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Mansueto Bernardi

...

O PRIMEIRQ
.
CAUDILHO .

RIO-GRANDENSE .. ..
Fisionomia do herói missioneiro Sepé Tiaraju

••t
·~1

.. .. 11'
EDITORA GL OBO
• IUO DE JANEIRO - PORTO ALEGRE - SÁO PAULO
J

O PRIMEIRO CAUDILHO
RIO-GRANDENSE

JlfanS'Ueto B ernardi

M a11s1teto B ernardi é uro no-


me sobejamente conhecido, QlaO
só no Rio Grande do Sul, como
tan1bém nos outros Estados do
Brasil.
Além de urna intensa vida
pública, em que exerceu cargos
de relevo nas administra~oes es-
tadual e federal, como home111
de letras publicou di versas obras •
que bem dizem das variegadas •
facetas de sua atividade intelec- • • -

~ f : Pra~a Joao Monae; ••


l

tual e artística. Entre elas con-


; Rua da Glória, A5 f
tam-se: diversos volumes de l : Av. Brír · · •
poesías, reunidas, em sua maior : 23?
parte, sob o título geral de "Ter- .
,
ra Convalescente"; "A Vida e os
Versos de Alceu W amósy" e
"Vida e Poesía de Eduardo Gui-
maraens'', biografía e crítica li-
terária; "O Livro do Bebe", edu-
ca~ao e puericultura; "Como
Administrei a Casa da Moeda e
Estudos lVIonetários", tr abalhos
de administra~ao e nu1nismáti-
ca; "Os Terrenos Urbanos de S.
Leopoldo", "Bandeira N acional
e Bandeiras Estaduais", ''Os
Italianos e a República do Pira-
tini", "O Pensamento Religioso
dos Farrapos" e outros ensaios
de menor porte.
O volume ora apresentado ao
público tem o título de O Pri-
meiro Caudilko R io-Grandense

• •
O PRIMEIRO CAUDILHO
RIO GRANDENSE


'
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
. MANSUETO BERNARDI
(DO INSTITUTO HIST6RICO E GEOGRAFICO DO RIO GRANDE DO SUL)

' • O Prirneiro Caudilho


<
Rio-Grandense
(

Fisionomía do herói missioneiro
Sepé Tiaraju

I'

.. EDITóRA GLOBO
RIO DE JANEmO - PORTO ALEGRE - Sl.O P .lULO


DEDICATóRIA
A n1e1nória

dos Padres J oao Batista Hafl~1n.eyer e Carlos Teschauer, S. J.,·


de Aurélio .Porto e Alfredo Varela;
de Alcides Maya e Joáo Si1noes Lopes Neto; <!:

(! •
de l oao Pinto d6 Silva e R<Ubens de Barcellos;
de Roque Ca:Uage e Fernando Luís Osório,
meus confrades e amigos, que a marte já levou, esta singela
contribui~áo a História do Rio Grande antigo.

M. B.

'

'
1957
DIREITOS EXCLUSIVOS DB EDIQÁO, :EX LÍNGUA POR'l'UGU_!BA, Dl
EDITORA GLOBO S. A. - PORTO .ALEGRE - RIO GJt.AND:S DO SUL -
ESTADOS UNIDOS DO BJt.ASIL


,..

H oniem sou, e nada do que é humano me pode ser indiferente

TERENClO
'

, .
A primeira lei da História consiste em nao dizer cousa falsa,
f a segunda; e11t ter a coragem de dizer a verdade inteira.

LEA.o XIII

A liberdade nao entra no patri·11J!Ónio particular, como as cousas


que estao no comércio, que se dao, trocam, vendem ou co-m-
pram: é um verdadeiro condomínio social; todos o desfrutam
sem que ninguém o possa alienar.
E, se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhao, mgilante,
a reivindica.

, \ Ru1 BARBOSA

...
I
-
..
,
1NDICE

I
O Primeiro Caudilho Rio-grandense

O Primeiro Caudilho rio-grandense .. . . . . . . ... .. . .... 15

II I

Evoca<;áo de Sepé Tiaraju

Evoca~ao de Sepé Tiaraju .. . . .. .. . . .... ....... ..


~ 39
• • III
Um "monu1nento a Sepé Tiaraju

Proposta de u1n M onu1nento a Sepé . . . . . . . . . . . . . . . . 47


A D~pla P ersonalidade de S epé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Sepé Tiaraju e Rafael Pinto Bandeira . . . . . . . . . . . . . • 55
Sepé, os l esuíta;s e a Guerra das Missóes . . . . . . . . . . . . 61
Causas e Conseqüencias do Tratado de ,Madrid . . . . . . • 69
A Comrissao de Hist6ria e o Padre Antonio Sef>p . . . . • 73
A Com·issao de História e "Os Tres Mártires rio-gran-
denses'' .......................... ·........... . 78
'A Comissao, as Missóes e o Padre Anchieta ......... . 87
M onumenf>os Eretos e a Erigir ................... . 90 -
A.urélio Porto e as Redu~óes ...................... . 94
S epé e os I ntelectuais rio-grandenses ............... . 96
Ainda Sepé e os Intelectuais ..................... . . 103
• S epe e a P oesia Épica ·...-.....' .................... . 110
S epé e a P oesia Gauchesca ....................... . 118
Em def esa de Sepé Tiara ju ....................... . 119
' 122
S epé e o Rio das Lágrimas ............. • .......... .
r· .
S ePe, iara1u e os Mºl;ta
i ~ r es ....................... . 127
Sepé Tiaraju e a Crúz de Caibaté ................. . 134
Sepé e os Culfores das Tradifóes Gaúchas ... ...... . 139
As Missóes e os M estres da Hist6ria Pátria ....... . 145
eonclusáo ................... ~ ................... . 14&
IV 1.j
Apendice

Parecer da Comissao de História contra Sepé Tiaraju .. 151


Defesa do parecer da Comissao, pelo Dr. Moysés Vellinho 155
Refuta~áo do parecer, pelo P. Luis Gonzaga Jaeger, S. J. 158
Refuta{áo do parecer, pelo General Rinaldo Camara .... 169
Pá de cal sobre o assunto Sepé ....••....•••..••••• 183

O PRIMEIRO CAUDILHO
RIO G.R ANDENSE
( •

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.~

O PRIMEIRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE

Que1n f oi o primeiro caudilho rio-grandense? Cronologi- ,


ca111ente, foi o cacique Sepé Tiaraju, que hasceu e v-iveu, com-
bateu
,
e morreu
, . no território dos Sete Povos das Missóes, na
.. epoca pre-ai;onana .
N aquela zona da terra gaúcha, onde primeiro penetrou o
Evangelho, se imprimiu a primeira fólha volante, se ensinaram
as primeiras le.ras, se plantou o primeiro fumo, se cultivou a
(
primeira vide e se claborou o primeiro vinho, se teceu o pri-
meiro algodao, se o;-ganizaram as prin1eiras estancias e se es-
(
.- parziu o primeiro tngo, se compüs o primeiro livro e se fundiu
" o primeiro ferro no Rio Grande; naquele rindio privilegiado, que
é o verdadeiro ben;o da agricultura, da pecuária e da indústria
que ora opulentam o nosso Estado, sob a direc;ao espiritual dos
• Padres Jesuítas cresceu e se educou Sepé.

, De conformidade com as Leis das 1ndias, cada missao ou
redw;áo se regia por um cabildo ou camara municipal, mais
ou menos equivalente as que existiam nas povoac;óes espanholas.
Era esse incipiente origanismo. comunal constituído só de
índios e apenas as tribos já cristianizadas gozavam do direito
de sua posse. Cada cabildo se compunha de um corregedor,
um tenente de corregedor, dois alcaides da irmandade, um al-
feres, quatro regedores, um aguazil-mor, um procurador e um
secretário, eleitos anualm·ente pelo povo, salvo o primeiro, que
era nomeado pelo governador, sob ·proposta do cura, conforme
elucida Teschauer, em sua História do Rio Gran.de do Sul.
N esse emhrionário governo municipal, era o corregedor a auto-
ridade mais alta, o prefeito, como diríamos boje. Mas sua
esfera de competencia nao abrangia sümente a polícia e a admi-
nistra<;áo da comunidade. Nao presidia somente ao cabildo.
Na.o ~xercia apenas o poder executivo. Competia-lhe também o
julgamento dos feitos civis e criminais, segundo os códigos en-
""ªº vigentes.
15
ú PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 17
16 MANSUETO BERNARDI
Portugal poderia rétirar da sua ·Colonia a artilharia, as armas,
Era, pois, o corregedor um verdadeiro expoente,. urna es- as provisóes e navíos do Estado, ficando livre aos respectivos
pécie de príncipe, urna influencia legítima, um verdade1ro chefe, n1oradores continuar a residir ali, sujeitos ao novo Rei, ou a
na acepc;áo precisa <leste termo. sair com todos os bens móveis, vendendo o resto, determinava
Pois a esse pósto eminente ascendera Sepé, gra~s a sua expressamente o artigo 16 do Tratado que os habitantes das
bravura, a sua inteligencia, a sua capacidade de agremiac;áo e • Missóes emigrassem, de imediato, para qualquer outro ponto
de comando, aliás hereditária, pois que morubixaba tan1bém da possessáo espanhola, levando apenas os bens móveis e semo-
\ fóra o seu progenitor. ventes, as annas, a pólvora e as muni<;óes, visto que tudo o
No aprendizado da leitura e da escrita, d<1: ~outrina. ~ristá, 1nais - casas, igrejas, edifícios de qualquer espécie, propriedade
das artes mecanicas e da guerra, nas festas ClVlS e religiosas, e posse da terra - tudo seria entregue, se1n indenizac;áo al-
nos tradicionais torneios entre mouros e cristaos, sempre Sepé guma, a coroa de Portugal.
Tiaraju se distinguira entre os seus pares. "Trinta mil guaranís - pondera o ilustre Southey - com
Sabia lac;ar e domar um potro bravío. Sabia arar o solo, mulheres e filhos, co111 doentes e velhos, com cavalos, ovelhas
plantar e colher cereais, a cana-de-ac;úcar, a batata, a mandioca. e bois, tinham,.con10 no Egito os filhos de Israel, de emigrar
Sabia como se cultiva e entretece o aLgodáo. Sabfa beneficiar a para O deserto, nao fUlg'Índo a escravidao, 111as obedecendo a
erva-mate. Sabia parar un1 rodeio, conduzir urna tropa, ou urna das 1nais tirani¡as ordens jamais emanadas do poder in-
manejar tanto urna arma de guerra como ufu pacífico utensílio sensível." (Robert Southey - História do Brasil, vol. 6.0 ,
agrário, de vez que tódas as indústrias, ofícios, ciencias e. a~tes pág. 9.)
./
naquele tempo conhecidas na Europa, grac;as a obra prodigiosa Era um verdadeiro confisco, violento, sumário e odioso, sem
dos missionários, floresciam .plenamente nas redu~óes. justificativa alguma, sem nenhum apoio em nenhuma lei. Fi-~
Já possuindo rudimentos precisos de organiza~áo social, po- xava-se o prazo de um ano para a execu<;áo desse acordo cruel,
lítica e religiosa, vivian1 os índios urna vida feliz, dividindo o que um protocolo do ano seguinte, assinado quando já era mi-
seu tempo entre as lides mecinicas e agropastoris, as cerimónias nistro o Marques de Pombal, veio agravar ainda mais.
festivas os exercícios de defesa e as prálticas de devo<;áo. O Marques de Valdelírios e o General Gomes Freire de
U ~a nova civiliza<;áo deveras hrilhante se elaborava ali e, Andrada f oran1 incumbidos, respectivamente, pelos governos de
em todas as aldeias, tao perfeita era a disciplina, que tudo Castela e de Portugal, da execu<;ao do tratado. Con10 con1issári0
marchava como ao ritmo de um compasso musical. do Superior Geral da Companhia de Jesus, acompanhou o Mar-
O povo acordava, todas as manhás, ao som dos sinos. Re- ques de Valdelírios o Padre ~uís Altamirano, munido de plenos
zava, nos seus ten1plos, cantando e executando música religiosa. poderes sobre todos os jesuítas da América do Sul, e, como .
la para o trabalho, e trabalhava, ao toque de tan1bores, flautas, medida de precau~o, foi transferido do Peru para o Paraiguai,
pífaros e charan1elas. Regressava, ao planger da Ave. . Maria. com as fun<;oes de provincial, o Padre José Barreda, o qual,
Em síntese, nas Missóes vivía-se de fato musicalmente, como "como estranho ao país e ao .povo, nao se deixaria naturalmente
aconselha Platao. influenciar por nenhtuna considerac;áo pessoal no cumprimento
O Tratado de Limit~s de 1750, concertado em sigilo entre da vontade do soberano."
os 'Reinos de Portugal e Espanha, veio quebrar, de inopino, ·a Prevendo, com mais argúcia que as duas cortes contratan-
harmonia e o surto ascend.ente daquela próspera comunidade. tes, as dificuldades e perigos que a execu<;áo do tratado envol-
Por aquele tratado, cedia Portugal a Espanha a Colonia do via, o governador de Buenos Aires, D. José Andonaégui, repre~
Sacramento, situada na margern esquerda do Rio da Pra~a, ...em sentou ao Rei sobre ós inconvenientes da permuta. Da mesma
frente de Buenos Aires, em troca dos Sete Povos das Mtssoes, forma, os jesuítas do Paraguai protestaram perante a Audiencia
localizados ao oriente do rio U ruguai. Ao passo, porém, que
I

