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Nota preliminar
O seguinte material constitui um convite aberto cujo objetivo prioritário é a
interrogação e o debate sobre alguns dos problemas centrais da sociedade
capitalista contemporânea e o modo pelo qual o pensamento marxista
permite abordá-los. Ele é concebido como uma ferramenta introdutória
destinada à formação política da nova militância social, anticapitalista e
anti-imperialista. Em seus traços ideológicos essenciais, aponta para a
superação tanto do basismo populista como do academicismo, tentações
recorrentes e igualmente nocivas para o pensamento marxista que pretende
ser revolucionário e radical.
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precedentes na história mundial. Sentimos na nossa própria carne. Podemos
tocá-la, podemos intuí-la, vivemos nela.
Nós, latino-americanos, sofremos todos os dias suas consequências. O que
mais pode ser dito? Já o sabemos. Já o conhecemos! Os efeitos e as
consequências da crise geram ódio e indignação de forma imediata. Estão ao
alcance da mão (qualquer um pode facilmente enumerar). Entretanto, as
causas e as razões nem sempre estão à vista nem são tão fáceis de
conhecer...
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- “Nosso país é totalmente soberano e independente; não temos bandeira,
brasão e hino nacional?”.
(relembre outras afirmações como estas)
Para conhecer realmente por que estamos, como estamos e por que vivemos
tão mal, torna-se necessário suspeitar do relato oficial que quer justificar
essa situação. As perguntas do poder não são nossas perguntas. Temos que
desmontar esses relatos e nos perguntar como se estrutura realmente nossa
sociedade. E, dado que esta é capitalista, é preciso investigar e debater
coletivamente sobre:
BIBLIOGRAFIA
James Petras. Clase, Estado y Poder en el Tercer Mundo. Bs. As., FCE,
1993.
4
(II) A ideologia do poder e o senso comum popular
Se pretendermos desmontar o relato oficial da crise e passar da simples
descrição de seus efeitos e consequências para o conhecimento de suas
causas e razões, temos diante de nós dois desafios:
Todos temos uma filosofia, saibamos ou não. Isto significa que nosso senso
comum – o terreno de nossas opiniões cotidianas – não está alheio às
ideologias. Ao contrário: o senso comum transpira ideologia por todos os
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poros. Cada palavra, cada opinião, está impregnada de ideologia. Cada
observação da vida cotidiana, por mais ―inocente‖, acidental ou ingênua que
pareça, está marcada por uma concepção de mundo.
Por que estes exemplos se repetem sem fim? Porque o senso comum é assim,
contraditório. Pode incluir uma visão progressista da sociedade e uma visão
reacionária, contraditórias e misturadas, ao mesmo tempo. A propaganda
burguesa da TV, os jornais, a escola, o rádio, tenta neutralizar, no povo, o
que seja progressista. Para isso, incentiva o preconceito racista, a
competição, a fantasia de uma ascensão social individual (às custas dos
demais), a defesa ―a qualquer preço‖ da propriedade privada e a
subordinação aos valores das classes dominantes.
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O senso comum é um CAMPO DE BATALHA entre diversas concepções de
mundo, entre diversas ideologias, entre diversas escalas de valores. A
ideologia da burguesia e a ideologia da classe trabalhadora disputam a
mente e o coração do povo. Ambas querem dirigir e marcar o caminho que
vai ser dado à vida, mas em direções opostas. Se os trabalhadores
organizados se omitem ou não fazem esta disputa, cedem terreno ao inimigo
(que conta com um imenso aparato de propaganda e muitíssimo dinheiro).
Não é por acaso que esse tipo de discurso tenha tido quem os escutasse nos
anos 80 e 90, justamente quando o neoliberalismo fragmentava e dispersava
toda a resistência anticapitalista e popular. Também não é por acaso que,
quando a resistência aumenta, o pós-modernismo perde rapidamente
popularidade.
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trabalhadores de outros países do mundo, já fizeram uma larga experiência
política a partir dela.
BIBLIOGRAFIA
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(III) Por onde começar a estudar?
Necessidade de um método e de uma filosofia
próprios
Para identificar as causas e as razões da crise latino-americana temos que
desmontar o relato oficial da burguesia e do imperialismo. Para isto, é
necessário refletir criticamente sobre nosso senso comum. Temos que nos
esforçar para descobrir o que está oculto: a ideologia de nossos inimigos. Por
isso é necessário identificar a concepção social de mundo implícita nas
justificativas do capitalismo. Este foi nosso primeiro desafio.
Passemos então ao nosso segundo desafio. Esta difícil tarefa só pode ser
assumida a partir de um método de pensamento próprio e a partir de uma
concepção filosófica do mundo que defenda os trabalhadores. Se esse
método e esta filosofia não existissem, teríamos que criá-los do zero.
Teríamos que começar do nada. Teríamos que ir tateando, de olhos fechados,
errando a cada passo, indo de encontro às paredes. Mas este método e esta
filosofia já existem. Em nossa América, existe uma grande história anterior a
nós mesmos, onde várias gerações de revolucionários e revolucionárias se
apropriaram deste método e desta filosofia para fundamentar e legitimar
suas rebeliões e revoluções.
Quais são, então, este método e esta concepção social demundo e de ser
humano? O método é o método dialético. A filosofia éa filosofia da práxis. (Já
analisamos o que consiste uma filosofia ecomo se diferencia do senso
comum).
Que é um método?
Portanto, nas teorias que tentam explicar a realidade social, nem todas as
categorias podem estar no mesmo nível. Algumas são mais importantes que
outras (porque possuem maior capacidade explicativa). A ordem na qual se
disponham essas categorias nas explicações teóricas da sociedade dependerá
do método adotado.
Que é a dialética?
A dialética é um modo de existência, essencialmente dinâmico e
contraditório, que atravessa tanto a sociedade como o pensamento sobre
esta sociedade. A dialética se baseia numa unidade inseparável: a do objeto
e do sujeito.
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- a atividade das massas populares
- a criação permanente
- a iniciativa política dos/as revolucionários/as
- a unidade do dizer, sentir e o fazer
- o vínculo da teoria com a prática
- a vontade de luta
- a recusa da passividade
- o questionamento de toda visão da sociedade que pretenda olhála de fora e
sem intervenção
- uma concepção de sujeito em que este nunca é individual e isolado, mas
que está formatado por um conjunto de relações sociais
- um olhar científico sobre a história onde os principais protagonistas são os
sujeitos coletivos
- a compreensão da construção do sujeito coletivo a partir da história, do
confronto e do conflito de classes
- uma concepção social da história onde as lutas atuais recuperam todas as
lutas do passado e a memória de todas as pessoas ofendidas, humilhadas,
marginalizadas, exploradas, desaparecidas, aniquiladas e massacradas
- a crítica da perda de consciência (ou ―alienação‖) dos/as trabalhadores/as
- o questionamento de todo endeusamento e toda adoração (o ―fetichismo‖)
do dinheiro, da mercadoria, do mercado e do capital.
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história. A ―matéria‖ de que nos fala Karl Marx em seus livros é uma matéria
estritamente histórica e social.
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BIBLIOGRAFIA
Ernesto Che Guevara. Sobre los estudios de filosofía [Carta a Armando Hart
Dávalos del 4/XII/1965.]. Incluida en Néstor Kohan. Che Guevara: El
sujeto y el poder. Buenos Aires, Nuestra América, 2005.
Karl Marx & Friedrich Engels. A ideologia alemã (Teses sobre Feuerbach).
São Paulo: Hucitec, 1986.
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(IV) A conquista da América, o genocídio
e o nascimento do capitalismo
O método dialético nos permite abordar a sociedade e suas relações de um
ponto de vista histórico. Somente poderemos compreender o estado atual de
uma sociedade indagando sobre a gênese histórica de sua formação, o
desenvolvimento de suas contradições e as lutas que a atravessaram até ela
constituir-se como tal.
Mais adiante, com ironia, Marx continua dizendo: “Estes processos idílicos
constituem fatores fundamentais da acumulação originária”.
Este processo social não foi fruto de acordo nem de consenso mútuo e não
teve nada de pacífico. É uma grande mentira a interpretação de 1492 (a
chegada de Cristóvão Colombo na América) como um suposto ―encontro de
dois mundos‖. Não houve nenhum ―encontro‖! Para que haja um ―encontro‖
genuíno é preciso que as partes se encontrem na forma respeitosa dos
iguais. Na América, ao contrário, não houve igualdade nem respeito pelas
culturas de nossos povos indígenas. Foi um massacre perpetuado sem
nenhuma piedade. Primeiro, através dos métodos sanguinários da conquista;
depois, através dos métodos ―civilizados‖ da exploração capitalista. O
conjunto dos assassinatos acontecidos na América no período da gênese do
capitalismo europeu não foi acidental nem caprichoso.
Uma coisa é, numa manhã, um indivíduo louco sair por seu bairro e ao
acaso matar um vizinho de modo irracional. Isto seria um assassinato
realizado por um demente. Outra coisa muito diferente é uma matança de
massas e uma destruição planificada, apoiada ao longo do tempo e,
inclusive, argumentada filosófica e teologicamente (pois, segundo o relato
dos opressores – salvo raras exceções como Bartolomeu de las Casas - os
povos indígenas da América, como os povos negros escravizados na África,
seriam ―seres inferiores‖).
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Os genocídios podem ser explicados a partir da “maldade” de
um indivíduo particular (por exemplo, Hitler)?
Nenhum genocídio é acidental. Nenhum genocídio se explica unicamente
pela perversão, maldade ou loucura de um indivíduo isolado. Somente pode
ser compreendido a partir da história e dos processos sociais. Ao longo da
história, o genocídio tem sido uma ferramenta imprescindível na construção
do sistema capitalista mundial. O capitalismo não pode existir sem realizar
genocídios periódicos que têm a função de ―ordenar‖ e disciplinar a
sociedade subjugada. O genocídio americano foi um dos muitos genocídios
realizados durante a história do capitalismo. Referindo-se a esta utilização
da violência na história por parte do capitalismo europeu nascente, Marx
afirmava que: “A violência é a parteira de toda a sociedade velha, grávida de
uma nova. Ela mesma é uma potência econômica”.
“Um povo sem ódio não pode triunfar contra um inimigo brutal”, afirmava Che
Guevara em seu testamento político. O ódio e a indignação que a memória
destes processos gera em nossos povos são plenamente justificados. São
legítimos e são necessários. Estranho seria não sentir ódio diante de tanta
injustiça. Mas o ódio e a indignação - em si mesmos - não são suficientes.
Temos que entender o que realmente houve, para impedir que estes
fenômenos se repitam. Temos que dar um passo para além da indignação.
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A concepção científica da história que é a filosofia da práxis - elaborada por
Marx e Engels - aponta para determinadas razões que permitem
compreender semelhantes processos de dominação e submissão.
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Entretanto, ainda que o fazendeiro local e o patrão europeu usassem de
formas de submissão não econômicas, o produto que resultava da
exploração (o açúcar do Brasil e Cuba, a prata da Bolívia, o charque da
Argentina, o café da América Central, etc.) era vendido no mercado mundial.
Não se produzia para o consumo. A produção era pensada na forma
mercantil para a venda, para obter dinheiro na troca. Deste modo, na
América colonial - posterior à Conquista e à destruição dos impérios
comunais-tributários dos Incas e Astecas - se formou um tipo de sociedade
que articulava de forma desigual e combinava relações sociais pré-
capitalistas com as disputas entre os capitais de origem mercantil no
mercado mundial. As relações sociais eram distintas entre si, estavam
combinadas e umas predominavam sobre as outras.
BIBLIOGRAFIA
Que é o capitalismo?
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e explora de forma autoritária as comunidades rurais apropriando-se de seu
excedente, ainda que mantendo a posse comunitária da terra. Nas
civilizações americanas, précolombianas, este modo de produção combinava
a propriedade comunal com a existência de tributo devido ao poder
centralizado.
- produção de mercadorias
- produção de mais-valor
- produção (alienada) da subjetividade
- produção de hegemonia
- produção de violência sistemática
- produção e reprodução da relação social do capital
Esta ruptura e esta expropriação não foram feitas de ―comum acordo‖. Não
houve um ―contrato social‖ onde todos se puseram de acordo, por consenso,
em deixar a posse direta de suas terras. O que houve foi violência extrema. A
sociedade moderna capitalista é filha desta violência. Não nasceu como
produto de livre acordo, mas sim de uma brutal coerção e imposição
capitalista. Através desta violência extrema (roubos, saques, prisões,
massacres, conquistas, escravização, etc.) a propriedade da terra foi
fraturada. Tanto na Europa Ocidental quanto no Terceiro Mundo.
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Do outro lado, ficaram as terras e as condições materiais de vida (o que Marx
chamava de meios de produção). Como escravos - majoritariamente de
origem africana - eram considerados por seus amos como coisas e objetos,
nessa ruptura da propriedade comunitária da terra ficaram do lado dos
meios de produção. No olhar de seus senhores, os escravos não eram mais
do que um tipo especial de ―ferramenta‖, aquela que fala. No capitalismo,
tanto a capacidade humana de trabalhar, ou força de trabalho, como os
meios de produção se transformam completamente em mercadorias. São
comprados e vendidos no mercado.
