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Dentro do nosso Contencioso Administrativo encontramos a figura da Intimação,

históricamente, este meio processual já se verificava no Anteprojeto do Código de Processo nos


Tribunais Administrativos (doravante CPTA), discutido no ano de 2000, este projeto continha um
artigo, o 114º nº1 onde já se verificava a existência de uma via processual especial com vista à
proteção de direitos, liberdades e garantias, no entanto, nessa data este processo era visto como
uma modalidade urgentissima de tutela cautelar, contrariamente à atualidade onde o CPTA vê
este meio processual como um processo autónomo.

Existem dois tipos diferentes de intimação, ambos regulados no CPTA, o primeiro, a


intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões,
presente nos artigos 104º a 108º, e em segundo lugar, processo que abordarei com ênfase, a
intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no artigos 109º a 111º.

De que se trata então a Intimação?

É um meio de defesa dos particulares perante a Admnistração e outras entidades que


atuem em seu nome e poder, condena a prática de atos praticados no âmbito de relações juridico-
administrativas, delimita-se o seu âmbito através do artigo 4º nº1 alínea a) do ETAF; este meio
pressupõe que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa por parte da
Administração, como demonstra o artigo 109º nº1 e 3 do CPTA. Este processos de intimação
caracterizam-se por terem como traço fundamental a urgência e dirigem-se à emissão de uma
imposição para a adoção de um comportamento, comportamento este que pode englobar tanto
ações, omissões, operações materiais e até simples atos juridicos.

Este processo verifica-se como uma concretização da proteção de direitos fundamentais,


assim, a ação deve ter em conta apenas situações onde haja de forma direta e atual um conflito
em relação ao exercício de direitos, liberdades ou garantias. Encontramos o seu fundamento
numa norma constitucional, o artigo 20º nº5 que ao dizer "Para defesa dos direitos, liberdade e
garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou
violações desses direitos", demonstra a importância desta ação que consubstancia o poder do
cidadão, para que o mesmo se faça ouvir através de um mecanismo de defesa contra a
Administração.

A intimação está intrisecamente ligada ao princípio da tutela jurisdicional efetiva no


âmbito do contencioso administrativo, princípio este previsto no artigo 20º e 268º nº4 da
Constituição da República Portuguesa (de agora em diante, CRP); este princípio consiste na ideia
de que a cada direito material corresponde uma reação procesual eficaz contra a ingerência ilícita
de poderes públicos na esfera jurídica dos particulares. A cada direito corresponde uma ação. O
princípio da tutela dá ao cidadão o acesso necessário aos tribunais como forma de defesa, quer
nas suas relações privadas quer nas relações com a própria Administração. Para além da ligação a
este princípio, podemos afirmar que a intimação justifica-se numa visão de Estado de Direito,
manifestando-se numa estrutura organizada de poder e ação, visand garantir a convivência
ordenada e segurança jurídica.

O processo de Intimação apresenta três requisitos de admissibilidade em relação ao


pedido, sendo estes, o objeto, a legitimidade das partes e por fim, o respeito pelo seu caráter
subsidiário.

1. O objeto da intimação vida tutelar os direitos previstos no Título II, parte I da CRP,
prevenindo os atentados por parte dos poderes públicos. O objeto divide-se em três, tratando-se
sempre de uma condenação da Administração; em primeiro, na emissão de um ato administrativo
ou na cessação do mesmo; na adoção ou abstenção de uma certa conduta e por fim na emissão de
um regulamento de execução ou a contrario, a revogação de um regulamento de execução ilegal.

2. Após reconhecer do que se trata de facto este processo, importa saber quem tem então
legitimidade para requerer esta via adminstrativa e quem pode ser alvo da mesmo; a legitimidade
apresenta duas facetas, do lado ativo é parte legitima para solicitar este processo todo aquele que
arguir e consequentemente provar a ameaça de uma lesão ou possível lesão tanto de direitos,
liberdade e garantias e venha a ameaça através de uma ação como de uma omissão de entidade
administrativa; referindo com importância o artigo 12º da CRP que demonstra que a intimação
tanto pode ser requerida por uma pessoa singular como por uma pessoa coletiva. A segunda
faceta remota ao lado passivo, podem ser alvo de uma intimação, de acordo com o artigo 109º do
CPTA, a Administração (nº1 do mesmo artigo) como também entidades que exerçam funções
materialmente administrativas (nº2 do mesmo artigo).

Depois de saber quem pode intentar este tipo de ações, importante saber que tribunal é competente para
apreciar estes litigios. Segundo o artigo 4º nº1 a) do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição
administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a tutela de direitos fundamentais,
como se verifica neste caso. Havendo uma hierarquia entre Tribunais Administrativos de Círculo,
Tribunais Centrais Administrativos e o Supremo Tribunal Administrativo, recorremos ao artigo 44º nº1
1º parte do ETAF, que nos diz que quem conhece deste tipo de pedidos são os Tribunais Administrativos
de Círculo, sendo que não se verificam nenhuma das exceções da 2º parte do mesmo artigo. Falta saber
qual o Tribunal de Círculo competente a nível territorial, para isso atendemos aos artigos 16º e seguintes
do CPTA, expecificamente, o artigo 20º nº5 afirma que em matéria de processos de intimação sobre
proteção de direitos fundamentais são instaurados " (...) no tribunal da área onde deva ter lugar o
comportamento ou omissão pretendidos.".

