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O debate sobre a criação da aviação militar brasileira (1911-1927)

MAURO VICENTE SALES*

1. O impacto do surgimento da aviação no Brasil

Os eventos aeronáuticos no Brasil, no início do século XX, são fruto de debates


que seguem uma ideia geral de modernização das Forças Armadas brasileiras, em um
contexto de modernidade vivido pelo Brasil da República Oligárquica. De acordo com
a historiadora Margarida de Souza Neves, os “ideais modernos” estavam
condensados no que então era visto como a associação indissolúvel entre os
conceitos de progresso e de civilização, redesenhavam o quadro
internacional, acenavam com a possibilidade de um otimismo sem limites
em função das conquistas da ciência e da técnica. (NEVES, 2008:18-26)

A atividade aeronáutica surgia no mundo como fruto incontestável do avanço


tecnológico, em que motores potentes e leves podiam finalmente ser os vetores de
aparelhos voadores cada vez mais aperfeiçoados. Os países industriais de início do
século XX saíram definitivamente na dianteira deste processo tecnológico.
Na França, o brasileiro Alberto Santos-Dumont assimilava e criava as novas
tecnologias, que eram automaticamente repassadas a outros inventores, surgindo em
torno do inventor brasileiro, aglutinado no Aeroclube da França, uma massa crítica de
cientistas e entusiastas da aeronáutica.
No Brasil, os feitos de Santos-Dumont impactaram fortemente a mentalidade
coletiva nacional, pois o cientista brasileiro foi, sem dúvida, o primeiro patrício a ganhar
notoriedade mundial (HOFFMAN, 2004). Os debates sobre a criação da Aeronáutica
militar contaram com este impacto. Civis e militares preocupados com a defesa nacional
alertavam que, apesar de o país contar com cientistas como o Pai da Aviação, isto não
era levado em conta pelas autoridades nacionais, mais preocupadas com o equilíbrio
orçamentário (MOTTA, 2001: 218-219).
Desta maneira, no Brasil, surgiram várias iniciativas particulares relativas à
aeronáutica. Enquanto na Europa e nos EUA o voo mecânico é corrente desde 1906,
aqui um dos primeiros voos mecânicos teria sido realizado em 24 de janeiro de 1910 por
Gastão de Almeida, automobilista carioca, em um avião biplano francês Voisin,

*
Universidade da Força Aérea, Mestre.

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importado, e que possuía as formas do aeroplano 14 Bis (INCAER, 1988: 364). De
acordo com o biógrafo de Santos-Dumont, o norte-americano Paul Hoffman, o primeiro
avião a realizar um vôo público na Europa, o 14 Bis, teve o auxílio do também pioneiro
da aeronáutica mundial, o francês Charles Voisin. (HOFFMAN, 2004: 233).
Neste mesmo mês foi realizado o primeiro voo de um aparelho mais pesado que
o ar de projeto e construção brasileira em Osasco-SP. O avião monoplano São Paulo
voou 103 metros de distância, entre 2 a 4 metros de altura em 6,18 segundos. Seus
construtores foram o francês Demetrie Sensaud de Lavaud e o torneiro-mecânico
brasileiro Lourenço de Pellegati, em um projeto baseado no aeroplano francês Blériot e
usando um motor também francês Gnome (INCAER, 1988: 493). Na Europa e nos
EUA, as fábricas de automóveis, caminhões e motores já estavam estabelecidas e
irradiavam tecnologia de ponta na primeira década do século XX, enquanto o Brasil
importava essa tecnologia.
Em termos de debates públicos, é interessante perceber que o jornal carioca A
Noite, no ano de 1911, afirmava que o Brasil não poderia ficar sem acompanhar os
ventos da modernidade mundial e a aeronáutica seria um vetor de desenvolvimento
industrial do país, necessitando mesmo de uma indústria de base instalada. O jornal,
pertencente ao jornalista Irineu Marinho, enumerava os países que se sobressaíam na
atividade aeronáutica, associando-a às suas indústrias:
A França está atualmente na dianteira da aviação. A Itália segue-lhes as
pegadas (...) A Alemanha, povo essencialmente prático e industrial, apesar
de seus esforços em favor da aviação, pouco ou nada tem conseguido devido
a entender-se mais com os aeróstatos pesadíssimos e caríssimos de Zeppelin.
Todavia a Inglaterra, outro povo prático, tem conseguido brilhantes
resultados com a aviação e hoje em dia tem uma brilhante série de
aviadores. O Japão tem realizado prodígios na aviação. A América do Norte
também se tem despreocupado um pouco dos trustes para se interessar pela
aviação. No nosso continente, o Chile, o Peru, a Argentina já se dedicam,
com resultados, à aviação (A NOITE, 1/08/1911: 1).

