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DESLOCAMENTO FÍSICO
RESUMO
O processo de migração, em alguns momentos, é simplificado e reduzido pela quantificação
estatística, sendo compreendido como um simples deslocamento físico de pessoas de um lugar
a outro. No entanto, o que se procura analisar e discutir, no presente trabalho, por meio de
uma intensa revisão bibliográfica, é que esses processos migratórios se constituem de forma
muito mais complexa do que um simples deslocamento físico, sendo não uma questão de
trânsito, mas de transição social, envolvendo não apenas um indivíduo, mas todo um conjunto
social de relações que são fragmentadas, laços familiares, que para muitos autores, são
desatados por este processo. Situação muito mais crítica no caso dos migrantes temporários,
uma vez que estes vivenciam os processos de dessocialização e ressocialização de forma
constante. Este processo gera consequências não apenas no local de origem que é deixado,
mas no local de destino que é buscado, possibilitando a configuração de outros processos
sociais que excluem, estigmatizam e empurram os migrantes à margem da sociedade, sendo
estes invisibilizados e incluídos de forma degradante no sistema econômico capitalista.
1. INTRODUÇÃO
Pode-se, até mesmo, falar numa cultura da ausência, nostálgica, nessa metrópole de
migrantes que a cidade de São Paulo, que compreende desde a música sertaneja até o
mutirão de operários para construir a casa de um companheiro na periferia.
(MARTINS, 1984, p. 50)
Martins (2002) apresenta o migrante como o ausente, o que se foi e que vai voltar. No
entanto, o migrante que volta é outro, modificado pelo local de destino. Nesse processo de
migração ocorre troca de valores, alteração de valores e reformulação de valores, o que faz
com que o migrante não seja o mesmo ao retornar. Quando o migrante parte, a sua unidade
social também migra, sendo o ato de migrar já entendido como uma perda. Para o autor o que
está em questão é a anomia absoluta e sem saída onde a pobreza não é mais de meios, mas
uma pobreza suja, uma vez que os pobres se movem nos resíduos daqueles que mais tem.
Na perspectiva de Martins (2002), o migrante passa por dois processos, o de
“dessocialização”, quando vai embora do seu local de origem, e o de “ressocialização” nas
relações sociais de adoção. Os processos sociais na vida de um migrante, principalmente nos
migrantes temporários, nunca chegam a ser concluídos, uma vez que este, ao partir, vivencia
constantemente os processos de fragmentação dos laços estabelecidos, e quando chega ao
local de destino, busca estabelecer novos laços, e assim que estes começam a ser
estabelecidos, o migrante novamente deixa o local, retornando para seu local original, onde
mais uma vez ele tem de se inserir ao meio social.
O migrante segundo Martins (1984), vive em constante transformação, muda através
das trocas sociais ocorridas com o local de destino, alterando aquilo que aprendeu em seu
local de origem. Estas mudanças não se tornam restritas apenas aquele que partiu e voltou,
mas relaciona-se com todo o núcleo familiar, que a partir do convívio com aquele que retorna,
modifica suas relações sociais. Martins (2002) entende a dinâmica do processo de migração
como um processo de “desenraizamento”.
O movimento inconcluso da sua transição faz com que cada momento da migração
tenha que recuperar os respectivos padrões de sociabilidade. Essa recuperação é
incompleta, porque justamente por ser migrante temporário não realiza
completamente o ciclo de reprodução das relações sociais de cada uma das
situações. O ciclo cósmico da vida camponesa, ritmado pelo trabalho e pela festa, só
é vivido pela metade. (MARTINS, 1984, p. 59)
De acordo com Martins (1984) ocorre uma degradação tanto no local de origem
quanto de destino e o migrante temporário passa constantemente por um processo de
“inconclusão” da sua transição, uma vez que cada momento de migração, o mesmo tem de
recuperar os respectivos padrões de sociabilidade, não realizando o ciclo das relações sociais.
Outra questão fundamental da discussão é a ideia de migração entendida enquanto um
problema. Para Martins (2002) a migração não é um problema, o problema muitas vezes se
constitui nos motivos que impulsionam a migração, que são não apenas econômicos, mas
sociais e políticos. O que de fato se mostra como problema são as condições a qual esse
processo ocorre, os problemas sociais por trás da migração.
Outra questão problemática é a forma como os migrantes são incluídos no sistema
capitalista, sendo essa inclusão sempre no sentido inferior. Para Martins, o sistema capitalista
não exclui, pelo contrário, ele sempre inclui. No entanto, essa inclusão é “para baixo”,
ocorrendo o desenraizamento e a destruição das relações sociais. Na perspectiva de Martins
(1984, p. 60) “tais migrações tem um efeito desagregador mais intenso para as relações
sociais do lugar de origem e do lugar de destino”.