Que é o capital?
O capital não é uma coisa, uma soma de ―fatores de produção‖, uma soma
de máquinas e ferramentas, uma simples soma de dinheiro. O capital é
uma relação social de produção que relaciona, por um lado, os donos do
dinheiro e dos meios de produção (previamente expropriados) e, de outro, os
trabalhadores que só são donos de seus corpos, de sua capacidade de
trabalhar, de sua força de trabalho. Uma vez que a sociedade capitalista se
baseia no mercado, e como o mercado implica na falta de controle dos
produtores sobre seus próprios produtos, sobre suas práticas e sobre suas
relações sociais, a sociedade capitalista gera, invariavelmente, alienação e
fetichismo.
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fetichismo porque adorar uma coisa consiste, precisamente, em adorar um
fetiche (ídolos, objetos, dinheiro, etc.).
O capital é uma relação social que ―vive‖, que tem existência autônoma, é
dinheiro que por si só gera mais dinheiro, graças à exploração produtiva da
força de trabalho. Sem esta exploração não pode crescer. Inclusive quando
se deposita uma quantia de dinheiro no banco e, depois de um mês, este
dinheiro aparentemente ―cresceu‖ sozinho, na realidade, este ―crescimento‖
provém do outro lado. O lucro bancário - a forma mais enganosa de capital,
pois aparenta ―crescer‖ sozinho, sem trabalho operário - não tem vida
própria. Seu ―crescimento‖ tem sua origem no trabalho não pago dos
trabalhadores da indústria, parte que os industriais dão aos banqueiros sob
a forma de lucro pelo dinheiro que os banqueiros haviam emprestado.
O capitalista não paga este trabalho, mas precisa e se utiliza dele. Não só se
apropria do trabalho doméstico de forma ―gratuita‖ (porque não entra no
cálculo do salário), como nem mesmo o reconhece como trabalho. Aparece
misturado, graças a diversos mecanismos hegemônicos vinculados à cultura,
às tradições, etc, com uma aparência de ―puro afeto‖ (da mãe para com os
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filhos e o marido, da esposa para com o companheiro, etc.). No interior da
família o afeto existe, mas está justaposto com a necessidade de reprodução
social capitalista que não tem nada a ver com ―afeto‖, mas sim com a
exploração. Se fosse calculado o valor do salário incluindo o custo do
trabalho doméstico, o lucro empresarial se reduziria de forma galopante e o
salário do trabalhador aumentaria de forma inversamente proporcional.
A luta de classes não é uma luta pessoal entre indivíduos. Não depende da
bondade ou maldade de um patrão individual (ou de suas pretensões
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pessoais). É o conjunto da classe capitalista que tem interesses
contraditórios ao conjunto da classe trabalhadora. A luta de classes se
expressa tanto no nível econômico, como no político e no ideológico. Nos
momentos de crise aguda, a luta de classes se expressa no plano político
militar. É o momento mais agudo da luta, o da guerra civil entre as classes
sociais. De acordo com o método dialético, a contradição está no próprio
coração da sociedade de classes. A luta entre as classes não é um ―acidente‖.
Este fenômeno não depende das boas ou más intenções dos empresários, da
decência ou da corrupção dos políticos burgueses que os representam, nem
do profissionalismo ou do golpismo dos militares que os defendem. Para
além das intenções pessoais de empresários, políticos, burgueses e militares,
a lógica do sistema capitalista gera essa polarização. Isto repercute sobre o
conjunto da vida social. O capitalismo é, além disso, um tipo de sociedade
onde predomina a quantidade sobre a qualidade; as mercadorias e o capital
sobre as pessoas; o mercado e as trocas sobre a razão e o amor; o frio
interesse material sobre a ética e os valores; o cálculo sobre a amizade e o
fetiche do dinheiro sobre os seres humanos. Tudo se compra. Tudo se vende.
Tudo tem um preço! O capitalismo quebra com todos os preconceitos e
sentimentalismos das sociedades anteriores (como a sociedade medieval) e
tudo reduz a uma fórmula única: o débito e o crédito. Cada pessoa vale de
acordo com o que tem. O dinheiro se converte em Deus todo-poderoso deste
tipo de sociedade.
BIBLIOGRAFIA
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(VI) O capitalismo
como sistema mundial em expansão
O método dialético nos ensina e nos sugere tratar de pensar e compreender
o capitalismo historicamente, partindo do presente, mas focando nosso olhar
numa perspectiva histórica. Assim, promovendo o diálogo entre o presente e
o passado, entre o mundo contemporâneo e a gênese histórica, será possível
compreender o ―incompreensível‖, os supostos ―enigmas insolúveis‖ dos dias
atuais.
Que é o liberalismo?
Liberalismo é a doutrina que propõe a livre circulação de mercadorias no
terreno econômico. ―Deixar fazer, deixar passar‖ é o lema com o qual o
liberalismo enfrenta os entraves que a nobreza colocava para a expansão do
comércio burguês. No terreno político, o liberalismo propicia uma forma de
governo republicana onde a burguesia pode exercer seu domínio de maneira
anônima, geral e impessoal, sem os incômodos da ditadura ou da
monarquia.
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reinado do valor de troca e a produção para o mercado. Nesse Manifesto,
Marx fala, com outra linguagem, com outra terminologia sobre o que hoje se
conhece como ―globalização‖. Marx assinalava que, com o capitalismo, “o
mundo se unifica”. Também afirma que “o mundo começa a ser redondo, pela
primeira vez” a partir dos barcos a vapor, o trem de ferro, o telégrafo, os
meios de comunicação que marcaram aquela época.
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No final do século 19, o mundo já está repartido. Quem quisesse novos
mercados para exportar seus capitais (não só seus produtos mercantis)
necessitaria começar uma guerra de conquista. É um tempo de salto
qualitativo para o capitalismo. O crescimento da competição entre as firmas
industriais nacionais dará lugar para o nascimento de grandes monopólios.
A livre concorrência das metrópoles e o colonialismo deixam caminho para o
nascimento do imperialismo. Lenin foi um dos principais teóricos do
movimento revolucionário em nível mundial (um dos líderes da revolução
bolchevique na Rússia, em outubro de 1917, a primeira revolução socialista
triunfante na história da humanidade). No livro O imperialismo, fase superior
do capitalismo (1916), Lenin afirma que, com a emergência do capitalismo
imperialista, termina a velha dicotomia e competição entre capitais
industriais e bancários. Produz-se uma nova fusão onde os mesmos capitais
se dedicam à produção industrial e ao mundo das finanças.
Desde 1945, até princípios dos anos ’70, o capitalismo imperialista das
metrópoles se consolida sobre uma base comum: o Estado começa a intervir
sistematicamente no mercado (a favor dos monopólios); concede-se certa
estabilidade trabalhista aos segmentos mais altos da classe operária
europeia (a aristocracia operária) em troca de que seus sindicatos respeitem
a ―nova ordem‖ capitalista; expande-se o setor capitalista de serviços
gerando uma sociedade de forte consumismo. Além disso, gera-se uma
inflação permanente como forma de financiamento de créditos para a
indústria e o consumo de massas. Continua crescendo – fundamentalmente
nos EUA – o setor de armamentos que chega a formar um complexo militar-
industrial, ainda poderoso em nossos dias.
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imperialismo – cada vez mais agressivo e guerreiro – é a internacionalização
da produção. Não somente nas finanças, como dizem os jornais burgueses.
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BIBLIOGRAFIA
Karl Marx. O Capital. Capítulo n°23, tomo I. São Paulo: Ed. Abril Cultural
(Os Economistas).
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(VII) Por que o capitalismo não cai por si só?
(capitalismo = violência + consenso)
“Falta muito para o fim do capitalismo? A que hora vai acabar? Me avisem,
assim posso me preparar!” Podemos esperar sentados e, por séculos, até que
alguém nos responda a estas perguntas. Porque o capitalismo não ―acaba‖?
O capitalismo se sustenta sozinho, se reproduz. Por isso, não cai por si só. O
capitalismo é um tipo de sociedade histórica que, enquanto produz de forma
generalizada mercadorias e mais-valia, ao mesmo tempo reproduz a relação
social do capital.
Que é a reprodução?
A reprodução das relações sociais capitalistas consiste, de um lado, na
criação permanente de novos trabalhadores como força de trabalho que se
vende e se compra no mercado (como qualquer outra mercadoria) e, de
outro, de novos empresários que investem, obtêm lucros e acumulam. O
objetivo da reprodução é superar as crises do sistema e toda ameaça
revolucionária que crie obstáculos a este processo. A reprodução capitalista,
como a dominação burguesa, nunca são exclusivamente econômicas. A
reprodução precisa garantir um mínimo de ―ordem‖ para que o conjunto das
relações sociais de exploração possa continuar existindo e rendendo frutos
de modo ―normal‖... , quer dizer, de modo capitalista.
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Que papel joga a violência na reprodução
da ordem social capitalista?
Da mesma maneira que, nas origens do capitalismo, durante a acumulação
originária, a violência foi a ―parteira da história‖, durante o capitalismo
maduro este papel não desaparece de cena. Ao contrário, periodicamente,
quando a crise fica mais aguda e já não são suficientes os mecanismos
―democráticos‖ para manter o povo em seu lugar, as forças repressivas
passam imediatamente para o primeiro plano.
Mesmo que na TV, nos jornais, na escola nos digam que essa imensa
máquina de violência tem como objetivo ―defender o país de ataques
externos‖ (quer dizer, de outros Estados), na realidade, no capitalismo
consolidado, o inimigo do Estado e da violência de cima está dentro do
próprio país. Toda esta maquinaria conta com milhares e milhares de
homens armados e dispostos a matar, está destinada a reprimir o povo e os
trabalhadores.
Que é o Estado?
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Não existe uma única definição. Cada ideologia política define a seu modo. O
liberalismo burguês, por exemplo, afirma que o Estado é ―a nação
juridicamente organizada‖. Não faz distinção de classes: é ―a nação‖ em seu
conjunto, ou seja, todos os cidadãos de um país. O Estado, segundo o
liberalismo, representaria a todos igualmente... Isto é o que se costuma
ensinar às crianças nas escolas.
Mas o povo jamais vota se deve ou não existir um Exército, se devem existir
ou não serviços de inteligência, se devem existir cárceres ou tribunais, se
deve existir ou não a polícia. Isto não se vota! Isto não está sujeito a
nenhuma eleição. São instituições permanentes que contam com milhares
de profissionais treinados para exercer a violência. O exercício permanente
do poder do Estado (não importa quem seja o presidente ou o partido no
governo) tem um conteúdo: este conteúdo é o da classe que tem o poder.
Esse conteúdo de classe não está sujeito a eleição, não se vota nele. A única
maneira de mudar o conteúdo de classe de um Estado é mediante uma
revolução.
a) monarquia absoluta;
b) monarquia constitucional;
c) ditadura militar;
d) república parlamentar;
e) formas híbridas (mistas).
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A ditadura militar (nas formas clássicas europeias do fascismo italiano
[1922-1945], do nazismo alemão [1933-1945] ou das ditaduras latino-
americanas) expressa uma forma de dominação imperfeita. Mesmo não
coincidindo de forma completa ao conteúdo burguês, sem discussão, gera,
em geral, fortes resistências populares, inclusive armadas.
Algo similar ocorreu entre 1930 e 1970, quando não mais as velhas
oligarquias, mas as diversas experiências populistas das burguesias
autóctones promoveram na América Latina, sem modificar a estrutura
dependente de nossos países, transformações modernizantes (cidadania da
classe trabalhadora, sindicalização massiva, incorporação pelo Estado das
reivindicações operárias por maior salário, abonos, férias, contrato coletivo,
etc.), destinadas a evitar quaisquer ameaças de revoluções radicais.
Que é a hegemonia?
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O conceito de HEGEMONIA é muito útil para explicar porque o
capitalismo não desaba e nem cai sozinho.
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BIBLIOGRAFIA
Karl Marx. A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
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(VIII) A luta política, a hegemonia
e a consciência socialista
Como o capitalismo não planeja e não é racional, a vida econômica está
atravessada por múltiplas contradições. Quando essas contradições se
cruzam numa determinada situação histórica, se abre um período de crise.
Mas a crise, por si mesma, não conduz à catástrofe nem à derrubada. Por
mais aguda que seja a crise, o capitalismo jamais cai por si só. Da mesma
forma que a reprodução não é automática, sua interrupção e queda também
não são. O capitalismo jamais cai por suas próprias contradições. Terá que
ser derrotado.
O socialismo nunca pode chegar por meio de uma evolução natural. Jamais
vem sozinho. Na história não há piloto automático, mas, sim, luta de
classes. Mas a luta contra o capitalismo e pelo socialismo não pode limitar-
se a uma luta simplesmente econômica.
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Um nível maior da luta é a luta sistemática, sindical e associativa por
melhorias para todo um setor de trabalhadores (da construção, bancários,
pequenos agricultores, etc.). Quando estes setores realizam uma
manifestação ou uma greve, se produz um certo avanço na consciência. Aqui
já existem níveis de planejamento. Existe uma semente de plano. Há um
maior desenvolvimento da consciência de classe. Este nível é eminentemente
―econômico‖.
