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2008
Suely Rozenfeld
FARMACÊUTICO: PROFISSIONAL DE SAÚDE E CIDADÃO
Ciência e Saúde Coletiva, abril, año/vol. 13, suplemento
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil
pp. 561-568
http://redalyc.uaemex.mx
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DEBATE
The pharmacist: health professional and citizen
DEBATE
Suely Rozenfeld 1
Abstract This text was presented at the V Con- Resumo O texto foi apresentado no V Congresso
gress on Pharmacy Care/Riopharma with the in- de Assistência Farmacêutica/Riopharma, com o
tent to approach some aspects important for dis- objetivo de abordar aspectos importantes para a
cussing the role of the pharmacist as health profes- reflexão da condição do farmacêutico como profis-
sional and citizen capable of acting in society. To sional e como cidadão capaz de atuar em socie-
this purpose we decided to recall some of the cor- dade. Para tanto, o caminho selecionado foi a re-
nerstones of the Brazilian health reform; the pres- memoração de alguns fundamentos que estrutu-
sure of the industry on health professionals and ram a reforma sanitária no Brasil; a pressão dos
regulatory agencies; the inequity in the distribu- fabricantes sobre os profissionais de saúde e as agên-
tion of medicaments among the different social cias reguladoras; a desigualdade na distribuição
classes. Some of the changes proposed in this paper dos medicamentos entre os diferentes estratos soci-
are: to widen the role the pharmacist plays in phar- ais. Entre as propostas de mudança apontadas es-
macotherapy; to prohibit drug advertising; a glo- tão: a ampliação do papel do farmacêutico na aten-
bal and independent evaluation of the national ção farmacoterapêutica; a proibição da propagan-
regulatory agency; inclusion of information about da de medicamentos; a avaliação global e indepen-
medicament consumption during hospitalizations dente da agência de regulação nacional; e a inclu-
in the national databases. são nas bases de dados nacionais de informações
Key words Pharmaceutical Care, Government sobre medicamentos consumidos durante as hos-
regulation, National Policy of Pharmaceutical pitalizações.
Assistance, Pharmacists Palavras-chave Assistência farmacêutica, Regu-
lamentação governamental, Política Nacional de
Assistência Farmacêutica, Farmacêuticos
1
Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Oswaldo
Cruz. Rua Leopoldo
Bulhões 1480, Manguinhos.
21041-210 Rio de Janeiro
Brasil.
rozenfel@ensp.fiocruz.br
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Rozenfeld, S.
Desde 1992, os Estados Unidos delegaram à se visceral, cuja incidência vem aumentando nas
indústria farmacêutica a função de pagar os sa- regiões Norte, Centro–Oeste e Sudeste, princi-
lários dos cientistas do FDA que analisam os palmente em Minas Gerais. O tratamento é feito
pedidos de registro de novos medicamentos. A a base de antimoniais injetáveis, usados no mun-
agência, pressionada para fornecer registros em do todo há mais de setenta anos. Mas ele é dolo-
tempo menor, em vez de solicitar mais recursos roso, muito tóxico e há resistência em alguns
federais para contratar pesquisadores, preferiu países. Uma das poucas alternativas terapêuticas
sustentar seus empregados com recursos dos fa- é a anfotericina B, cujo preço do tratamento va-
bricantes. Com isso, o “cliente” passou a ser a ria entre US$1.500 a US$2.400, muito além do
indústria farmacêutica e não a população norte- alcance da maioria dos pacientes14.
americana. A ação reguladora da agência, que no Uma das formas de tornar o medicamento
passado gozava de credibilidade no mundo todo, mais acessível seria com o licenciamento com-
se enfraqueceu. Uma das conseqüências: a FDA pulsório, conhecido por “quebra de patentes”. É
autorizou a continuação da venda do antiinfla- um recurso previsto na lei brasileira e permite
matório rofecoxib (Vioxx®, da Merck) por mais que, em algumas situações, outros fabricantes
cinco anos, mesmo após publicadas as provas possam comercializar produtos patenteados.
de que a substância dobra o risco de os usuários Isso diminui os preços e possibilita o acesso de
apresentarem derrame e infarto do miocárdio. um maior número de pessoas13. Entretanto, tam-
Além do aspecto sanitário, a medida resulta em bém nessa área vamos aos tropeços. Os preços
gastos com compras de $2,5 bilhões por ano, negociados pelo Brasil para os anti-retrovirais
dos quais um bilhão é dinheiro público11. ficaram até quatro vezes mais caros do que os
Problemas de complacência com os interes- preços praticados no mercado internacional.
ses da indústria têm incidido, também, sobre a Além disso, as transações do governo com os
Organização Mundial da Saúde. No inicio do ano, fabricantes acabaram por paralisar o desenvol-
a sua diretora geral foi duramente criticada por vimento da capacidade de o nosso país fabricar
pesquisadores e membros da organização Médi- genéricos12: a produção de fármacos anti-retro-
cos Sem Fronteiras. Ela sugeriu que o governo virais não é expressiva nem sistemática.
da Tailândia deveria negociar, de forma “equili- Outra iniciativa recente para diminuir preços
brada”, com as empresas farmacêuticas, o licen- e aumentar o acesso é o Programa Farmácia Po-
ciamento compulsório para fabricação de gené- pular, lançado pelo governo federal em 2004, por
ricos de anti-retrovirais e de trombolíticos!12 meio de convênio com as prefeituras. As críticas
ao programa têm sido feitas desde o início e a
O acesso e o excesso mais importante delas é que ele fere o princípio
da universalidade do Sistema Único de Saúde,
Vivemos numa das sociedades mais desiguais previsto na Constituição Federal. Ele retira re-
do planeta. No consumo de medicamentos, as cursos da distribuição gratuita e seria mais pro-
desigualdades também aparecem nos números: duto da propaganda do que política de saúde.
15% a 20% da população não têm acesso a ne- Ele não está articulado ao Programa de Saúde da
nhum tipo de medicamento e cerca de 50% dos Família, o número de itens oferecidos, cerca de
pacientes deixam de conseguir algum remédio 100, é limitado e o número de farmácias está em
que precisariam, por não o encontrar na rede torno de trezentos. Em março de 2006, o Gover-
pública de saúde. Para as camadas mais pobres no Federal criou um “anexo” ao Programa Far-
da população, os gastos com medicamentos po- mácia Popular, chamado Aqui tem Farmácia Po-
dem comprometer 90% dos gastos com saúde, pular. Cerca de três mil farmácias comerciais cre-
que aparecem em quarto lugar entre os gastos denciadas oferecem algumas dezenas de itens,
familiares do brasileiro, atrás apenas de habita- basicamente, para tratar hipertensão e diabetes15.
ção, alimentação e transporte13. Prova da precariedade gerencial do programa:
Se o salário é curto para tratar as doenças após um ano e meio de funcionamento, estão
comuns, com antibióticos, antiinflamatórios ou suspensos, por noventa dias, a partir de 1º de
anti-hipertensivos, a situação é mais grave quan- setembro último, o cadastramento das drogari-
do se trata das doenças negligenciadas. A pesqui- as e farmácias. Prova da precariedade técnica do
sa com novos fármacos não atrai investimentos programa: hipertensão e diabetes estão entre as
das grandes corporações farmacêuticas, a pre- doenças mais prevalentes na população, as que
texto de os tratamentos serem pouco lucrativos. mais matam e para as quais o tratamento far-
Uma das doenças negligenciadas é a leishmanio- macológico é necessário, seguro e consagrado.
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Agradecimentos
Referências
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