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ESCOLA DE HUMANIDADES

CURSO DE FILOSOFIA

LUCAS FELIPE DIAS

O CONCEITO DE GESTALT: de Johann Wolfgang von Goethe e Hans Urs von Balthasar

Porto Alegre
2023
LUCAS FELIPE DIAS

O CONCEITO DE GESTALT: de Gestalt Wolfgang von Goethe e Hans Urs von


Balthasar

Trabalho apresentada como requisito


parcial para obtenção do grau na
disciplina de História da Filosofia
Contemporânea, pelo Curso de Filosofia
da Escola de Humanidades da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.

Orientador: Prof. Dr. Norman Roland Madarasz

Porto Alegre
2023
RESUMO

Este artigo aborda o conceito de Gestalt como um princípio de percepção que


destaca a capacidade da mente humana de identificar padrões e deduzir a natureza
do todo a partir de partes incompletas. Von Goethe é apresentado como um
entusiasta desse conceito, contrastando-o com a abordagem atomista. A Gestalt é
vista como a totalidade unificada que surge da interação e organização das partes,
sendo explorada em diferentes contextos, como arte, natureza e percepção humana.
Em seguida, a relação entre a Gestalt e a estética filosófica de von Balthasar é
discutida. Embora von Balthasar não utilize explicitamente o termo Gestalt, sua
abordagem estética à teologia enfatiza a importância da forma e da estética na
compreensão da realidade divina. A estética teológica de von Balthasar é
fundamentada na analogia entre a contemplação estética do belo e a percepção da
revelação divina em Cristo. Em suma, o artigo busca relacionar a Gestalt à
compreensão da forma como um princípio central na apreensão e interpretação da
realidade, destacando sua aplicação nas áreas da arte, percepção humana e
teologia.

PALAVRAS-CHAVE: Gestalt; percepção; totalidade; estética; realidade.


RESUMEN

Este artículo aborda el concepto de Gestalt como un principio de percepción


que resalta la capacidad de la mente humana para identificar patrones y deducir la
naturaleza del todo a partir de partes incompletas. Von Goethe se presenta como un
entusiasta de este concepto, contrastándolo con el enfoque atomista. La Gestalt se
percibe como la totalidad unificada que surge de la interacción y organización de las
partes, y se explora en diferentes contextos, como el arte, la naturaleza y la
percepción humana. A continuación, se discute la relación entre la Gestalt y la
estética filosófica de von Balthasar. Aunque von Balthasar no utiliza explícitamente
el término Gestalt, su enfoque estético de la teología enfatiza la importancia de la
forma y la estética en la comprensión de la realidad divina. La estética teológica de
von Balthasar se basa en una analogía entre la contemplación estética de lo bello y
la percepción de la revelación divina en Cristo. En resumen, el artículo busca
relacionar la Gestalt con la comprensión de la forma como un principio central en la
aprehensión e interpretación de la realidad, destacando su aplicación en áreas como
el arte, la percepción humana y la teologia.

PALABRAS-CLAVE: Gestalt; percepción; totalidad; estética; realidad.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6

2 O CONCEITO GELTALT EM VON GOETHE ................................................. 7

3 GESTALT NA ESTÉTICA FILOSÓFICA DE VON BALTHASAR .................. 9

4 CONCLUSÃO ............................................................................................... 11

REFERÊNCIAS................................................................................................ 12
6

1 INTRODUÇÃO

Considerando o conceito de Gestalt como um princípio de percepção que


enfatiza a capacidade da mente humana de identificar padrões e deduzir a natureza
do todo a partir de partes incompletas. Este artigo tem como intuito apresentar a
influência que von Goethe, um dos principais entusiastas desse conceito, para a
estética teológica de von Balthasar. Von Goethe contrasta esse conceito com a
abordagem atomista, que considera a percepção humana baseada na
decomposição de objetos ou conceitos em partes fundamentais. A Gestalt, é
considerada por esse autor como a totalidade unificada que surge da interação e
organização das partes. A Gestalt é explorada em diferentes contextos, como na
arte, na natureza e na percepção humana, e é vista como fundamental para a
compreensão e apreciação das várias formas de manifestação da realidade.

Após apresentar o conceito de Gestalt goetiano, faz-se necessário mostrar a


relação entre ele e a estética filosófica de Hans Urs von Balthasar. Embora von
Balthasar não tenha usado explicitamente o termo Gestalt em suas obras, sua
abordagem estética à teologia destaca a importância da forma e da estética na
compreensão da realidade divina. Ele enfatiza que a forma é o meio pelo qual a
verdade divina se manifesta no mundo, especialmente na vida de Jesus Cristo. A
estética teológica de von Balthasar é fundamentada em uma analogia entre a
contemplação estética do belo e a percepção da revelação divina em Cristo.