O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 19


18 MANSUETO BERNARDI

Convocados os missionários mais velhos e, por conseguinte,


Real de Charcas, obtendo <leste tribunal um pronunciamento a
seu favor. Assin1 tan1bém a Audiencia de Lima, o governo civil mais conhecedores do meio e da psicologia dos índios, tod~s,
do Paraguai e o bispado de Córdova e Tucuman. exceto um, declararam itnpossível efetuar o que se pretend1a.
"Contudo, assevera Southey, .preparavam-se para obedecer, se
"Todos pintava1n a cessao das Sete Redu<;óes como contrá- obediencia f ósse exigida." E exigiu-se. Nao obstante, como
ria aos interesses da Espanha) aconselhando alguns a anula<;ao acentua Capistrano de Abreu, " ceder ter ras com habitantes f ós~e
do ártigo 16." (R. Southey - História ·ao Brasil, 6.0 , págs. 16 un1a amputa<;ao doloi:.osa" e, ainda nlais, "entregar terras, , de~­
e 17.) xando os bens de raiz, levando os moradores apenas os move1s
Todos salientava1n a dureza da estipulac;áo, a injusti<;a da e semoventes, reportasse a crueza dos Assírios:', exigiu-se. a
mudan<;a obrigatória, -a crueldade do esbulho de tantos bens transmi·gra<;ao em 1nassa. (C. de Abreu - Capitulas de His-
\

acun1ulados durante inais de un1 século de trabalho. O mais


eloqüente de todos, porétn, f oi o provincial do Paraguai que
e
tória olonial, págs. 256-257.)
assi111 se j ulgou no de ver de f alar: · No intuito de suavizar a dura sorte dos índios, seus .filhos
espirituais e seus pupilos, requereran1 os tnissionários urna pror-
"Os índios está.o firme111ente convencidos de que nao é von- rogac;ao do pra¡o estipulado, alegando a necessidade de se pre-
tade do Rei arrebatar-lhes as terras que eles tein possuído du- parárem abrigos para a multidáo, quando chegasse ao seu des-
rante 130 anos, e as quais foi o seu direito confirmado por di- tino, sem falar nas eacomodac;óes precisas em caminho, e sob
versos diplon1as régios. Foi confiando nes~es que eles construí- as quais pudesse pernoitar, se nao os varóes e os adultos, ao
ram, nao sin1ples lugarejos, mas verdadeiras cidades, com grande menos as mulheres e as crianc;as, os velhos e os enfermos.
número de edifícios cobertos de telhas, e com galerías de pedra, . . . , .
Chegados ao ponto de desuno, ma1s um ano sena nece_s~ano
por baixo das quais se anda junto das casas sem receio da ch uva. para que as lavouras produzissem algo e as sementes fruuficas-
Das suas magníficas igrejas, as que lhes custaram menos, im- sem. Nessa conformidade, impetraram os jesuítas, para obe-
portaram, com os respectivos ornamentos, 'em cen1 mil escudos. decer a letra do tratado, ufil prazo de tres anos, indispensável
Acrescente-se a isto a recordac;ao, que extremamente os impres- a constru<;ao de novas casas e ao amanho das novas terras. O
siona, das árvores que plantaram e na cultura das quais consu- Marques de Valdelírios respondeu terminantemente que nao
miram mais de 30 anos, para obterem de seus frutos urna bebida lhes concedería sequer tres meses. E proibiu até, ato contínuo,
contínua. O valor destas plantac;óes das Sete 1Redu<;óes excede quaisquer planta<;6es e sementeiras novas nas Reduc;óes. Des-
de um 1nilhao. As suas sen1enteiras de algodao, cujo fruto serve tarte, nao hóuve outro remédio senao obedecer.
.~
para f azer f io, e este para fazer teciclo, nao tfan valor inf eri.o r
ªº das árvores ; nao podendo ainda deixar de ver que, partindo, Transmitiu pessoalmente e com a.máxima cautela o padre
deixarao n1ais de um milháo de gado, tanto em carneiros como provincial aos tuxavas das Missoes a orde1n de El-Rei. "Acos-
em vacas, cavalos, muares, etc. tun1ados desde muito a submissao sem res~rva, escreve Southey,
os caciques mostraran1-se inclinados a obedecer, exceto o .de
A vida dos missionários está em perigo, por isso que. os Sao Nicolau o qual respondeu com azedu1ne que dos seus mato-
indios estao fortemente resolvidos a nao obedecer. Os neófitos '
res tinha herdado aquelas terras e que delas nao~ .. "
saina.
estao decididos a passar antes para o domínio de PortugaJ do
que a abandonar as suas propriedades. Enfim, a salva<;áo de Sem embargo, tentou-se a transmigra~ao . De cada. povo
suas pobres almas acha-se gravemente comprometida por efeito saiu um tró<;o de índios, acompanhados de um padre, a. f1m de
da providencia inj usta, que os expóe a desobedecer a seus su- explorar o país em busca de localiza~o para os novos es~be­
periores." (C. Teschauer - História do Rio Grande do Sul, lecimentos. Escolheram-se até as novas sedes das redu<;oes.
vol. II, págs. 207 e 208.) Saíram alguns aldeamentos, embora de má vontade, entre mur-

...
20 MANSUETO BERNARDI
• O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 21
(' inura<;óes. Outros, porém, r~agiram, negando-se a partir. Ou-
tros que já estavam em cam1nho, retrocederam. Soúberam da chegada dos_ de1narcadores os miguelenses que
De nada valeram os pedidos e as exorta<;óes dos missioná- andavam no encal<;o do Padre AJtamirano e, abandonando o pri-
rios. Intimaran1 os curas a nao pregar outra cousa que. nao mitivo intento, acorreram para lá. Comandava-os -0 cacique
fósse o Evangelho. E depostos e encarcerados foram os cabildos Sepé Tiaraju, que intimou os demarcadores a fazer alto. "Deus
obedientes a E l-Rei. "Que padres sao estes dos nossos tempos? e Sáo Miguel !hes haviam dado aquelas terras que possuíam",
- clan1avam nas ruas os insurretos. - Os antigos nos def en- declarou Sepé. "Se a comissáo e a tropa espanhola queriam
dia1n dos nossos inimi1gos, os portugueses. Iam a guerra conosco, seguir avant!, podian1 fazé-lo, que bem-vindas eram e todo o au-
anitnava111-nos e ainda davan1 a vida por nós, como bons pas- xílio receberiam. Mas os portuigueses nao entrariam no país."
tores. Mas os de agora nos queren1 despeda<;ar a n1aneira de Um criado lusitano, que andava arrebanhando gado na
tigres, pois nos tnanclarn dar as nossas terras, as nossas e~t~nc:ias, fazenda, f oi morto por él es. Em face dos e1npecilhos encontra-
os nossos trabalhos, o nosso suor e o nosso sangue aos 1n1m1gos dos, os den1arca<lores julgaran1 de bo1n aviso regressar ao· Rio
que nos tern roubado, e agora·, enganam o nosso Rei para tirar- da Prata, onde chegaram ao mesmo ten1po que o Padre Alta-
nos tudo de urna vez; mandam que saian1os desterrados para mirano. Tan1bám o lVIarques de Valdelírios acabava de voltar
outros rincóes, onde nos 1natará o trabalho itfsaho e onde a aquele porto depois de ter conferenciado com Gomes Freire na
terra nao basta para nos sustentar. Nao nos deixemos enganar. embocadura do arroie Chuí, onde haviatn combinado proceder
e • • • • ,,
Tuntem.o-nos .todos. Acabemos com os nossos morta!s 1n1rmgos. militarmente contra os insurretos.
E os de Santo Ángelo': "Porventura Deus ama os espanhóis Na iminencia da guerra, que tudo estava anunciando, re-
mais que os pobres índios? A quem encomendará Deus a sal- nunciaram os jesuítas aos seus poderes sobre as redu<;óes, re-
va<;ao das nossas almas? Aquele que nos quis lan<;ar fora das núncia que, todavía, nao foi aceita, nem pela autoridade ecle-
nossas terras ?" E os de Sao Louren<;o : "Desta terra, onde siástica nem pela civil.
estamos, nao sairemos, enquanto nao formos reduzidos a cinzas, E rebentou a guerra, a guerra guaranítica, a guerra das
nem sairemos das nossas fazendas, pois, olhando para quatro redu<;óes ou das Sete Missóes, como lhes charha.m os historia-
ervais, quatro grandes algodoais e a nossa estancia, nao vemos dores. Isto foi e1n princípios do ano de 1754. No Rio Pardo
para onde nos mudarmos, nao achamos terra alguma boa se iniciaram as hostilidades. Ali se fortificara um destacamento
para fazer igreja, para fundar urna aldeia ou para plantar um de portugueses e a desalojá-los saíran1 os guaranís de Sao Luís,
erval." ('C. Teschauer - Obra citada, págs. 223 e 224.) a cujo território pertencia o lugar. Os portugueses fizeram urna
A vista <lestes fatos o Padre Luís Altamirano, que se sortida para dispersá-los, mas foram recebidos ,por urna chuva
encontrava entao em Ja~ju, jul!gou mais prudente fugir sem ele setas, que lhes matou 16 . homens. Interveio, ·entáo, a arti-
déten<;a, protegido por grande escolta, a not.ícia de que 300, in- lharia, que dispersou, nu1n ápice, os atacantes.
dios arn1ados da redu<;áo de Sao Miguel, as ordens de Sepe, o . Retornaram, porém, estes, pouco <lepois, em maior número
estavan1 procurando, para lhe dar a morte. e trazendo tam,bém artilharia, a qual constava de grossas ta-
Entren1entes, chegam a coxilha de Santa Te~la, perto da quaras cobertas de couro cru e , at¡irraxadas com .arcos de
atual cidade de Bagé, cinqüenta soldados port~~e~es e ou~ros ferro. Comandava.-os, desta feita, o Capitáo Sepé Tiaraju, "ho-
1

cinqüenta espanhóis, com os con.;.i>:tentes ~f1:1a1s, ca~elaes, mem de invulgar v..alor e talento", escrev_e Southe¡y. Náo obs-
cirurgióes e pilotos adidos a Com1ssao de L1m1tes, a f im. d~ tante a sua esperteza, sob o pretexto de urna con feréncia, dei-
dar início a demarca<;áo. A estancia de Santa Tocla pertenc1a a xou-se, no entanto, o comandante indígena colher nas maos dos
redu<;ao de Sao Miguel e nela havia uns guardador:s .de ,g~do portugueses, cohÍ. mais trinta soldados.
e urna capela, visitada de quando em vez pelos m1ss1onanos. Capturado o chefe gúarani,· mandarám os portugueses pr~­
por ao inimigo a ·permuta daqtiele e de· seus companheiros por
-