Pode-se perceber que o redator de A Noite tocava em um ponto que, com


certeza, ele avaliava como um fator de projeção de poder geopolítico: são os povos
“práticos e industriais” que estão na dianteira econômica e tecnológica do mundo. A
aviação é percebida pelo redator como um sintoma do desenvolvimento de França,
Itália, Alemanha, Inglaterra, EUA e Japão, “pela indústria formidável que representa o
fabrico de aeroplanos de todas as marcas e todos os sistemas”. Mesmo a comparação a

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outros países da América do Sul, com o Chile, o Peru e a Argentina, colocava o Brasil
em situação de inferioridade quanto à sua aviação (A NOITE, 1/08/1911: 1).
Outra publicação importante no debate público sobre a criação da aeronáutica
brasileira foi a revista de assuntos militares A Defesa Nacional, fundada em 1913. Esta
revista surgiu em um contexto de grande atraso tecnológico e doutrinário em que viviam
as Forças Armadas brasileiras naquele período, preocupando-se inicialmente em suas
páginas com a preparação profissional do militar. Seus fundadores, conhecidos como
“jovens turcos” foram estagiários no exército alemão entre 1906 e 1912, e percebiam o
imenso atraso tecnológico nacional. O início da Primeira Guerra Mundial e o confronto
entre as máquinas de guerra industriais das potências beligerantes deixaram a
descoberto a exasperante deficiência tecnológica do Brasil.
A revista A Defesa Nacional assim, em diversos editoriais, a partir de 1914,
passava a defender a criação de uma indústria de base no país, afirmando que o Brasil e
suas Forças Armadas não poderiam estar na dependência da importação de artigos
militares estrangeiros. Em relação à aviação, começaram a surgir alguns artigos
técnicos, escritos por militares do Exército, recomendando-a “no reconhecimento de
objetivos cobertos” para a artilharia, em uso tático, de apoio aos objetivos terrestres. A
aviação ainda seria o olho da artilharia (A DEFESA NACIONAL, 10/05/1914: 269).
Entretanto, no Brasil, sem indústria mecânica de tecnologia nacional,
importando todo o maquinário necessário para a sua indústria de consumo, a aviação
acabou chegando ao país como um serviço de formação de pilotos, sem contar com
mão-de-obra especializada e sem irradiar tecnologia (INCAER, 1988: 392-394).
Assim, a aeronáutica no Brasil nos princípios do século XX surgia como
iniciativa particular. O primeiro avião brasileiro a receber patente nacional foi o Alvear,
construído por um descendente de espanhóis radicados no Brasil, o engenheiro carioca
J. D’Alvear. Entretanto, o inventor “logo abandonou a construção de aviões, aborrecido
com a falta de apoio oficial para a continuidade de suas atividades, e também chocado
com a morte do amigo Caragiolo, acidentado fatalmente em experiências com o Alvear”
(INCAER, 1988: 498).
Até a fabricação das hélices eram “um desafio à incipiente indústria aeronáutica
brasileira, que se via obrigada a importá-las (...) na época em que as dificuldades de
importação eram totais, por causa da guerra na Europa” (INCAER, 1988, p.500).