Em resumo, o artigo busca apresentar o conceito de Gestalt, e relacioná-lo à


compreensão da forma como um princípio central na apreensão e interpretação da
realidade. Von Goethe e von Balthasar exploram e aplicam esse conceito em
diferentes áreas, como arte, percepção humana e teologia, destacando a
importância da totalidade, harmonia e organização na percepção estética, científica
e religiosa.
7

2 O CONCEITO GELTALT EM VON GOETHE

Gestalt é um princípio de percepção, é um conceito de que a mente humana


pode ver padrões mesmo quando as representações de objetos ou conceitos estão
incompletas, sendo capaz de deduzir a natureza do todo a partir desses padrões. É
uma oposição direta à abordagem do Atomismo, que afirma que a percepção
humana é baseada na capacidade de quebrar conceitos ou objetos em partes
fundamentalmente básicas que são identificáveis. Para von Goethe, Gestalt é muito
mais do que a soma das partes individuais, ela é a totalidade unificada, que surge da
interação e organização das partes. Refere-se a compreensão da forma como um
princípio fundamental para se chegar percepção e interpretação da realidade.

Goethe explorou de diversos modos a importância da Gestalt em suas obras,


tanto científicas quanto literárias, usando de diferentes contextos, como na arte, na
natureza e na percepção humana. Acredita que a Gestalt é essencial para a
compreensão e apreciação das várias formas de manifestação da realidade.

“Se a totalidade cromática se apresenta exteriormente ao olho como


objeto, torna-se agradável para ele, pois o resultado de sua própria atividade
lhe aparece como realidade. Os fenômenos plurais, fixados em suas
diferentes gradações e considerados lado a lado, produzem uma totalidade.
Essa totalidade é harmonia para o olho. O círculo cromático surge ante
nossos olhos: as diversas relações de seu vir a ser se tornam claras para
nós.”1

Um grande exemplo do conceito de Gestalt na obra de von Goethe é a sua


teoria das cores, na qual ele argumenta que a cor não é simplesmente uma
propriedade física dos objetos, mas uma experiência subjetiva que sobre influência
pela interação entre a luz, os olhos e o cérebro. Von Goethe, afirma que a cor é um
fenômeno holístico, onde a percepção da cor era determinada pela relação entre as
cores adjacentes (cores que ficam uma ao lado da outra na tabela de cores),
resultando assim em uma experiência de totalidade e harmonia.

1 (GOETHE, 1993, pg 135)


8

“A visão simultânea da totalidade produz uma impressão harmoniosa


no olho. Devemos pensar aqui na diferença entre oposição física e contraste
harmônico. A primeira consiste numa dualidade originária pura e simples, na
medida em que é considerada como algo dividido; o segundo, numa
totalidade derivada, desenvolvida e representada. Toda contraposição
individual, para ser harmônica, deve conter uma totalidade.”2

Além disso, Goethe aplicou o conceito de Gestalt em sua abordagem da


literatura e da arte. Ele acreditava que a obra de arte deveria capturar e transmitir
uma unidade significativa, evocando uma resposta emocional no espectador ou
leitor. Para ele, a forma era essencial para a expressão artística e para a
comunicação de ideias e sentimentos.

“Que, enfim, a cor autorize uma interpretação mística, é fácil de


perceber. Pois como o esquema que permite a representação da variedade
cromática remete a relações primordiais, que pertencem tanto à intuição
humana quanto à natureza, não há dúvida de que é possível utilizar de algum
modo suas ligações como linguagem para exprimir relações primordiais, que
não se apresentam de modo tão forte e variado aos sentidos. O matemático
aprecia o valor e o uso do triângulo, cultuado também pelo místico, já que
nele muita coisa pode ser esquematizada; o mesmo ocorre com o fenômeno
cromático, apresentado de tal modo que, por meio da duplicação e
entrecruzamento, se obtém o antigo e misterioso hexágono.”3

Em suma, o conceito de Gestalt em Goethe está relacionado à compreensão


da forma como um princípio central na apreensão e interpretação da realidade. Ele
enfatizou a importância da totalidade, harmonia e organização na percepção
estética, científica e literária. Sua abordagem holística influenciou o desenvolvimento
posterior do conceito de Gestalt em várias disciplinas, incluindo a psicologia e a
filosofia da mente.