A militância revolucionária atua para que o povo eleve cada vez mais seu
alvo e não se preocupe somente com seus problemas particulares, mas com
todos os problemas da sociedade capitalista. Que a consciência de cada um
seja a de toda a classe trabalhadora explorada. Os capitalistas e
empresários, como não podem evitar que a classe trabalhadora construa sua
própria consciência, tentam frear este processo num limite puramente
econômico. Este é o limite do ―permitido‖ e do ―bem visto‖ pela ideologia do
poder. Por isto, tentam convencer o povo de que:
Que é o economicismo?
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A crença equivocada (induzida pelo poder) de que a única luta que deve ser
feita contra o capitalismo é uma luta reivindicativa e somente pontual se
chama economicismo. O economicismo, como doutrina teórica, resume a
aspiração comum de todos(as) trabalhadores(as) de conseguir do Estado
medidas para remediar as más condições de vida, mas não acabam com a
situação, nem eliminam a submissão do trabalho pelo capital.
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- alvos estritamente locais e regionais (impedindo um conhecimento da
situação global e o impulso geral do movimento revolucionário, para além da
experiência recortada e limitada que cada um vive).
- o reformismo, consistindo na reivindicação por paliativos (sem apontar
para a modificação da totalidade do sistema).
- a carência de uma estratégia positiva própria que distribua, no tempo e no
espaço, os enfrentamentos políticos entre trabalhadores e a classe
dominante (indo a reboque e sempre respondendo na forma de recusa à
iniciativa do poder).
- a limitação da consciência da classe trabalhadora às simples verdades do
senso comum (impedindo cada trabalhador de uma reflexão crítica sobre a
ideologia burguesa, tornando consciente sua recusa da concepção de mundo
das classes dominantes).
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trabalhadora e os capitalistas. A criação de uma consciência revolucionária
socialista pressupõe uma luta, a longo prazo, para:
BIBLIOGRAFIA
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(IX) A resistência, a dialética do progresso
e o conflito social na história
Quando a ideologia do poder quer nos convencer da suposta ―eternidade‖ da
desigualdade social, necessariamente precisa ocultar um dado
importantíssimo: a desigualdade tem sido rechaçada de mil maneiras e de
forma veemente pela classe oprimida, ao longo da história. Considerando
esta recusa, Marx e Engels afirmam no Manifesto Comunista que: “A história
de todas as sociedades que existiram até nossos dias é a história da luta de
classes”. Esta luta tem, no mínimo, 5.000 anos de história comprovada.
Algumas das rebeliões e revoluções que marcaram a fogo nossa história são:
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Esta longa série de resistências, protestos, rebeliões, levantes e revoluções
populares puseram no primeiro plano a tremenda injustiça da sociedade de
classes, baseada na exploração do ser humano pelo ser humano. Muitas
destas resistências foram perdedoras, faliram e foram derrotadas de forma
sangrenta e sanguinária. Dos tempos antigos... até nossos dias.
Desta maneira, se olha a história ―desde cima‖ e não do ponto de vista das
classes exploradas e subalternas, não dos povos oprimidos. Se fosse assim,
todas as rebeliões e levantes derrotados não teriam sentido e teriam sido em
vão. O ―progresso‖ da humanidade estaria exclusivamente do lado dos
vencedores que, de fato, ao longo da sociedade de classes foram, na maior
parte das vezes, as classes exploradoras. Com este olhar não confiável... as
classes dominantes seriam as portadoras do progresso!
Por exemplo: uma vez que os povos indígenas perderam todos os seus
conflitos com os conquistadores e saqueadores europeus, a vitória destes
teria que ser vista como inevitável e necessária. Não só isso... teria sido
melhor do que a vitória dos povos indígenas da América. O mesmo exemplo
poderia ser multiplicado: os brancos seriam portadores do progresso com a
escravidão dos negros; os nazistas e suas matanças planificadas seriam
portadores de progresso sobre os judeus e ciganos, e assim por diante...
Desta forma, o que aconteceu na história, acaba se transformando no que
―era necessário que acontecesse‖ o que acaba justificando e legitimando todo
o passado, por mais monstruoso e perverso que tenha sido.
O marxismo é “progressista”?
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Mesmo que esteja marcado pelo pragmatismo, corresponde, na realidade, a
uma filosofia burguesa européia: o positivismo. (Para o positivismo - cujo
lema é ordem e progresso - este último sempre vai do pior para o melhor,
numa linha ascendente, contínua e evolutiva. O positivismo não serve para
compreender as contradições históricas nem os avanços e retrocessos na
luta de classes).
BIBLIOGRAFIA
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(X) O projeto socialista e seus valores
A luta dos trabalhadores não se limita a uma resistência negativa contra a
ordem existente. A negação do que existe – central, no método dialético – se
faz acompanhar de um projeto de futuro. A luta socialista não implica
somente numa recusa da atual ―nova ordem mundial‖, mas também
pressupõe uma luta para recuperar o que nos foi expropriado ao longo da
história.
Até agora, tivemos lutas fragmentadas: pela terra, pelo emprego, por salário,
contra a exploração, pela educação, pela saúde, por habitação digna, pelo
meio ambiente, contra a discriminação sexual, pela autonomia estudantil,
contra a discriminação religiosa, contra a discriminação racial, contra o
patriarcalismo, contra a burocracia sindical, contra a repressão policial,
contra a guerra, contra a vigilância permanente das pessoas. Sem
abandonar a luta por reformas pontuais, em cada um destes espaços, temos
que ter presente que, se não conseguirmos articular estas lutas entre si,
jamais poderemos enfrentar eficazmente a hegemonia burguesa.
Não se pode lutar por uma nova sociedade se não se luta ao mesmo tempo
pela construção do homem novo e da mulher nova. Não haverá revolução
socialista se não conseguirmos desalojar o egoísmo, a mesquinhez, o cálculo
miserável, o patriarcalismo, o racismo e o individualismo de nossa vida
cotidiana. Não se pode estar à esquerda, na política, e estar à direita, na
moral. Nossos princípios não são ―instrumentalistas‖, não nos utilizamos
deles como um simples instrumento (que se usa ou não de acordo com a
necessidade). São parte fundamental da ética revolucionária.
BIBLIOGRAFIA
65
O marxismo revolucionário na história do
socialismo
(Adaptado do texto de Néstor Kohan
“Aproximações ao Marxismo: uma introdução possível”)
Che Guevara
1
das pessoas... portanto — concluem em sua propaganda mal intencionada
—, seriam imodificáveis.
2
b) Os gritos de protesto, os relatos ideológicos e as concepções utópicas
que acompanham invariavelmente tais revoltas, apoiando-se sempre na
memória — ou na imaginação — de uma sociedade mais igualitária e mais
justa. Não é casual que a lenda de uma ―idade de ouro‖ seja um tema
recorrente em muitos povos rebeldes e insurretos. Em todos eles se repete a
mesma maldição contra a opressão, os protestos e as inflamadas
contestações contra a exploração de um setor da sociedade por outro, o
mesmo sonho e a mesma fantasia de uma sociedade superior, em que
fossem abolidas para sempre todas essas injustiças, explorações,
hierarquias e dominações.
3
Os precursores utópicos
A nova etapa histórica que se abre com o século XIX encontra o pensamento
utópico numa grande encruzilhada. Filho do casamento entre a revolução
industrial (desenvolvida com a máquina a vapor na Inglaterra em fins do
século XVIII) e a revolução política que derruba a monarquia (revolução
encabeçada pela burguesia francesa em 1789), o século XIX é o século da
modernidade e da expansão, violenta e sem limites, do capitalismo.
Nesse difícil contexto social, não há lugar para os sonhos de um futuro justo
e igualitário nem para as fantasias de libertação radical. O único sonho
permitido, a única ilusão é a do êxito pessoal e da ascensão social
conquistada à custa dos outros. A competição feroz e sem dó se converte na
fada madrinha deste novo tipo de sociedade que a tudo engole e incorpora.
―O homem se converte‖, nas palavras do filósofo inglês Thomas Hobbes, ―no
lobo do homem‖.
Para remediar o mal estar geral provocado pela propriedade privada e pelo
capitalismo, Fourier imagina uma solução: o falanstério. Este consiste no
projeto de uma coletividade de produtores e consumidores (onde todos
trabalham e consomem) de 1.000 a 2.000 pessoas, na qual todos se tornam
agricultores, artesãos e artistas.
Tristan foi uma crítica radical do modo de existência das mulheres de sua
época e do matrimônio. Na sua obra Passeios em Londres, descreveu as
mulheres como ―as proletárias dos próprios proletários‖. Flora sustentava a
necessidade de se lutar em favor da emancipação das mulheres e, ao mesmo
tempo, de toda a classe trabalhadora. Diversamente de certo feminismo
burguês, liberal e pós-moderno de nossos dias, Flora conjugava de igual
modo o verbo feminista e a língua proletária do socialismo. Não é por acaso
que Marx assumiu com entusiasmo a defesa de seu feminismo contra os
críticos.
Nascimento do marxismo
8
Mesmo reconhecendo que os socialistas utópicos (de Saint-Simon e Fourier a
Owen e Flora Tristan) não eram simples ―sonhadores‖, somente com o
pensamento de Marx e Engels o socialismo deixará de ser algo mais que uma
seita — neste caso, reformadora da sociedade —, para converter-se no
protagonista central da política contemporânea, desde o século XIX aos dias
atuais.
10
documentos colocados à disposição de Marx‖. Assinaram a carta um
sapateiro, um relojoeiro e um velho militante comunista...
O enigma da exploração
12
sistema em seu conjunto, baseada numa instância oculta: a extração de
mais-valor.
13
A partir desta descoberta — exposta em uma obra imensa de milhares de
páginas, intitulada O Capital (cujo primeiro tomo foi publicado en 1867) — o
socialismo experimenta uma transformação radical. Termina conjugando os
velhos anseios utópicos de uma sociedade mais justa e igualitária, a que
Marx não renuncia (como muitos historiadores superficiais supõem), a uma
sólida e detalhada argumentação científica.
É esta classe social que funda em 1864 (em vida de Marx) a Associação
Internacional de Trabalhadores–AIT, também conhecida como Primeira
Internacional. Na AIT conviviam os marxistas, junto com os republicanos
radicais, os seguidores de Louis-Auguste Blanqui (1805-1881), os discípulos
de Proudhon e os anarquistas. (O anarquismo é uma ideologia libertária e
anticapitalista que manteve ao longo da história disputas, cruzamentos,
14
aproximações, polêmicas, intercâmbios e trocas de ideias com o socialismo,
principalmente com o marxista).
e gradualista;
15
ente radical e revolucionária.
Outro líder do socialismo radical, que se assume como tal logo após a
dissensão formada por causa da primeira guerra mundial, é Lênin. Será ele
que, em 1917, encarregar-se-á, na Rússia, de ―tomar os céus de assalto‖ (a
expressão pertence a uma carta que Karl Marx escreveu, em 1871, a seu
amigo Kugelmann, sobre a insurreição da Comuna de Paris. Lênin sempre
festejou essa expressão de Marx, pois encontrava nela o coração do
marxismo revolucionário).
17
a cabeça e obedecendo, as classes subalternas se puseram de pé, ficando
cara a cara com os exploradores, enfrentando-os e conquistando a vitória.
19
Após a morte de Stálin (1953), nas décadas seguintes seus continuadores à
frente da URSS não fizeram mais do que prolongar esse mesmo caminho.
Por essa época, a União Soviética e sua versão burocrática de ―socialismo
real‖ deixaram de atrair e seduzir a juventude rebelde e os trabalhadores
revolucionários do mundo.
Polemizando com Bernstein, Kautsky propôs substituir Kant por ... Charles
Robert Darwin (1809-1882). Deste modo, propunha construir, em nome de
Marx, um socialismo evolucionista que, politicamente, não diferia muito do
de Bernstein. O experimento teórico de Bernstein, qualificado em seu tempo
como ―revisionista‖ (porque visava revisar os fundamentos do socialismo
marxista) não teve continuação teórica de idêntico teor e solidez ao longo de
todo o século XX.
Um debate em aberto
22
1919: Com a derrota da insurreição alemã, são assassinados Rosa
Luxemburgo e seu companheiro de luta Karl Liebknecht. A responsabilidade
política destes assassinatos corre por conta da socialdemocracia moderada.
1922: - Após a derrota dos levantes operários revolucionários em Turim, o
fascismo ascende na Itália (com Benito Mussolini à frente).
- É fundado no Brasil, em 25 de março, em Niterói, o Partido Comunista
(PCB – na época, Seção Brasileira da III Internacional).
1924: Morte de Lênin.
1926: - Antonio Gramsci, o principal dirigente do comunismo italiano, é
encarcerado por Benito Mussolini.
- O general Augusto César Sandino começa a guerra de libertação contra a
invasão norte-americana na Nicarágua (que dura até 1933, quando então se
retiram os mariners ianquis. Entre os principais ajudantes de Sandino se
encontra Farabundo Martí, líder do comunismo salvadorenho).
1927-1936: Ascensão e consolidação de Stálin à frente do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS) e da Internacional Comunista.
1929: - No México, onde estava exilado, dois jagunços a serviço do ditador
cubano Machado assassinam Julio Antonio Mella, um dos fundadores do
marxismo latino-americano.
