instituto de Geo-
grafia e História Militar do Brasil.
leva em consideração o Poder Na- PODER AEROESPACIAL:
cional de um Estado, com vistas à CONCEITOS E DEFINIÇÕES
consecução dos objetivos daquele
Estado. O Poder Nacional, por sua Diversos são os conceitos de
vez, tem no Poder Militar uma das Poder Aéreo, tornado Poder Aero-
expressões para o atingimento espacial na medida em que os ve-
daqueles objetivos. tores de emprego deixaram a at-
O Poder Militar é composto mosfera e passaram a atuar no
por três vertentes: o Poder Maríti- chamado Espaço Exterior.
mo, o Poder Terrestre e o Poder William Mitchell, um dos teó-
Aéreo, mais conhecido atualmente ricos precursores do então Poder
como Poder Aeroespacial. Aéreo, definiu-o como “a habili-
O Poder Aeroespacial será es- dade de fazer algo no ar ou pelo
tudado de forma mais pormenori- ar”3. Já Walter J. Boyne, um dos
zada, de vez que o objetivo deste modernos pesquisadores, conceitua
trabalho é o de esclarecer de que como Poder Aéreo “a habilidade
maneira a Geopolítica e o Poder de conduzir operações militares,
Aeroespacial se interrelacionam. comerciais ou humanitárias em
Para tanto, foram selecionados determinado local, usando para tal
quatro pensadores do Poder Aero- o Espaço Aéreo como meio”. Será
espacial, todos oficiais-aviadores Poder Aeroespacial “quando exer-
da Força Aérea Brasileira (FAB) e cido através do Espaço Exterior
que, em algum momento de suas por meio de mísseis balísticos
carreiras, exerceram a função de intercontinentais ou pelo uso do
Instrutores da Escola de Comando espaço com emprego de satélites”4.
e Estado-Maior da Aeronáutica O Poder Aeroespacial, na de-
(ECEMAR), centro difusor da finição adotada pela Aeronáutica,
doutrina do Poder Aeroespacial, vem a ser, então,
cognominada “A Academia de
Guerra da Força Aérea Brasileira”. a projeção do Poder Nacional
resultante da integração de re-

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cursos de que a Nação dispõe do Poder Aeroespacial dá-se o
para a utilização do espaço aé- nome de Pensamento ou Doutrina
reo e do espaço exterior, quer
como instrumento de ação polí- Militar Aeroespacial, definida
tica e militar, quer como fatos especificamente como “os princí-
de desenvolvimento econômico pios, conceitos, normas e procedi-
e social, visando conquistar e mentos relacionados ao emprego
manter os objetivos nacio-
nais”5. do Poder Militar Aeroespacial em
tempos de paz, crise ou guerra” 6.
No âmbito do Poder Aeroes- Esse Pensamento ou Doutrina,
pacial, tem-se ainda o chamado na sua formulação, constitui-se no
Poder Militar Aeroespacial, con- tema do trabalho deste pesquisa-
junto de meios de ordem militar, dor, e será esmiuçado a seguir.
em especial a força aérea.
O teórico Murilo Santos, em
sua obra Evolução do Poder Aéreo, PENSADORES BRASILEIROS
de certa forma consagra o conceito DO PODER AEROESPACIAL
de Mitchell, e acrescenta que o
Poder Militar Aeroespacial é um Dentre os pensadores do Po-
fenômeno composto por três ele- der Militar Aeroespacial brasileiro,
mentos, que seriam o desenvolvi- quatro dos mais destacados tive-
mento tecnológico, ou seja, o con- ram a oportunidade de exercer a
junto de meios aéreos, espaciais, e função de instrutores da ECE-
toda a infraestrutura que apoia tais MAR: tenentes-brigadeiros do ar
meios; o segundo elemento seriam Nélson Freire Lavanère-
os recursos humanos, capacitados Wanderley, Deoclécio Lima de
a dirigir e operar os meios aeroes- Siqueira, Murilo Santos e coronel-
paciais e de infraestrutura; e, fi- aviador Carlos Eduardo Valle Ro-
nalmente, as ideias, conceitos e sa.
doutrinas que delimitem as capaci- O primeiro dos instruto-
dades e limitações do Poder Aero- res/pensadores, Lavanère-
espacial. A este terceiro elemento Wanderley escreveu, dentre outras,