22 ?vIANSUETO BERNARDI • O PRIMEIRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE 23
" deriva o nome do nosso maior curso d'água. Todos os portu-
urna tropa de cavalos CTUe os índios. uns dias antes. lnes hav1am
tom::iflo. N ao foi fácll se entenderem. atenta a justificada des- gueses que saíam desse mato, eram vitimados pelos guaranis,
que, d essa maneira, prestaram, entretanto, u1n g rande servi<;o
een fianca dos gua r anis.
ao comando inimügo, porquanto assim impediam as deser<;óes.
No intuito de remover as dificuldades anteoostas a troca
f> Foi ali que se realizou, no ano de 1754, urna entrevista
.d eseiada. resolveram. por fim. os lusitanos. n1an<lar como emis- entre Sepé Tiaraju e o-General Gomes Freire de Andrada, en-
sário o próprio Sepé. escoltado por doze cava leiros. inno tam- trevista que o P adre Teschaue r descreve con1 todas as minúcias,
bém ele a cavalo. poré1n nu e sem armas nem esooras. ( Southey no segundo volu1ne de sua monumental "História do Rio Gran- •
• - História do Brasil. vol. 6.0 , pág-s. 32 e 33.) · de do Sul", e que vale a pena trasladar para aquí mais ou menos
As p;:irtidas inin1iQ·as eram senani<las por um rio. que o textualtnente, visto ressaltar da mes1na, co1n o de un1 alto-relevo,
caudilho indígena pediu o deixassem transppr, a fim de confe- a consciencia da dignidade pessoal, a altivez ingenita dos rio-
renciar com os seus. E como lho recusassem, perguntou como grandenses.
pode ria ele concertar a permuta, sem f alar com a outra parte
1
"Gomes Freire convidara o chef e a1neríndio a visitá-lo.
interessada. E acrescentou. como por gracejo, tque. se quisesse ~ste, a princí~io, nao aceitou, mandando perguntar ªº general
p·a ssar-se para os seus patrícios, ninguém o po<leria impedir. europeu por que razáo nao ia ele. Finalmente, condescendeu ir.
R1iram-se os europeus, per!!untando com6 poderia faze-lo. - Foi-lhe designado lt1gar e tempo, a. vista de ambas as partes.
·A ssim - retrucou Sepé. E incitando o cavalo com o chicote Para esta cerin1ónia ou comédia de audiencia, foi estendido um
e com a ·voz, partiu numa disparada. Perseguiram-no os dra- tapete no chao, posta em cima urna cadeira de campo para o
.., góes, atirando sobre o fugitivo, mas _sem acertar no alvo. Sepé general e nos quatro cantos plantaram-se quatro cabos subal-
embrenhou-se no mato. Desmontou. Atravessou o rio a nado te rnos portugueses bem armados. F ora do tapete, estavam doze
e se f oi para o campo dos seu s. (Tadeu Enis - Diário da Guerra dragóes bigodudos e, detrás deles, al1gumas pe<;as: de artilharia
dos Guar0;nis, in Anais da Biblioteca Nacional, vol. 52. pág. 491.) de campanha e, entre estas, um soldado branca e outro preto.
Avultam, no entanto, as opera<;óes. Sob o comando do go- A este cerimonioso prelúdio, seguiu-se um ato muito seco de
vernador Andona6gui, avancam os espanhóis oela margem es- parte do índio. O ·correigedor guarani chegou acompanhado de
querda do Uruguai, acompanhados por utna flotilha as ord~ns muitos dos seus até quatro quadras de distancia do tapete do
de D. Juan Echevarria. Os portugueses movem-se do porto do Rio general. Depois, prosseguiu a cavalo com poucos companheiros,
Gran.de, e alcan~am o alto Jacuí. Chegados ao rio T1gapuí. aqueles quando o general mandou que deixasse1n as armas.
estacam e intentam regressar, mas sao atacados pelos índios. To- - P 'o r que? - perguntou o índio - se o general e sua
más Hinser aceita o combate e passa pelas armas cerca de tre- gente estáo ar111ados?
zentos. 0 General Gomes Freire, entrementes. chega ao Rio
1
E seguiu tao depressq. o intérprete, que chegaram quase
Pardo e assume em pessoa o comando-g-eral dos Portugueses. ao mesmo tempo a pr·esen<;a de Gomes Freire. E sem mais
Em setembro, acampam no passo do rio Jacuí, onde encontram cumprimento nem sauda<;áo que un1 "Bendito e louvado seja
as primeiras patrulhas inirnigas. o Santíssimo Sacramento", montado encarou o general para
Desconhecendo-se mutuamente, ambos os exércitos nega- dizer-lhe a notícia que trazia.
ceiam. As sentinelas falam-se. Permutam-se objetos e munic;óes Quando·o intérprete pediu a Sepé que se apeasse para beijar
de boca. E assim se inicia e continua por meses, in f arma o a mao ao general, retrucou o indio: "Ao teu general beijar a
erudito Carlos Teschauer, um estranho comércio, ora amigável, mao? Por que? Acaso estou eu em terra dele e nao ele na minha?
ora amea~ador, entre os americanos e os europeus. ·Acampara Dize ao teu general que náo me apeio nem lhe beijo a mao."
Gomes Freire num mato, chamado dos jacus ou faisóes, do que
24 MANSUETO BERNARDI O PRI:MElRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE 25

Go1nes Freire, com ma j estade, na sua cadeira, respondeu: por tal forma, que se viram estes na contin¡gencia de pedir um
- "Diga a esse índio que ele é um bárbaro." E este ao pé da armistício, celebrado afinal no dia 19 de novembro de 1754.
letra: - "Pois dize-lhe que ele é n1ais bárbaro do que eu." Pelas cláusulas desse armistício, ambas as partes se compro··
E depois desse prean1bulo nada cortes, foi dizendo: - "Pois, .metian1 a nao atacar-se, enquanto o exército portugues nao
general, eu vim para dizer-te que o exército espanhol voltou em tornasse a campanha, e a voltaren1 todos para suas terras.
paz, e que tu e teu exército fa<;ais o mesmo e volteis daqui tam- Nessa campanha, se tal nome é aplicável ao caso, - pon-
bém ! É isto e nada mais o que tenho de te dizer." dera Southey - nao tinhan1 n1ostrado os guaranís nem tino,
• Soltou o general u1nas balancl roadas, dizendo que iria até nen1 iniciativa, nem unanimicfacle. As dificuldades só por si é
os Pavos e que tinha soldados mui bravos. A isso. respondeu que tinhan1 desacoro<;oado os invasores. Mas ganhara-se tempo
o índio que também ele tinha soldados que nao cediam aos por- e, com a sua influencia ein ~lfadrid, esperavan1 os jesuítas obter
tugueses em valor. a revogac;áo do odioso tratado, especiahnente do seu artigo 16,
Em seguida, mudo u o general de tom f atando em promessa:s relativo a deportac;áo. E enquanto en~penl1avaÍn todos os re-
e presentes preparados para ele. Respondeu o chef e indígena cursos no sentido de alcan<;ar o favor dos poderes terrestr·es,
- • t
que nao quena presentes. invocavam, poi outro lado, a intercessao de todós os santos,
Já de animo un1 .pouco mais condescef dente, ªº 1nenos na a fim de que os def endessem dos seus caluniadores e os auxilias-
aparencia, tirou o Gomes Freire a sua valiosa caixa de rapé e, sem a demonstrar a( crueldade da estipulac;ao e o fundamento
tomando urna pitada, a entregou ao intérprete, a fim de que a dos seus informes.
oferecesse também ao -corregedor guarani. E aqui - narra o Mas essa esperan<;a foi ilusória e, em dezembro de 1755,
cronista que forneceu a Teschauer este relato - aqui é ne- movem-.se de novo os dois exércitos aliados, combinando fazer
cessário conter o riso. O índio, com rosto carrancudo, diz ao junc;ao· nas cabeceiras do rio Negro, a fim de penetrar, via Santa
ofertante:· -"Sai daqui, negro, pois ·pensa o teu amo que eu Tecla, no país dos guaranis. Eran1 em número de 1 600 os
preciso do tabaco dele? Ou que porventura eu nao tenha, tao portugueses, uns 2 000 os espanhóis, e enonne a provisao de. ví-
bom ou ainda melhor do que este?" . veres, armas e muni<;óes. Além ele Andonaégui e Gomes Freire,
ia também na expedi<;ao o governador de Montevidéu, José
E, sen1 1nais conversas, disse aos cotnpanheiros: Iá ha - · Joaquim Viana. Juntaran1-se todos etn Santo Antonio, o Velho,
ou se ja: Vamos daqui. E dando ele esporas aos cavalos, retor- perto de Bagé, entao pertencente a estancia de Sao Miguel. E
naram ao seu acampamento." (Carlos Teschauer - História distavam urnas 90 léguas das Redu<;óes. En1 princípios de ja-
do Ria Grande do Sul, vol. 2.0 , págs. 249 e 250. Livraria Sel- neiro de 1756, c9me<;aran1 a avanc;ar com extrema lentidao e
baoh. Porto Alegre, 1921.) teriatn, por certo, retrocedido pela segunda vez, se aos guara-
Pouco depois desse encontro, chegou um chasque do General nis ocorresse ·a lembran<;a de ir:icendiar os catnpos, que deviam
José Andonaégui, com urna carta para Gomes F'reire, avisando-o atravessar.
de que resolvera retirar-se para Buenos Aires, atenta a impo~
sibilidade de avan<;a:r. Terminava o governador espanhol acon-
A'
1
Mas os primitivos rio-grandenses demoravam inativos, ce-
gan1ente co1Yfia·ntes no seu número, na sua bravura pessoal e nos "
selhando o comandante portugues a recolher-se também ao forte • seus santos. Nao se prepararam seriamente para a resistencia
do Rio Pardo com o seu exército, até combinarem novas me- e apenas uns 300 deles, ao mando de Sepé Tiaraju, corregedor
didas: de Sao :J\riiguel, se reuniram para embargar .q passo aos inva-
Entretanto, os índios, cada vez mais audaciosos, por verem sores. . . . . , .
os portugueses isolados e sem recursos, .os hostilizavam de todos As patrulhas avan<;adas dos expedicioné\rios · p~gunt<i:ram
os modos e por todos os meios ao seu alcance~ rJi:>hilit~nrlo-os os índios o que busca.vam nas suas terras e se nao tinharn ar.hado
\