- Em Buenos Aires se reúne a primeira conferência comunista sulamericana,
com predomínio ideológico de Victorio Codovilla (representante latino-
americano do stalinismo e duro oponente de José Carlos Mariátegui).
1930: No Peru, morre José Carlos Mariátegui, o principal teórico do
marxismo latino-americano (antes de Che Guevara).
1932: Em El Salvador, o Partido Comunista, liderado por Agustín
Farabundo Martí, encabeça uma insurreição radical, que é derrotada. Em
apenas um mês, a burguesia e o exército salvadorenho assassinam 30.000
camponeses.
1933: Ascensão do nazismo na Alemanha (com Adolfo Hitler à frente).
1935: No Brasil, Luís Carlos Prestes, com ajuda da Internacional
Comunista, lidera uma revolta nacionalista que é derrotada. Os líderes são
torturados. Olga Benário, companheira de Prestes, judia e comunista, é
deportada para a Alemanha nazista.
1936: - Início do levante fascista do general Francisco Franco contra a
república espanhola.
- Julgamentos de Moscou, por meio dos quais os principais dirigentes da
revolução bolchevique de 1917 são executados a mando de Stálin.
1938: É fundada a IV Internacional, de inspiração trotskista.
1939-1945: Segunda guerra mundial. Os nazistas promovem um genocídio
brutal. São assassinados milhões de judeus, ciganos, homossexuais,
socialistas e comunistas.
1940: Ramón Mercader, um agente secreto enviado por Stálin, assassina
León Trotsky no México.
1943: Stálin dissolve a Internacional Comunista ou III Internacional, para
garantir a convivência pacífica com as potências capitalistas do Ocidente.
1945: Independência do Vietnam após a rendição do Japão. Proclamação da
República Democrática do Vietnam. Ho Chi Minh é proclamado presidente.
1946: Começa a guerra colonial da França contra o Vietnam, concluída em
1954, com a vitória vietnamita na batalha de Dien Bien Phu.
23
1947-1950: Apogeu, nos Estados Unidos, da política anticomunista
propagada pelo senador Joseph Raymond McCarthy, difusor da ideologia
denominada ―macartista‖. Para o macartismo, as ideias do socialismo e do
comunismo deveriam ser ferozmente perseguidas e reprimidas. Desde então,
o macartismo se instala como cultura política oficial nos EUA e é exportado
para diversos países latino-americanos que sofrem influência norte-
americana.
1949: Revolução radical na China, liderada por Mao Tsé-Tung.
1950-1953: Intervenção norte-americana na guerra contra a República
Democrática da Coreia, liderada por Kim Il Sung.
1953: Em 26 de julho, Fidel Castro e um grupo de jovens cubanos tentam
tomar de assalto o quartel militar Moncada. Com esse gesto, começa a entrar
em crise a passividade da esquerda tradicional na América Latina e o
predomínio do stalinismo.
1954: Intervenção estadunidense, através de tropas mercenárias, na
Guatemala.
1956: A URSS invade a Hungria.
1959: Triunfa a Revolução Cubana liderada por Fidel Castro e Ernesto Che
Guevara. Abre-se, em todo o continente, um período de ofensiva
revolucionária.
1961: As tropas lideradas por Fidel Castro derrotam, em Playa Girón, a
invasão mercenária treinada e enviada pelos Estados Unidos. Primeira
derrota dos EUA no hemisfério ocidental. Fidel Castro proclama
publicamente o caráter socialista da revolução cubana.
1962: - Independência da Argélia do domínio francês, após longa luta em
que os franceses torturam e assassinam à mão cheia.
- Crise entre a URSS e os EUA por causa dos mísseis soviéticos em Cuba. A
URSS os retira unilateralmente, sem consultar os cubanos.
1964: Ruptura definitiva entre o Partido Comunista da União Soviética
(PCUS) e o Partido Comunista da China (PCCH).
1965: - Nova ocupação norte-americana em São Domingo (República
Dominicana).
- O governo dos EUA adota oficialmente a doutrina militar de ―Segurança
Nacional‖, também chamada de ―Guerra Contrainsurgente‖, com o objetivo
de combater, na América Latina, as ideias socialistas e comunistas. Com
esta doutrina, se generaliza a tortura de todo opositor e se multiplicam os
golpes de Estado no continente, estimulados, financiados e treinados pelos
EUA.
1966: Reúne-se, em Havana, a Conferência Tricontinental, com
representantes da Ásia, África e América Latina (discutem-se as vias para o
socialismo em nível mundial).
1967: - Reúne-se a Organização Latino-americana de Solidaridade (OLAS)
em Havana (onde Fidel Castro e seus companheiros de todo o continente
proclamam uma estratégia comum de revolução socialista em escala
continental).
- Che Guevara cai assassinado na Bolívia.
1964: Golpe de Estado liderado por militares e pela grande burguesia
monopolista no Brasil, derrubando o governo populista de João Goulart e
interrompendo a ascensão do movimento operário e de massas no país.
24
1968: - Grandes protestos juvenis e estudantis nas principais capitais do
mundo. O mais famoso explode em Paris, o mais radical, em Berlim
ocidental. Estas são as primeiras grandes revoltas de massa depois da
derrota insurreccional dos anos 1920 e das convulsões da segunda guerra
mundial. É o auge das ideias socialistas radicais no meio da juventude em
nível mundial. No México, 400 jovens estudantes (acompanhados de velhos
militantes de esquerda) são massacrados en uma mesma noite.
- Após ondas de protestos contra o assassinato do estudante Édson Luís no
Rio de Janeiro, a ditadura brasileira adota, com o Ato Institucional nº 5, o
terror como política de Estado, fechando o Congresso e mandando prender,
torturar e matar militantes socialistas, comunistas e democratas.
- A URSS invade a Tchecoslováquia.
1970: Depois de vencer as eleições, ascende ao governo o presidente
socialista chileno Salvador Allende. Tem início a primeira tentativa de
realizar uma ―transição pacífica‖ ao socialismo.
1973: Golpe de Estado impulsionado pelos EUA no Chile. O general Pinochet
derruba o governo socialista de Salvador Allende. Fracassa a ―transição
pacífica‖. Milhares de mortos e torturados. Começa o neoliberalismo em nível
mundial, movido pelo punho de aço de uma sangrenta ditadura militar. O
capitalismo começa a retomar a ofensiva contra o socialismo, a qual vinha
perdendo desde 1917.
1975: Derrota definitiva das tropas norte-americanas no Vietnam. Fim da
guerra. Unificação do Vietnam e adoção de um governo socialista para todo o
país.
1976: Golpe de Estado na Argentina. Seus principais militares foram
treinados em escolas norte-americanas. É proclamada a ―Doutrina de
Segurança Nacional‖ (de origem estadunidense) como doutrina oficial
argentina, a exemplo do que também se deu no Brasil, com o golpe de 1964.
Os socialistas e comunistas são declarados ―inimigos da pátria‖. Em pouco
tempo, são sequestradas e assassinadas 30.000 pessoas. O país inteiro é
arrasado.
1979: - Margaret Thatcher assume o poder na Inglaterra. O neoliberalismo
chega à Europa pelas mãos do conservadorismo.
- Na Nicarágua triunfa a Revolução sandinista, encabeçada pela Frente
Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), organização de inspiração
marxista que anos mais tarde se filiará à Internacional Socialista
(moderada).
1980: Ronald Reagan assume o governo dos EUA. O neoliberalismo chega
aos EUA pelas mãos do neomacartismo. Tem início a intervenção militar
estadunidense, em nível massivo e regional, em toda a América Central.
1983: Invasão estadunidense de Granada.
1986: Assassinato do líder socialista pacifista sueco Olof Palme.
1989: - Cai o Muro de Berlim e começam a ser derrubadas, sem pena nem
glória, as sociedades burocráticas do Leste Europeu. As ideias do socialismo
sofrem um descrédito em nivel mundial. Os funcionários e filósofos norte-
americanos proclamam, entusiasmados … ―o fim da História‖.
- Invasão estadunidense do Panamá.
1991: Dissolução da União Soviética (nascida en 1922, nos tempos de
Lênin).
25
1994: Levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em
Chiapas, México.
1996: Reúne-se, em Chiapas, o Primeiro Encontro Intercontinental pela
Humanidade e contra o Neoliberalismo. Nasce, sob iniciativa latino-
americana, o ―movimento mundial de movimentos‖ contra a globalização
capitalista.
1997: Reúne-se, em Barcelona, o Segundo Encontro Intercontinental pela
Humanidade e contra o Neoliberalismo.
1998: Realiza-se, em Genebra, Suiça, a Primeira Conferência Mundial de
Ação Global dos Povos. Nesse mesmo ano, Hugo Chávez ganha, por ampla
maioria, as eleções na Venezuela, iniciando a revolução bolivariana, aliada
da revolução cubana.
1999: - Realiza-se, em Zurique, um Encontro Internacional intitulado ―Outro
Davos‖, em oposição ao Fórum Econômico Mundial reunido em Davos.
- Encontro Internacional reunido en Paris sob o lema ―Outro mundo é
possível‖.
- Rebelião generalizada em Seattle, EUA. Primeira rebelião generalizada no
centro mundial do capitalismo, depois de quase trinta anos (1968).
- A crítica ao capitalismo e as ideas do socialismo voltam ao primeiro plano
da agenda mundial.
- Em uma enquete mundial da BBC de Londres, Kart Marx é eleito ―o maior
pensador do milênio‖.
26
Dicionário básico de categorias marxistas
Néstor Kohan
NOTA INTRODUTÓRIA
1
* Capital: Não é uma coisa eterna, nem um ―fator econômico‖. Nem sempre
existiu, é resultado do processo histórico. É uma relação social de produção.
É valor que se valoriza (se acrescenta) explorando trabalho alheio. É dinheiro
que se autonomiza, ganha vida própria e se torna um sujeito autônomo,
exercendo seu poder de mando sobre os trabalhadores. É trabalho morto e
pretérito que volta à vida oprimindo o trabalho vivo da classe trabalhadora.
É um vampiro monstruoso que se alimenta de mais-valor.
2
* Concepção materialista da história: Nova concepção inaugurada por
Marx e Engels. Base da necessária e ainda pendente (re)unificação de todas
as ciências sociais. Sua ideia central é que toda a história não é mais que a
história da luta de classes. Não há evolução automática. A chave da história
está no conflito, nas rebeliões e nas revoluções. Para diferenciar uma época
de outra, há que apreender o tipo de relações sociais que predomina em
cada período. O ―materialismo‖ desta concepção remete à centralidade das
relações sociais, por contraposição ao ―Espírito universal‖ da filosofia da
história de Hegel. Para Marx, não há instituições eternas. Todas são
históricas. A sociedade constitui uma totalidade de relações de produção e
reprodução, materiais e ideológicas. Enquanto totalidade, a sociedade não é
um somatório mecânico de parcelas soltas ou fatores justapostos: o ―fator‖
econômico, o ―fator‖ político e o ―fator‖ ideológico. A teoria dos ―fatores‖ é
estranha ao marxismo.
* Dinheiro: Não é uma coisa nem um objeto ―mágico‖. Constitui uma relação
social de produção. Representa o equivalente geral tomado como referência
pela totalidade das mercadorias. Como equivalente, o dinheiro se descola da
relação social de valor e se torna autônomo. Converte-se em um sujeito
dotado de vida própria. Transforma-se em um fetiche. Seu poder não é mais
que o poder social das classes proprietárias. Seguindo W.Shakespeare, Marx
o define como ―a puta universal‖, porque o dinheiro não reconhece
diferenças. Tudo é a mesma coisa.
8
* Liberalismo: Corrente ideológica que acompanha a ascensão e o auge
político da burguesia até quando esta chega ao poder. Em seus princícios e
durante o apogeu do século XVIII europeu, caracteriza-se por combater a
reação absolutista, difundir o pensamento livre, promover a liberdade de
comércio e as liberdades públicas. Muda radicalmente quando a burguesia
chega ao poder e entram em cena a classe operária e o socialismo. Então,
torna-se reacionário. Hoje em dia, o neoliberalismo somente contém,
daquela ideologia, a defesa do livre comércio, tendo se tornado
absolutamente conservador, partidário de governos despóticos, opositor a
todo pensamento livre e inimigo das liberdadees públicas. Por isso promove o
controle e a vigilância permanente dos indivíduos.
* Materialismo: Antiga corrente filosófica. Não tem nada a ver com o ―culto
ao dinheiro e aos bens terrenos‖. O materialismo afirma que o fundamento
último do Universo é a ―Matéria‖. Um dos primeiros filósofos materialistas
foi, na Grécia, Demócrito [460 a.C.-370 a.C.]. Ao colocar ênfase na realidade
objetiva, independente da práxis do sujeito, alheia à história e às relações
sociais, o materialismo fiosófico se torna especulativo, contemplativo e
passivo. Separa nitidamente o objeto do sujeito: fica só com o objeto, com a
matéria, com a natureza. O “materialismo” marxiano está centrado na
história, na sociedade e nos sujeitos. A Marx interesa a materialidade ... das
relações sociais. A ―matéria‖ de que fala o marxismo é uma matéria ...
estritamente social e construída historicamente: as relações sociais de
produção, não a matéria físico-química das ciências naturais! Para a filosofia
marxista da práxis, não há matéria objetiva sem sujeito, nem sujeito sem
matéria objetiva.
