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IMAGEM EM MOVIMENTO

“Pinóquio por Guillermo del Toro” é o


favorito para Melhor Animação do ano
Cineasta mexicano imprime sua marca na clássica história do
boneco de madeira que sonha em ser um menino de verdade

Guillermo del Toro é um daqueles cineastas que construíram ao longo de sua carreira uma
estética própria, que basta olharmos para a tela que reconhecemos a sua digital. Tanto é
que seu nome figura no título da sua primeira animação de longa metragem, que acaba de
estrear na Netflix. Pinóquio por Guillermo del Toro (Guillermo del Toro's Pinocchio, dir.
Guillermo del Toro e Mark Gustafson, 2022) é uma releitura da clássica história do boneco
de madeira, esculpido por Gepeto, que sonha em ser um menino de verdade e cujo nariz
cresce ao contar uma mentira.

Pinóquio, ou Pinocchio, é uma personagem do romance italiano As Aventuras de Pinóquio,


escrito por Carlo Collodi e publicado em 1883. Desde então teve muitas adaptações. A mais
conhecida é a animação da Disney, de 1940. É nessa animação que ouvimos o Grilo Falante
cantar When You Wish upon a Star, a primeira canção da Disney a ganhar um Oscar, e que
se tornaria o hino do estúdio. A clássica animação da Disney ganhou uma versão live-action
neste ano, com Tom Hanks interpretando o marceneiro italiano Gepeto. Os dois filmes estão
disponíveis na Disney+.

A versão de del Toro também tem canções, mas toma outros rumos. O que nos chama a
atenção logo de cara é o fato de a animação ser produzida em stop-motion. Somado a isso,
novas tecnologias possibilitaram maior realismo à animação. Tudo está muito lindo e cheio
de detalhes. Pinóquio foi realmente transformado em um boneco de madeira, com todas as
texturas que a matéria possui. Essa é uma diferença gritante em relação ao filme da Disney,
cujo boneco, com seus olhos azuis, não parecia ter sido esculpido em madeira. A Fada Azul
também é outra personagem totalmente reimaginada por del Toro. Em seu lugar, ainda que
azul, temos um Espírito da Floresta, com seus muitos olhos, tal qual os querubins descritos
no Antigo Testamento. Uma das marcas do cineasta mexicano é a recorrente presença em
suas obras de criaturas fantásticas, com aparência que destoa do convencional. Na
animação ainda temos uma esfinge azulada, coelhos zumbis e, no lugar da baleira que
engole Gepeto, uma enorme criatura marinha das profundezas.

Podesta fazendo a saudação romana. Foto por Netflix - © 2022 Netflix, Inc.

É provável que o mais assustador na animação não sejam as criaturas fantásticas, mas algo
mais ligado à realidade. Diferentemente da maioria das versões de Pinóquio, que ocorrem
na Itália de 1800, Guillermo del Toro transpôs o seu filme para a Itália fascista de 1930. Esta
é a terceira vez que o cineasta mexicano produz um filme em que a fantasia ganha vida em
meio a um conflito político da vida real. Em A espinha do Diabo (2001), a história se
desenrola durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Depois de perder o pai na referida
guerra, um jovem órfão é enviado para um orfanato assombrado por um espírito
atormentado. Já O labirinto do Fauno (2006) tem como pano de fundo a Espanha franquista,
período de muita repressão situado logo após a Guerra Civil Espanhola. Para escapar a esse
cenário beligerante, uma menina busca refúgio no mundo da fantasia.

Em Pinóquio por Guillermo del Toro, tudo começa após a morte de Carlo, filho de Gepeto,
durante um bombardeamento. O fascismo vai mostrando a sua face com a presença dos
Camisas Negras, a milícia fascista. Um deles é Podesta, miliciano que vigia o vilarejo de
Gepeto, e que recruta crianças para se tornarem soldados. Pinóquio não escapará, e será
mandado para um duro campo de treinamento. O ápice mesmo é quando Benito Mussolini
se materializa como uma das personagens. Pinóquio, ao ingressar na trupe de Conde Volpe,
é obrigado a performar para Il Duce, que, após os insultos recebidos durante a
apresentação, exige a morte do boneco.

Apesar de tudo isso, a animação ainda é sobre a relação entre pai e filho e aceitação das
diferenças. Sem superar a morte de Carlo, Gepeto espera que Pinóquio seja igual ao filho
falecido. O boneco é diferente, tem dificuldade em ser aceito, e por isso quer ser livre,
recusando todo tipo de ordem, o que dificulta ainda mais a sua vida sob um regime fascista.
Os dois acabam se desentendendo. Gepeto não sabe lidar com a personalidade de Pinóquio,
mas ainda assim o amo muito, como um filho mesmo. Quando o boneco finalmente
entende isso, é o momento em que ele descobre a sua humanidade.

Assista ao trailer da nova animação da Netflix:


Pinóquio por Guillermo del Toro | Trailer oficial | Netflix

Rafael do Valle, doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São

Carlos.

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