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ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

ATENÇÃO BÁSICA - SUS

ORGANIZAÇÃO DE SISTEMAS E SERVIÇOS DE


SAÚDE
Professor: Rogério Miranda Gomes
Modelos de Proteção à Saúde: origens

Relatório Dawson (Inglaterra-1920)

• Integralidade: prevenção e cura (integração


sanitária)

• Organização dos serviços pelo Estado conforme


as necessidades diagnosticadas (programação
da oferta de serviços)

Bertrand Edward
• Ações interdisciplinares e intersetoriais Dawson, (1864-1945)
Relatório Dawson (Inglaterra-1920)

Baseado em:

• Regionalização: territorialização e alocação


descentralizada de serviços (mais próximos da
população)

• Integração: hierarquiza os diferentes serviços,


tecnologias e especialidades segundo uma lógica racional
- densidade tecnológica adequada às fases/processos de
adoecimento – conexão através de referência

• Serviços de base comunitária: Atenção Primária à


Saúde como porta de entrada e coordenadora do
cuidado. Com médico-generalista, equipe
multiprofissional e população adscrita

• Planejamento e Avaliação: racionalização na alocação


de recursos e nos gastos
Hierarquização
Atenção Primária à Saúde (APS)

• Atenção ambulatorial

• Primeiro (e mais frequente)


contato do usuário com o
sistema de saúde

• Fácil acesso

• Voltada para condições mais


comuns e para resolver a
maioria dos problemas de saúde
de uma população

• Centrada em tecnologias leves


(relacionais e reflexivas)
Atributos da APS

• Porta de entrada do sistema:


acessível; primeiro contato;
realiza encaminhamentos
• Coordenação do cuidado:
atenção ininterrupta
• Integralidade: abrangência.
Conjunto de práticas em saúde
• Cuidado centrado na
individuais e coletivas
família
• Longitudinalidade:
• Competência cultural:
acolhimento; adscrição
territorial consideração às
diferenças culturais e de
• Serviço orientado para a necessidades de saúde
comunidade dos diversos grupos
populacionais.
Funções da APS

• Resolutividade

• Comunicação

• Responsabilização
Atenção Primária seletiva (restrita)
• Conjunto de intervenções de
baixo custo para combater
algumas doenças infecciosas
em países pobres (com o
objetivo principal de reduzir a
mortalidade infantil

• Estimulada por Agências


Internacionais, a partir do
modelo da medicina
comunitária dos EUA:

– Fundação Rockefeller
– Banco Mundial
– Fundação Ford
– UNICEF
Atenção Primária Seletiva: principais
ações

– Acompanhamento do
crescimento e
desenvolvimento infantil

– Reidratação oral

– Aleitamento materno

– Imunização

– Suplementação alimentar

– Alfabetização feminina

– Planejamento familiar
APS Abrangente: em países com
sistemas de Seguridade Social

• Base de um sistema universal

• População adstrita

• Amplo espectro de serviços

• Integração com outros níveis


de assistência
 A depender do país, contempla
• Coordenação do cuidado mais ou menos problemas
coletivos e atuação intersetorial
• Centrada no médico
generalista e equipe • Nos países europeus a ênfase
multidisciplinar principal é na clínica e cuidados
individuais.
Avaliações de impactos da APS

- Associação entre o maior grau de orientação à APS e o aumento da


efetividade dos sistemas de saúde, satisfação dos usuários,
promoção da equidade, integralidade e eficiência (SILVA ET AL.,
2014).

- Usuários indicam uma boa qualidade geral da APS, sendo os atributos


essenciais longitudinalidade e coordenação do cuidado os que
mais se destacam na avaliação (HARZHEIM ET AL., 2016).