2 (GOETHE,1993, pg 117).
3 (GOETHE,1993, pg 154).
9

3 GESTALT NA ESTÉTICA FILOSÓFICA DE VON BALTHASAR

É importante notar que Hans Urs von Balthasar não empregou o conceito de
Gestalt como um componente fundamental de seu pensamento teológico e filosófico,
ao contrário de Goethe. Mas é possível identificar alguns elementos em seu
trabalho, de modo especial em sua trilogia4, que estão relacionados à noção de
Gestalt.
Balthazar é conhecido por sua abordagem estética à teologia, que examina
como a beleza se relacionava com a revelação divina. Ele enfatiza que a “forma” e a
estética são essenciais para entender a realidade divina. Tendo em vista que sua
conclusão última é que a “forma” é a maneira como a verdade divina se revela e se
manifesta no mundo, e enfatiza que essa verdade divina, se manifesta de modo
concreto em eventos históricos, especialmente na vida, morte e ressurreição de
Jesus Cristo. Sendo assim, a forma, a Gestalt, o meio pelo qual a realidade divina se
relaciona e se faz acessível aos homens. Balthasar defendia a compreensão da
“forma” e da beleza como princípios fundamentais na apreensão da realidade divina,
apesar de não usar explicitamente o termo "Gestalt".
“O termo alemão Gestalt pode ser traduzido por “Forma” ou “Figura” (como
Marchesi prefere traduzir). Gestalt (com os termos correspondentes
gestalten, gestalgun) não indica apenas os contornos externos, isto é, uma
realidade exterior. Em Balthasar, Gestalt é sinónimo de pessoa, isto é, da
Pessoa histórica e concreta de Jesus, Verbo de Deus feito carne. Na mesma
significação de Gestalt aparecem Figur (do alemão) e Figura (do latim fingo,
que significa o plasmar de algo através do toque das mãos). A palavra latina
Figura designa, antes de mais, os “contornos externos”, uma “bela criação”;
seguidamente, por transposição, indica uma maneira de “apresentar” (figura
retórica); finalmente, em sentido mais estrito, designa o modo de ser ou a
existência. O significado de Gestalt, sendo próximo ao significado do termo
Form, é, no entanto, diferente. Form indica o “elemento formal”, em oposição
a “matéria”. Apesar das possíveis divergências, utilizaremos o termo
“Forma” para exprimir o conceito de Gestalt.”5

Forma, ou figura, é uma palavra essencial na cristologia de Balthasar, pois


engloba seu conteúdo e significado fundamental. Ao longo da história do
pensamento filosófico, a palavra assumiu diversos significados, e podemos
encontrar interpretações distintas nas perspectivas da metafísica e da

4 A trilogia é composta por quinze livros, separados em Glória (7 volumes), Teodramática (3 volumes)
e Teológica (5 volumes), e essa coleção é considerada a mais importante contribuição do autor na
teologia.
5 (LAGATTA, 2022, p. 29)
10

fenomenologia. Como um modo de pensar, esse termo é explicado em relação à


capacidade de observar, avaliar e interpretar personagens por meio da observação
sintética, em contraste com a abordagem crítica de Kant e a análise das ciências
naturais. Essa capacidade de perceber a realidade é crucial. Por esse motivo,
Balthasar reconhece sua dívida para com Goethe."

Mas em Viena não estudei música, mas sobretudo estudos alemães, e o que
aprendi lá é o que depois coloquei no centro do meu trabalho teológico: a
possibilidade de ver, avaliar e interpretar uma figura [Gestalt], digamos a olhar
sintético (em antítese ao olhar crítico de Kant e ao olhar analítico das ciências
naturais). Devo esta atenção à figura a Goethe que, emergindo do caos do Sturm und
Drang, nunca deixou de ver, criar e realçar figuras vivas. Sou grato a ele por este
instrumento, decisivo para toda a minha produção posterior. (tradução nossa).6

A polaridade entre expressão e forma é a base central da estética filosófica de


von Balthasar. Sua estética reside na tese dupla de que nosso conhecimento não
está limitado aos sentidos, mas está interligado. A percepção sensorial é o primeiro
estágio em qualquer experiência, mas não se limita à realidade perceptível. Há um
nível mais profundo do que meramente o que aparece superficialmente. Por trás da
aparência racional, existe uma pessoa diferente. No entanto, essa verdade mais
profunda não se revela imediatamente. Primeiro, percebemos sua delicada
aparência antes de captar os outros aspectos. No entanto, a realidade interior não é
diretamente acessível, mas se manifesta e se revela através dela. Podemos
compreender outras pessoas por meio de sua aparência.