26 MANSUETO BERNARDI O PRIMETRO CA UDILHO RIO·GRANDENSE 27


urnas cartas em Aceguá e por que nao se tinham detido. Res- e que. a inda que nao f ossemos tantos, nao o temeríamos, por
ponderam os aliados europeus - porque estavam e~critas em serem conosco a Santíssima Virgem e os Santos Anjos. En-
guarani, idioma que nao conheciam. vio-te urna bandeira com a imagem de N ossa Senhora do Lo-
Quisera1n em seguida conduzi-los a presenGa do Capitao- reto. Pones bem confiar nas oracóes de todos auantos nos acha- ••
General Andonaég-ui, ao que se negaram terminantemente os in- mos neste 1ul?'ar. e especialmente nas das inocentes criancas. que
dígenas. Pouco depois, o próprio Governador Viana encontrou outra cousa nao fazem senao implorar Deus a teu favor."
um piquete de índios, que repetiram as perguntas anteriores.
acrescentando "que nao reconhec'iam senao sua liberdade, que Nao tinha assinatura a sel!unda carta. que assim rezava:
tinham recebidó de Deus, assim como tinham. recebido aquetas "Apenas se aproximarem esses homens oue nos aborrecem. <le-
terras, dependentes da reduc;ao de Sao Miguel, e que por isto vemos invocar a protedio de N ossa Senhora. e de Sao Mig-uel.
ninguén1 mais lhas podía tirar." E, nesse pressuposto, exigiam e de Sao José, e de todos os santos e. se f orem sinceras as
que os estra.n1geiros nao avan<;assen1. nossas preces. s·e rao ouvidas. D:evemos evitt-1.r tona conf~rencia
1
Como, entretanto, o gov:ernador de Montevidéu insistisse com os esoanhóis e ainda mais con1 os portugueses, que sao a
en1 prosseguir, os índios deram <le rédea aos s~us cavalos, di- causa de todo t n1al. Lembrai-vos como en1 tem.oos antt¡Q"os ma-
zendo: "No caminho ·nos encontraremos." E assim, de fato, taram muitos milhares de nossos pais, sem oerdoarem nem as
sucedeu. No día 7 de fevereiro de 1756, l~ouve diversos peque- inocentes criancas i cotno nas nossas hrr·e ias profanaram as
nos encontros e tiroteios isolados, sendo mortos diversos por- ima~ens aue adornavam os altares dedicados a Deus N osso
• t
tugueses, que imprudentemente se haviam afastado das guardas Senhor. E como querem tornar a fazer-nos o mesmo, a nós e
avan<;a<las. aos nossos. Nao queremos aqui esse Gomes Freire, que, por
"Em conseqüencia disso - relata o historiador ingles Sou- instigacáo do dia1bo. tanto ódio nos tem. Foi ele que enganou o
they - teve o governador de Montevidéu, José Joaquin1 Viana, seu rei e o nosso bom monarca, e por isto nao queremos re-
ordem de sair com 300 homens a castigar o inimig-o. Cons- cebe-lo. Ternos derramado o nosso sanig-ue no servi<;o de E1-Rei,
tando ser este em grande número, enviou-se segundo destaca- peleiado suas batalhas na Colonia e no Par31guai, e. apesar disso.
mento. de 500 prac;as, a apoiar o primeiro, mas, antes da che- ele nos ordena que abandonemos as nossas casas, a nossa pátria !
gada do refór<;o, tivera lugar un1a escaramu<;a, em que tombou Semelhante mandamento nao é de Deus, é do Diabo, mas o nosso
Sepé Tiaraju. Caiu como um valente. Um cavaleiro portugues Rei anda sempre pelos caminhos de Deus, nao do Demonio,
o feriu com um lan<;ac;o, quando o cavalo do caudilho missio- assim no-lo tem. <lito sempre. ~le sempre nos an1ou como seus
neiro rodou num buraco de tatu. n1as nao sem receber também pobres vassalos, sem jamais buscar oprimir-nos, nem fazer-nos
um f erimento, e talvez que Sepé ainda se erguesse, e se salvas·se, injusti~,a. E, quando souber de todas estas causas, nao podemos
se Viana nao o houvesse morto com um tiro de pistola, aciden- crer que nos mande abandonar q_uanto ternos, para entregá-lo aos
talmente assin1 caído." (R. Southey - Hist6ria do Brasil, vol. portugueses. Isto nunca acreditaremos.
-:. 6.0 , págs. 48 e 49.) Por que nao lhes dá ele Buenos Aires, Santa Fé, Corrientes.,
Sobre o corpo, exanime. do primeiro monarca das coxilp.as, e o Paraguai? Por que há de somente recair sobre nós, pobres
gaúchas, f oram encontradas duas cartas, escritas em idioma gua- indios, a ordem de deixar casas, igrejas, tudo quanto possuímos
ra ni. Era. urna, do mordomo de Sao Xavier, e dizia: "Pelo e recebemos de Deus ?"
amor de Deus, nao te deixes enganar por essa gente que nos "Severa - diz Southey - foi para os guaranís a perda
odeia. Se lhe escreveres, dize-lhe quá9 indignado estás contra de Sepé, hornero tao sagaz quao destemido ; o único ;audilho
a sua vinda, quao pouco a tememos, e quáo numerosos somos, qu~ algum talento militar desenvolvía e que, embora nao apro-
O PRIMELRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE 29
. . •
28 MANSUETO BERNARDI •
gar, 1500 soldados e seus oficiais, pertencentes , aos Sete Povos
veitasse quantas vantagens se lhe ofereciam, nunca também ex- do Uruguai. A 4 de marc;o 111andou 1>. Miguel Mayná. ' Íazer
punha a ' sua gente." (R. Southey - Obra citada, págs. 47-51.) esta cruz pelos soldados."
Aq_ui tennina a história de Sepé, a cuja morte se seguiu Por n1otivo dessa cruz, o campo de batalha de Caibaté no
pouco depois, no dia 10 de fevereiro de 1756, a horrenda cha~ atual município de Sao Gabriel, ficou mais vulgarmente conhe-
cina de Caibaté, onde mil e quinhentos' índios "foram imolados cido pelo ~orne de Campo da •Cruz, que ainda· hoje perdura.
co1no ovelhas pelos seus desapiedados perseguidores. O:s pobres Como se ve, a j ustic;a nao falha. Pode tardar, nlas nao fa-
infelizes que, para evitar as estradas, buscava1n 'refúgio nas ár- lha nunca. Todos os que sofrem, todos os que se sacrificam,
vores, eram derribados pelos mosquetes, quais pássaros ou ma- todos os que n1orre}n por un1a causa boa, por un1 ideal, superior,
cacos." (R. So~they - Obra citada, pág. 53~ ) · em defesa da liberdade ou d? co1nunidade, da pátria ou da fa-
Aqui . termina a história e comec;a a legenda. O caudilho 1nília, sao um dia reco1npensados. Sepé foi mais que recom-
Sepé desaparece, con1 a maior parte dos seus, esmagados pela pensado. F oi canonizado, nao pela Igreja, inas pela tradic;áo
- aplastante suiperiori<lade das armas ini1nigas. Desaparece o Ca- popular que, segundo o provérbio, também · expressa a voz
de Deus.
pitao Sepé, mas fica e vive o protomártir civil das,Missóes. Des-
truídas as Redu~oes, expulsos, pouco depois, os jesuítas, mor":!

A poesia tan1bém o retrata, com tinta eminentemente cristá,
tos, dispersos ou submetidos os guaran is, o t'º"º come<;a a f azer num painel históric(\. cheio de verdade e de beleza, de em0<;ao
histéiria, a verdadeira história, a "história-ressurrei<;áo" no e de vigor. O grande Sin16es Lopes Neto conta, nas Lendas do
conceito feliz de Michelet. ' Sul, ter ouvido, em 1902, numa picada que atravessa o rio
A sua morte heróica é contada de rancho etn rancho . de Camaqua, entre os inunicípios de Cangu<;u e Encruzilhada, urna
estancia em ~stanc1a, de gal.pao em galpao, na campanha ~ na
A • A • '
velha inestic;a recitar esta rapsódia, que tudo indica haver bro-
serra. Os pa1s o apon~am aos filhos como um exemplo. ·A sua tado da mais pura fonte do sentimento popular:
resistencia contra a arbitrariedade, o seu protesto armado con-
tra os prepotent~s cotnissários de dois ~eis grileiros de ultramar,
as .suas fa~anhas, o seu martírio, sao louvados em prosa e verso. O LUNAR D,E SEPÉ
A lenda se apodera dele, atribuindo-lhe virtudes so·brenaturais.
E póe-lhe . . em. redor da testa a auréola dos sant"os, o lunar , man- Eram armas de Castela
da do d1v1no.. . ·· ·
que vinham do . mar de além.
O rio afluente do Vacacaí, em cuja margem foi ·enterrado De P ortugal també1n vinham,
o herói gaúcho, batiza--0· a venerac;ao pública com o ·nome de Sao
dizeñdo por nosso bem. <

Sepé. Sao Sepé também se denoinin~m unía coxilha, urna ci.:: Mas quem faz gemer a terra, . t
dade, um municipio, urna estac;áo ferroviária daquela regiao. Sao t. , ' .. .
em nome da paz nao vem !
Sepé se intitulam inúmeros edifícios em todo o Estado' e urna
.

empre-sa de transportes, e um ginásio. -


No lugar da sua sepultura:, os sobreviventes da hecaton1be Mandaram por serra aci1na
espantar os cora<;6es,·
de Caibaté erguem urna grande cruz de madeira, símbolo eterno
que os Reis Viziohos queriam
de sacrificio, com a seguinte inscri~áo, em idioma ¡guaran í~ "Em
acabar com as Missóes, ....-·
no~e de ~odos os Santos. No ano de Cristo Jesus de 1756.•~ 7' • - ...,,
entre espadas e mosquetes, • 1

de Je~ere~ro morreu o correge<lor guarani Sepé Ti«lra)u, num - ~

entre lanc;as e canhóes ! :


combate
. .. . . . .que
~ . . houve
' ... . num
.. . . sáibado.
. A. f() dé fevereir6 . ni1111'1. .ter"~~
.... .
feira, feriti-se urna grande batalha 'em <iue'pereceram:· nést~. ·h,:-
\

30 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CA UDILHO RIO-GRANDENSE 31


Cheiravam as brancas flores que era bem pequenino.
sobre os verdes laranjais. Mas era um cruzeiro, f eito
Trabalhava-se na fólha como um emblema divino !
que vem dos altos ervais.
Comía-se das lavouras E aprendeu as letras feitas
da mandioca e milharais. pelos padres, na escritura.
E tinha por penitencia
Ninguém a vida roubava que a sua própria figura
do semelhante cristao. de dia, era igua¡ as outras
Nem a pobreza existia,· e diversa, e111 noite escura!
que chorasse pelo pao.
\
Jesus Cristo era contente Diferente em noite escura
e <lava a sua ben<;ao. pelo lunar do seu rosto;
f•
~ que se tornava visível
Por que vinha aquele mal, apenas era o sol pósto.
se pecado nao ha via? .. AsSim era Tiaraju,
O· tributo se pagava, chamado Sepé, por g·osto.
se o vice-rei o pedía.
E até sangue se mandava, Eram armas de Castela
na gente mo<;a que ia. que vinham do mar <le além.
De Portugal também vinham,
Eram armas de Castela dizendo por nosso ben1.
que vinham do mar de além. Mas que111 faz gen1er a terra,
- be Portugal também vinham,
dizendo por nosso bem.
Mas quem faz gen1er a terra,
en1 nome da: paz nao vem !

Cresceu em sa:hedoria
em nome da paz nao vem ! e n1anpo dos .povos seus.
1Q 1s padres o instruíram,
Os padr.es da Companhia para o servi<;o de Deus.
f aziam a sua mis sao: E conhecer a defesa
batizando as criancinhas contra os inales dos ateus.
e casando, ·por uniao,
os que j untavam os corpos Era mcx;o e vigoroso
por f ór<;a do cora~áo. e mui valente guerreiro.
Sabia mandar manobras
Do sangue dum grao Cacique na coxilha ou no terreiro.
nasceu um dia um menino, E no meio dos perigos
trazendo um lunar na testa, sempre andava de primeiro.

'
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE
32 MANSUETO BERNARDI
do seu pomar e cabanas.
Das brutas escaramu<;as A mortandade batía,
as artes e as artimanhas como ceifa de espadanas ...
foi o ¡grande Languiru
que lhe ensinou, e as fa~anhas
de se enredar o inimigo -- Coura<;as duras, de ferro,
abrigo davam a vida
cotn o saber das aranhas ... dos muitos que assim fiados
cercavam um só na lida !
E tudo isto aprendía. Um só, que de arco e flecha,
E tudo j á n1elhora va, entra na lut;;i perdida !
as ordens de Tiaraju,
que os Sete Povos 1nandava, Eram armas de Castela
escutado pelos padres, que vinham dÓ mar de alé1n.
que cada qual consultava. De Portugal também vinhatn,
«:lizendo por nosso bem.
Eran1 armas de Casteia Mas quem faz gemer a terra,
-que vinhatn do mar de á:lém. em nome da paz nao ven1 ! .
De Portugal tambén1 vinham,
dizendo por nosso bem. •
Os mosquetes estrondeiam
Mas quen1 faz gemer a terra, sobre a gente alvorotada,
em nome da paz nao vem ! que, acima do seu espanto,
tem a vida decepada.
E quando a guerra chegou E colubrinas maiores
por ordem dos Reis de além, f azem maior matinada !
o lunar do ma<;o índio
brilhou de dia também, Dócil gente, nao receia
para que todos soubesse1n as iras de Portugal, .
que Deus lhe que.ria bem. porque .nunca houve lembran<;a
tde haver-lhe f.eito algum mal:
Era a lo1nba da defesa Nunca manchara seu teto,
nas coxilhas de I-bagé. nunca com·e ra seu sal !
r
' Cacique muito matreiro
que nunca mudou de fé: E de Castela tao pouco
cavalo deu a ninguém esperava tal furor,
e a ninguém deixou de a pé. pois senda seu soberano,
' respeitara seu senhor.
Lan<;aram-se cavaleiros Já lhe <lera ouro e sangue,
e infantes, com partasanas, e primazia, e honor !
contra os Tapes defensores
34 MANSUETO BERNARDI
O PRIMEIRO CAUDILHO RJO·GRANDENSE 35
A dor entrava nas carnes ...
por meio do seu clarao.
E a tristeza .entrava na alma
E o lunar da sua testa
dos guerreiros de Sepé,
.. no céu tomou posi<;ao.
que pelejavam defesa. \

- Porque o lunar divino


mandava aquela proeza!
Eram armas de Castela
que vinham do mar de além .
•• De Portugal tambén1 vinha1n
Eram armas de Castela com arrogancia e desdém.
que vinham dó n1ar de além. Nisto, Sepé ficou santo,
De Portugal ta1nbén1 vinham, para seu e nosso bem !
dizendo por nosso bem. ' -
Mas quem faz gemer a terra, E sobre o plaino e a coxilha,
en1 nome da paz nao vem ! sobre a vertente e o paul,
• desde entao, a noite, brilha
E já rodavam ginetes essa luz no céu azul.
sobre os cor.pos \dos infan~s Qu~ o lutiar do. índio mártir
das Sete Santas Missóes, era o Cruzeiro do Sul !
que pareciam gigantes. _
Na peleja tao sozinhos,
no trespasse, tao con fiantes !
' -

Mas o lunar de Sepé


era o rasto procurado
pelos verdugos dos Reis,
que o haviam condenado,
ficando o povo vencido
e seu haver conquistado !