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A falta de apoio governamental seria a tônica para as iniciativas relacionadas às
construções de aviões em território brasileiro, nas décadas de 1910 e 1920. Somente no
período Vargas, com o avião M5, do engenheiro aeronáutico capitão do Exército
Antônio Guedes Muniz, em 1931, é que o apoio oficial do governo em encomendas se
materializou. Certo é que, dentre todos que construíram aviões no Brasil no período,
apenas Muniz realizara um curso de engenharia aeronáutica na França, a partir de 1927
(INCAER, 1990: 292-296).

2. As primeiras escolas de aviação

O encaminhamento da solução da aviação brasileira, nas primeiras décadas do


século XX, deu-se pela criação das escolas para a formação de aviadores. Não é demais
lembrar que, ao irromper-se a Primeira Guerra Mundial, as potências européias
beligerantes possuíam cerca de 700 aviões e aeronaves, usados inicialmente para
reconhecimento aéreo, mas logo transformados em bombardeiros e caças, em “uma
competição tecnológica que resultou em equipamentos ainda mais letais” (HOFFMAN,
2004: 265-266).
O Brasil, por seu lado, embora não estivesse envolvido diretamente no conflito,
logo sentiu os efeitos da guerra. De acordo com o INCAER, “nossa aviação foi logo
bastante afetada pela impossibilidade de importações, tanto de aparelhos, como de
sobressalentes, o que provocou marcante atraso no seu desenvolvimento” (INCAER,
1988: 432).
Entretanto, o atraso no desenvolvimento de “nossa aviação” não era
consequência, como foi dito, da impossibilidade de realizar importações de
equipamentos, mas sim de uma dependência tecnológica, pois o Brasil não possuía uma
indústria de base consolidada nessas décadas iniciais do século XX. Sendo a aeronáutica
uma indústria de tecnologia cada vez mais complexa, ao país não restou senão aguardar
o fim do conflito mundial para adquirir, por preços baixos, as sobras da aviação
beligerante na Europa (WANDERLEY, 1975: 60).
Havia iniciativas particulares e pressão na imprensa, principalmente o jornal
vespertino A Noite, pela criação de uma escola de aviação no Brasil. Em edição de 26 de
julho de 1912, A Noite dizia que a organização dessa escola iria ser “um valioso

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concurso à Aviação Militar”, se o governo quisesse “instituir o aeroplano como arma de
guerra”, como mais cedo ou mais tarde fatalmente haveria de acontecer (INCAER,
1988: 384).
Assim, os primeiros aviadores brasileiros forjaram-se por iniciativa particular.
Em abril de 1911, o tenente da Marinha Jorge Henrique Moller foi o primeiro militar
brasileiro a ser brevetado aviador, na França. Em julho, foi a vez de Eduardo “Edu”
Chaves. Em outubro de 1912 foi a vez do tenente do Exército Ricardo João Kirk. Neste
mesmo ano, Cícero Arsênio de Sousa Marques, brevetou-se aviador, todos na Europa
(INCAER, 1988: 389-404; CALAZA, 2007: 52).
Depois de muita pressão da imprensa, a primeira tentativa oficial de se criar
uma aviação para o Exército deveu-se ao ministro da Guerra general Vespasiano
Gonçalves de Albuquerque Silva. Em princípios de 1913, o ministro contratou uma
empresa criada às pressas pelos aviadores italianos Gian San Felice Gino, Vitório
Bucelli, Eduino Orione e Arturo Jona, intentando dar início à escola de aviação
(INCAER, 1988: 386-395; CALAZA, 2007: 55)
A falência da EBA, apenas cinco meses depois de inaugurada, em 18 de junho
de 1914, deixou muitas questões e dúvidas. O repasse das instalações e dos “aviões
velhos” para o Exército, conforme palavras de um de seus alunos, representou mais um
atraso na modernização das Forças Armadas e criação da aeronáutica no país,
principalmente às vésperas da Primeira Guerra Mundial (INCAER, 1988: 394).
A Marinha brasileira, por seu lado, com o fracasso da EBA, acabou por seguir
um rumo diferente, investindo na criação da Escola de Aviação Naval, criada por
decreto de 23 de agosto de 1916, na gestão do ministro da Marinha almirante
Alexandrino Faria de Alencar, no governo do presidente Venceslau Brás.
A Marinha brasileira, já em 1908, tem estudos relacionados à organização de um
serviço aeronáutico, com projeto de aquisição de dirigíveis e aeroplanos para “missões
de esclarecimento” (INCAER, 1988: 406).
A revista A Defesa Nacional, apesar de centrar seu foco nos problemas militares
terrestres, do Exército, aborda questões aéreas ligadas à defesa da costa brasileira, além
de publicar artigos de grande impacto militar e naval. Sendo uma revista publicada sob
a iniciativa de oficiais do Exército, acaba por priorizar os assuntos profissionais do
Exército. Porém, alguns artigos mostram uma preocupação genuína com a defesa