* Teleologia [em grego: teos = fim]: Doutrina filosófica que busca adequar a
fins (objetivos) e à orientação no sentido de realizá-los todos os processos
históricos ou naturais, os quais encontrariam sua razão de ser ao final de
seus processos de desenvolvimento. Os fins da teleologia estão
preassegurados de antemão; por isso, habitualmente, a teleologia vem
acompanhada do determinismo. Contrariamente ao que supõem nossos
adversários e acusam os inimigos, a filosofia marxista da práxis não é
teleológica. O futuro não está assegurado de antemão. A história não está
dirigida a fim algum previamente traçado (como o ―porvir luminoso do
comunismo‖). A história é um processo em aberto. A consigna marxista
revolucionária de Rosa Luxemburgo, ―socialismo ou barbárie‖, é uma boa
síntese, não teleológica, da filosofia da práxis.
* Valor: Não é uma coisa, nem uma propriedade intrínseca das coisas. É
uma relação social de produção. Em ambos os polos da relação, vincula-se
aos possuidores de mercadorias. Quando os produtos do trabalho são
gerados dentro de relações de valor, são produzidos para serem vendidos no
mercado. Marx distingue historicamente diversas relações de valor, desde a
mais simples (a permuta) até a mais desenvolvida (o dinheiro).
15
Sugestões para iniciar a leitura de Marx
(Adaptado do texto de Néstor Kohan
“Aproximações ao Marxismo: uma introdução possível”)
1
Para um primeiro encontro com a crítica de Marx à economia política,
recomendamos começar com a leitura de ―O método‖ (seção do capítulo do
livro Miséria da filosofia intitulado ―A metafísica da economia política‖). No
mesmo sentido, é muito proveitosa a leitura da Introdução aos Grundrisse,
principalmente ―O método da economia política‖ (subcapítulo N°3 da dita
Introdução). Acompanhando tais leituras, uma boa introdução a esta
problemática pode ser Salário, preço e lucro, conferência ditada pelo
próprio Marx, em 26/6/1865, para a Internacional. Finalmente, apesar de
conter maior grau de complexidade que os anteriores, sugerimos ler o
capítulo quarto do livro primeiro de O Capital intitulado ―Transformação do
dinheiro em capital‖, onde se expõe o núcleo da teoria da exploração
capitalista. Da mesma forma, cabe a leitura do capítulo 48 do livro terceiro
de O Capital, batizado ironicamente ―A fórmula trinitária‖, em polêmica
com a economia burguesa.
2
Cronologia das obras de Marx – incluídos apenas
alguns de seus trabalhos mais significativos
1818: Em 5 de maio, nasce Karl Marx, em Tréveris (Alemanha).
1851: Começa trabalho como correspondente (até 1862) do New York Daily
Tribune.
3
1861-1863: Continua investigando acerca da crítica da economia política e
escrevendo anotações em continuidade às indagações dos Grundrisse e da
Contribuição à crítica da economia política, incluindo cadernos sobre
tecnologia [muitos dos quais ainda não publicados].
4
Notas sobre as edições de Marx e Engels
Os escritos de Marx constituem uma obra de dimensão descomunal.
Durante sua vida chega a publicar apenas uma parte importante dela. Outro
tanto fica inédito e somente vira papel impresso depois de sua morte (1883).
Depois desse ano, o legado e os papéis de Marx passam às mãos de Engels.
Seu fiel e leal companheiro se debruça sobre o laboratório mental dos
manuscritos de Marx e pode finalmente publicar, em 1885, o Livro II de O
Capital e, em 1894, o Livro III da mesma obra. Poucos dias antes de morrer,
em 1895, Engels outorga aos dirigentes socialistas alemães Augusto Bebel e
Edward Bernstein plenos poderes para dispor de seus próprios escritos
póstumos. Ao mesmo tempo, doa sua biblioteca e os papéis que conservava
de Marx ao arquivo do Partido Social Democrata Alemão (PSD). Um de seus
principais representantes — pertencente à ala esquerda do PSD, Franz
Mehring, publica, em 1902, uma compilação em três volumes de escritos
esquecidos ou inéditos de Marx e Engels, concluídos entre 1841 e 1850.
Mais tarde, em 1906, F.A.Sorge publica as Cartas de Marx e Engels em um
só tomo. Karl Kautsky, outro líder da socialdemocracia alemã, promovendo
famosos cortes, publica, entre 1905 e 1910, a História crítica das teorias da
mais-valia de Marx. O mesmo fazem Augusto Bebel e Edward Bernstein com
a Correspondência Marx-Engels, que aparece — mutilada — em quatro
volumes, en 1913.
Por sua vez, o Editorial Século XXI (dirigido pelo editor espanhol exiliado no
México Arnaldo Orfila Reynal, assessorado pelo argentino, também exiliado
no México, José Aricó) publica, durante os anos ’70 e ’80, os três tomos de O
Capital (com tradução de Pedro Scarón) e os três dos Grundrisse (com
tradução de Pedro Scarón, Miguel Murmis e José Aricó). A tradução de O
Capital a cargo de Scarón é, sem dúvida, a mais recomendável de todas as
que circulam e existem em espanhol, incluindo, nessa comparação, à do
argentino Floreal Mazía (do editorial Cartago, pertencente ao comunismo
argentino), à do espanhol Vicente Romano García (do editorial AKAL), à
clássica de Wenceslao Roces (de varias edições) e à publicada na Espanha
pelo editorial EDAF. Tal publicação, da parte do Editorial Século XXI, se
conjuga com a edição de uma centena de volumes sobre marxismo
intitulados ―Cadernos do Passado e do Presente‖, dirigidos também por José
Aricó.
8
Marx e Engels na Internet
Na INTERNET, pode se começar a leitura de textos marxistas navegando em
alguma das seguintes direções [além desta pequena lista, há muito mais]:
9
A difusão das ideias marxistas e as publicações
de Marx e Engels no Brasil1
Sem sombra de dúvida, foi o próprio PCB quem mais contribuiu para a
difusão do pensamento marxista no Brasil, pelo menos até o golpe de 1964.
A partir daí, em função da pesada repressão que se abateu sobre os
comunistas e da verdadeira diáspora de militantes e intelectuais ocorrida por
ocasião das divergências políticas e ideológicas ao longo dos anos ’60 a ’80,
descentralizou-se extraordinariamente esta difusão, sendo que as
publicações das obras fundamentais do marxismo e sobre o marxismo
ficaram a cargo das universidades, organizações políticas e sociais e de
grandes editoras.
Nos primeiros anos de sua existência, o Partido Comunista teve como seus
principais dirigentes os intelectuais Astrojildo Pereira e Octávio Brandão,
autores de obras difusoras do pensamento marxista e das opiniões dos
comunistas acerca da conjuntura nacional e internacional, além de
inúmeros artigos publicados nas revistas e jornais mantidos pelo partido ou
abertos à colaboração de seus militantes. Foi Otávio Brandão quem traduziu
e publicou a primeira obra de Marx e Engels no Brasil: O Manifesto de
Partido Comunista, em 1923-24. O texto havia sido publicado primeiramente
em um jornal de Porto Alegre, contendo na capa uma foto de Marx, além de
um comentário sobre o pensador: “Chamamos a atenção do proletariado do
Brasil para a obra imortal de Karl Marx e Friedrich Engels, geniais
precursores de Trotsky e Lenine”. Brandão traduziu o “Manifesto” da edição
francesa de Laura Lafargue e não diretamente da língua original, o alemão.
KARL MARX:
A guerra civil na França (Prefácio: Friedrich Engels. Tradutor: Rubens
Enderle) São Paulo: Boitempo, 2011.
Crítica da filosofia do direito de Hegel (Prefácio: Rubens Enderle.
Tradutores: Rubens Enderle e Leonardo de Deus). São Paulo: Boitempo,
2005.
Crítica do Programa de Gotha (Textos anexos: Cartas de Marx e Engels
sobre o Programa de Gotha e texto de Lênin sobre a Crítica do Programa de
Gotha. Tradução de Neuza Campos). Rio de Janeiro: Editora Livraria Ciência
e Paz, 1984.
7
Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo, Martins Fontes,
2003.
Formações Econômicas Pré-Capitalistas (Introdução de Eric Hobsbawm.
Tradução de João Maia). São Paulo: Paz e Terra, 1991 (6ª edição).
Grundrisse. Subtítulo: Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da
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Volume 4: Temas de cultura. Ação Católica. Americanismo e fordismo.
Volume 5: O Risorgimento. Notas sobre a história da Itália.
Volume 6: Literatura. Folclore. Gramática. Apêndices: variantes e índices.
Cartas do Cárcere 1926-1937 (edição de Luiz Sérgio Henriques). Rio de
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Atualidade histórica da ofensiva socialista. Subtítulo: Uma alternativa
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10
Estrutura social e formas de consciência. Subtítulo: a determinação social
do método (Tradutores: Luciana Pudenzi, Francisco Raul Cornejo e Paulo
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Estrutura social e formas de consciência II. Subtítulo: A dialética da
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Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
Filosofia, ideologia e ciência social. Subtítulo: ensaios de negação e
afirmação (Tradutora: Ester Vaisman). São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
O desafio e o fardo do tempo histórico. Subtítulo: o socialismo no século
XXI (Prefácio: John Bellamy Foster. Tradutores: Ana Cotrim e Vera Cotrim).
São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
O poder da ideologia (Tradutor: Paulo Cezar Castanheira). São Paulo:
Boitempo Editorial, 2004.
O século XXI. Subtítulo: socialismo ou barbárie? (Tradutor: Paulo Cezar
Castanheira). São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
Para além do capital. Subtítulo: rumo a uma teoria da transição (Prefácio:
Ricardo Antunes. Tradutores: Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2002.
11
1
XIV CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)
10. Com o uso da maquinaria, o trabalho torna-se objetivamente abstrato. Isto porque
somente por meio da troca de mercadorias o trabalho individual que as produziu se
torna social: as mercadorias só têm um caráter objetivo como valores na medida em
que são todas expressões de uma substância social idêntica: o trabalho humano. O
caráter objetivo da mercadoria (o valor) é, portanto, puramente social. O trabalho
3
abstrato é, então, a propriedade adquirida pelo trabalho humano quando dirigido
para a produção de mercadorias.
11. O capital não é uma coisa, mas uma relação social de exploração. No capitalismo
desenvolvido, a tecnologia apresenta-se como um método de extração de mais valia
relativa, pois a introdução das máquinas e o uso da ciência para o desenvolvimento de
novas tecnologias e sistemas de organização da produção propiciam o aumento
progressivo e vertiginoso da produtividade sem a necessidade de obtenção de maior
produção por meios meramente coercitivos ou com a extensão da jornada de trabalho
(mais valia absoluta).
13. O período compreendido entre meados da década de 1840 e 1873 (ano que
assinalou o início da Grande Depressão na Europa) ficou conhecido como a era de
ouro do capitalismo de livre concorrência. Foram anos que se caracterizaram pela
rápida expansão econômica em toda a Europa. Mas justamente quando o capitalismo
de livre concorrência parecia atravessar a sua fase de maior esplendor, as forças que
levariam à concentração de capital, como previra Marx, começaram a produzir os seus
efeitos. Os aperfeiçoamentos tecnológicos foram de tal monta que somente as fábricas
de grande porte puderam tirar proveito dos novos e mais eficientes métodos de
produção.
15. Em fins do século XIX, no mundo dominado pelas gigantescas corporações que
produziam em massa artigos destinados aos mercados nacionais ou mundiais, a
concorrência de preços teve consequências tão devastadoras que as próprias
corporações acabaram renunciando a ela. Configurou-se uma tendência inexorável à
formação de um poder monopolista exercido por algumas poucas corporações. Várias
grandes empresas se associaram voluntariamente, formando cartéis ou pools, por
exemplo, preservando, ao mesmo tempo, uma relativa autonomia de ação. Outras
formas de associação utilizavam uma empresa financeira – um truste ou uma
4
companhia (holding) para controlar as ações com direito a voto das corporações
participantes. Havia ainda a alternativa da fusão ou amálgama de várias empresas,
formando uma única corporação unificada.
16. Tal processo de concentração de capitais ocorreu tanto nas empresas industriais
quanto nos bancos, provocando a substituição da grande quantidade de pequenas
casas bancárias por um pequeno número de grandes bancos, forçando, ainda, que o
capital industrial buscasse a associação com o capital bancário, pela necessidade de
créditos e visando a formação das sociedades anônimas por ações. Forjou-se, assim, o
capital financeiro, que passava a influir diretamente na vida das empresas,
comprando e vendendo ações, promovendo fusões e associações entre os grupos
empresariais e influenciando, junto aos Estados, nas diretrizes das políticas
econômicas adotadas.
