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O Futuro do Trabalho (*)

José Pastore
Universidade de São Paulo

As inovações tecnológicas e as mudanças nos


métodos de produzir, administrar e vender têm permitido
produzir muito. Nos últimos 15 anos, os produtos melhoraram
de qualidade e baixaram de preço.

Ao lado disso, muitos países amargaram desemprego,


subemprego e trabalho precário. teria sido culpa da
modernização? Afinal, as tecnologias empregam ou
desempregam os seres humanos?

Na literatura há respostas para todos os gostos -


desde as que vêm a tecnologia como a grande responsável pelo
desemprego e desigualdade de renda até as que a consideram
como a grande saída para se criar novos postos de trabalho e
melhorar o bem estar humano.

O tema é extremamente controvertido. Dizer que


tecnologia substitui trabalho é fácil. Provar, que ela causa

(*)
Palestra realizada no Workshop Sindical/97 da Cia. Souza Cruz, São Paulo, 24-11-97.
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desemprego na sociedade é muito difícil. Mesmo os


pesquisadores especializados encontram sérias barreiras para
identificar o efeito líquido da tecnologia sobre o nível geral de
emprego de uma sociedade.

A simples coincidência de avanços tecnológicos com


aumento de desemprego não é suficiente para se concluir que as
inovações tecnológicas são destruidoras de empregos.

Os efeitos das novas tecnologias sobre o emprego


podem ser quantitativos (número de trabalhadores afetados) e
qualitativos (natureza das profissões). Além disso, há os efeitos
diretos e indiretos. No campo do emprego, uma tecnologia pode
ter um impacto direto destrutivo e outro indireto construtivo.

Há ainda os efeitos imediatos (curto prazo) e aos


mediatos (longo prazo). Numa mesma empresa, uma tecnologia
pode destruir empregos hoje e criar amanhã.

Afinal, as tecnologias ajudam ou atrapalham o


trabalho humano? Tudo depende em que ambiente elas caem.
Quando elas são usadas para baixar os preços e instigar a
demanda por bens e serviços, os impactos positivos são
enormes.
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Em 1960, uma ligação telefônica de três minutos


entre o Brasil e os Estados Unidos custava cerca de US$ 45.00
(em valores de 1997); hoje, custa US$ 3.50. Isto determinou
mudanças radicais no uso das telecomunicações que, por sua
vez, passaram a movimentar novos negócios, facilitando
transações, melhorando processos, criando produtos e gerando
oportunidades de trabalho.

Em 1960, a viagem aérea mais baixa entre Londres e


New York custava US$ 3,000.00 (em valores de 1997); hoje,
custa US$ 400.00. O barateamento do transporte aéreo ampliou
as oportunidades de trabalho na área do turismo - a maior
indústria empregadora - além de facilitar o transporte de bens o
que também gerou mais trabalho.

As flores da Cooperativa de Holambra, em


Jaguariúna, São Paulo, chegam aos consumidores de New York
em menos de 24 horas. As frutas de Petrolina, são vendidas na
Europa dois dias depois de embarcadas em Pernambuco. As
oportunidades de trabalho em Jaguariúna e Petrolina seriam
muito menores não fora a sua participação no comércio
internacional.

Afinal, as tecnologia destroem ou criam empregos?


Depende do ambiente institucional em que operam. Tecnologias
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que enfrentam leis trabalhistas rígidas, mais destroem do que


criam empregos. Tecnologias que entram em quadros legais
flexíveis, mais geram do que destroem postos de trabalho.

Todo o Primeiro Mundo usa intensamente as novas


tecnologias. Nos países de instituições flexíveis, o desemprego é
baixo: Inglaterra (5,5%), Holanda (5,7%), Estados Unidos
(4,5%), Japão (3%) e Tigres Asiáticos (2%).

Onde as instituições são mais rígidas, o desemprego


é alto: Alemanha (12%); França (14%); Bélgica (16%); Espanha
(22%).

A natureza das instituições afeta a elasticidade de


emprego. Nos Estados Unidos, para cada 1% do crescimento do
PIB há um crescimento de 0,5% no emprego. Na Europa, para o
mesmo 1%, o emprego cresce apenas 0,06%.

Tecnologia substitui ou adiciona trabalho? Depende.