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as obras História da Força Aérea Aérea Brasileira. Essa obra é de
Brasileira, em 1966, e Estratégia grande valia para a compreensão
Militar e Desarmamento, em 1969. acerca da formação e da consoli-
Na primeira obra, relata o surgi- dação do Poder Aéreo, uma vez
mento do Poder Aeroespacial no que, nos dizeres de Eduardo Go-
Brasil, com os seus precursores, mes, à época Ministro da Aeronáu-
com os primeiros raids aéreos, a tica,
criação das escolas de aviação, nos
Afonsos e no Galeão, a participa- O trabalho do tenente-
ção da aviação na Revolução brigadeiro Nélson Freire La-
vanère-Wanderley vem preen-
Constitucionalista de 1932, e a cher uma lacuna há muito sen-
campanha da criação do Ministério tida por todos. Escrever a His-
do Ar, nos anos 1930. A seguir, tória da Força Aérea Brasileira
é um mister que dignificaria
descreve a trajetória do Correio
qualquer de seus integrantes e
Aéreo Nacional e a criação do que acrescenta mais uma parce-
Ministério da Aeronáutica e da la de mérito a um de seus pio-
FAB, em 1941. Segue-se um capí- neiros7.
tulo pormenorizado acerca da par-
ticipação da FAB na Segunda Outro instrutor da ECEMAR
Guerra Mundial, quer na Campa- que se destaca por sua produção
nha da Itália, quer na Campanha intelectual é o Brigadeiro Deoclé-
do Atlântico Sul. A par disso, des- cio Lima de Siqueira. Foi autor de
creve e analisa momentos decisi- vasta obra, de caráter histórico e
vos na FAB, como a Revolta de também doutrinário. Destacam-se
Jacareacanga, em 1956, a atuação os livros Caminhada com Eduardo
da FAB no Congo, em operação de Gomes, escrito em 1984, no qual
paz, entre 1960 e 1964, e encerra a relata significativa parte de sua
segunda edição de sua obra, em carreira sob o comando do líder
1975, com a reafirmação da glória marechal-do-ar Eduardo Gomes,
de Alberto Santos-Dumont, à épo- quer nas linhas do Correio Aéreo
ca considerado Patrono da Força Nacional, desbravando os rincões

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brasileiros, ainda no tempo da pormenorizada, com recurso a
aviação “arco e flecha”, quer no fontes históricas primárias.
Nordeste brasileiro, participando Um aspecto importante, em
do esforço de guerra contra o Eixo, relação à obra Fronteiras, diz res-
na Segunda Guerra, executando peito à evolução das táticas e das
missões de patrulha antissubmari- novas tecnologias de navegação e
no e auxiliando Eduardo Gomes a ataque, em proveito da luta antis-
implantar as bases e unidades aé- submarino. Nesse aspecto, cita o
reas da recém-ativada Força Aérea autor que,
Brasileira, em meio ao conflito.
Sua outra obra, Fronteiras, de O aumento do poder dos sub-
1986, apresenta um caráter mais marinos era evidente. Já apare-
cera o snorkel, um tubo respi-
doutrinário. Nela, Deoclécio relata, radouro que permitia a eles
após extenso trabalho de pesquisa permanecer a pouca profundi-
histórica, não apenas suas experi- dade por muito tempo. No
ências nas missões de patrulha campo das medidas eletrônicas,
progrediram também. Desen-
antissubmarino, na guerra, mas volviam medidas antirradar e
trata de todos os aspectos da luta utilizavam o efeito doppler pa-
contra aquela ameaça, incluindo as ra mistificar suas posições.
Aumentavam a capacidade e
estratégias e táticas da guerra sub-
aperfeiçoavam e reforçavam o
marina e, por outro lado, o preparo armamento. Até meios aéreos
e emprego das forças brasileiras e garantiam mais segurança. Do
norte-americanas que combatiam lado das democracias livres, o
mesmo acontecia. Novos avi-
os submarinos do Eixo, nas por- ões chegavam, com maior ve-
ções Norte e Sul do Oceano Atlân- locidade. Maior capacidade e
tico. armamento mais apropriado. A
Todos os ataques dos subma- tática dos ataques noturnos se
aprimorava. [...] Apareceu a
rinos do Eixo, quer alemães ou ideia das boias sonoras que,
italianos, levados a efeito na costa lançadas ao mar, captavam a
brasileira, são relatados de forma direção do som dos submarinos
e a transmitia aos aviões, facili-