Enta.o Sepé foi erguido •


pela máo do Deus-Senhor,
que lhe marcara na testa
o sinal ·do seu penhor.
O corpo, ficou na terra.
A alma, subiu em flor !
NOTA: _ Fiz pequenos retoques em alguns v.ersos que, ao
E, subindo para as nuvens, texto de Simoes Lopes, aparecem de .pés quebrados. Acrescente!
mandou aos povos - ben<;ao ! ainda uma sextilha, a última, no intuito ~e acentuar que, sob o
Que mandava o Deus-Senhor, véu da ale~oria pootica, no Lunar de Sepe ':em expressa a pr_o-
digiosa lenda m.issio,n eira da origem do Cruze1ro do Sul. - M. :S.
/

EVOCA~AO DE SEPÉ TIARAJU



..
()

EVOCA~AO DE SEPÉ TIARAJU

'
Transcorre na primeira quinzena dest·e mes o bicentenário
de dois fatos notáveis da história do Rio Grande do Sul: a
morte 'do caudilho tape Sepé Tiaraju, verificada' no dia 7 e a
batalha de Caibaté, acorrida no dia 10, perta da atual cidade
de Sao Gabriel, em conseqüencia da Guerra das Missóes, de
1756.
Nao será• despropositado, por isto, proferir sobre os dois
eventos algumas palavras de evoca«;-ao.
( . •
1

Nós ouvimos, pela primeira vez, há muitos anos, o nome


de Sepé Tiaraju dos lábios do saudoso escritor Alcides Maya,
logo após haver ele ingressado na Academia Brasileira de ~
tras. Era, se náo nos enganamos, o primeiro rio-grandense que
lograva penetrar naquele cenáculo, tendo, por esse motivo, a
..
sua elei<;ao s1do acolhida, entre nós, co1n aplausos gerais.
'Regressando o novo academico a Porto Alegre, após longa
ausencia1 fomos, com um amigo, visitá-lo e felicitá-lo, em casa
da fai11ília Faillace, na rua da Varzinha, onde se hospedava,
Ao chegarmos, batemos palmas. E logo veio nos abrir a porta
um homem alto, louro, afável e bem vestido, que nos mandou
entrar. 1)emo-nos a conhecer e come<;amos a conversar ou, me-
lhor, demo-nos a conhecer e Alcides Maya come<;ou a falar
sobre o livro que estava folheando: as Lendas do Sul, de Joáo
Sin1óes Lopes Neto. N enhum dos dois visitantes ainda o ha-
Yia lido. E o gabrielense ilustre nos recon1endou entao, com
instancia, a sua leitura atenta e nos fez urna verdadeira prele-
c;ao sobre o populário gaúcho, detendo-se especialmente no Ne-
grinho do Pastoreio e no Lunar de Sepé, cuja significa<;áo sim·
bélica explicou minuciosamente.

39
/

40 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 41


Eram essas lendas, '110 juízo do prelecionador, duas das mais Sepé, de Simóes Lopes Neto, inúmeras pessoas da assistencia..
altas cria~óes do espirito americano, dignas de figurar em qual- inclusive o General José Antonio Flores da Cunha, entáo em
quer antologia folclórica mundial. Inspiradas pela piedade crista, pleno apogeu da popularidade, estavam com os olhos rasos de
ambas deitavam a sua raiz no mais recóndito da alma popular lágrimas, de tal sorte as haviam tocado a sinceridade e o en-
rio-grandense, cujas protestos em face da injusti<;a social ex- canto daquela composi<;áo.
pressavam com palavras cheias de vigor e de magia. Estan1pado O Prim.eiro Caudilho Rio-grandense na imprensa
O N egrinho do Pastoreio e o Lunar de Sepé representa- diária e periódica, o seu exito continuou no decorrer dos anos
vam, em resumo a rea<;ao e a r.ecompensa da bondade humana, seguintes, nao só aqui no Estado, mas também em Sao Paulo e
tocada de essencia evangélica, em fa ce do sofrimento da ra-Ga Rio de J aneiro, sendo grande o número de estudiosos que nos
negra alienígena e da ra<;a parda indígena, sobre cujo suor e distinguiu com os seus aplausos, com citac;óes de frases e com
sobre cujo sangue estava sendo edificada a civiliza<;ao brasi- pedidos de cópias.
leira. • Tendo, ~o ano de 1948, o Dr. Moisés Vellinho, diretor da
Tiaraju era, ainda, um comovente e concreto exemplo de excelente revista cultural "Provínda de Sao Pedro", nos soli-
amor a terra nativa, um exemplo de resjstencia contra a inva- citado colabora<;ao.e nao dispondo, no momento, de nenhum tra-
sao estrangeira, um forte e solene 1grito de protesto contra toda balho inédito, lembramos-lhe a possibilidade de reimprimir O
espécie de arbítrio governamental. Um vulto, por conseguinte, Prim.eiro Caudilho Rio-grandense, atento o fato de ser a revista
digno de todo apre<;o, admirac;ao e imita<;ao. que primitivamente o estampara, de mui difícil consulta e de
Foi' dos lábios eloqüentes do autor de Alma bárbara e Ruí- continuar o interesse dos estudiosos por aquele sit1bo-elo estudo.
nas vivas, portanto, que nós ouvimos a primeira apología do· Aquele cintilante homem de letras conferiu-nos a honra de
lendário Sepé Tiaraju, com o .qual passamos, de imediato, a acolher o nosso alvitre, incluindo o ensaio lflO número 5 de sua
simpatizar profundamente. "Provincia".
Para um modesto escritor con10 nós, nada podia ser mais
agradável e confortante do que v·er, 30 anos depois de sua com-
2 posic;ao e pubtica<;ao primitiva, um estudo histórico exposto de
novo a luz da publicidade e sentir, sobretudo, que continuava
Pouco tempo depois, através da monumental Históri<l .do ' a impressionar bem, como impressionara no seu inicio.
Rio Grande do Sul, do Padr.e Carlos Teschauer, S. J., travamos Convenceramo-nos~ portanto, de haver acertado no alvo,
conhecimento mais íntimo com o Sepé histórico e social, o que quando conferimos a Sepé Tiaraju o predica1nento de "primeiro
veio confirmar, senao aumentar a admira<;ao pelo caudiJiho mis- caudilho rio-grandense".
sioneiro, que a literatura de ficc;áo nos havia inspirado. E tendo
sido convidado em 1926 a proferir urna conferencia no Museu
e Arquivo Histórico do Estado, escolhemos como tema .do npss9 3
trabalho o indio Sepé.
E assim nasceu, sem pretensao alguma de suficiencia ou de Eis senao .quando recebemos, de repente, um calhau na ca-
magistério - O Primeiro Caudilho Rio-grandense. bec;a, sob a forma de um parecer emitido pela Comissao de His-
A dissertac;ao teve urna acolhida, urna receptividade abso- tória e Geoo-rafia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
lutamente imprevista, que chegou a nos espantar. E lembro-me Grande do Sul, no qual se desaconselha e desautoriza o culto
perfeitament.e de que, ao tem1inar a leitura do nosso modesto popular d·e Sepé, visto nao ser o mesmo nem rio-grandense e
ensaio, com a declamac;ao d<rs homéricas sextilhas do Lunar q«; nao passar no fundo, de um íncl\g ~spanhol, a servic;o ~~~ ~§~
1

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42 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 43

panhóis, inimigo, portanto, do Brasil e dos Brasileiros. Sepé riedade fríamente projetada, e executada a ferro e fogo, por
nao passaria no conceito da · Comissao, de urna figura la_rvar. duas potencias de ultramar, interessadas numa colossa.1 har-
de urn mito, de urna cria<;ao supersticiosa, de um santo de bo- ganha.
bagern, indigno, portante, de figurar nas páginas da História S) Sepé Tiaraju absolutamente nao tombou em luta contra
Rio-grandense, da qual deveria, a bem da verdade e para evitar os portugueses, mas em luta, ao mesmo tempo, contra os por-
confusóes, ser définitivamente proscrito. tugueses, contra os espanhóis e contra os próprios Padres, os
Nao podemos ocultar a dolorosa surpresa que semelhante quais, em virtude do preceito de obediencia a que estavam ca-
pronunciamento nos causou. nónicamente sujeitos e sob an1ea<;a expressa de excomunhao, se
Será mesn10 que cometeramos tamanho enga1110 e que tao vira1n f on;ados a curvar a cabec;a <liante de um atentado que,
grande número de historiadores e homens de letras se enganara por todos os 111eios le:gais a seu alcance, tudo fizeram para evi-
também como nós, a respeito do assunto? tar, visto ofender ao 1nesn10 tempo, o direito das gentes, as re-
Tudo é possível nos homens de déhil eng-enho co1no nós. gras da j usti~a e a dignidade da pessoa humana.
Porén1, quanto aos outros. dentre os quais figur¡tm nomes este- 6) Sep~ Tiaraju é, cronológicamente, o primeiro herói,
lares da hi·stória e da literatura pátria, como se teria dado dessa gloriosa galeria de heróis, de que tanto se orgulha o Rio
semeJhante extravío? • Grande do Sul. •
· E voltamos a estudar m·eticulosamente a matéria, sine ira 7) Sepé Tiaraju é o protótipo do cavaleiro cristáo, ga-
et studio, isto é, sem ódio nem .p arcialidade, como aconselha lhardo, puro, desinteressado, sem n1edo e sem n1ancha. E justa-
Tácito. com o intuito de ver nao só se nos convencíamos e arre- mente por isto, logo após a sua morte heróica, foi canonizado e
pendíamos de nosso eventual eo.uívoco, mas tatribérn de confes- erguido pelo 'POVO a categoría de nume tutelar dos pagos, sob a
sá-lo francamente, em caso afirmativo. invoca<;ao de Sao Sepé.
·Mas, felizmente ou infelizmente, nao n·os convencemos nem 8) Sepé Tiaraju é muito mais gaúcho, e por conseguinte.,
arrependemos, tudo indicando que, nesse processo, vamos mesmo muito mais brasileiro - nao no sentido moderno e político do
morrer inpenitentes, sem confissao de culpa e sem a a:bsolvi<;ao / vocábulo, mas no sentido autóctone e racial - do que os pró-
dos comissários do Santo Ofício do Instituto Histórico e Geo- prios membros da Comissao de História, os quais descendem de
gráifico do Rio Grande do Sul. lusitanos aportados ao Continente de Sao Pedro, quando muito
E, em conseqüencia, vimos, de público, afirn"lar e reafirmar: há 230 anos, ªº passo que ele provinha de urna "na~áo" aqui
radicada "desde o tempo do dilúvio", ~orno expressi~amente
1Y Sepé Tiaraju é, iniludlvelmente, o ptimeiro caudilho afinnaram os morubixabas guaranís no seu protesto coletivo
rio-grandense. contra a violencia da deporta<;ao compulsória, determinada pelo
2) Sepé Tiaraju nunca foi uma ~igura espectral, mítica, Tratado de Madrid de 1750.
metafísica, estratosféríca, filha da crendice e da superstic.ao po-
9) Sepé Tiaraju é o sítnbolo do espírito de sacrifício, e de
pular, n1as urna personalidade amerindia autentica, viRorosá.
fidelidade patriótica, do denodo, do heroísmo, e do apego a terra,
histórica, densa de hun1anidade e preocupaGáo política e social.
dos prin1itivos donos desta província, que eles estimavam mais
3) Sepé Tiaraju nunca foi espanhol, cuja língua nem co-
do que a própria vida.
nhecia, e 111em morreu ern defesa de um Império Jesuítico do
Paraguai, .o qual nunca existiu. . 10) Sepé Tiaraju é, ainda, o líder e condutor da primeira
4) Sepé Tiara ju foi a primeira encarnac;5o <le ttma ener- e genuína revolu~ao, - de índole democrática e def en siva e con-
gia telúrica e explosiva, o primeiro grito hutnano nne rPhoou teúdo cívico-social - deflagrada no território do Rio Grande
nas coxilhas e selvas meridionais contra urna nefanda arbitra- antigo.
I