3. Relativamente à subsidiariedade da intimação de proteção de direitos, liberdades e garantias, o


artigo 109º nº1 do CPTA diz-nos que este processo só pode ter interposto "por não ser possível ou
suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar", assim a intimação é
subsidiária em relação às providências cautelares. A intimação só será admissivel se o direito ameaçado,
não poder ser tutelado com mais eficácia (eficácia esta a que a Professora Carla Amado Gomes
denomina, adequação e plenitude) por uma providência cautelar disponivel no sistema. Como nos diz o
Professor JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, em A Justiça Atributiva (Lições), a lei exige que
não seja possivel ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar. Importa assim
distingui-las, de um lado, as providências cautelares visam evitar a prática de atos que possam ser
violadores de direitos, liberdades e garantias e do outro, o processo de intimação pretende impor a
adoção de uma conduta, positiva ou negativa. No entanto, relembrar que a intimação é visto como um
processo principal e autónomo que produz caso julgado material e não como um processo de natureza
cautelar; as providências cautelares são figuras acessórias de um processo principal.

Aliada à subsidiariedade, temos a indispensabilidade, que corresponde à "absoluta e


incontornável necessidade da intimação para assegurar a possbilidade de exercer o direito", esta
indispensabilidade é averiguada em relação à prova dada pelo individio de que a intimação é o seu único
meio que faça valer o seu direito, esta caracteristica está inerente à ponderação, ponderação esta de
interesses e valores que estão na base da criação da intimação. Existe de facto, uma obrigação de
ponderação que visa assegurar que a proteção dos direitos é feita em tempo justo e necessário.

Devido a este caráter de subsidiariedade, sendo que a propositura de ações de intimação estará
sempre em segundo lugar em relação ao decretamento de qualquer providência cautelar possível, acaba
por fazer da intimação, um processo menos utilizado, como diz novamente a Professora Carla Amado
Gomes faz da intimação um "remédio de última ratio".

Em sede de tramitação do processo, é caracteristica deste meio de defesa, a celeridade. Ao


contrário da maioria dos processos que segue uma forma comum, o caráter de urgência deste meio faz
com que tenha uma tramitação especial. Tramitação esta que se verifica na existência de diferentes tipos
de urgência.

Em primeiro lugar, a urgência ordinária, esta dá ao requerido sete dias para responder ao pedido e ao
juiz cinco dias para tomar uma decisão (artigo 110º nº2 do CPTA); em segundo lugar, urgência
moderada, apesar de celere na mesma, prevê uma ponderação mais complexa dos interesses em conflito
(artigo 110º nº3 do CPTA); em terceiro lugar temos a urgência especial, a qual permite que o juiz
encurte o prazo concedido ao requerido para apresentar a sua defesa, passando de sete dias para quatro
dias (artigo 111º nº2 do CPTA); e por fim, a urgência extraordinária, na qual o juiz determina a
realização de uma audiência oral no prazo de 48 horas para depois estabelecer o destino do pedido
(artigo 111º nº2 do CPTA).

Em matéria de recursos, as decisões de improcedência de pedidos de intimação para proteção de


direitos, liberdades e garantias são sempre recorríveis, seja qual for o valor da causa, de acordo com o
artigo 142º nº3 alínea a) do CPTA.

Em suma, esta figura do Contencioso Administrativo, permite garantir o execício pleno dos
direitos fundamentais, assegurando o princípio da tutela efetiva e com isto a própria concretização da
Constiuição Portuguesa, num Estado de Direitos. Trata-se de um meio processual que o cidadão tem ao
seu dispor para responsabilizar a Administração e as outra entidades incumbidas do desempenho de
tarefas materialemente administrativas. Apesar de concluirmos que na prática a utilização deste meio é
reduzida face ao seu caráter subsidiário, a sua existência não deixa de ser relevante, garante um último
meio de defesa do indíviduo.

Bibliografia:

-> Silva, Vasco Pereira da "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" 2º edição, Aledina
2013

-> Almeida, Mário Aroso de "Manual de Processo Administrativo" Almedina, 2010

-> Andrade, José Carlos Vieira de "A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (Lições)" 10º edição, Almedina
2009

-> Gomes, Carla Amado "PRETEXTO, CONTEXTO E TEXTO DA INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO
DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS", Instituto de Ciências Juridico-Politicas, Centro de
Investigação de Direito Público

-> Botelho, Catarina Santos "A intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias - Quid
novum?"

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