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tando a marcação da posição. marino, treinando nosso pessoal
Surgiram os paraquedas lumi- nas mais modernas técnicas, táticas
nosos, o rádio altímetro e pos-
santes faróis de ataque sob as e equipamentos existentes, já cita-
asas. No campo dos armamen- dos anteriormente. Deoclécio,
tos, a grande novidade eram os também em Fronteiras, faz um
foguetes de alta velocidade e relato das atividades da USBATU,
cinco polegadas de diâmetro, o
famoso HVAR-5 (High Velo- fartamente documentado, o qual
city Aircraft Rocket – 5) que, nos traz uma imagem vívida da
lançado de avião, podia trans- importância de tal treinamento
por a couraça dos submarinos.
para a consolidação do Poder Aé-
[...] Mas, a grande vedete de
tudo era o radar. O aparecimen- reo da FAB. Cita Deoclécio que,
to desse extraordinário engenho
no universo da aviação veio re- o importante, porém, é que o
volucionar essa atividade hu- objetivo que a referida unidade
mana. A sigla significa Radio se propunha alcançar. No capí-
Detection and Ranging – rádio tulo anterior, ficou clara a ne-
detecção e rastreamento 8. cessidade de uma evolução no
sentido de atualizar os conhe-
A verdadeira maturidade do cimentos dos aviadores da
FAB, a fim de capacitá-los a
Poder Aéreo brasileiro na guerra
uma luta mais eficiente contra
antissubmarino, no entanto, foi os submarinos inimigos, pois o
alcançada em outubro de 1943, avanço da tecnologia não com-
com a criação da Unidade Aérea porta mais a improvisação do
arco e flecha 9.
de Treinamento Brasil-Estados
Unidos (United States-Brazil Air
O brigadeiro Deoclécio, em
Training Unit – USBATU). A
ambas as obras, contribuiu para
missão dessa unidade, ativada pela que o pensamento e as circunstân-
Marinha dos Estados Unidos no cias que nortearam a formação
setor norte-americano da Base inicial do Poder Militar Aeroespa-
Aérea de Natal, era o de capacitar cial brasileiro, em plena Segunda
as tripulações brasileiras com o Guerra, fossem mais bem conheci-
state of the art da guerra antissub- dos pelo público e difundidas no

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seio da FAB. Empreendeu, inclu- caráter doutrinário, denominada
sive, pesquisas mais avançadas Evolução do Poder Aéreo, a qual
sobre o Poder Aéreo na Segunda se inicia com as conceituações
Guerra, a partir de fontes primá- básicas acerca desse poder. Estabe-
rias. Entrevistou Mitsuo Fuchida, o lece que o Poder Aéreo (ou Aero-
principal comandante do ataque espacial) é composto por três ele-
aéreo a Pearl Harbor, em 7 de de- mentos, conforme visto anterior-
zembro de 1941, e que também
mente.
teve significativa participação na
Santos continua sua obra com
batalha de Midway, no ano seguin-
a contextualização histórica do
te. Na obra Fronteiras, Deoclécio
faz o seguinte comentário sobre tal desenvolvimento do Poder Aéreo,
entrevista, iniciando pelos primórdios e pela
Primeira Guerra Mundial. A se-
Os mesmos aviões que escapa- guir, tece considerações sobre as
ram ao ataque de Pearl Har- primeiras elaborações teóricas do
bour, foram os que, seis meses Poder Aéreo. Nessas considera-
depois, a 4 de junho de 1942,
massacraram os porta-aviões ções, examina a carreira e o pen-
japoneses. E Mitsuo Fuchida, o samento do general Giulio Douhet,
comandante dos aviões contra italiano, considerado o Profeta da
Pearl Harbor, estava também Guerra Aérea. Douhet codificou
em Midway e, sobre esta bata-
lha, elaborou um precioso tes- seus pensamentos doutrinários, a
temunho em livro famoso. De- respeito do Poder Aéreo e da guer-
sejei vê-lo nesta viagem ao Ja- ra aérea, em sua obra fundamental:
pão. Havia muitos pontos a es-
O Domínio do Ar, publicada em
clarecer10.
1921. Douhet é o primeiro pensa-
O terceiro dos instrutores da dor do Poder Aéreo a compreender
ECEMAR com significativa pro- a capacidade do avião em empre-
dução intelectual foi o tenente- ender ações de caráter estratégico,
brigadeiro Murilo Santos, o qual ou seja, atingir o inimigo não ape-
escreveu, em 1989, uma obra de nas no campo militar, mas nos
demais campos do Poder Nacional,