- “Estudos mostram que os sistemas de saúde orientados por APS


resolutiva estão associados a melhores resultados e maior eficiência.
Comparações internacionais evidenciam melhores resultados nos países
que contam com uma estrutura de atenção primária robusta, exibindo
impactos positivos sobre alguns indicadores da situação de saúde,
havendo redução de mortalidade por todas as causas e de
mortalidade precoce por doenças respiratórias e cardíacas
(Macinko, Starfield & Shi, 2003).” (Giovanella et. al., 2017, 510).
Avaliações de impactos da APS

- “Uma boa organização dos serviços de atenção primária


contribui em geral para maior eficiência do sistema.
Pesquisas demonstram que um sistema de porta de entrada
obrigatória reduz custos, em especial se operado por um
setor de atenção primária que disponha de recursos
adequados, pois a atenção realizada pelo General Practice
demanda custos menores (Rico. Saltman & Boerma, 2003) e
resulta em menor uso de medicamentos.” (Giovanella,
2017: 510).
Na Dinamarca, país com serviço nacional de saúde em que o
médico generalista exerce a função de gatekeeper, existem
14,6 tomógrafos por um milhão de habitantes e é realizada 0,9
tomografia/cem mil habitantes; na Áustria, país com seguro
social de saúde sem primeiro nível de atenção definido,
existem 29,2 tomógrafos por um milhão de habitantes e são
realizados 2,5 exames/cem mil habitantes ao ano, sem
prejuízo para os resultados em saúde. A situação de saúde da
população dinamarquesa é bem melhor que a da austríaca
(Wendt & Thompson, 2004; OECD, 2012).

Atualmente, o fortalecimento da atenção primária é


considerado uma das estratégias mais efetivas para
responder as mudanças contemporâneas no perfil de
morbimortalidade (Giovanella, 2017).
APS NO SUS: Atenção Básica

– Dos serviços ambulatoriais do SUS apenas


uma parte compõe a APS. Serviços
especializados são considerados
secundários

– Na implementação do SUS a APS passou a


ser denominada Atenção Básica à Saúde
(AB)

– A Política Nacional de Atenção Básica se


implementa por meio de um conjunto de
serviços: Unidades de Saúde; Centros de
Saúde; Postos de Saúde

– Atenção Básica é responsabilidade da


administração municipal
Recursos Humanos da APS

• Médicos (Generalista/de família; Clínico


Geral; Pediatra e Gineco-obstetra)
• Enfermeiro
• Técnicos e Auxiliares de enfermagem
• Dentista
• Auxiliares de Consultório Dentário
(ACD) e Técnicos de Higiene Dental
(THD)
• Agentes Comunitários de Saúde (ACSs)
• NASF – Núcleo Ampliado de Saúde da
Família (apoio matricial): nutricionista;
farmacêutico; psicólogo; fisioterapeuta;
educação física...
APS no SUS: Estratégia Saúde
da Família

• Uma estratégia para Organização da


Atenção Primária

• Territorialização

• Adscrição da clientela

• Porta de Entrada do Sistema de Saúde

• Ações Intersetoriais
Saúde da Família: objetivos e
práticas

• Monitoramento das condições de


saúde da população adstrita

• Ações de tratamento, promoção e


prevenção

• Integração com ações intersetoriais:


outras políticas públicas com
interferência sobre a saúde
(educação, assistência social,
urbanismo, saneamento etc.)
Saúde da Família: adscrição da
clientela

• Número de indivíduos/famílias
vinculadas a cada equipe

• Responsabilização da equipe pela


saúde de determinada população

• Brasil: 1 equipe p 2–4 mil pessoas


(3 mil média recomendada)
Saúde da Família: porta de
entrada do sistema

• Deve garantir acesso universal à


toda a população adscrita

• Atenção Primária: deve ter


resolutividade de 80-90%

• Integralidade: Integração com outros


níveis do sistema - atenção 2ª (média
complexidade) e atenção 3ª (alta
complexidade)
Saúde da Família: composição
da equipe

• Equipe Básica (mínima): 1


médico generalista; 1 enfermeiro;
1 auxiliar/técnico de enfermagem;
agentes comunitários de saúde
(ACSs)

• ACS: 1 para cada 600 pessoas


(urbano) ou 400 pessoas (rural) –
máximo 750 pessoas
Saúde da Família no SUS

• 40.067 equipes

• 63,62% de cobertura
populacional
(6,5% em 1998)

(Ministério da
Saúde, 2016)
APS NO SUS

Financiamento:

– Norma Operacional Básica de


1996 (NOB 96): o financiamento
da Atenção Básica pelo ministério
da saúde deixa de ser por
produção de procedimentos e
passa a ser per capita

– Estabelece-se o Piso da Atenção


Básica (PAB) que passou a ser
transferido do ministério para os
municípios com base no número
de pessoas
Financiamento da Atenção Básica – SUS
(até 2019)
Piso da Atenção Básica (PAB)
PAB Fixo
- Valor: R$2,3 a R$2,8 por habitante/mês
- Critérios para diferenciação: PIB per
capita; percentual da população em
extrema pobreza; percentual da
população com plano de saúde;
densidade demográfica
PAB variável
– Depende das ações e programas
realizados pelo município
– Ex: Equipe Saúde da Família
(R$7.130/mês); Saúde Bucal
(R$2.230/mês); NASF
(R$8-20.000/mês); etc.
Alguns resultados da APS no SUS

• Ampliação da cobertura populacional


• Melhora nos indicadores de saúde: queda na mortalidade infantil e
materna, aumento de vacinação etc.
• Redução da incidência de internações por condições sensíveis à
APS
• Cuidado introduzido e alcançado com populações historicamente
desassistidas: maiores efeitos em regiões mais pobres
• Introdução de disciplinas correlatas na educação formal dos
trabalhadores da saúde
Comparação entre Cobertura de Atenção Primária e Taxas de Internação Hospitalares
em grandes cidades no Brasil em 2009 - Fonte DATASUS

100,00

90,00
86,7
80,00 78,90
77,3

70,00 71,5
67,73
65,19
60,00 61,73

53,57 54,93 55,01


52,8 52,09
50,00 49,49
47,71 46,23
43,07
42,75 42,88 41,88 42,82
40,00
34,53
32,6
30,00
27,20
22,27
20,00

TAXA INTERNAÇÃO HOSP/HAB*1000 COB ESF (% POP)


Proporção de internações de residentes por condições sensíveis à
atenção básica, nos anos de 2008 a 2012, Brasil e regiões
Lista Brasileira de Condições
Sensíveis à Atenção Primária –
Ministério da Saúde, 2008
A presença do mesmo médico na equipe por mais tempo
associou-se à redução de internações, com uma
amplitude inter-quartílica de 21 a 40 meses (-11/10.000
em mulheres por ano)

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Evolução dos Recursos Investidos - MAC e PAB Fixo e Variável - Brasil - 1998 a 2009

R$ 30.000.000.000,00

R$ 25.000.000.000,00

R$ 20.000.000.000,00
Valor ($)

MAC
R$ 15.000.000.000,00
PAB Fixo e Variável

R$ 10.000.000.000,00

R$ 5.000.000.000,00

R$ 0,00
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
ANO
APS e Restrição de Serviços oferecidos

• No Brasil 55.328 unidades de


saúde sem internação

• 43.160 integram o SUS


(41.260 públicas e 1.900
privadas)

• Apenas 23% das unidades


ambulatoriais realizam coleta
de exames

• 2/3 das US do SUS realizam


imunização 25% fazem dispensação de
medicamentos
• 20% fazem investigações
epidemiológicas 20% faz visita domiciliar (IBGE)
Limites da APS no SUS

Atenção Primária e Saúde da Família

• Relação profissionais/população adstrita é muito


baixa - poucos profissionais para muita demanda
• Equipes e profissionais sobrecarregados: serviço de
baixa qualidade
• Estrutura física precária: prédios, equipamentos,
fármacos
• Limitado suporte por outros níveis do sistema –
hospitais, pronto-socorros, especialidades, exames
complementares
• Médicos: déficit de quantidade e formação para APS
• Pouca interferência sobre condições de saúde
(ações intersetoriais)
Na prática...
APS e Saúde da Família na maior
parte do país:
• Bem melhor que a APS seletiva. Mas ainda
distante da APS abrangente

• Funcionando como uma importante


estratégia de expansão de cobertura.

• Porém essa cobertura, grande parte das


vezes, apresenta baixa resolutividade e
poucas condições de efetivar ações
estruturantes no sistema.