44 MANSUETO BERNARDI

Por direito de nascimento e de conquista, compete-lhe, sem


. sombra alguma de dúvida, o título de primeiro monarca das
coxilhas do Sul.
Sepé Tiaraju merece, por todos esses motivos, um monu-
mento, mas nao um monumento convencional e 'banal, sem maior
significa<;ao coletiva, mas um monumento soberbo, alteroso e
f ormoso, condigno de sua grandeza guerreira, política, moral •
e social.
As razóes justificativas <lestes assertos seráo ulteriormente UM MONUME~TO A SEPÉ TIARAJU
?.duzidas em trabalho de maior porte, no qual fundamentaremos
a nossa completa desaprovac;ao e o nosso formal repúdio ao ex-
travagante e sofístico parecer da Comissao de~História e Geo-
grafía do Instituto Histórico e Geográfico d~ Río Grande do •
Sul. (Do Correio do Povo, Porto Alefire, 5 de fevereiro de
1956). •

.. ,,
/

..

UM: MONUMENTO A SEPE -TIA.RAJU

Pro posta de uni M onuniento a S epé

Em fins de 1955, um oficial do Exército, o Major Joao


• Carlos N obre da Veiga, no intui to de con1emorar o bicentenário
da morte de Sepé Tiaraju, ocorrida no município de $áo Ga-
briel, no día 7 de fevereiro de 1756, teve a patriótica íémbran<;a
( de sugerir ao Gvvernador do Estado a ere<;ao de um monumento
aquele índio tape cristianizado.
( O fundamento d0 seu al vitre foi o seguinte: "Ao que tudo
indica, era este verdadeiro brasil.eiro, na aceP<;áo pura da pala-
. . vra, o principal chefe dos guaranís na resistencia heróica que
estes ofereceram ao cumprimento dos artigos do Tratado de
Madrid, assinado por portu¡gueses e espanhóis, em 13 de janeiro
de 1750.
~ste índio simboliza, na singeleza de sua vida, na pobreza
ele seus recursos materiais e no incomparável devotamente pa-
triótico, o valor pessoal do brasileiro, que em todas as épocas
de nossa história, sempre se opós a sanha incoercível de seus

adversários, aos quais nao faltava orienta<;ao guerreira, nem
instrumentos aperfei<;oados de destrui<;áo.
Sr. Governador, creio que nada mais justo para o povo
gaúcho do que reverenciar, na pessoa do índio Sepé, seu passado
de lutas, de glórias e de sacrificios, mandando erguer, em ho-
menagem ao bicentenário do seu desaparecimento em holocausto
a pátria, um monumento que personifique o denodado valor e o
acendrado apego a terra da figura mais simpática dos aconte-
cimentos que ensangüentaram as coxilh<l:s rio-grandenses, na
segunda· metade do século XVIII."
Solicitado pelo ilustre Governador do Estado o pronuncia-
J

1nento do Instituto Histórico e Geográfico sobre essa matéria, a


Comissao d:e História e Geografía emitiu parecer, no qual con-

47

48 MANSUETO Bl!:R:N"ARbt •
fessa, de início, "nao lhe ser fácil opinar sobre o brasileirismo ' O PRI11EIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 49
de um indígena que tinha um sentido de pátria e que se afirmou
em luta contra os portugueses." E linhas adiante acrescenta, Em segundo lugar, nao é a:bsolutamente verda<le que Sepé
como a indicar o critério s~o-uido na redai;áo do seu parecer: "se afirmasse em luta contra os portugueses" e nem mesmo em
"U1na elen1entar honestidade tnental detennina que a persona- luta contra a permuta dos Sete Povos das Missóes Orrientais
gem histórica seja situada no seu papel exato e verdadeiro, des- do Uruguai, ao abrigo entao da bandeira espanhola, pela Colo-
nuda de fantasias e mistérios, encarada na sua expressáo le- nia do Sacran1ento, detida a marg.em esquerda de Rio da Prata

gítitna analisada em face dos motivos determinantes das suas pela Coroa de Portugal. A verdadeira causa da revolta dos
atitudes e dos seus atos." (Correio do P.ovo> 26-11-1955.) guaranís nao foi o Tratado de Madrid em si. A injustic;a, a
Nao há dúvida alguma. Quen1 se ocupa de cousas histó- iniqüidade da transtni¡g.rac;ao compulsória foi a causa determi-
ricas assim é que <leve proceder. Mas, infelizmente, a Comissáo nante da sangrenta revoluc;ao.
de História é a primeira a nao cumprir esse elementar dever de Sepé nao se afirmou, por conseguinte, em luta contra os
honestidade mental, que tao enfatican1ente preconiza aos outros; portugueses, mas em luta, ao 1nesmo tempo, contra os portugue-
pois desloca a seu bel-prazer os termos da questáo, transpondo-a ses, C<?!J.tra os espanhóis e contra a própria Co1npanhia de Jesus,
precqncebidamente de um plano para outrO, convinhável ao seu ' cujo repres·entante.1náxin10, na América, só nao pereceu as máos
dos sublevados, porque fugiu precipitadamente para Buenos
ponto de vista, ao mesmo passo que procura, por todos os modos
Aires.
e meios, tapar com urna ¡peneira o sol da vcrdade.
A meia dúzia de i:embros do Instituto Histórico e Geog~á­
Em primeiro lugar, o Major' Nobre da Veiga nao sugeriu fico, que, de boa-fé, aprovou o parecer da Comissáo de Histó-
ao Governador Meneghetti um monumento a Sepé como símbolo ria, foi portanto, vítima de um artificio, de vez que 'o Major
de brasilidade, mas sim con10 símbolo "na singeleza de sua vida, N obre da V eiga nao colocou a questao em termos de brasilidade,
na pobreza de seus recursos materiais e no incomparável devo- que em 17SO nao existía neni podia existir, mas em termos de
tamento patriótico, do valor pessoal do brasileiro, que em tódas valor pessoal, de lutas, de glórias, de sacrifícios, de heroísmo,
as épocas de nossa história, sempre se opós a sanha incoercivel de apego a terra natal, de resistencia contra um esbulho, de re-
de seus adversários", aduzindo que nada lhe parecía mais justo volta ~ontra urna injustic;a praticada por mandatários de dois
do que "reverenciar na pessoa do índio Sepé, o passado de Jutas, goy.ernos estrangeiros, que· estayam conculcando os mais elemen- ·
de glórias e_de sacrifícios do po.vo gaúcho, mandando erguer, em tares princ~pios da moral crista e do direito das gentes.
homenagem ao bicentenário do desaparecimento daquele herói em Será que nenhum de todos os motivos alegadot\ pelo refe-
holocausto a pá:tria, um inonumento que lembre e personifique o rido oficial tem qualquer relac;áo com Sepé e nem mesmo com
denodado valor ·e o acendrado apego a terra da figura mais sim- o povo rio-grandense ou com o povo brasileiro?
pática dos acontecimentos que ensangüentaram as coxilhas rio-
grandenses, na segunda metade do século XVIII". •
Isto é o que está claramente escrito na proposi~áo. No juízo
do proponente, portanto, o 111onumento a Sepé teria como escopo
acentuar e glorificar: l.º, o valor pessoal do brasileiro; 2.º, o
passado de lutas, de glórias e de sacrifícios do próprio povo gaú-
cho, e 3.0 , o valor e o apego a terra do próprio Sepé, que se
fez matar, defendendo-a.
\ l O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 51
. mente que ele seria incapaz de quaisquer fantasias, sob qualquer
ponto de vista. Era o que havia de mais terra-a-terra, de mais
sin1-sim, nao-nao, de mais cindido, de mais sin1ples.
Certa vez perguntamos-lhe onde encontrara os detalhes da
II fuga e da entrevista de Sepé con1 Go1nes Freire de Andrada, em
Rio Pardo, no ano de 1754. 'Respondeu-nos textualmente: ''Nes-
A Dupla. Personalidade de Sepé ta altura da vida (.pouco depois éle tnorria com 79 anos) nao
estou inais e1n condi<;oes de r~sponder a sua pergunta. Posso,
. ,c.onti?,ua?d~, ensina a Comissao que há dois Sepés: um porém, ass·egurar-lhe que eu nada inventei. Tudo foi tirado. de
h1stonco, o 1nd10 astuto e valente que se afirmou em luta con· livros e documentos idóneos contemporaneos." E, com efeito,
tra os portugueses", o que j¡i mostramos nao ser verdade e lendo, mais tarde, a Transnt/li,grafao e Guerra dos Sete Povos,
outro lendário, umbrátil, metafísico, pseudo-santo, filho da ~u· do Padre Bernardo N usdorf fer, S. J., lá aparece a descri<;áo
p~rsti~ao e da crendice popular, que "melhor cabe nos agioló- exata da fuga de Sepé, tal qual a reproduz Teschauer, descri-
g1os do que nos fríos relatos históricos", e (\inda mais que <;áo que com:biwi. co1n os dizeres, ainda n1ais n1inuciosos, do Pa-
atento o fato de o Sepé imaginário predominar sobre o Sepé dre Tadeu Henis, em Di&rio da Guerra Guaranítica, reprodu..
real! ?corre no caso urna verdadeira desfigurac;ao, que cumpre zidos no vol. 52 d~ Anais da Biblioteca Nacional, págs.. 474
corng1r. a 544.
Urna prova dessa desfigurac;áo seria a histórica entrevista Quem, ao invés de Teschauer, descreve a entrevista de Sepé
do caudilho missioneiro com o General Gomes Freire ocorrida com Gomes Freire, em tom deveras grandiloqüente e crivado de
em Rio J?ardo, "em que Sepé dialoga dra1natican1e~te com o naturais fantasias, é o poeta Basílio da Gama, turiferário do
chefe do exército portugues, com linguagem alevantada e ex- general portugués e agente de .publicidade do Marques de Pom-
celsa'.', o que a Comissao parece de todo inverossímil. kbona bal, no canto II do seu poema Uruguai.. ~
essa inverossimilhanc;a, no juízo da Comissao urna nota do sau- ·Ora se o Padre Carlos Teschauer d1sse exatamente a ver-
~oso A~r~li? Por.to, .aposta a página 436 da sua importantÍS· dade ace~ca de um episódio, por que razáo havia de fantasiar
sima Historia <Aas Missoes Orientais do Uruguai e assim con- a respeito do outro?
cebida: "Foi intérpre!e dessa entrevista o Padre Tomás Oar- O fato do Padre Tonús O¿rque narrar a entrevista de
que, capelao da Demarcac;áo e depois vigário do Rio Pardo, modo discreto e prudente explica-se muito bem pela própria
que registra o f atp, em documento existente na Biblioteca Na- circunstancia de ser aquele sacerdote capelao da Demarcac;áo e,
cional, mas sem o aparato e f antasias ent que se ressalta o or· nessas condi<;óes, nao querer ou nao poder registrar para a Hi~~
gulho com que Sepé teria tratado a Gomes Freire." tória as duras verdades. ditas pelo índio tape na cara do maraJa
A ac.usac;ao de "fantasista",oformulada pela Comissao, abso- portugués. Tudo indica, entret3:nto, que a altivez com que Sepé
lutamente
, nao nos atinge. .Em O Primeiro Caudilho Rio-granden- falou a Gon1es Freire é real e nao fictícia. Pondere-se, com
se, nos narramos a entrevista comas mesmas palavras do Padre ef eito, que se tratava de um simples cacique de urna aldeia de
Carlos Teschauer, e o dissemos expressamente. E nem atilliocre 0 bugres que ia parlamentar, de potencia .ª potenci~, com. o re-
venerando pai da historiografia rio-grandense, porque este, por presentante do Rei de Portugal, ~?e para 1sso o h~v1a convidado;
seu ~urno, confessa lisamente haver extraído o episódio de um que esse cacique ou corregedor Jª enfrentara e fizera v?lt~r u1!1
crontsta da Guerra das Reduc;óes. exército nos cerros de Bagé; que pus era em fuga o proprio vi-
,Aliás, quem conheceu o Padre Carlos Teschauer, _e o seu sitador e comissário~geral dos jesuítas, Padre Lope ·Lu1z Alt~·
escrupulo mental, e a sua inteiric;a probidade, sabe perfeita- mirano, incumbido de auxiliar, de qualquer forma, a transm1-
,