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nacional, que no caso brasileiro passava necessariamente pela defesa da costa
continental.
Assim, A Defesa Nacional, em janeiro de 1914, abordou esse assunto, no
artigo “Baterias da Costa”. O artigo ilustra bem a preocupação do capitão Paes de
Andrade com a artilharia de costa, auxiliar da frota naval na proteção da soberania do
país, que ficaria vulnerável ao progresso das novíssimas máquinas aéreas, os dirigíveis e
aeroplanos. Ao finalizar, o articulista informava que a marinha de guerra da Alemanha
possuía um “canhão do tipo eclipse” com “movimento esférico, onde o atirador, por
meio de uma luneta de prisma, telemétrica, acompanha o balão ou aeroplano e imprime
movimento ao sistema”. O artigo tem uma interessante gravura em que o canhão
antiaéreo acompanha os movimentos de um aeroplano (A DEFESA NACIONAL,
10/01/1914:110) .
A Marinha brasileira mostrou vivo interesse na evolução da nova arma aérea e
matriculou 25 alunos na EBA, em 1914. Com a falência da escola de aviação
“terceirizada” do Exército, dois meses depois, em 22 de agosto de 1914, um Aviso do
ministro da Marinha criava uma Escola de Submersíveis e Aviação, que afinal não
chegou a funcionar (INCAER, 1988: 407).
Assim, de fato, somente dois anos depois, foi assinado o decreto de criação da
Escola de Aviação Naval, com novas instalações construídas na ilha do Rijo-RJ. A
Marinha optou por material aeronáutico norte-americano da fábrica Curtiss, da qual
foram adquiridos três hidroaviões e peças de reposição, vindo dos EUA o mecânico e
piloto Orthon Hoover (WANDERLEY, 1975: 53-66).
A solução encontrada pela Marinha para criar a sua Escola de Aviação foi
simples, mas também arriscada: com três aviões importados e um mecânico-aviador-
instrutor, qualquer acidente e imprevisto inviabilizaria o empreendimento. Os aviadores
navais em seguida passavam à função de instrutores, e alguns iam especializar-se nos
EUA. Assim, ainda no transcorrer da Primeira Guerra Mundial, a Marinha Brasileira
tinha disponíveis aviadores navais que, em meados de 1918, vão ser enviados para a
Inglaterra, para missões aéreas (INCAER, 1988: 433-434).
O Exército somente ao fim da Primeira Guerra Mundial conseguiu criar a sua
Escola de Aviação, sob a orientação da Missão Militar Francesa de Instrução (MMF),
sob a direção do General Gamelin.

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A posse do novo ministro da Guerra, general Alberto Cardoso de Aguiar, em
novembro de 1918, foi fulminante: para a aviação do Exército foi aberto um crédito de
dois mil contos de réis pelo Congresso Nacional para “organizar o Serviço de Aviação
Militar, fazer as instalações, adquirir aeroplanos e o material necessário, estabelecer
escolas de aviação, contratar professores e dar regulamento ao Serviço” (INCAER,
1988: 448).
A Escola de Aviação Militar estava destinada a ministrar instrução de pilotagem
e observação aérea a oficiais e sargentos do Exército, além dos cursos de mecânico a
sargentos e praças (INCAER, 1988: 449). O primeiro regulamento da Escola de
Aviação Militar foi aprovado em abril de 1919, e constava que ela estaria diretamente
subordinada ao Estado-Maior do Exército, destinando-se a preparar pilotos aviadores,
observadores, aperfeiçoamento, mecânicos e operários especialistas para a construção e
reparo de aviões. Enquanto o curso de observadores aéreos durava 10 semanas, os
demais duravam 23 semanas. O regulamento indicava que o chefe da MMF de Aviação,
o coronel Etienne Magnin seria o responsável pela instrução técnica da escola
(WANDERLEY, 1975: 72-73).
Com o aumento da importância operacional da Aviação Militar para o Exército,
na década de 1920, tornou-se imperioso realizar obras de ampliação do Campo dos
Afonsos, ainda contendo as instalações acanhadas da antiga EBA. Assim, em 1921, o
Ministério da Guerra conseguiu uma grande ampliação das instalações de aviação dos
Afonsos (INCAER, 1990: 78)