18. Estes métodos visavam, acima de tudo, o maior controle dos patrões sobre a mão
de obra operária, tendo se constituído em novas formas de dominação burguesa sobre
o operariado dentro da fábrica, ao interferir diretamente no tempo de trabalho e na
forma de organização da produção. Buscava-se, assim, quebrar a resistência dos
trabalhadores à exploração do capital, minando a solidariedade entre eles, através da
imposição de um ritmo feérico de trabalho e da competitividade como norma entre os
próprios operários. As mudanças introduzidas por Taylor e Ford, simbolizadas,
respectivamente, no cronômetro e na esteira rolante, não foram meras inovações
tecnológicas, mas verdadeiras revoluções de ordem administrativa e gerencial, pois
colocaram a ciência da administração a serviço não apenas do aumento da produção e
da produtividade, mas, fundamentalmente, do poder dos capitalistas, constituindo o
despotismo de fábrica.
19. Outra característica fundamental deste processo histórico foi a maior participação
dos Estados, hegemonizados por grupos empresariais, grandes proprietários de terras
e banqueiros, na vida econômica das nações capitalistas desenvolvidas, abandonando-
se, gradativamente, a tradicional política de laissez-faire predominante na fase
concorrencial do capitalismo. Em sua nova fase de desenvolvimento, o capitalismo
exigia que os Estados adotassem medidas para facilitar sua expansão, através de
políticas protecionistas e de investimento na indústria pesada e bélica, com vistas a
favorecer a exportação de produtos e capitais, além de garantir a presença dos
grandes conglomerados em várias áreas do globo, em meio à acirrada disputa
imperialista que se estabeleceu entre as potências industriais.
20. Todo este conjunto de novas situações, em que se destacam a forte concentração
de capitais, a crescente capacidade produtiva das empresas, devido às inovações
tecnológicas, o acirramento da luta de classes, com o fortalecimento do movimento
operário na segunda metade de século XIX, provocou a necessidade imperiosa de
conquista de territórios que representassem novos mercados consumidores dos
produtos industrializados, ao mesmo tempo em que se caracterizavam como
fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata ou semiescrava.
5
21. Para Lênin, configurava-se um novo patamar histórico, uma mudança qualitativa
no capitalismo até então existente. O imperialismo não envolvia apenas a partilha do
mundo, mas uma nova articulação entre ciência e processo produtivo, o aumento das
exportações de capitais, uma nova correlação de forças entre a classe trabalhadora
dos países imperialistas e as respectivas burguesias, novas relações entre capital
financeiro e Estado. A concentração ampliada de capitais alterava qualitativamente as
relações sociais, impondo novas e mais perversas formas econômicas, sociais, políticas
e ideológicas – de caráter mundial. A tendência à monopolização expressava que, para
manter-se como forma de acumulação ampliada, o capital precisava efetuar
significativas e efetivas transformações no conjunto da vida social, implicando em
novos desafios para a luta de classes.
24. Segundo a teoria exposta originalmente por Marx no Livro III de O Capital, quanto
mais se desenvolve o capitalismo, mais decresce a taxa média de lucro do capital. Esta
ideia fundamenta-se no fato de que o processo de acumulação capitalista leva,
necessariamente, ao aumento da composição orgânica do capital, a qual é apontada
como sendo a relação existente entre o capital constante (o valor da quantidade de
trabalho social utilizado na produção dos meios de produção, matérias-primas e
ferramentas de trabalho, ou seja, o “trabalho morto” representado, basicamente, pelas
máquinas e pelos insumos necessários à produção) e o capital variável (valor invertido
na reprodução da força de trabalho, o “trabalho vivo” dos operários). O processo de
acumulação resulta na tendência à substituição do “trabalho vivo”, a única fonte de
valor, por “trabalho morto”, que não incorpora às mercadorias nova quantidade de
valor, mas apenas transmite às mesmas a quantidade de valor já incorporada nos
meios de produção.
34. O boom econômico terminava nos anos 1970, em grande parte porque a
competição entre as grandes potências capitalistas produzia uma crise de
superprodução e queda de lucros. Começava um novo movimento descendente na
economia capitalista globalizada. Paralelamente, a crise política vivenciada nos anos
1980 pelos países socialistas do Leste Europeu e, com maior dramaticidade, pela
União Soviética da era Gorbatchev, possibilitou a ofensiva do grande capital na fase
neoliberal, marcada também pela ascensão ao poder de grupos de direita, por meio
das eleições, em diversos países ocidentais (Margaret Thatcher, 1979, Inglaterra;
Ronald Reagan, 1980, EUA; Helmut Khol, 1982, Alemanha; Schluter, 1983,
Dinamarca).
40. Uma das principais teses propagadas pelas correntes neoliberais é a de que a
chamada globalização contemporânea, além de caracterizar uma nova época histórica
marcada pelo triunfo final do capitalismo, o que teria fechado as portas para outras
alternativas políticas e sociais, promoveria uma crescente unidade e integração do
capital internacional. A transnacionalização do capital significaria não a intensificação
da concorrência, mas, ao contrário, o declínio da competição entre os grandes
capitalistas e a interpenetração dos capitais de origens nacionais, por meio de uma
crescente colaboração entre as empresas. Haveria, assim, uma relação inversa entre
globalização e competição. Quanto mais globalmente integrado ficasse o capitalismo,
menos concorrência haveria.
44. Para exercer o seu alcance global, o capitalismo precisa dos Estados nacionais
para manter as condições vitais ao sucesso de suas operações, ou seja, todo um
aparato legal, político, administrativo e coercitivo capaz de prover a ordem necessária
à manutenção do sistema de propriedade numa situação de cada vez mais violenta
desigualdade. Além disso, o capital global se beneficia do desenvolvimento desigual e
da diferenciação existente nas diversas economias do mundo, que proporcionam
fontes baratas de trabalho e de recursos, ao mesmo tempo em que controlam a
mobilidade da mão de obra. A forma política do capitalismo global, portanto, não é um
Estado global, mas um sistema global de múltiplos Estados locais.
49. Nos últimos anos, o capitalismo tem vivido ciclos de crise e expansão cada vez
mais curtos e constantes. Desde o crash da bolsa americana, em 1987, o capitalismo
assistiu aos seguintes choques: crise imobiliária no Japão, no início dos anos 1990,
seguida pela estagnação dessa economia por mais de uma década; crise asiática, em
1997, com a quebra do mercado de capitais e de câmbio e perda de dinamismo da
Coreia e demais tigres asiáticos; a crise dos fundos, em 1998; crise cambial na Rússia,
em 1999; crise cambial no Brasil, México e Argentina, em 2001; estouro da bolha da
internet, em 2002; crise do mercado imobiliário estadunidense e crise de liquidez
bancária na Europa e nos EUA. O aspecto financeiro dessas crises é reflexo da perda
de dinamismo das economias da União Europeia, EUA e Japão. A crise do subprime
em 2007 foi resultado direto da diminuição da renda do trabalhador americano e do
desemprego.
52. Importador universal, os EUA geram um imenso déficit externo, casado com um
déficit fiscal de similar magnitude. Para fazer frente a estes déficits, o capitalismo
estadunidense depende do endividamento do governo, das empresas e das famílias.
Para sustentar esse endividamento, os EUA se tornaram os maiores importadores de
capital. Vendem títulos de governo, ações, obrigações privadas, títulos de todo o tipo,
12
empresas, tudo para sustentar o serviço das dívidas pública e privadas. A economia
dos EUA é vítima do próprio expansionismo: as grandes empresas procuram outros
pousos, onde o custo da reprodução da força de trabalho é mais baixo. A revolução
tecnológica elevou a composição orgânica do capital, aumentando as taxas de mais
valia e reduzindo as taxas de lucro. Isso forçou a uma concentração de capital em
proporções nunca vistas, com fusões e aquisições que se espalham pela produção
capitalista no mundo todo. A oligopolização da economia, inclusive do comércio
varejista, destruiu a pequena e média indústria dos EUA.
55. As primeiras respostas oferecidas pelos governos dos países centrais combinaram
elementos de ajuda e de estatização de bancos e socorro a empresas de grande porte,
além de baixas nas taxas de juros. A evolução da crise depende, portanto, da
combinação de medidas a serem tomadas e o peso dado a cada uma delas. No
momento, os sinais claros são de recessão, que poderá prolongar-se, tornando-se uma
depressão, ou convergir para um período de alguns anos sem crescimento, ou seja, de
estagnação, trazendo consigo o desemprego e grandes tensões sociais no centro e na
periferia do capitalismo. Neste quadro, aprofunda-se a ofensiva contra os salários,
direitos e garantias dos trabalhadores, assim como ganham maior expressão posturas
direitistas e fascistizantes, em favor de modelos francamente autoritários de exercício
de poder.
63. A chamada reestruturação produtiva deve ser entendida, ao mesmo tempo, como
aprofundamento da disponibilidade sem reservas do trabalho para o capital e como
forma de introduzir novos métodos de disciplinamento da força de trabalho nas novas
condições de exploração, os quais se impõem tanto pela violência quanto pelo
convencimento. A dimensão do novo convencimento só é compreensível nesse contexto
em que os imperativos do mercado obrigam às mais abjetas sujeições em troca da
subsistência do trabalhador, a começar pela ameaça permanente do desemprego: a
requalificação dos trabalhadores, que devem interiorizar a necessidade de uma
autoempregabilidade; a instauração de formas de “parceria” ocultando relações de
exploração, por meio de cooperativas, contratos temporários, formas de “voluntariado”;
o trabalho doméstico e familiar em condições de dependência absoluta frente ao
patronato, que não mais se apresenta de forma direta, mas indireta, através de
subpatrões, em condições de concorrência extrema, etc.
64. Essas massas de trabalhadores desprovidos de direitos, não mais contidos pela
disciplina despótica no interior das fábricas, seguem, entretanto, sendo educados,
adestrados e disciplinados pelo capital, através dos inúmeros programas de
requalificação para a “empregabilidade”, adotados por entidades e empresas sob o
manto da “responsabilidade social”, em grande parte com recursos públicos. Sequer
deverão perceber-se como trabalhadores, como mão de obra disponível para o capital:
devem ver-se como empresários de si mesmos, livres “empreendedores” formados em
cursos de empreendedorismo social, vendedores de sua “capacidade” de trabalho sob
quaisquer condições, “voluntários” da sua própria necessidade. Na verdade, todas
essas formas de exploração do trabalho estão, de alguma maneira, interligadas ao
processo de produção de mais valia, garantindo a cooperação necessária às atividades
produtivas em prol do capital.
66. A reflexão de Marx sobre o “capital portador de juros” (Capítulo XXI do Livro III de
O Capital) muito contribui para a compreensão do capital monetário como forma
dominante no plano internacional, nos dias atuais. Trata-se de um capital que assume
uma forma crescentemente social, como associação permanentemente competitiva de
grandes proprietários, apesar de ter-se amplamente disseminado o mito, no
capitalismo contemporâneo, da existência de atividades puramente monetárias e
especulativas, sem envolvimento algum com a produção, como se fosse possível a
multiplicação autônoma do capital.
67. Segundo esta visão, o trabalho vivo não mais teria qualquer função na vida social.
Isto porque interessa aos proprietários e gestores do capital monetário que este se
apresente como totalmente distante dos processos de produção direta e das formas
brutais de exploração da força de trabalho. No máximo, é desejável que seja
identificado às formas mais científicas, às atividades de pesquisa e à produção de
conhecimento, como se estas estivessem descoladas da extensa rede de divisão
internacional do trabalho. Na verdade, o capital monetário está completamente
envolvido com os processos de extração de mais valia e somente pode continuar
existindo caso impulsione sem cessar essa extração. No entanto, é apresentado como
puro cálculo, como dinheiro “limpo” (capaz inclusive de lavar os recursos procedentes
dos tráficos e das máfias, estes também impulsionados pelo capital monetário e
ligados ao processo de concentração de capitais, ao qual se agregam as mais variadas
formas de extorsão, saque ou extração de sobretrabalho), negando a existência do
trabalho e dos trabalhadores concretos.
72. O predomínio atual do capital monetário (ou capital financeiro, nos termos de
Lênin) não significa, portanto, a redução da extração de mais valia. Ao contrário, a
existência de massas concentradas de capital monetário impulsiona e exige a
intensificação da concorrência, sobretudo entre os trabalhadores, mas também entre
os capitalistas que, ligados diretamente à produção, controlam parcelas desiguais de
capitais. Todo o processo recente de reestruturação produtiva só faz confirmar, com os
inúmeros exemplos de fragmentação da classe trabalhadora e pulverização das
unidades empresariais, que a concentração de propriedade estimula e impõe a
concorrência entre gestores do capital e entre os trabalhadores como necessidade
imperiosa para a reprodução do capitalismo.
73. A exacerbada concorrência entre capitalistas não elimina o fato de haver profunda
unidade entre eles no que se refere aos mecanismos de expropriação da classe
trabalhadora. No capitalismo globalizado, a burguesia demonstra estar integrada
mundialmente, com o capital cada vez mais concentrado em grandes conglomerados
internacionais ramificados em todas as regiões do planeta, para o que cumpre papel
preponderante o capital monetário, como proprietário de imensas massas de recursos
destinadas a financiar atividades dispersas, sob as mais variadas espécies de
“empreendedorismos“. Mas não existe nada parecido com uma economia mundial
unificada e regida por uma organização global da ordem sintonizada conforme os
17
desejos do capital. Vive-se em um mundo de desenvolvimento desigual, com
enormes disparidades de preços, salários e condições de trabalho.