Em ambientes de liberdade, as tecnologias expandem
oportunidades comerciais e transformam os mercados de
trabalho. A indústria dos Estados Unidos começou nas margens
dos rios da Nova Inglaterra porque eles ofereciam energia
hidráulica e facilidades de transporte.
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A mudança da energia hidrica para a energia do


vapor - e mais tarde para a eletricidade - tornou as indústrias
mais produtivas e mais móveis geograficamente. As inovações
tecnológicas que transformaram o transporte hídrico em
transporte ferroviário e, finalmente, em transporte rodoviário e
aéreo provocaram um grande deslocamento de empresas e
trabalhadores.

A interiorização da indústria, por sua vez, facilitou o


desenvolvimento da agricultura nas mais variadas regiões do
pais. A invenção do telégrafo facilitou as comunicações e
promoveu a expansão das ferrovias no interior dos Estados
Unidos.

Nesse complexo processo de transformação, as novas


tecnologias foram destruindo e criando empregos. Entre 1909-
19 os produtores de carruagem, por exemplo, caíram de 70 mil
para 26 mil. Em contrapartida, os trabalhadores das indústrias
automobilísticas passaram de 85 mil para 394 mil. Entre 1930-
70, os trabalhadores ligados à telegrafia caíram de 87 mil para
24 mil e a telefonia gerou 536 mil novos empregos.

O mundo atual está repleto de casos de tecnologias


que criaram novos produtos e geraram novas demandas e novas
oportunidades de trabalho. A televisão, o videocassete, o CD
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player, o tênis, a calça jeans, o McDonald’s, a Pizza Hut, etc.


são exemplos de inovações bem recebidas pelos consumidores e
que geraram uma grande quantidade de postos de trabalho -
diretos e indiretos.

A melhoria da produtividade não conspira contra o


emprego dos trabalhadores? Depende. Se os ganhos de
produtividade são bem distribuídos, as tecnologias ajudam o
emprego. Caso contrário, atrapalham.

Nos Estados Unidos, entre 1948-73, a produtividade


do trabalho cresceu cerca de 3% ao ano (com base em inovações
tecnológicas) e o emprego aumentou 1,5% - tendo gerado, um
saldo líquido de 25 milhões de novos postos de trabalho. No
período de 1992-96, a informática e a microeletrônica
destruíram 8 milhões de empregos diretos mas geraram 11
milhões de indiretos - com um saldo líquido de 3 milhões.

Os dados mostram uma forte associação entre


aumento de produtividade e aumento de emprego. Mesmo onde
há destruição de empregos, esta é mais grave nos setores de
baixa produtividade. Entre 1990-95, a indústria brasileira
destruiu 450 mil empregos por força de modernização
tecnológica e abertura da economia. Os setores de que
apresentaram ganhos de produtividade pequenos para os padrões
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brasileiros, da ordem de 2% ao ano (exemplos: madeira, fumo,


têxtil, vestuário, calçados, artefatos de tecidos, couros e peles),
destruíram o dobro de empregos quando comparados com os
setores que registraram produtividade alta, de 8,5% ao ano
(exemplos: material elétrico, comunicações, plásticos, bebidas,
mobiliário, material de transporte, produtos alimentícios).

Em suma, para se avaliar o efeito final das


tecnologias e dos sistemas de produção não basta examinar a
destruição líquida de emprego que geralmente ocorre nos locais
em que entram. É preciso examinar os efeitos de deslocamento
de mão-de-obra e de criação de novas atividades e postos de
trabalho em outros setores e empresas. No mundo atual, não há a
menor possibilidade das empresas competirem fora dos avanços
tecnológicos. Se a situação do emprego é difícil com tecnologia,
ela seria catastrófica sem ela.

O principal impacto das mudanças tecnológicas é na


composição da força de trabalho e no modo de trabalhar.
Examinemos esses dois aspectos.

1. De um modo geral, as novas tecnologias


demandam trabalhadores mais qualificados. Um bom nível
educacional facilita a readaptação da mão-de-obra. Uma
educação precária, dificulta.
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O Brasil está em 37o. lugar no “ranking” mundial de


trabalho qualificado - o que compromete severamente a adoção
de novas tecnologias e a elevação da competitividade. Nossa
força de trabalho possui apenas 3,5 anos de má escola. A dos
Tigres Asiáticos, tem 10 anos de boa escola. A do Japão tem 11
e a dos Estados Unidos e Europa tem 12. Isso é essencial para o
deslocamento e adaptação dos trabalhadores de um setor para
outro ou de uma profissão para outra.

Já foi o tempo em que mão-de-obra não qualificada


era uma vantagem comparativa. Hoje em dia, é uma das maiores
desvantagens comparativas.