A interligação entre o centro filosófico e teológico da obra de von Balthasar já


se tornou visível em certa medida. Existem diversas conexões que percorrem sua
estética filosófica, enraizada em uma filosofia goethiana-aristotélica da natureza, até
sua teologia trinitária. De fato, a estética teológica de von Balthasar se baseia em
uma analogia entre a contemplação estética do belo e a percepção da revelação de
Deus em Cristo.

6“Ma a Vienna non studiai musica, bensì soprattutto germanistica, e quanto vi appresi è ciò che più
tardi posi al centro della mia opera teologica: la possibilità di vedere, valutare e interpretare
una figura [Gestalt], diciamo lo sguardo sintetico (in antitesi a quello critico di Kant e a quello analitico
delle scienze naturali). Di questa attenzione alla figura io sono debitore a Goethe che, emergendo dal
caos dello Sturm und Drang, non smise di vedere, creare e valorizzare figure viventi. A lui io sono
grato per questo strumento, decisivo per tutta la mia produzione successiva.”
(GUERRIERO,1991, p.396)
11

4 CONCLUSÃO

Em suma, o conceito de Gestalt, explorado por von Goethe em suas obras


científicas e literárias, destaca-se como um princípio fundamental para a
compreensão e interpretação da realidade. Goethe enfatiza a importância da
totalidade, harmonia e organização na percepção estética, científica e literária,
influenciando o desenvolvimento posterior do conceito de Gestalt em várias
disciplinas, incluindo a psicologia e a filosofia da mente.

Por sua vez, Hans Urs von Balthasar, embora não tenha utilizado
explicitamente o termo "Gestalt" em sua abordagem teológica e filosófica, incorporou
elementos relacionados a esse conceito em sua trilogia teológica. Ele defendeu a
compreensão da "forma" e da beleza como princípios fundamentais na apreensão da
realidade divina, ressaltando a maneira como a verdade divina se manifesta por
meio de eventos históricos, especialmente na vida, morte e ressurreição de Jesus
Cristo. Assim, a "forma" é apresentada como o meio pelo qual a realidade divina se
relaciona e se torna acessível aos seres humanos.

Em ambos os casos, a compreensão da Gestalt é essencial para apreciar a


totalidade unificada das formas e expressões artísticas, científicas e teológicas,
reconhecendo a importância da harmonia, organização e interação das partes para a
percepção e interpretação da realidade.

Portanto, tanto na abordagem de von Goethe quanto na de von Balthasar, a


Gestalt desempenha um papel fundamental na compreensão do mundo e na busca
por uma apreensão mais profunda e significativa da realidade, tanto em sua
dimensão estética quanto em sua dimensão teológica.
12

REFERÊNCIAS

GOETHE, Johann Wolfgang von, 1749-1832. Doutrina das Cores. Tradução: Marco
Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993. 175 p.

GUERRIERO, Elio. Hans Urs von Balthasar. Cinisello Balsamo: Edizioni Paoline,
1991, 395–400. Disponível em: https://doi.org/10.56154/uc. Acesso em: 12 mai.
2023.

LAGATTA, Paolo. A QUESTÃO DA FORMA NA ESTÉTICA TEOLÓGICA DE HANS


URS VON BALTHASAR E A SUA RECEÇÃO ECLESIOLÓGICA. Orientador: Prof.
Dr. António Martins. 2022. 108 p. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Faculdade
de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2022. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10400.14/3732. Acesso em: 23 mar. 2023.

Consultadas

BALTHASAR, H. U. V. Gloria: una estética teológica. 2. ed. Madrid: Encuentro,


1985. p. 1-118.

GUERREIRO, Elio. Hans Urs Von Balthasar. Trad. de Silva Debetto C. Reis. São
Paulo: Loyola, 2010.

BALTHASAR, H. U. V. My Work: In retrospect. 1. ed. San Francisco: Communio


Book, Ignatius Press, 1993.

GABRIEL FERREIRA. Um resumo do meu pensamento, por H. U. von Balthasar.


Disponível em: http://www.gabrielferreira.com.br/filosofia/um-resumo-do-meu-
pensamento-por-h-u-von-balthasar/. Acesso em: 10 mar. 2023.

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