74. Isso nos leva a algumas reflexões, fundamentais para quem deseja avançar na luta
contra o capitalismo, a partir da identificação mais precisa das condições sociais
objetivas nas quais se dá a luta de classes na conjuntura histórica do momento. Em
primeiro lugar, reafirma-se categoricamente a contradição entre capital e trabalho
como a contradição fundamental a exigir, como tarefa central dos comunistas, a
organização da classe trabalhadora na luta contra o sistema capitalista. A luta central,
pois, é entre classes, não entre países. Desaparece, dessa forma, a possibilidade de
eclosão de revoluções de caráter “nacional libertador”, ou seja, de alianças entre a
classe trabalhadora e a burguesia nacional, em países periféricos, para o
enfrentamento aos países centrais imperialistas. Sem mais tergiversação, coloca-se na
ordem do dia a estratégia revolucionária de luta pelo socialismo.
V - Capitalismo no Brasil
76. O Brasil realizou seu processo de industrialização num período muito rápido,
muito embora bastante atrasado em relação aos países centrais. Após algumas
experiências incompletas anteriores, o primeiro grande ciclo da industrialização
brasileira começou na década de 1930, amadureceu na década de 1950 e se esgotou
em 1980.
78. A industrialização brasileira foi realizada mediante o tripé capital privado nacional,
capital privado internacional e capital estatal, ressaltando-se que, até o final da
década de 1980, o Estado brasileiro teve participação decisiva no processo de
industrialização, sendo responsável pela construção da infraestrutura (estradas,
portos, hidroelétricas, telecomunicações, siderurgia, entre outros) e por um conjunto
18
de empresas públicas, inclusive no setor financeiro, que representavam quase a
metade do Produto Interno Bruto.
79. Em função de que a passagem para o capitalismo no Brasil ocorreu por meio de
transformações que não promoveram a ruptura com o poder do latifúndio, mantendo-
se, sem alterações profundas, inúmeras das estruturas econômicas, sociais e políticas
da velha ordem, o capitalismo tardio não viabilizou a formação no país de uma
burguesia com um projeto autônomo de nação. Na verdade, a burguesia não teve
interesse em se estabelecer enquanto classe nacional, nem mesmo com o auxílio de
seus antagonistas históricos, que advogavam uma revolução nacional democrática. Os
setores burgueses estruturaram-se de maneira subordinada aos centros
internacionais do capital, orbitaram em torno de sua lógica e cumpriram internamente
a tarefa de linha auxiliar do capital internacionalizado.
82. Cresceram a indústria de capital nacional privado, em especial nos ramos metal-
mecânicos, e a indústria de bens de produção, mantida pelo Estado, também
responsável pelos investimentos em infraestrutura, o que acabaria por beneficiar o
conjunto da estrutura industrial, estimulando o pleno desenvolvimento do
capitalismo. Tal equilíbrio de interesses, controlado pelo Estado a fim de evitar ao
máximo a irrupção de tensões no interior da classe dominante, perdurou enquanto
não afloraram, de forma mais nítida, os conflitos resultantes do processo de
oligopolização da economia, inevitável no modelo de modernização adotado, em que a
superioridade tecnológica e de capitais das empresas multinacionais, incitada pelo
Estado, criou um descompasso no ritmo de crescimento verificado entre os setores
industriais e vedou a possibilidade de expansão das empresas de menor porte.
83. Nos anos 1950, a burguesia industrial associada ao capital externo foi projetada a
uma posição de destaque dentre as demais frações da classe dominante que
compunham o Estado no chamado “pacto populista”, até então mantido com base no
equilíbrio entre elas. Os empresários da indústria passaram a atuar de forma mais
autônoma frente à estrutura corporativa estatal, afastando-se também de projetos
nacionalistas que, de um lado, rejeitassem ou limitassem a presença do capital
19
estrangeiro no país e, de outro, favorecessem ou não impedissem a mobilização das
massas proletárias.
84. A partir do final do Plano de Metas, estruturaram-se dois projetos distintos para a
sociedade brasileira: as reformas de base e o projeto dos setores ligados ao capital
internacional. Ao longo dos primeiros quatro anos da década de 1960, o Brasil viveu o
seu momento de maior polarização da sociedade, com enorme politização dos setores
populares. O projeto das reformas de base, com apoio de parte significativa da classe
trabalhadora, especialmente aquela organizada em sindicatos e associações, foi
derrotado pelo golpe civil-militar de 1964, patrocinado pelas classes dominantes, por
setores conservadores da Igreja e pelos altos comandos das Forças Armadas, com o
apoio estratégico do governo dos Estados Unidos e com a sustentação ideológica de
expressivas parcelas das camadas médias urbanas.
85. O golpe de 1964 representou não apenas a maior derrota dos setores populares
em toda a história do Brasil, como contribuiu para o aprofundamento da dependência
em relação ao capital internacional e bloqueou definitivamente qualquer tentativa de
construção de um capitalismo autossustentado sob a direção de uma burguesia
nacional, com algum tipo de projeto autônomo de nação. Mesmo levando em conta o
peso do Estado e das empresas públicas fortalecidas e consolidadas no período
militar, o golpe de 1964 representou o fim das ilusões nacionaldesenvolvimentistas
nos marcos do capitalismo.
88. A crise dos anos 1990, apesar de inserida no ciclo de estagnação da economia
brasileira do início da década de 1980, marca uma mudança de qualidade no processo
de acumulação de capital e uma nova forma de relacionamento entre o grande capital
internacional, a grande burguesia associada e o Estado. Nos anos 1990, consolidou-
20
se, no plano internacional, o poder dos blocos de forças sociais mais ligados ao
capital financeiro, principais impulsionadores da globalização financeira e da
especulação mundial. A exemplo do que ocorreu nos países centrais, no Brasil
também houve uma recomposição das alianças entre frações das classes dominantes,
cuja expressão política foi o governo Fernando Henrique Cardoso, com continuidade
no governo Lula. Trata-se de um bloco de forças sociais que, após vários anos de crise,
conseguiu articular um projeto capaz de unificar a burguesia já integrada ou com
grandes potencialidades de integração ao capital internacional e disciplinar eventuais
setores do capital industrial prejudicados com a nova ordem.
89. Com a eleição de Lula em 2002, a novidade de seu governo, em relação ao de FHC,
foi a promoção de uma articulação política que possibilitou a ascensão da grande
burguesia industrial e agrária voltada para o comércio de exportação, sem que fosse
quebrada a hegemonia do setor financeiro. Isto porque a política mais agressiva de
exportação centrada na agroindústria, na extração mineral e nas mercadorias
industriais de baixa tecnologia estimula a produção nos limites determinados pelos
interesses do grande capital financeiro, cujo objetivo maior é a “caça aos dólares” e às
demais moedas fortes, algo que obviamente não seria obtido através de um
planejamento voltado a desenvolver o consumo popular e o mercado interno.
97. Na verdade, o número de assalariados não apenas se manteve, como foi ampliado.
O emprego industrial tornou-se mais difuso geograficamente e superou, largamente, a
organização por categoria do sindicalismo brasileiro. A terceirização ajuda a distorcer
as estatísticas do emprego industrial, situando nos serviços trabalhadores que são da
indústria de transformação. Empresas terceiras assumem atividades-meio, como
vigilância, limpeza e alimentação. O assalariamento se difundiu, e os assalariados são
a maioria na população economicamente ativa do país, montando a cerca de 60% do
total.
107. Não se trata, evidentemente, de uma mera batalha no campo das ideias. Na luta
hegemônica, o partido revolucionário é o organismo social responsável pela
organização da ampla luta social pretendida, devendo se configurar como a célula na
qual se aglomeram germes da vontade coletiva que tende a se tornar universal e total,
no sentido da transformação social a ser empreendida. O papel do partido
revolucionário é contribuir para a elevação da consciência de classe, superando os
marcos impostos pela ideologia dominante e forjando a vontade coletiva capaz de
hegemonizar o projeto político de construção da sociedade socialista.
108. Por fim, se a destrutiva lógica do capitalismo torna-se mais e mais universal, as
lutas sociais existentes nos âmbitos locais, nacionais e regionais podem se
transformar na base de um novo internacionalismo. Um internacionalismo que não
seja calcado em alguma noção irreal e abstrata de sociedade civil ou cidadania global,
mas na estruturação de uma efetiva solidariedade entre os vários movimentos de
classes locais e nacionais nas lutas concretas contra a exploração promovida pelas
empresas e Estados capitalistas. Se a atual crise global do capitalismo não leva ao
arrefecimento das imensas contradições sociais geradas por ele, muito pelo contrário,
isso permite concluir estarem dadas as condições nas quais o trabalho revolucionário
de organização e construção da hegemonia proletária permitirá a derrocada final do
regime que nos oprime e a construção da sociedade socialista.
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3 Devem ser considerados, ainda, os aportes de todos os que lutam por justiça social
e que têm na luta pela superação das desigualdades e na denúncia do capitalismo
as principais referências para a construção de uma nova sociedade lastreada na
igualdade e no bem estar.
4 Esta discussão se dá, hoje, em um contexto bastante distinto daquele vigente nos
primeiros anos do século XX – período em que eclodiu a Revolução Bolchevique –
ou na década de 1950, quando muitas das experiências socialistas daquele século
se iniciaram. O capitalismo segue com mais rapidez a tendência de mundialização
dos mercados e da produção, com a alta concentração e centralização do capital
forjando grandes conglomerados e empresas trans e multinacionais que operam
mundialmente. Cada vez mais são introduzidas novas tecnologias na produção,
processo este que só fez reforçar, nas últimas décadas, a tendência à queda nas
taxas de lucros e o movimento de financeirização da riqueza.
burguesia.
14 A vigência, por quase duas décadas, destas políticas, nos países europeus, na
Rússia, nos países do antigo bloco socialista, do Leste Europeu e na maioria dos
demais países do mundo, como no Brasil e nos demais países da América Latina,
gerou um quadro de desesperança e de crise de valores que mostra, cada vez mais
claramente, a sua verdadeira face de alienação e as mazelas estruturais do
capitalismo: o desemprego, a miséria, a exclusão, do produto social, da maioria dos
trabalhadores, a ameaça direta à sustentação ambiental do planeta e à própria
vida, a desorganização social e a desmobilização dos trabalhadores.
O debate
16 O debate sobre o que foi, sobre qual é a herança e qual é o balanço crítico que se
deve fazer acerca da experiência de construção do socialismo na URSS e nos países
do Leste Europeu já conta, hoje, com o distanciamento crítico necessário, naquelas
formações sociais e em todo o mundo, em relação àquelas experiências.
19 Vale lembrar ainda que os atuais países socialistas, que, mesmo enfrentando
dificuldades sérias, como Cuba, ou com políticas adaptativas ou mistas, de
integração mundial e convívio interno com estruturas de mercado e propriedade
privada, como China e Vietnã, apresentam elevado padrão de desenvolvimento e de
qualidade de vida para os trabalhadores. A existência destas formações faz o papel,
em certa medida, de contraponto aos países capitalistas desenvolvidos, além de
apresentarem, em suas experiências, elementos a serem considerados,
criticamente, em novas bases, no processo de reconstrução do Socialismo.
24 Os grupamentos de linha trotskista, por sua vez, vêm produzindo uma série de
críticas em relação às experiências socialistas, centradas, principalmente, e muitas
vezes de forma reducionista, na sua burocratização, englobando os partidos no
poder e os Estados. Os Partidos Comunistas de todo o mundo, de um modo geral,
vêm elaborando análises críticas diversas sobre a gestão política e econômica
daquelas experiências, respeitando e reafirmando, no entanto, seu caráter
socialista e buscando alternativas de ação para a conquista do Socialismo em seus
países.
29 Como síntese, para deixar mais clara a distinção entre um período de transição
caracterizado pela passagem da tomada do poder político pelas forças
revolucionárias para a consolidação das estruturas socialistas, que exigiu e exigirá
nas próximas experiências a convivência entre estruturas capitalistas e socialistas,
por um certo tempo, e um segundo processo – o da evolução da sociedade
socialista para a construção do Comunismo – referiremo-nos àquelas formações
como “experiências socialistas histórico-concretas do século XX”, ou,
simplesmente, “experiências socialistas”.
30 Esta diferenciação dos dois momentos da transição exige que seja analisado em
que medida e com que estratégia se deu o esforço empreendido pelos partidos no
poder e pelas lideranças políticas daqueles países, para a construção do
socialismo, assim como será necessária uma avaliação acerca das possibilidades
históricas de seu sucesso. Os elementos que devem ser analisados são a busca da
superação da exploração econômica e da dominação política sobre os
trabalhadores, mediante a constituição de mecanismos efetivos de controle
operário sobre a produção como um todo e o Estado, do antagonismo entre
trabalho manual e intelectual, a superação do trabalho como meio de sobrevivência
– para que volte a ser a primeira necessidade da existência, o desenvolvimento de
um Novo Homem (um Novo Ser Social em todos os sentidos), o provimento de uma
fartura capaz de levar à condição na qual cada um oferece à sociedade o esforço
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31 A questão essencial nesta análise é buscar compreender por que razões não se
formou, no período histórico correspondente, uma hegemonia política e cultural
socialista (e comunista) sólida naqueles países, capaz de desenvolver e aprofundar
o ideário socialista e comunista e de sustentar a continuidade da construção
socialista no momento da crise que levou o sistema à queda, na URSS e no Leste.