Já foi o tepo também em que as empresas tinham de


se tornar competitivas. Hoje, elas têm de se manter competitivas.
E, para tanto, precisam dispor de tecnologias e mão-de-obra bem
preparada - que pode aprender continuamente.

No mundo atual, não basta ser adestrado. É preciso


ser educado. Só a educação garante a aprendizagem contínua.
Sem esses ingredientes, o desastre é inevitável. Aí sim os
problemas de emprego se agravarão. Uma coisa é certa: jamais
haverá trabalho sem empresas competitivas.
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Tudo indica, portanto, que o mundo do trabalho do


próximo milênio será completamente diferente do mundo atual.
Para começar, o próximo milênio vai sacramentar a "morte do
emprego" que já começou a acontecer. Não confundam com a
morte do trabalho. Este vai continuar, porque haverá muitas
coisas a serem feitas. Mas o emprego está condenado a morrer.

Quando falo de emprego, refiro-me àquela atividade


continuada, exercida por uma pessoa numa mesma empresa, por
muito tempo, e em tarefa específica. Isso vai acabar. As novas
tecnologias vão revolucionar o mundo do trabalho. As
atividades serão exercidas de forma intermitente; na empresa ou
fora dela. Os seres humanos trabalharão em projetos que têm
começo, meio e fim. Terminado um projeto, eles passarão para
outros projetos, na mesma empresa ou em outra - ou até mesmo
em casa - é o teletrabalho.

Nos referidos projetos, as pessoas serão demandadas


a ser polivalentes. Já há inúmeros sinais disso nos dias atuais,
até mesmo dos setores até então considerados rudimentares em
termos de tecnologia. Na construção pesada, o tratorista está
sendo demandado a operar o trator, fazer a sua manutenção e,
em muitos casos, a reparação do mesmo. Na construção civil, o
mesmo trabalhador tem de realizar 5, 6, 7 tarefas que, antes,
eram realizadas por profissionais específicos.
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Já entramos no mundo da multifuncionalidade. E


essa será a marca do próximo milênio. Nesse mundo haverá
pouco trabalho para a mão de obra não-qualificada e quase
nenhum trabalho para quem foi qualificado na filosofia do
adestramento - que só sabem fazer uma coisa.

Tradicionalmente, a teoria econômica dividia o


tempo do homem em duas partes: trabalho e lazer. Cada vez que
ele, voluntariamente, diminuía o trabalho, aumentava o lazer e
vice-versa.

No mundo do futuro, o seu tempo será dividido em


três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. O constante avanço
da revolução tecnológica exigirá dos seres humanos a dedicação
de uma grande parcela de seu tempo para apreender e dominar
as inovações.

Nesse mundo só haverá lugar para quem for capaz de


apreender continuamente. Não haverá lei, sindicato ou partido
que possa tornar atrativa aos empresários a mão de obra
despreparada.

O que acontece na produção, acontecerá também na


administração. Cada vez mais, as pessoas estão sendo
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demandadas a realizar várias tarefas. Veja o caso da secretária.


No passado, esperava-se dessa profissional uma boa datilografia
e um certo senso de organização. Hoje, ela precisa dominar os
processadores de texto que evoluem a cada dia; ter boa redação;
conhecer línguas; conhecer um pouco de contabilidade; ajudar a
controlar custos; organizar viagens; manusear máquinas
sofisticadas de xerox, fax, modem; ter habilidade para persuadir
pessoas e várias outras habilidades.

No passado, essas atividades eram realizadas por um


time de 4-5 pessoas. Hoje, é uma só. É por isso que as
hierarquias encolhem. As responsabilidades passam para a base.
Os chefes tornam-se desnecessários. Aliás, a chefia é uma
categoria em rápida extinção.

2. Mas, vejamos agora as mudanças no campo das


relações do trabalho. Nesse campo a mudança é tão grande
quanto a tecnológica. A redução do emprego e do traalho
subordinado causa uma verdadeira revolução nos modos
tradicionais de organizar o trabalho. Com o fim da
subordinação, desaparecem os direitos individuais atrelados à
empresa contratante. Quem vai prover férias a um trabalhador
autônomo? E a sua aposentadoria? E o seguro de saúde?
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Na verdade, o fim da subordinação será o fim do


direito do trabalho da forma que o conhecemos atualmente. As
novas relações de trabalho vão exigir um novo aparato
institucional, ainda pouco conhecido. Alguma coisa deverá
entrar no lugar do direito atual pois os seres humanos
necessitarão de um mínimo de segurança.