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52 MANSUETO BERNARDI

(\ grac;áo dos _Sete. Pavos; que esse correJgedor era o comandante O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 53
geral da art1lhana dos revoltosos e seu verdadeiro líder intelec-
tual, tudo isso aliado a natural soberba dos nativos e veja-se Psicológicamente analisada a entrevista, justo como narra
.com que topete ele se havia de apresentar perante ~ potentado Teschauer é que <leve ter-se desenvolvido. Nao é nada de es-
invasor. tranhar o rampante de Sepé <liante de Gomes Freire. Tal rom-
N em era essa a primeira vez que Sepé falava "com orgulho" pa~te era próprio da natureza do indio, que nao conhecia eti-
ao comandante das fór~as demarcadoras. 01:etas. protocolos, nem regras de precedencia nem hierarquia.
. Numa longa informa~ao prestada, em abril de 1754, pelo Na~ eram os guaranís, - e especialmente nao era Sepé, - cor-
d1retor-g~ral da Se~retaria de Estado dos N egócios Estrangeiros, tesaos acostumados a dobrar a espinha <liante dos detentares do
de Madnd, Francisco Ausmendi, ao ministro Ricardo W all cofre das gra<;as.
sucess~r do n1inistro. Carbajal, ao narrar a intima<;áo feitapo; N esse sentido, nós ternos outro exemplo histórico muito
elucidativo. No dia 26 de abril de 1500, ancorada a nau capita-
un1 ~ro~o de g'.uaran1s,_ en1 ~anta Tecla, a partida hispano-por-
tuguesa encan11nhada as Missoes, para que fizesse alto e re- nia na baía de Porto Seg-uro. receheu o aln1irante Pedro Alva-
trocedesse, salienta o informante que' os detnarcadores "notaron res Cabr~l : visita de dois índios da ~erra. Depois de lhes ano-
q~e .Clos indio~) hablaban con den1asiado orgullo('. (Anais da tar as f eic;oe~ e as plumagens que traziam na cabec;a, descreve
... Biblioteca Macional, vol. 5,z, pág. 3·7.) Pero Vaz de Ca1ninha, no saboroso e inin1itável estilo de sua
Ora quem nesse primeiro encontro, háblou em nome dos ~arta .. os detalhes tdessa outra entrevista: "O Capitao . . quando
indios, ningué1n ignora, que foi o Capitao Sepé Tiaraju. , eles v1era1n, estava sentado e1n u1na cadeira, bem vestido, com
Refor~ ainda mais a presun~ao do entono indígena o jutga- um colar de ouro mui grande ao ipesc0<;0, e aos pés urna alcatifa
mento emitido ·pelo Cónego Joao Pedro Gay, na sua História por estrado."
da República Jesuítica, onde declara, com perfeita isen<;áo de De forma absolutamente identica recebeu Gom-es Freire o
espírito e pleno conhecimento de causa, que os ·tres def eitos índio Sepé na margem do rio Jacuí: assente numa cadeira alta,
capitais dos guaranís eram "a insolencia, o cinismo e o orgu- com um tapete estendido no chao e cercado de homens armados.
lho." (Notas finais, pág~ 53.) ' Mas, continua o escriváo~pistolóe-rafo: "Sancho de Tovar
Sempre que lemos o relato dessa entrevista, nos lembramos Simáo <;le Miranda, Nicolau Coelho, Aires ·Correa ' e nós-outro~
.
daquele episódio, contado pelo historiador Alfredo Ferr·e ira Ro- que ·aqu1 na nau com eles vamos, sentados :rlo chao, pela alcatifa.
drigues, de que foi protagonista Bento qonc;alves da Silva, pre- Entraram (os índios)' '11tCDS nao fizera/m sinal de cortesia, nem
sidente da República de Piratini, quando regressava de ·s ua pri- de fal~r ao Capitao, neni a ninguém.." (Os grifos sao nossos.)
sáo no Forte do Mar, na Bahia. No ca111inho, o caudilho far- V1ram? A pesar de estarem fazendo urna visita de paz e
rapo encontrou uns viajantes que o saudaram tocando apenas amizade. os índios nao tíveratn nenhuma deferencia, nao fize-
como 'dedo da máo direita na aba do chapéu. Disse Bento Gon- rani nenhuma cortesia ao coman<lant·e da esquadra lusitana.
c;alves :.,..."Devemos estar já pisando terras do Rio Grande." - Muito menos podia fazer "sinais de cortesía" a Gomes
Por que? - perguntou um dos seus companheiros. - "Porque Freire o tape Seoé Tiara iu. one nao f oi a entrevista por motivos
no Rio Grande nao se costuma tirar o chapéu para saudar ou- de paz e amizade, mas i.tnicamente para tratar de assuntos de ·
.. tros homens." guerra. E que ele nao fez salamaleques, e nao det1 "nem mos-
O saudar, tocando simplesmente com o dedo na a·b a do tras nem sinais de cortesía", confirma-o o próprio poeta Basilio
chapéu, parece-me a reproduc;áo do gesto de Sepé negando-se · da Gama. no poema Uru_quai, escrito, conforme confessa o au-
\
a apear do cavalo e a ,beijar a mao do general portugues. tor. sob informacóes de testemunhas presenciais da cena, talvez
°É urna atitude caracteristicamente gaúcha. mesmo do sacerdote intérprete. · I
Outro interessante detalhe confirma a veracidade do episó-
• dio. A narrativa reproduzida pelo Padre Teschauer na sua
54 MANSUETO BERNARDI ·.
História e que serviu de fundamento a quantos, depois dele; se
ocuparam do assunto, diz que Sepé foi recebido a pequena dis-
tancia do local do encontro, pelo intérprete do comandante por-
tugues. III
Ora, nós já: sabemos hoje, gra<;as a diligencia do saudoso
historiador Aurélio Porto, até mesmo o nome desse "língua". Sepé Tiara ju e Rafa.el Pinto Bandeira
Era o Padre Tomás Clarque, capeláo da Expedic;ao e, depois,
vigário do Rio Pardo.
Para que mais provas e indícios de provas da autenticidad€ Noutra passagem do seu malévolo parecer, acentua a Co-
da entrevista e da altanería de Sepé? missáo de História:
'~Quando Iemos que Sepé foi o primeiro caudilho rio-gran-
dense, a nós mesmos perguntarnos que noc;ao ele podía ter do
l ·Rio Grande do ~ul e se nos será lícito praticar a grave injustic;a
de conferir-lhe um título a que tem inconcusso e líquido direito
um Rafael Pinto Bandeira, o fronteiro do Sul, que delineou as
nossas fronteiras e q~e, com o seu ingente esfór<;o, criou e con-
solidou esse Río Grande do Sul, que Sepé valentemente comba-
teu, opondo-se quanto póde ao destino histórico de sua inclusao
na civiliza<;áo lusitana e no Brasil?"
Já explicamos, em primeiro lugar, que Sepé nao se opos
de armas. Qa mao a pern1uta dos Sete Povos das Missóes pela
Colonia do Sacramento, o que, no fundo, pouco lhe importava,
mas a violencia da transmigrac;ao, cominada pelo Tratado de
Madrid, com requintes de inaudita barbaridade.
Basta ponderar que, pelo texto do artigo XV do Tratado,
a Colonia do Sacramento deveria ser entregue, por parte de

Portugal, "sem tirar dela mais que a artilharia, armas, pólvora,
mqnic;óes e embarcac;óes e os moradores poderiam ficar livre-
mente nela ou retirar-se para outras terras do Domínio Portu-
gues, com os seus efeitos e móveis, vendendo os bens de raiz,
da mesma liberdade gozando o governador, oficiais e soldados",
ao passo que "das povoa<;óes e aldeias que cede Sua Majestade
Católica na margem oriental do U ruguai - estatui o art. XVI
- sairáo os missionários com todos os móveis e efeitos, 'levando
,
consigo os índios para os aldear em outras terras de Espanha,
e os referidos índios poderao também levar todos os seus bens
móveis e semoventes, e as armas, pólvora e muni<;óes que tive-
rem, em cuja forma se entregará.o as povoac;óes a Coroa de Por-