Nenhuma interpretação que se pretenda marxista pode atribuir a crise daquelas
experiências socialistas à ação de um homem ou de um grupo de homens. É
preciso buscar na formação social as contradições que possibilitaram a crise e a
reorganização das forças de direita, responsáveis pela retomada do capitalismo no
antigo bloco socialista. Outras questões que devem ser analisadas são listadas a
seguir.
33 Como dito acima, o primeiro elemento desta análise deve ser a própria
caracterização daquelas experiências como formações socialistas. Nosso objeto de
análise é o conjunto de experiências histórico-concretas vivenciadas na Europa
(URSS, Iugoslávia, Albânia, Bulgária, Romênia, Tchecoeslováquia, Hungria, Polônia
e RDA), na Ásia (Mongólia, Laos, China, Vietnã e Coreia do Norte) e na América, por
Cuba, pela presença dos seguintes elementos:
- Predominância da propriedade estatal ou coletiva dos meios de produção;
- Proibição da compra e venda da força de trabalho como produto privado;
- Conquista do poder realizada por meio de revoluções, como na URSS, China e
Cuba, e por grandes mobilizações populares, como em quase todas as demais,
tendo passado algumas delas, inclusive, por processos eleitorais abertos e
definidores do caminho socialista – criando a fase das democracias populares –
como na Hungria e na Tchecoeslováquia;
- Predominância de estruturas de planejamento econômico centralizadas (em
diferentes graus, em cada país);
- Presença de políticas sociais distributivistas fortes, gerando, em todos os casos,
conquistas materiais inegáveis para sua população.
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37 O novo poder, o poder soviético, conquistado pela Revolução de 1917, teria que
enfrentar, já no ano seguinte, além da fome predominante em extensas regiões do
território, a agressão armada de inimigos externos e internos, uma guerra que
gerou a necessidade de adoção de ações de corte autoritário no exercício do poder –
o “comunismo de guerra”, que adotaria medidas duras, mas, ao que tudo indica,
necessárias, como o trabalho obrigatório e o confisco de gêneros alimentícios para
o sustento do Exército Vermelho, entre outras. Esta guerra, impulsionada pelas
nações imperialistas, deixaria parte significativa da capacidade produtiva destruída
e atrasaria a construção da sociedade socialista por quase dois anos.
39 Este argumento, no entanto, ainda que importante, pode levar a uma armadilha,
pois traz um conteúdo implícito de uma “concorrência” material necessária entre o
socialismo e o capitalismo e não leva em conta que, como será visto adiante, a
partir de um certo momento da história, estas condições, em sua maioria, foram
amplamente superadas, em todos aqueles países. Ou seja, o fato de que a
estratégia imperialista de cerco, destruição, obstáculos e ameaças contínuas aos
países socialistas tenha dificultado enormemente a aplicação e o avanço das
práticas socialistas e comunistas não anula a necessidade de focar a atenção nas
condições internas daqueles países, nas relações econômicas e políticas,
destacando o papel decisivo do fator subjetivo no desenvolvimento das novas
relações sociais.
41 A introdução da Nova Política Econômica, a NEP, iniciada em 1923, havia sido uma
forma de facilitar a retomada da produção industrial, de reorganização da
economia destroçada pela guerra, contando com quadros profissionais. Neste
arranjo, empresas privadas, mistas e cooperativas industriais e agrícolas conviviam
com empresas estatais – na indústria e no campo – e com a estrutura de
planejamento central que se fortaleceria ao longo daquela década. No momento
seguinte à NEP, inicia-se o processo de estatização e de industrialização acelerada,
processo pelo qual a economia russa foi lançada a um novo patamar.
42 A abertura para o comércio exterior seria outro elemento presente nos anos 1920,
período durante o qual discussões e debates extremamente ricos permeariam todo
o processo de definição e consolidação das estruturas do poder soviético,
acompanhando passo a passo a reconstrução do país, a reorganização da economia
e trazendo à tona, principalmente, as questões de fundo quanto aos rumos e
características da construção do Socialismo, com propostas que poderiam, grosso
modo, ser concentradas em dois campos. De um lado, havia a defesa do
gradualismo, em termos da passagem de estruturas mistas de propriedade
produtiva agrária e industrial para o modelo estatal / coletivo; de outro, a defesa
da industrialização acelerada, acompanhada da respectiva adequação dos
mecanismos de planejamento e de exercício do poder.
44 Do final da guerra civil até 1927-28, foi intenso também o debate político, travado
nos organismos do Partido, nos sindicatos, organizações de massa e nos Sovietes
sobre o processo de construção política e econômica do socialismo, propiciando ao
conjunto dos trabalhadores uma dinâmica extremamente participativa nas
decisões políticas para a condução da luta de classes.
48 A Segunda Guerra deixaria pesadas cargas para o poder soviético, com destaque
para a devastação do território da URSS e para os 20 milhões de soviéticos mortos,
incluindo-se, neste número, praticamente, toda a juventude e grande parte dos
melhores quadros do Partido Comunista, além do fechamento dos Sovietes e dos
expurgos. Com o fim da guerra, no entanto, vieram a afirmação do Socialismo, um
grande prestígio internacional para a URSS e os comunistas e uma expansão do
campo socialista, com a fundação das repúblicas populares do Leste.
baixo preço para toda a população. Segundo o censo soviético de 1970, mais de ¾
da população das cidades e 50% dos trabalhadores nas áreas rurais tinham
completado educação de nível médio ou superior.
53 Na União Soviética, em 1975, estava garantido por lei que o número de horas de
trabalho não podia exceder as 41 horas por semana, na época uma das menores
jornadas do mundo. A todos os trabalhadores eram garantidos dias para descanso
e férias anuais pagas. O tempo livre foi alargado e o seu conteúdo mudou,
deixando de ser tempo para a reprodução da mercadoria força de trabalho, para se
transformar em oportunidade de os trabalhadores elevarem o seu nível cultural e
educacional.
54 A Seguridade Social para os trabalhadores tinha alta prioridade para o Estado: foi
criado um sistema integral de benefícios com baixos limites de idade para a
aposentadoria (55 anos para as mulheres, 60 para os homens). Condições
similares existiam nos restantes Estados socialistas europeus. O poder socialista
lançou os fundamentos para a abolição da desigualdade que sofriam as mulheres,
assegurando, na prática, o caráter social da maternidade e os cuidados
socializados à criança. Eram garantidos, em média, dois anos de licença
maternidade e foram instituídos direitos iguais para mulheres e homens no campo
econômico, político e cultural.
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61 A URSS foi então impelida a enfatizar a luta pela distensão e pela paz mundial,
entre outras razões, pela necessidade de consolidar o sistema socialista e evitar um
novo confronto mundial, ao mesmo tempo em que apoiava diretamente os
movimentos de libertação nacional e contra as ditaduras e as ações dos
comunistas nos diversos países, sem aventureirismos, sem a ilusão de que a
revolução pudesse ser exportada e feita de modo exclusivamente militar. Este
movimento incluiu o reconhecimento e a participação intensa da URSS nos
organismos multilaterais, como a ONU e suas organizações, tais como a UNESCO,
a FAO, a UNCTAD e outros, o apoio a movimentos pacifistas e desenvolvimentistas
que faziam frente à hegemonia estadunidense, como o movimento dos não
alinhados.
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63 Gastar com armas significava não gastar com o consumo social, não investir na
modernização da indústria de bens de consumo da classe trabalhadora. Por outro
lado, o poder militar da URSS e dos demais países do Bloco Socialista, aliado à sua
grande dimensão econômica e à sua forte influência política, garantia para todo o
mundo uma ordem econômica e política mais justa, mantinha protegidos diversos
países que, assim, puderam desenvolver-se soberanamente. China, Cuba, Vietnã,
Angola, Moçambique e muitos outros países foram beneficiários diretos deste
poder; Índia, Egito, Síria e outros o foram de maneira menos direta; todo o Terceiro
Mundo tinha muito a ganhar pela presença da URSS no cenário mundial, com
reflexos nos organismos multilaterais. Mesmo nos países capitalistas
desenvolvidos, os trabalhadores podiam melhor se organizar para exigir do
patronato capitalista melhores pagamentos e condições de vida e trabalho, para
conquistarem mais direitos e mais participação na vida política de seus países.
65 No entanto, outras causas, mais profundas, podem ser apontadas para esta queda.
Entre as principais razões está, seguramente, a visão e a teorização da dinâmica da
luta de classes, do desenvolvimento do capitalismo e da construção do socialismo
surgidas ainda nos anos 1930, após a ascensão de Stálin ao poder, que se
consolidariam nas décadas seguintes, através da codificação do marxismo
produzida pelo PCUS no período, acompanhada de uma simplificação da teoria,
materializada em manuais de marxismo-leninismo difundidos a todos os Partidos
Comunistas do mundo que seguiam a linha soviética.
67 Claro está que todo este contexto se refletiria no trabalho de elaboração teórica do
PCUS, cuja estrutura ainda se ressentia da perda de muitos quadros – com
destaque para os quadros jovens – durante a guerra e por causa dos expurgos. No
capítulo IV da História do PCUS, um trabalho realizado coletivamente e coordenado
por Stálin, estão muitos dos elementos que delineariam esta codificação do
pensamento marxista, construída principalmente a partir de citações reordenadas
de elementos dos trabalhos de Marx e Lênin: a definição da necessidade de
recrutamento de quadros com base no critério de confiança e da fé depositada no
Partido e no Socialismo; a definição do Partido como o único centro condutor do
processo de transformação social e a imbricação direta e necessária entre o Partido
e o Estado; a atribuição do papel de "correias de transmissão" do Partido aos
sindicatos e organizações de massa.
82 A questão que fecha este rol de reflexões, no entanto, é a mais importante: por que
não se formou, no período histórico correspondente, uma hegemonia política e
cultural socialista sólida, naqueles países, capaz de manter e até desenvolver e
aprofundar o ideário socialista e comunista?
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83 As respostas são múltiplas, e vale reafirmar que houve vitórias e conquistas, que o
Socialismo funcionou e "deu certo" para o que se propôs, por um dado período de
tempo. Pode ser citado o tipo de gestão do planejamento – no caso da URSS e dos
demais países do Leste – de natureza "técnica", com pouca influência das
estruturas de participação e poder de exercício direto. A própria visão da
industrialização em si, voltada, após o período da reconstrução e construção da
indústria de base e de bens de capital, de voltar-se para a busca do atendimento a
necessidades de consumo à moda "ocidental" pode ser citada como uma causa
importante da derrota política sofrida.
86 Por último, mas nem por isso em condição inferior aos demais elementos, a
imbricação direta entre o Partido e o Estado descaracterizaria a ambos, abriria as
portas para o empobrecimento teórico, a acomodação da militância e a
burocratização do Partido, para a sua despolitização e desideologização e,
posteriormente, para a corrupção e mesmo a rendição ideológica de muitos
quadros. Sem intensa participação política, sem iniciativas do Partido, ficou
empobrecido o desenvolvimento da teoria e da prática revolucionárias, e a disputa
pela hegemonia política e ideológica perderia terreno para a pressão pelo consumo,
para a alienação.
87 Estes elementos podem ser atribuídos a diversos fatores, tais como a perda de
muitos quadros do Partido, principalmente os jovens, durante a Segunda Guerra, a
euforia da vitória e da relativa consolidação do Socialismo, nos anos 1950, a
estrutura hierarquicamente rígida do PCUS constituída nos anos 1930 e durante a
guerra, a influência da herança de poder centralizado (desde os tempos do
tzarismo) na Rússia, a visão e o estilo carismático e personalista de direção de
Stálin (fortalecido com a vitória na Guerra) e outros.
88 Houve momentos em que esta tendência poderia ter sido revertida. Destaquem-se o
XXVIII Congresso, em 1958, que poderia ter sido a base para uma reforma política
ampla e profunda, voltada para o fomento à maior participação direta dos
trabalhadores nas decisões políticas, uma reforma contida, provavelmente, entre
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91 No caso da China, que da vitória dos comunistas na guerra civil até 1978 trilhou
um caminho ziguezagueante – alternando-se, no poder, a vertente “vermelha” ou
ideológica e a vertente “pragmática” ou técnica – são elementos da construção do
"Socialismo com características chinesas" que devem ser levadas em conta: a
experiência das comunas, das conferências consultivas, organismos que reúnem
todos os partidos e organizações políticas nacionais para debater as grandes
propostas políticas a serem enviadas ao parlamento; o controle político direto sobre
as unidades produtivas, pelas comunas ainda hoje existentes; a participação das
regiões com mais destaque no sistema de planejamento (de caráter participativo,
em geral); o planejamento em linha (vertical) por ramos de produção, com controle
centralizado de variáveis-chave nacionais; a existência de microempresas e
empresas individuais (como as chamadas empresas de rua) sob controle político
direto, pelas comunas; as relações diretas entre empresas públicas produtoras e
fornecedoras (nas chamadas conferências de harmonização) e mesmo a grande
mobilização popular à época da Revolução Cultural.
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