Antes disso, porém, há uma longa caminhada no


terreno da flexibilização dos direitos atuais. Em abril de 1997, o
Ministério do Trabalho promoveu um seminário internacional
sobre emprego e relações do trabalho em São Paulo no qual os
especialistas foram praticamente unânimes em reconhecer a
necessidade de flexibilizar as leis trabalhistas.

Essa é a estratégia que vem sendo seguida há tempos


nos Estados Unidos, Canadá, Ásia, Austrália, Nova Zelândia,
Inglaterra, Holanda e, mais recentemente, nos demais países da
Europa.

No mundo inteiro, a fonte dos direitos trabalhistas


está se deslocando da lei para o contrato com uma forte
tendência em direção à negociação descentralizada - coletiva e
individual (Dong-One Kim, “Employment and Industrial
Relations in East and Southeast Asia”; Richard M. Locke,
“Recent Changes in the World of Work”).
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Os Estados Unidos, por exemplo, têm menos de 14%


da força de trabalho sindicalizada e que negocia coletivamente.
Mais de 86% se baseiam em contratos individuais, protegidos
por apenas seis leis trabalhistas: discriminação, previdência,
saúde ocupacional, desemprego, treinamento e salário mínimo.

Em agosto de 1997, no Congresso da IIRA, realizado


em Dublin, os “papers” apresentados destacam três tendências
de mudança no campo do trabalho: (1) aumento acelerado do
trabalho em tempo parcial e subcontratado; (2) crescimento de
negociações coletivas descentralizadas e em direção ao nível da
empresa; (3) valorização das cláusulas sociais, em especial, as
referentes à saúde e segurança.

(1) No que tange ao trabalho em tempo parcial, os


dados mostram que o seu crescimento é geral. Mesmo nos países
em que a resistência à flexibilização é intensa como, por
exemplo, Alemanha, Suécia, Noruega e outros, a participação do
trabalho em tempo parcial é sistematicamente crescente (Tabela
1).
Tabela 1
Porcentagem da Força de Trabalho Total de Mulheres
que Trabalham em Tempo Parcial

País % sobre o Total % de Mulheres


1989 1996* 1989 1996*
14

Austrália 20 24 39 44
Áustria 07 09 15 17
Bélgica 10 13 24 28
Canada 15 18 25 29
França 12 15 23 27
Alemanha 14 17 31 35
Irlanda 10 13 20 24
Itália 05 08 09 12
Japão 12 16 23 29
Nova Zelândia 15 19 28 34
Noruega 26 30 45 49
Suécia 24 29 43 48
Inglaterra 25 30 45 50
Estados Unidos 17 20 25 30
(*) Estimativas

A Tabela 1 mostra ainda uma grande incidência do


tempo parcial entre as mulheres. Dados mais específicos
mostram que, por exemplo, em 1992, na Inglaterra, havia 58%
de mulheres trabalhando nos bancos em regime de tempo
parcial. As estimativas para 1996 indicam que essa proporção
passou para quase 65%.

Além disso, há uma parcela razoável de pessoas que


trabalham em casa e nas plataformas de trabalho, através do
“teletrabalho”. O teletrabalho vem sendo utilizado de maneira
crescente nas atividades de marketing direto (via telefone e fax),
contatos com clientes, venda de produtos, desenhos, projetos,
etc. No setor bancário, por exemplo, há indicações de que essa
parcela chega a ser mais de 15% do total da força de trabalho do
setor.
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(3) A descentralização da negociação vem


ocorrendo de forma crescente na maioria dos países. Essa prática
é ainda bastante polêmica. Os sindicatos resistem a idéia de
descentralizar; os empresas mostram uma certa preferência pela
negociação descentralizada.

Na Holanda, a descentralização teve início em 1995 e


revelou-se vantajosa para os empregados e empregadores.
Naquele ano, na negociação centralizada, muitas empresas
aceitaram uma redução da jornada semanal de 40 para 36 horas -
e, em contrapartida, conseguiram uma extensão do trabalho
durante a noite e nos fins de semana, sem pagamento de horas-
extras. Mas, a composição da jornada com o horário de
funcionamento foi assunto negociado no nível de cada empresa.
Isso constituiu um marco de virada no sistema centralizado. As
partes ganharam confiança para negociar descentralizadamente.