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ou seja, o econômico, o político e dições de impedir o voo do inimi-
o psicossocial. Cita Dohuet em sua go, ao mesmo tempo em que se
obra que, garante esta faculdade para nós
mesmos” 12.
sendo independente da superfí- Murilo Santos considera que
cie e podendo deslocar-se mais as ideias de Douhet podem ser
rapidamente do que qualquer
outro meio, o aeroplano veio a sintetizadas da seguinte forma:
tornar-se uma arma ofensiva
por excelência. Movimenta-se Para assegurar-se uma adequa-
em todas as direções com igual da defesa nacional, é necessário
facilidade e alcança maior ve- e suficiente que se tenha condi-
locidade. As forças aéreas ções, em caso de guerra, de ob-
acham-se, portanto, em condi- ter o comando do ar. O objetivo
ções de ameaçar todo o territó- primário dos ataques aéreos
rio incluído em seu raio de não deve ser as instalações mi-
ação [...] Ademais, como ele litares, mas sim as indústrias e
bem destaca, não se trata ape- os centros populacionais dis-
nas de alcançar as forças mili- tantes do contato com as forças
tares dos inimigos, mas de afe- de superfície inimigas. A força
tar seu ânimo moral, levando a aérea inimiga não precisa ser
guerra até a retaguarda, fazen- destruída somente no combate
do assim desaparecer a já men- aéreo, mas sim a partir de suas
cionada característica predomi- instalações e fontes de produ-
nante da Primeira Guerra Mun- ção 13.
dial, que era a de circunscre-
ver-se o Teatro de Operações a Nesse contexto, Douhet ante-
uma parcela do território, dei-
xando a vida fluir com relativa cipou a existência não apenas das
normalidade em derredor11. operações aeroestratégicas, mas
igualmente das ações que viriam,
O conceito-chave de Douhet no futuro, a ser denominadas Su-
consistia na expressão Domínio do pressão de Defesas Aéreas Inimi-
Ar ou Controle do Ar, o qual foi gas (SDAI), as quais iniciam todas
expresso da seguinte forma: “do- as campanhas aéreas, na guerra
minar o ar significa estar em con- moderna.

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A par de Douhet, Murillo de combustíveis serão suficien-
Santos relata as ideias do general tes 15.
William “Billy” Mitchell, do Exér-
Murilo Santos, ainda na sua
cito dos Estados Unidos da Améri-
obra fundamental, Evolução do
ca (EUA), “defensor tenaz da or-
Poder Aéreo, traça uma visão geral
ganização autônoma da Força Aé-
da aviação entre as duas grandes
rea”. Mitchell, contemporâneo de
guerras. A princípio, relata a expe-
Douhet, partilhava muitas de suas
riência britânica com a criação da
teorias, em especial aquelas relaci-
Real Força Aérea (Royal Air Force
onadas ao emprego estratégico da
– RAF), em 1918, e de seu princi-
aviação; conforme Santos,
pal propugnador, líder e organiza-
assim, acreditava na eficiência
dor: o marechal-do-ar Sir Hugh
e no papel essencial do ataque Trenchard. Oficial oriundo da In-
aéreo a instalações industriais e fantaria do Exército Britânico,
atividades de que dependia o Trenchard aprendeu a pilotar em
inimigo. Supunha mesmo que a
ação deste pudesse ser parali- 1912, com 39 anos de idade, já na
sada com níveis modestos de patente de major. Participou da
bombardeio 14. Primeira Guerra Mundial como
aviador, tendo sido promovido a
As palavras exatas de Mit- general ainda durante a guerra. Sua
chell, a respeito da paralisação brilhante participação no conflito
completa das atividades inimigas, levou as autoridades militares bri-
utilizando-se de poucos meios tânicas a designá-lo para chefiar o
aéreos, foram assim escritas: processo de organização da nova
força armada.
É desnecessário que estas cida- Os motivos que levaram os
des sejam destruídas, no senti-
do de que toda casa seja nive- britânicos à criação de uma força
lada com o chão. Basta que se aérea autônoma, segundo Santos,
consiga impedir a população de não foram ideias desenvolvidas e
realizar suas atividades costu-
elaboradas por estados-maiores,
meiras. Umas poucas bombas