• Ainda baixa capacidade de porta de entrada


no sistema e coordenadora do cuidado;
pouca integração e suporte de outros
níveis do sistema (secundário e terciário)
Perigos atuais para a APS

Com todas as adversidades, nestes 30 anos, uma boa


parte dos sucessos do SUS pode ser atribuída à ampliação
do acesso à atenção básica e especialmente à importante
expansão da Estratégia Saúde da Família no território
nacional. No momento atual o SUS está sob forte ameaça e
a Saúde da Família também.

Aos constrangimentos financeiros decorrentes do


subfinanciamento crônico do SUS e da atual crise
econômica soma-se o ajuste draconiano da EC 95 que
congela os gastos públicos por 20 anos, que, se
mantido, significará o desmantelamento do SUS. Ao
mesmo tempo, nossa APS está ameaçada pela abolição da
prioridade para a ESF e outras alterações definidas na
PNAB reformulada em 2017.
Queda dos recursos da saúde com o teto de gastos aprovado em 2015
NOVA PNAB

• PORTARIA Nº 2.436, DE 21 DE SETEMBRO


DE 2017: Aprova a Política Nacional de Atenção Básica,
estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da
Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)

• O que mudou:
- Financiamento federal indistinto entre ESF e outras
modalidades de AB (ESF deixa de ser central); a tendência
é redução do número de equipes;
- Flexibilização da equipe (número, tipo de profissionais e
carga horária); nas equipes não-ESF a carga horária
médica pode ser de 10 hs semanais; número de
ACS/família pode ser reduzido; Saúde Bucal passa a ser
opcional.
Mudança no financiamento da AB:
desfinanciamento
Programa Previne Brasil (2019)
• Novo modelo federal de financiamento APS, integra os
componentes: Captação Ponderada, Pagamento por desempenho,
Incentivo para ações estratégicas e o Incentivo com base em
critério populacional
• Substitui o PAB fixo (per capita – população residente no
município; R$2,3/hab/mês) e o PAB variável (condicionado à
implantação de estratégias: Saúde da Família, Saúde Bucal, NASF
etc.) pelo financiamento por capitação ponderada - valor por
pessoas cadastradas pela APS(R$0,49/hab/mês).
• O financiamento federal para AB deixa de ser pela população total
do município e passa a ser pela população cadastrada
• Problema: municípios que não têm toda a população cadastrada
perdem recursos
Mudança no financiamento da AB:
desfinanciamento

Programa Previne Brasil (2019)

• Problema: municípios que não têm toda a população cadastrada


perdem recursos
• Ex: a perda para o conjunto dos municípios paulistas na dimensão
da Capitação Ponderada seria de aproximadamente R$ 423
milhões (mais de 25% das projeções de recebimento para 2019)
• Com o advento da pandemia (2020), essa mudança foi
adiada/atenuada
• Nota técnica do ministério da Saúde (2020) desobriga os
municípios de cadastro das equipes de NASF. A tendência é a
redução de equipes de Saúde da Família, Saúde Bucal, e fim das
equipes de NASF...
NOVA PNAB: resultados

• PORTARIA Nº 2.436, DE 21 DE SETEMBRO DE 2017


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GIOVANELLA, L. et. al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma


abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência e Saúde
Coletiva. 14(3). 783-794. 2009.
HARTZ, ZMA; CONTANDRIOPOULOS, AP. Integralidade da atenção e integração de
serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem
muros”. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 Sup 2:S331-S336, 2004
GIOVANELLA, L. A atenção primária à saúde nos países da União Européia:
configurações e reformas organizacionais na década de 1990. Cad. Saúde Pública,
Rio de Janeiro, 22(5):951-963, mai, 2006
ALMEIDA, P. F.; GIOVANELLA, L. NUNAN, B. A. Atenção Primária Integral à Saúde —
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GIOVANELLA, L. e MENDONÇA, M. H. M. Atenção Primária à Saúde. In.: GIOVANELLA,
L. (org.) Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2ª ed. RJ: Editora Fiocruz, 2017.
PINTO JR., E. P.; AQUINO, R.; MEDINA, M. G.; SILVA, M. G. C. Efeito da Estratégia
Saúde da Família nas internações por condições sensíveis à atenção primária em
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