A negociação descentralizada vem sendo


impulsionada por um outro fator. Os estudos mostram que a
competição feroz entre as empresas da Europa passou a ser um
fator impeditivo de negociação centralizada (por setor). As
empresas começaram a perceber que as cláusulas acertadas na
negociação setorial são imediatamente suplantadas por cada
empresa individualmente, o que desmoraliza o esforço
centralizado.
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(3) A preocupação com os problemas de saúde e


segurança é mundial. Nos estudos técnicos sobre a matéria fala-
se, hoje em dia, na “síndrome dos ambientes doentes” para se
referir aos locais que geram riscos de saúde.

No campo da saúde e segurança, porém, a


negociação coletiva e a legislação constinuam desempenhando
um papel importante. O assunto é igualmente polêmico.
Evidentemente, a preocupação central não é com a doença dos
ambientes mas sim das pessoas que trabalham dentro deles. O
que se debate é a forma de contornar tais problemas. E as
discussões oscilam entre sistemas mais legalistas e sistemas mais
negociais - centralizados e descentralizados.

A negociação descentralizada vem ocorrendo até


mesmo nos países mais resistentes a ela. Alemanha precisou
chegar à marca de 12% de desemprego (4,3 milhões de
trabalhadores) e ter suas exportações seriamente ameaçadas pela
concorrência americana e asiática, para a central sindical dos
metalúrgicos - a poderosa IG Metall - começar a fazer
concessões, tanto coletiva como individualmente.

Na DASA, que constrói o Airbus 319 e 321, os


empregados que trabalhavam 35 horas por semana voltaram a
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trabalhar 40, concordando, via negociação empresarial, trabalhar


100 horas adicionais por ano, sem recebimento de hora-extra.

Na Daimler-Benz, fabricante do Mercedes Benz, a


jornada de trabalho também voltou a 40 horas e os empregados,
como na Volkswagen, concordaram com a contratação de
trabalhadores por prazo determinado e com salários mais baixos
do que os seus.

Todos esses são exemplos de negociação por


empresa. Em várias empresas alemãs (Gustav Selter Ltd., Deutz
e outras), os empregados concordaram com redução de salário
em troca de participação nos lucros ou resultados (Business
Week, 28-07-97).

Essas concessões eram inviáveis até pouco tempo


atrás quando a Alemanha ainda insistia em negociações
altamente centralizadas em nível nacional onde a flexibilidade
era mínima. Hoje, elas ocorrem nos setores mais avançados da
economia (metalúrgico, químico, elétrico-eletrônico, construção
de aviões e outros) e são realizadas pelos “conselhos de
empresa” sendo depois aprovadas, (em geral, sob protesto),
pelos sindicatos nacionais. Para a Alemanha, isto é uma
verdadeira revolução trabalhista.
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Os primeiros movimentos de flexibilização do


trabalho começaram nas empresas de médio porte mas,
rapidamente, espalharam-se para as grandes. Ironicamente, os
pioneiros foram os sindicatos ligados às empresas da ex-
Alemanha Oriental, onde vigorou, por meio século, a rigidez do
comunismo.

Na Saxônia, em 1996, 92% dos contratos coletivos


dos setores metalúrgico e elétrico foram negociados a nível de
empresa! A central sindical dos químicos (IG Chemie-Papier-
Keramik), que cobre 725 mil trabalhadores, decidiu apoiar o
movimento em direção à negociação por empresa. O acordo
prevê ainda a possibilidade de se reduzir o salário em até 10%,
desde que as empresas se comprometam a investir e gerar
empregos. Esse acerto é feito no nível as empresas.

O Brasil não ficará fora dessas tendências. A


utilização do tempo parcial, subcontratação e trabalho flexível
podem ser alternativas úteis para as empresas e para as pessoas
que precisam trabalhar. A negociação por empresa já mostra
sinais de crescimento entre nós. A flexibilização das jornadas de
trabalho, a criação de bancos de horas, a participação nos lucros
e resultados são temas que vêm se resolvendo através da
negociuação por empresa.
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Em 1996, houve casos também de trabalhadores que


se reuniram diretamente com os administradores das empresas
(Metal Leve, Iochpe-Maxion, Eaton e Polone), tendo acertado,
por via de “plebiscitos”, formas de redução de jornada de
trabalho com redução temporária de salários. No lugar dos
sindicatos, os acordos foram assinados pelos comitês de fábrica.

Surgiram ainda casos de empresas (Black & Decker)


que negociaram com seus empregados cláusulas de paz que
garantem a ausência de greves e de dissídios coletivos até o ano
2000, em troca de reajustes salariais anuais e participação nos
lucros ou resultados.