Martins (2002) apresenta duas formas de entrar e ser incluído na sociedade capitalista,
primeiro como pessoas produtores e consumidores de mercadorias; e segundo como
consumidores dos produtos produzidos. O capitalismo transforma as pessoas em proprietárias
de uma única coisa, a força de trabalho.
Esse sistema é mantido por meio do pagamento mínimo ao trabalhador para que este
possa consumir, movimentando então o mercado econômico. Para o autor, o problema não é a
exclusão, mas a inclusão, pois ocorre de forma degradante. O processo de inclusão dos
imigrantes é de certa forma, pautadas nas condições precárias de trabalho, o que Martins
(2002) denomina de “novas formas de escravismo”.
Para Martins (2002) é preciso pensar na migração como um processo além do
deslocamento espacial, mas um deslocamento social, cultural e político. A migração
entendida não como um problema; mas como resultado de inúmeros problemas sociais, sendo
também geradores de outros problemas. O autor apresenta o Migrante como vítima dos
contextos históricos e sociais.
Becker (1997) critica a concepção de que a migração é nada além que deslocamento,
para a autora essa concepção é reducionista considerando a individualidade na sociedade e
camuflando demais problemas sociais. Nesta perspectiva a decisão de migrar é percebida
como decorrente apenas da decisão pessoal e não pressionada ou produzida por forças sócio-
econômicas exógenas.
A partir dos anos de 1970, segundo Becker (1997 p. 323), a migração passou a ser
reconhecida com um enfoque neomarxista, passando a ser entendida como “mobilidade
forçada pelas necessidades do capital” e não mais como um ato soberano e de vontade
pessoal. Vários outros autores também apresentaram estudos com relação a migração,
podendo ser destacados Ravenstein, Lee, Todaro que deram ênfase às características pessoas
dos migrantes e alguns fatores condicionantes das migrações entendidas como “fatores de
atração-repulsão”.
Como fatores de repulsão estão representados aquelas situações de vida responsável
pela insatisfação no local de origem, já os atores de atração correspondem aqueles atributos
dos locais mais distantes que os tornam atraentes.
Martins (1984) também apresenta a questão da escravidão, onde segundo ele uma das
dificuldades para solucionar esse problema é que muitas das vezes aqueles que são e estão
escravizados não tem consciência disso, e não se reconhecem enquanto condicionados à
escravidão.
Não são raras as situações em que o salário não é sequer suficiente para a
subsistência do trabalhador enquanto trabalha no canavial, na construção ou na
fábrica. Ao invés de ter o que receber, passa a dever o patrão. (MARTINS, 1984, p.
55)
Uma das questões apresentadas por Simmel (2005) tem como idéia central a relação
que os migrantes, imigrantes e emigrantes tinham com as novas pessoas, com os novos
costumes, e o motivo pelo qual eles não conseguiam se relacionar bem com as pessoas desse
novo local. Para o autor, o estrangeiro não era o simples viajante, pois viajante apenas visita,
o estrangeiro muda de seus países para tentar a vida em outro local.
Para Simmel (2005) o estrangeiro representa o contraste entre mover e fixar-se. As
disposições “mover” e “fixar-se” destacam as relações que são vinculadas ao espaço, e são,
são símbolos das relações entre os seres humanos. Essas relações, para o autor, são analisadas
pela proximidade/distância. O caráter de igualdade na relação social refere-se diretamente a
distância ou a proximidade. Sendo assim, o estrangeiro é aquele que se encontra mais perto do
distante. O estrangeiro é sentido como estranho, como alguém móvel, sujeito que não se
encontra vinculado organicamente a nada e a ninguém.
Simmel (2005) apresenta que o estrangeiro só se parece próximo na medida em que o
outro da relação se iguala em termos sociais, criando laços internos. O estrangeiro parece
distante quando a igualdade conecta os dois de forma abstrata, não havendo laços de pertença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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mobilidade. Trad. Bruno César Cavalcanti, Rafael Rocha e Almeida Barros. Lameiras,
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: DPeA,
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MARTINS, José de Souza. A vida entre parênteses In: A sociedade vista do abismo: novos
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SALES, Teresa. Brasil migrante, Brasil clandestino. São Paulo em Perspectiva. v. 8, p. 107
– 115. 1994
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SIMMEL, Georg. O Estrangeiro. RBSE, v. 4, n. 12, 2005.
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