3. A criação da Arma de Aviação do Exército

O caminho para a criação da Arma de Aviação no Exército começava a ser


trilhado seguramente. O debate sobre a criação da aeronáutica brasileira estava bastante
vivo. Ainda em 1916 o tenente Marcos Evangelista Villela Junior, construtor de dois
protótipos de aviões, chamados Aribu e Alagoas, entre 1917 e 1919, escrevia na revista
A Defesa Nacional que o Brasil poderia construir planadores que poderiam custar a
metade do preço de um modelo francês, “a fim de obtermos no mais breve tempo a
organização da nossa Quinta Arma atualmente indispensável a todo e qualquer Exército
classificado” (A DEFESA NACIONAL, 10/09/1916: 380).

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O capitão aviador observador do Exército Newton Braga exerceu,nas páginas de
A Defesa Nacional, a função de vulgarizador de ideias da Aeronáutica para os
“camaradas das outras armas” e sistematizador de conhecimentos gerais para os pilotos
e observadores sobre a utilização de aeroplanos como arma nas diferentes situações de
guerra. Como não existia então um regulamento da Arma de Aviação, Braga pesquisou
o assunto, divulgando os seus resultados e conclusões. Interessante ver que Braga
avaliava que os ensinamentos da MMF estavam limitados às Escolas de Aviação,
Estado-Maior, e ao Aperfeiçoamento, não chegando ao conjunto da tropa.
Lamentava Braga que a Aviação fosse vista como um “corpo estranho” ao
Exército. Entretanto, para ele, a Aviação possuía todas as características de uma arma,
com os princípios de organização e comando estabelecidos, com tática e missões
perfeitamente definidas, com uma capacidade de evolução superior às outras armas e
como possuindo, em síntese, as propriedades de todas elas. A ideia de criação de uma
arma de Aviação está assim lançada pelo capitão Newton Braga nas páginas da revista A
Defesa Nacional:
Fora das distinções formalísticas, só há a aviação de combate, na maioria
dos casos, ela terá de passar para cumprir as suas diferentes missões. Esta
ideia dominava a aviação já no fim da grande guerra e hoje ela se traduz
praticamente nas suas formações em grupos, no aumento da potência dos
fogos e tecnicamente na realização cada vez mais procurada de um tipo de
avião homogêneo, capaz de se adaptar, de cumprir todas as missões que a
aviação possa ser mobilização e concentração, agindo em ligação com a
cavalaria (...) Ora, como assim é (...) em qualquer guerra moderna,
descabido será continuar a chamá-la de serviço ou esporte e temerário não
imprimir-lhe desde já, uma organização de acordo com sua finalidade,
dotando-a de aparelhos em condições de se poder acompanhar de perto os
progressos técnicos e táticos da arma (BRAGA, 1925: 25).