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mas sim um senso de urgência, Aérea, na edição brasileira), a qual,
causado pelo bombardeio de Lon- publicada em 1942, tornou-se im-
dres pelos alemães em 1917, con- portante referência no tocante ao
substanciado no “Relatório emprego do Poder Aéreo, no âmbi-
Smuts”. to da estratégia militar. O livro de
Seversky contém uma análise judi-
O segundo relatório do Comitê ciosa acerca da Batalha da Ingla-
do Primeiro-Ministro, designa- terra, na qual as forças aéreas ale-
do para examinar a organização
aérea e a defesa aérea nacional mã (Luftwaffe) e britânica enfren-
contra raids aéreos, foi datado taram-se, em busca do controle do
de 17 de agosto de 1917. O ma- ar sobre as ilhas britânicas. Face à
rechal de campo Jan Smuts era derrota dos alemães, a interpreta-
o presidente deste Comitê,
formado para enfrentar o pro- ção de Seversky é de que a Luf-
blema crucial surgido em de- twaffe não estava preparada para
corrência dos bombardeios a uma verdadeira campanha aeroes-
Londres. Como consequência
tratégica, mas apenas para o apoio
desse relatório, criou-se, no
começo de 1918, a Independent aéreo aproximado, isto é, o apoio
Bombing Force, para a realiza- às forças de superfície.
ção de operações aéreas estra-
tégicas, e organizou-se mais
O Terceiro Reich tinha constru-
tarde, de forma autônoma, a
ído bombardeiros que eram be-
Royal Air Force. O Relatório
las máquinas voadoras, às quais
Smuts tornou-se um documento
se incorporavam os últimos co-
clássico na história da evolução
nhecimentos aerodinâmicos.
do Poder Aéreo 16
Eram de excelente construção e
admiravelmente adequados à
A obra de outro importante eficácia do piloto. Mas não
teórico do Poder Aéreo, Alexander possuíam o alcance, a necessá-
P. Seversky, é relatada a seguir, ria capacidade de carga de
bombas, a blindagem, ou a po-
por Murilo Santos. Ênfase é dada à tência de fogo, que os habili-
obra de Seversky, Victory through tasse a bombardear os objeti-
Air Power (Vitória pela Força vos, nas verdadeiras condições
de conflito aéreo 17.

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diversas atividades ligadas ao Po-
Os demais capítulos de Evo- der Aeroespacial, que vem a ser o
lução do Poder Aéreo são dedica- livro Poder Aéreo: Guia de Estu-
dos aos relatos acerca da atuação dos.
das forças aéreas na Segunda A referida obra, de caráter es-
Guerra Mundial, na Guerra da sencialmente didático, condensa as
Coreia, Guerra do Vietnã, das ideias dos principais teóricos do
guerras entre Índia e Paquistão e Poder Aeroespacial, bem como
árabe-israelenses, Guerra das Mal- detalha os princípios de guerra, à
vinas e outros conflitos contempo- luz da guerra aérea. Tece igual-
râneos. Em todos eles, Santos rea- mente considerações sobre as ca-
firma a ênfase nos aspectos da racterísticas e funções do Poder
evolução tecnológica da Guerra Aéreo, inclusive com uma análise
Aérea, em especial acerca do ad- comparativa entre diversas Forças
vento do radar, na Segunda Guerra Aéreas do mundo.
Mundial, e do míssil, mais recen- Mais do que uma simples
temente. manual, Poder Aéreo: Guia de
O último dos pensadores é o Estudos é um verdadeiro tratado
coronel-aviador Carlos Eduardo sobre os diversos aspectos da
Valle Rosa. Este Instrutor exerceu guerra aérea, com ênfase nos as-
suas atividades na ECEMAR no suntos relacionados à Estratégia
período de 2008 a 2010. Após Aérea, tema de grande relevância
solicitar transferência para a reser- em todos os conflitos ocorridos
va, em 2011, tornou-se Oficial de desde a Segunda Guerra Mundial,
Doutrina da antiga Primeira Força inclusive, e ainda controvertido,
Aérea, em Natal, mais tarde Ala em especial no contexto do Direito
10, e hoje Base Aérea de Natal. Internacional dos Conflitos Arma-
Em 2014, escreveu a primeira dos.
obra, em Língua Portuguesa, desti-
nada a auxiliar docentes e alunos
das escolas e instituições ligadas às