No que tange à sindicalização, ela também vem


sendo afetada pela descentralização da negociação. Em quase
todos os países a sindicalização é cadente e os contratos
individuais são crescentes. As leis vêm sendo revistas para dar
lugar a mais negociação e menos legislação.

A desregulamentação é um dos principais


responsáveis pela melhor performance dos mercados de trabalho
dos Estados Unidos, Inglaterra e Holanda nos últimos anos.

No caso dos Estados Unidos, a flexibilidade permitiu


um bom aproveitamento da abertura das economias mundiais e
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uma expansão das exportações e do emprego. No período de


1990-96, os Estados Unidos geraram 13 milhões de postos de
trabalho enquanto que a Europa Continental, com a exceção da
Inglaterra e Holanda, não criou um único emprego em termos
líquidos.

A Inglaterra e a Holanda, depois de implantar


medidas de desregulamentação nos anos 80, mantiveram taxas
de desemprego no patamar dos 6% ao longo dos anos 90,
enquanto que o restante da Europa subiu para 12%.

A Nova Zelândia fez em 1991 a mais espetacular


reforma trabalhista da história. Os trabalhadores passaram a ter o
direito de optar por negociação coletiva ou individual; a nível de
setor ou de empresa; com ou sem a participação dos sindicatos.
O país voltou a crescer; retomou a sua posição entre as dez
nações de maior competitividade do mundo; ampliou
consideravelmente a oferta de emprego; e reduziu o desemprego.
A Austrália passa pelo mesmo processo, embora de maneira
mais lenta.

Vivemos um tempo em que a história está correndo


muito depressa. Em contrapartida, nossas instituições
trabalhistas estão paradas. Vivemos num mundo em que o
emprego encolhe e o uso das novas modalidades de trabalho
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aumenta: tempo parcial, subcontratação, terceirização, horário


flexível, trabalho à distância, teletrabalho, etc.

Essas formas de trabalho não podem ser abrigadas


pela legislação brasileira e nem tampouco por sistemas de
negociação coletiva.

A competição tornou as partes menos tolerantes ao


conflito. Os sistemas de relações do trabalho que alimentam o
dissenso - como o brasileiro - estão sendo atropelados pela
avassaladora força da concorrência e da globalização. Por isso, é
imperioso enxugar e flexibilizar a nossa legislação.

A CLT é um caso grave de fadiga institucional.


Afinal, ela trabalhou por mais de meio século. Cansou. Exauriu-
se. Não tem mais forças. Por isso, seria bom se os nossos
parlamentares decidissem acelerar um pouco mais a velocidade
de petroleiro que imprimiram às reformas estruturais, em
especial, a trabalhista da qual nem querem ouvir falar.

Os grandes desafios do mundo do trabalho no Brasil


de amanhã serão educação e flexibilização. O problema da
educação é de solução mais demorada mas com as novas
tecnologias da pedagogia moderna podemos esperar uma
resolução mais rápida do que foi na Coréia onde a força de
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trabalho veuo ter 10 anos de boa escola depois de 25 anos de


pesados investimentos em educação. Com os novos recursos,
talvez, o brasil consiga o mesmo feito em 10 anos.

No campo da flexibilização das relações do trabalho,


tudo indica que as mudanças no Brasil a legislação trabalhista
venham a ocorrer primeiro no mercado e depois no Congresso
Nacional. Ou seja, as pressões econômicas nos campos da
produtividade, competição e emprego levarão as empresas, os
traalhadores e os sindicatos a ousarem no campo trabalhista,
tornando a lei gradualmente ultrapassada - o que facilitará a
decisão dos parlamentares para modificá-la.

A modernidade de conduta da Souza Cruz e sua


produnda valorização das relações do trabalho como elementos-
chave do business da empresa ilustram bem a importância dessa
trajetória de mudança.

Alguns podem julgar essa trajetória muito lenta. Mas


assim são as mudanças no processo democrático. Assim como
não há empresas dispostas a arriscar além do tolerável, os
políticos estão permanentemente preocupados com o reflexo
eleitoral de suas ações. Lances ousados podem lhe custar a
carreira. As forças do mercado, por sua vez, têm a chance de
praticar o método incremental e, com isso, irem tateando o
23

campo das mudanças e avançando de milímetro em milímetro


em direção do necessário. Uma vez sacramentadas pelo
mercado, essas mudanças serão mais facilmente homologadas
pelos homens públicos.

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