Defendia Braga que o governo deveria continuar a fornecer recursos à aviação,


completados por uma organização mais eficiente, homologando-lhe o caráter de Arma a
que ela teria direito e da Missão Francesa de Aviação o mesmo “esforço e desvelo que
até aqui tem manifestado” (BRAGA, 1925: 25).
Finalmente, no ano seguinte ao artigo de Braga, a revista A Defesa Nacional
anunciava a apresentação do projeto de criação da Quinta Arma de Aviação do Exército,
pelo senador Carlos Cavalcanti e considerava a iniciativa lógica do ponto de vista
estritamente militar, com a formação dos quadros especialistas na Aeronáutica.
Para A Defesa Nacional, a Aviação do Exército funcionava com dificuldades,
com aviadores e observadores tomados por empréstimo das demais Armas, e seus

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órgãos de direção entregues a oficiais leigos no métier dos ares. Assim, para a revista, as
formações aéreas não possuiriam consistência orgânica necessária. Uma avaliação
positiva do projeto foi realizada pela revista, que a Arma de Aviação “ao contrário,
precisamos que ela seja ao mesmo tempo o arcabouço das asas do Brasil e constante
estímulo para que as nossas asas cada dia se tornem mais amplas, vão mais longe e
voem mais alto” (A DEFESA NACIONAL, 10/08/1926: 204).
Os redatores da revista de assuntos militares aplaudiam o projeto, pois o mesmo
regulava o controle de toda a aviação no país, transformando em reservas militares o
pessoal e o material da aviação civil. Assim, seria uma maneira de realizar uma
“justaposição das questões militares às suas homólogas civis”. Para revista, a
razão principal de ainda não termos aviação de nenhuma espécie está em
havermos pretendido fazê-la no compartimento estanque dos Afonsos. Agora
sim, voaremos. Não está em jogo o Exército. Nas asas da nação é que vamos
voar. A nação é que voará arregimentada, instruída, abastecida e dirigida
pelos técnicos militares. Muito bem!

A revista A Defesa Nacional, mais uma vez estava montando sua pauta de
modernização para as Forças Armadas e, em especial, o Exército. A criação da Quinta
Arma lançava uma nova plataforma de ação: a busca da nação, a nação desconhecida do
imenso hinterland. “É urgente que a nação conheça o Exército que tem e o Exército que
deve ter”. Falava, então, da colaboração civil, procurando técnicos que se interessassem
pelas questões da defesa nacional, como os transportes, indústrias químicas, metalurgia,
da viação marítima, fluvial, rodoviária e ferroviária, de estatísticas, de direito
internacional (A DEFESA NACIONAL, 10/08/1926: 214).
O futuro passaria a ser a independência operacional da Aeronáutica em relação
ao Exército e à Marinha, com missões e doutrinas próprias. Mas essa será uma outra
história, contada a partir de 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, capitão Newton. “Papel da aviação militar nas diferentes operações de guerra” In: A
Defesa Nacional, n° 143 e 144, NOV/DEZ 1925, p.25.

CALAZA, Cláudio Passos. Aviação no Contestado: investigação e análise de um emprego


militar inédito. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade da Força Aérea, 2007.

HOFFMAN, Paul. Asas da Loucura: a extraordinária vida de Santos-Dumont. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2004.

A Defesa Nacional, nº4, 10/01/1914, “Baterias de Costa”, p.110.

INCAER. História Geral da Aeronáutica Brasileira. Rio de Janeiro/Belo Horizonte:


INCAER/Itatiaia, 1988, vol.1 e 1990, vol.2.

MOTTA, Jehovah. A Formação do Oficial do Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2001.

NEVES, Margarida de Souza. “Os Cenários da República. O Brasil na virada do século XIX
para o século XX” In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil
Republicano: O tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

VILLELA JUNIOR, Marcos Evangelista. “A aviação militar no Brasil”, In: A Defesa Nacional,
no 36, 10/09/1916, p.380.

WANDERLEY, Nelson Freire Lavenére. História da Força Aérea Brasileira. MAER, 1975,
pp.53 a 66.

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS
CENDOC. Acervo Santos-Dumont/Centro de Documentação e Histórico da Aeronáutica.

A Defesa Nacional, n° 152, 10/08/1926, “Quinta arma – salve!”, p.204.

A Defesa Nacional, n° 152, 10/08/1926, “Dando o exemplo”, p.214.

A NOITE, 1/08/1911: “Plauchut voará”, p.1.

A Defesa Nacional, n° 8, 10/05/1914, “Tática da Artilharia de Campanha”, p.269.

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