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CONCLUSÃO Destarte, restou comprovada
a interação entre a Geopolítica,
Este trabalho teve por objeti- através da Geoestratégica e sua
vo esclarecer de que maneira a expressão que é o Poder Aeroes-
Geopolítica está relacionada ao pacial.
Poder Aeroespacial. Iniciou-se
pelos conceitos e definições de
Geopolítica, Geoestratégia, e Po- BIBLIOGRAFIA
der Nacional. A seguir, o Poder
Aeroespacial, com seus conceitos BRASIL, Força Aérea Brasileira.
e definições, foi objeto de análise Doutrina Básica da Força Aérea
detalhada. A vida e principalmente Brasileira. Brasília: Estado-Maior
da Aeronáutica, 2012.
os escritos dos principais teóricos
brasileiros do Poder Aéreo foram CASTRO, T. Geopolítica: princí-
estudados, com grande ênfase na pios, meios e fins. Rio de Janeiro:
contribuição destes na internaliza- Colégio Pedro II, 1986.
ção e adaptação dos escritos de LAVANÉRE-WANDERLEY, N.
teóricos estrangeiros à realidade F. História da Força Aérea Brasi-
brasileira. leira. Rio de Janeiro: Editora Grá-
fica Brasileira, 1975.
Cabe salientar que os pensa-
dores cujos ensinamentos doutri- LAVANÈRE-WANDERLEY, N.
nários foram expressos neste arti- F. Estratégia Militar e Desarma-
mento. Rio de Janeiro: Bloch Edi-
go não esgotam a literatura exis-
tores, 1969.
tente. Outros teóricos do Poder
Aeroespacial, estrangeiros e brasi- ROSA, C.E.V. Poder Aéreo: Guia
de Estudos. Rio de Janeiro: Edito-
leiros, já contribuíram para o rol
ra Luzes, 2014.
de estudos sobre essa importante
expressão do Poder Militar, e se- SANTOS, M. Evolução do Poder
Aéreo. Rio de Janeiro: Editora
rão estudados de forma pormeno-
Itatiaia, 1989.
rizada, em outros trabalhos.

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SIQUEIRA, D. L. Caminhada
11
com Eduardo Gomes. Rio de Ja- SANTOS, M. Evolução do Poder
neiro: Editora Revista Aeronáuti- Aéreo. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia,
ca, 1984. 1989, p. 38.
12
SIQUEIRA, D. L. Fronteiras. Rio Ibid., p. 40.
13
de Janeiro: Editora Revista Aero- Ibid., p. 43.
14
náutica, 1986. Ibid., p. 49.
15
MITCHELL apud SANTOS, op.cit., p.
49.
16
EMME apud SANTOS, op.cit., p. 58.
17
1
CASTRO, T. Geopolítica: princípios, SEVERSKY apud SANTOS, op.cit., p.
meios e fins. Rio de Janeiro: Colégio 79.
Pedro II, 1986, p. 28.
2
Ibid.
3
ROSA, C.E.V. Poder Aéreo: Guia de
Estudos. Rio de Janeiro: Editora Luzes,
2014, p. 26.
4
Ibid., p. 27.
5
BRASIL, Força Aérea Brasileira. Dou-
trina Básica da Força Aérea Brasileira.
Brasília: Estado-Maior da Aeronáutica,
2012, p. 8.
6
Ibid., p. 11.
7
GOMES, apud LAVANÈRE-
WANDERLEY, N. F. Estratégia Militar e
Desarmamento. Rio de Janeiro: Bloch
Editores, 1969, p. 9.
8
SIQUEIRA, D. L. Fronteiras. Rio de
Janeiro: Editora Revista Aeronáutica,
1986, p. 242-243.
9
Ibid., p. 251.
10
Ibid., p. 96.

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