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ESTUDANDO A CONSCIÊNCIA
Suponha que você seja solicitado a realizar uma tarefa simples como usar
fones de ouvido e ouvir alguns tons ou “bipes” chegando a cerca de um por
segundo e então relatar pressionando um botão sempre que ouvir um bipe
que seja mais alto, mais elevado ou menos do que aquele que veio exatamente
antes. Teríamos que pagá-lo para manter a exatidão, especialmente se soli-
citarmos que você realizasse essa tarefa em uma cabine à prova de luz e de
som durante uma hora. É natural que sua mente vagueie, então você tem que
tentar com muita vontade para se concentrar naqueles bipes. Você será
reembolsado a cada vez que empurrar o botão quando o tom for diferente
daquele que veio antes. Mas mesmo se estiver mantendo um nível de 90% de
exatidão, depois de mais de uma hora achamos, em tais experimentos, que
seus pensamentos vagueiam consideravelmente para memórias, monólogos
* N. de R.T. Este trecho da obra permite uma clareza quanto à diferenciação conceitual
existente entre brincadeiras e jogos lúdicos, decorrentes das diferentes possibilidades de
tradução do termo play.
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dos anos de 1900, que alguma forma de pensamento realmente parece ocor-
rer durante qualquer período prolongado de sono, apesar de geralmente não
ser lembrado, exceto após a assim chamada Etapa 1-EEG, fase do movimento
rápido dos olhos (REM) do ciclo do sono. Tal atividade mental no sono pode
até ser uma continuação, de forma modificada, do fluxo de pensamento du-
rante a consciência acordada primeiramente descrita por William James, ex-
ceto que, com informação externa limitada, a consciência do sonho reflete
primariamente as informações aparentemente randômicas de nossa atividade
de memória de longo prazo (Antrobus, 1993, 1999; Epstein, 1999).
Um segundo significado de consciência, que é talvez particular dos seres
humanos, envolve a atribuição de significado à experiência. Fazemos isso
associando novas cenas ou eventos a imagens previamente relacionadas. Para
as crianças, uma vez que aprendem a falar, também podem dar rótulos verbais
ou até mesmo formar categorias conceituais para experiências, modelando-as
nos esquemas e scripts que permitem uma recuperação eficiente de memórias
(Johnson e Multhaup, 1992; J.L.Singer e Salovey, 1991). Essa manifestação
de consciência é o que é melhor mostrado nos gêneros literários de grandes
escritores como Joyce, Woolf, Faulkner, Bellow, Proust e em algumas das his-
tórias e romances de Thomas Mann. Como nossos exemplos de Ulisses suge-
rem, essa forma de pensamento consciente pode envolver um tipo de comen-
tário mental quase objetivo sobre eventos, visões ou sons externos ou sobre o
material que estamos lendo ou assistindo na televisão. Porém, ele pode fun-
dir-se com recordações profundamente pessoais, reflexões sobre nossas cul-
pas ou sucessos e insucessos passados, assim como sobre nossas aspirações e
determinações.
Essas interações mentais mais pessoais podem levar a uma terceira forma
de consciência, o uso auto-orientado ou dirigido de nosso fluxo de pensa-
mento. O controle ativo do pensamento contínuo foi descrito pelo modelo
cognitivo de Isaac Lewin (1985-1986), o qual aponta como podemos tanto
direcionar ativamente nossos pensamentos como responder a eles passiva-
mente como um “observador”. Talvez o protótipo de toda essa insegurança na
afirmação de uma criança de 4 anos, “Vamos fingir que esse é um navio má-
gico com o qual podemos navegar!”. Quando adultos, podemos decidir, às
vezes brincando, de seguir um fluxo de associações, seja para escapar do tédio
de um longo atraso no aeroporto, de uma palestra ou de uma reunião de
negócios. Também podemos aprender a usar essas seqüências imaginadas
guiadas com a finalidade de um planejamento estendido, uma repetição men-
tal de entrevistas, discursos de vendas, invenções e trabalho artístico, ou ain-
da para auto-exames quase terapêuticos. Uma boa quantidade da psicoterapia
moderna e da modificação do comportamento realmente envolvem treinar
um paciente a fazer uso efetivo de imagens e de seqüências narrativas auto-
guiadas (J.L. Singer e Pope, 1978).
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narrativas que façam sentido dos mistérios e das aparentes contradições de nos-
sas experiências. Seja oferecendo explicações miraculosas e transcendentes da
vida refletidas nas intrigas de deuses pagãos ou na onisciência de Deus no mo-
noteísmo judaico-cristão-islâmico, as religiões envolvem histórias elaboradas
que, em contraposição a proposições paradigmáticas, não podem ser expressas na
pura abstração ou testadas e falsificadas.
Até mesmo o humanismo secular e o pensamento científico parecem re-
querer algum conhecimento semelhante a uma história. Considere a impor-
tância dos relatos dos ensinamentos de Sócrates e de seus julgamentos na
evolução da filosofia ocidental. Para Bruner, o modo narrativo também envol-
ve uma orientação subjetiva, a formulação através de imagens e diálogos
relembrados de possíveis histórias pessoais de vidas de futuros potenciais
mais ou menos realistas. A faceta imaginativa da experiência humana reflete
amplamente o processo narrativo de Bruner. Para a produção de um produto
criativo – uma história ficcional, um roteiro de filme, uma teoria científica ou
um estudo de pesquisa acadêmico – tanto o processo paradigmático como o
narrativo teriam de ser operativos (Bruner, 1986).
Uma formulação mais recente, apoiada por uma série crescente de pes-
quisas empíricas, é a teoria do seu cognitivo-experiencial (CEST- Cognitive-
Experiential Self-Theory), proposta por Seymour Epstein. Ela incorpora dois
modos pelos quais as pessoas adaptam-se a seus ambientes físicos e sociais,
um sistema racional e um experiencial (Epstein, 1999). Uma extensão maior
do enfoque de Epstein em comparação ao de Bruner é sua ligação com o
sistema experiencial da emoção humana. O sistema racional é caracterizado
por cautela e um esforço maior; funciona pela abstração, pelo pensamento
verbal, pela linguagem e pode até ser um desenvolvimento evolucionário mais
recente. Contudo, como sugere o trabalho de Epstein, a emoção associada ao
modo experiencial pode ter funções adaptativas humanas importantes que
suplementem nossos processos ordenados e lógicos.
O sistema experiencial envolve o acúmulo de experiências concretas (me-
mórias episódicas) em generalizações experimentais, com nuanças emocionais
semelhantes às de histórias ou modelos de nossa situação de vida ou do mundo.
Com freqüência ocorre rápida e suavemente, aparentemente sem esforço. Os
eventos de maneiral geral são representados por imagens, mas também podem
ser expressos em metáforas, protótipos ou estereótipos e em histórias. Epstein
também aponta que as formas mais maduras do modo experiencial (uma reflexão
presumivelmente da imaginação) funcionem juntamente com o sistema racional,
tornando-se a base da sabedoria intuitiva e da criatividade.
Ambos os sistemas podem funcionar juntos para produzir um comporta-
mento significativo. Também podem suscitar grandes emoções. Considere a
excitação que pode ser produzida por nossa habilidade de formular eventos
naturais em um sistema matemático conciso. Isso é relatado pelo antigo cien-
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