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56 MANSUETO BERNARDI
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 57
·:. tugal, com todas as casas, igrej as e edificios, e a propriedade,
e a posse da terra." estas palavras ainda mais cándentes: "~sse sentimento de indiO'-
Era nada mais, nada menos que um banimento brutal, urna na<;ao e revolta foi, .por quase t9dos os escritores apaixonado~
ordem de despejo in1ediato, um esbulho, um confisco, um roubo .
.,, J
atribuído a sugestóes dos padres, para os quais nao passavam o~
urna apropria<;ao indébita, urna ofensa descarada e ostensiva ~ indios de máquinas inconscientes e estúpidas. Nao concordamos
dignidade da pessoa humana e ao seu prolongamento natural que com esse modo de pensar. Por mais rudes que fóssem os índios
é a propriedade. ' e~tre os quais alguns tiveran1 certa cultura intelectual, nao pre~
Sobre esse doloroso episódio da história rio-grandense e c1savam· maior instruc;ao para nutrir o mais entranhadó an1or a
brasileira, o grande e im.parcial Capistrano de Abreu pronun- seus la res, a essas habita<;óes solidamente construídas por eles
ciou um julgamento lapidar e definitivo: "Ceder terras com ou herdadas de seus maiores. Nao há estado de bruteza humana
habitantes é a111puta~ao dolorosa, ainda hoje praticada; entre- que fac;a receber com agrado ou com a mais inconsciente confor-
gar as terras, deixando 'Os bens de raiz, levando os moradores 1niclade a espolia~ao de urna propriedade consolidada como essa
, . ' por un1a posse ultra-secular. Precisa111ente o primeiro in1pulso
apenas os 111ove1s e sen1ov·entes, reporta a crue.za dos Assírios.
Entr~ta~1to, as ~uas cortes _j~lga~a:m con~umar facilmente este
dos corac;óes desses homens rudes clev·e ria ser a indio-n<l:''ao
6 '< e a
ultraJe a hu111an1clade, se os Jesuitas as aJHdasse111, pesando so- re.volta_; parf esta, nem se consulta e n1ede a possibilidade de
bre o espírito dos índios. :Q'S j esu ítas acreditaratn-se poderosos .tnunfo. Todos os meios suasórios etnpregados pelos homens,
para tanto e 'bem caro pagaran1 este ac:sso de f raqueza ou de aos quais se habitfta.r~m a respeitar, deveriam ser in1profícuos.
vaidade: quando os índios se levantaram, destnentindo ou antes E nem os padres, mentindo a própria consciencia, teriam lógica
engrandecendo seus padres, mostrando que a catequese nao fora bastante para convence-los da justic;a de um decreto que im-
mera domestica<;ao, e a vida interior vibrava-lhes na consciencia portava urna violenta depredac;ao de seus bens. Nao é de nossos
aos jesuítas foi atribuída a responsabilidade exclusiva em tu~ dias, mas vem de séculos atrasados, o direito de resistencia ou
movimento natural, humano e por isso mesmo irre~istível. ('Ca- defesa contra o esbulhb iminente, ou desf or<;o, quando o esbulho
pristano de Abreu - Capítulos de História Colonial) págs. se tornou completo. A legisla~ao dos dois países. apoiada no
656 e 657.) di:eito romano, autorizava essa defesa e até o desfór<;o, ex-pró-
N~o n1enos incisivo é o historiador .protestante ingles Ro-
pno Marte, do esbulho cometido-." ·(Hen1etério Veloso da Sil- ·
veira - 'A1s· Missoes Orientais e seus antigos doniínios. ·P 'o rtd
berto Southey:
. "Uns trinta mil guaranís, nao recém-tirados das florestas Alegre, 191 O, págs. 37 e 38.) · ·
Citan1os, en1 resumo, o teor dos julgamentos d~ss·es tres
ou n1eio reduzidos, e portahto prontos a voltar ao estado selva-
gen1, e capaz,es de so·freren1-lhes os perig-os, privac;óes e trabalhos~ historiadores, a fi111 ele que, con1preendida por todos ·a natureza
por·ém nascidos como seus pais e avós numa servidáo leve, e da lide, melhormente possam também ser fulga:dos os litigantes.
_.... Em segundo lugar, nao ~e trata, absolutamente, de optar
criados con1 . os CCHnodos da vida don1éstica regular, todos estes,
entre um monumento a Sepé Tiaraju e utn monumento a Ra-
con1 n1u1heres e filhos, com doentes e velhos, com cavalos, ove-
fael Pinto Bandeira. O caso aquí nao é do em·prego da dis-
lhas e bois, tinham, - como do Egito os filhos de Israel, - de
emigrar para o deserto, náo fugindo a escravidáo, mas obede-
j untiva, mas da copulativa, exigindo a justica histórica que se
promova a ere<;ao de um monumento a Sepé Tiaraju e de outro
cendo a urna das mais tiranicas ordens jan1ais emanadas do pe-
monumento a Rafael Pinto Bandeira, pois ambos sao credores
der insensível." (Roberto Southey - História do Brasil) vol. VI,
dessa homenagem.
pág. 91.)
Entretanto, nós pessoalmente, se tivéssemos de optar, no
Hemetério Veloso da Silveira, que era advogado. apreciando
tocante ao direito de prioridade, entre urna estátua ao corregedor
a questao principalmente sob o ponto de vista jurídico, escreve
missioneiro e urna estátua ao brigadeiro continentino, optaría-
58 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO C.AUDILHO RIO·GRANDENSE 59
mos pel? pri~eiro. Por isto que Rafael Pinto Bandeira já teve, duzia, na ponta de suas flechas e de sua lan<;a, a bandeira pa·
por as.s1m dizer, a. s.ua recompenSa. em vida, sob a forma de triótica de um insopitável movimento defensivo, de natu reza
honr,an?s·. poder of1c1al e urna fabulosa fortu na, ao passo" qtie democrática e social.
Sepe so ttnha de seu, ,q uando sucumbiu em defesa do seu pago - Cumpre nao olvidar, a propósito, que os cabildos missio-
e de ~ua gente, º. seu cavalo e a sua IanGa, e ainda porque 0 bri- neiros nao eram nomeados pelos vice-reis ou governadores, mas
~adeiro era, o b po completo do conquistador. um falconídeo eleitos diretamente pelo sufrágio popular.
ftl?ote de César, valente quanto quiserem, grande soldado quanto E se, iporventura, so-ar mal aos ouvidos da Comissao de His-
qu1serem, mas. sempre um inegável instrun1ento do im perialismo tória o adjetivo patriótica, substitua-o por este outro matriótica,
europeu c~l?n1zador, sempre um fiel e di Ji gente executor de f rio isto é, relativo as mátrias, as pequenas pátrias locais, como pre-
plan~ pohttco, tendente a cria.;áo de um vasto império sul- ferem dizer os discípulos de Augusto Comte, ao influxo de cuja
amer1can.o, s·e mpre um representante do poder civil e militar doutrina parece haver-se formado o claro espírito de meu dis-
ultramarino, ao passo que o corregedor e alferes guarani foi, tinto an1igo e antagonista Sr. Othelo Rosa.
para ~uanto~ ~ estude.m ~e1n preconceitos, o tiqo perfeito do . Se bem ol!¡armos as cousas, por conseguinte, sem o estorvo
. ca~ale1ro cnstao, puro, simples, valente, desinteressado, sem de lunetas de ~or, deformadoras da perspectiva histórica, nós
medo e sem mancha; e ajnda mais porque. en1 face do motivo verificaremos que a orópria fonte da democracia rio-grandense

ex'l?osto, brigadeiro. Rafael Pinto Bandei~a, sejam quais fo- e brasileira promaniu, múrmura e cristalina, do amago das
rei_n os. tttu!os que ? 1mpóe a nossa admira<;áo e ao nosso res- Missóes.
~e1to •. Jama1~ podera ser catalogado entre os caudilhos. porque Em resumo, Rafael Pinto Bandeira é o paradigma do he-
J~m~1s :hef1ou qualquer grande movimento de vindica<;ao. rei- rói dirigido, ao passo que Sepé Tiaraju é o paradigma do herói
v1nd1caGao ou protesto popular. E precisa·mente nesse sentido é dirigente.
que ~epé ~oi, e· continua sendo pelos séculas em fora , o primeiro - A prova provada de que Sepé Tiara ju nao defendia, ao
caudtlho rio-grandense, como caudilhos também foram. em 35 rebelar-se contra urna das cláusulas do Tratado de Madrid, "a
• B_ento Gon<;alves; em 93, Gumercindo Saraiva. e, em 23, Honó~ integridade da Provincia do Paraguai", como, com evidente má
no ~emes e Zeca ,.Ne.to, intérpretes e condutores, encar:nac;óes vontade, escreve a Comissao de História, está no fato de os índios
e -ca1xas de ressonanc1a de tumultuantes aspiraGóes coletivas 1 . perguntarem aos Comissários_incumb\dos da permuta ~ demarca-
~ se no brigadeiro sul-rio-g-randense houve e-randeza, gran· <;áo - "por que nao .dá este nosso rei (o de Espanha) aos por-
deza igualmente houve no caudilho g-uarani. Nao sem fortes tugueses ·Buenos Aires, s ·a nta Fé, Corrientes e Paraguai? Só
razóes o insuspeito Basílio da Gama lhe chama. no sett noema há de recair esta or.dem sobre os pobres índios, a que1n manda '
heróico, "o altivo Sepé, o grande Sepé" e o General Gomes que deixem as suas casas, suas igrejas, e enfim quanto tem e
Freire, o seu maior inimigo, "um índio de grande valor cha- Deus lhes há dado?'~
mado Sepé". .. "A frase é aduzida por Pom:bal contra os indios" - adverte
Insistimos neste ponto. A diferen<;a funda1nent~l entre os Serafim Leite. ·_ "No entanto, a aceitac;ao do rei de Espanha
dois heróis meridionais assenta no seguinte: Rafael Pinto Ban- como "nosso rei'' destrói a lenda da "República independente"
deira ajudou, com a lamina de sua espada cortante e coruscante. entáo inventada pelo mesmo que a aduz." (Serafim Leite S. J.
a plasmar. extra-fronteiras. urna vasta obra de arte oolítica. de - História da Co1111panhia de Jesus 1w Brasil, Vol. 6.0 , pág!.
índole nitidamente imperialista, ao passo que Sepé Tiaraju con- 555.) -
,
- O sargento-mor Manuel de Azevedo Carneiro e Cunha.
1) O conceito de caudilho está, por vía de r egra, ligado ao na · suculenta M emória sobre a Expedifao de Comes Freire,
conceito de ilegalidade e Tevolu!;ao. inserta na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Estado,
60 MANSUETO BERNARDI
" •
ano de 1937, págs. 75 a 94, confirmando em tudo a versao
acima transcrita, referente aos motivos da resistencia armada dos
í~dios, escreve estas palavras, que se transformam alqulmica- IV
mente em ouro, postas na boca de um soldado portugues, tes-
temunha ocular dos fatos. S epé, os J esuítas e a Guerra das Missoes
Narrando as conversa<;óes entre o General Gomes Freire
e os caciques guaranís acerca da marcha dos portugueses para Perg.unta ª, Comissao, noutro ponto do seu parecer: "Que
as Missóes, escreve o sargento-mor: defen~~:1a. Se~e ~~ 1750? Se ele tivesse vencido, qual seria a
'.' ~orno q General ( Go1nes Freire) tinha asseverado que consequen~1a .h1stonca dessa vitória? As terras, que Deus havia
sen1 vtr resposta da carta que escrevera a Andonaégui náo lar- dado aos 1nd1os, pertenceriam a quem? Aos índios ou a Com-
garia o passo (do Jacuí) e que, vindo a orde1n de marchar para panhia de J esus ?" •
adi.ante, · infaliveln1ente asshn o faria e assi1n o esperassem, lhes .. A prir~ei:~ ¡.ergu~ta já f oi cabalmente respondida. Sepé
pediram (os caciques) q.ue se, compadecesse ~ s.ua pobreza e ?ª~ defend1a . a .. 1ntegnd~d~ da Província do Paraguai", como
que advertisse que Deus os tinha criado naquelas terras que 1ns1nua a Conussao, mas un1ca e simplesmente a sua terra, a sua
defendiam conw próprias. < gente, o seu pa~o, a ~a queréncia, a sua pátria, a sua mátria,
O general lhes disse que teria coni éles toda a eqii.idqde, se o seu ber~o, ass1m ,como o berc;o e o túmulo de seus pais e pa-
depusessem as arm,as, ( poréni) que usando delas e1.n oPosifao, ren.tes, de seus avos e tataravós. E nisso precisamente é que
certamente havia de levá-los a es}ada no últinio rigor da qiterra. reside a sua grandeza e a sua beleza.
Alegaram os índios, a deitar-se de joelhos diante dele,. pe- A ~egunda pengunta respondemos com as palavras do CO..
dindo-lhe de 1niios postas,. que se conipadecesse de sua pobrez a.'' nego J oao Ped~o Gay, testemunha insuspeita, de vez que nunca
(págs. 87-88.) . m?rreu de an1ores nem pelos índios nem pelos jesuítas: "Os
Aí está, no depoimento de um íntegro solda.do portugues, tnnta e tantos povos que tinham (os jesuítas) na .sua expulsao
a explica<;áo do motivo f~ndame9tal da guerra: os Guaranís das e.m 17~, e . que pela maior parte só contem (agora ) ruínas, se-
Missó~s nao defendiam nenhum fantástico In1pério J esuítico
n~m hoJ e c1dades ou vilas bem lindas e opulentas e teriam tam-...
do Paraguai, mas, com a sua autonomía, a sua terra. as suas b:n1 elas fo:m~do nov~s. redu<;óes." (Joao Pedro Gay - · Histó-
estancias, os seus ervais, os seus templos, as suas cabanas. as ria da R epublica J esuitica do Paraguai, 2.ª edic;áo, pág. 343.)
~uas quintas, as suas lavouras, as suas oficinas, em .síntese, est~ E acrescentamos nós: se Sepé tivesse vencido, ter-se-ia evi-
trinomio sagrado: a Hberdad~, a propriedade e a vida. tado um. dos tres maiores crimes da história americana, que fo-
ram: a destruic;ao da civiliza~ao asteca, por obra dos espanhóis
de Hernán, ~ortés, a d~struic;~o da civiliza<;ao incaica, por obra
~os ~~panho1s d~ Francisco P 1 ' zarro e a destrui~ao da civiliza~áo
Jesu1hco-guaran1, por obra dos espanhóis e portugueses do Mar-
ques de Valdelirios e do General Gomes "'Freire de Andrada.
In1agine-se o que seria o Rio Grande do Sul (porque es-
lava escrito no livro do destino que todas as Missóes da margcm
o:iental do U ruguai deviam cair sob o domínio portugues) no
d1a em que a civiliza<;áo jesuítico-guaraní, com todo o seu admi-

1 .- !"
• 1
. l - - .. . .... • 1

O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE· 63
MANSUETO BERNARDI
62 - Volta a Comissáo, no seu parecer, a bater nas velhas
rável progresso agrícola e industrial, expandin~o-se par~ ~ su- teclas-pombalinas da responsabilidade dos padres na subleva~ao
deste, se encontrasse com a coloniza<;áo portugu~sa, ger~.anica e dos índios .e <la cria<;ao do Império Jesuítico do Paraguai, adu-
italiana, a subir para o noroeste, por todas as ':1as fl.uv1a1s e ro~ zindo que a publicac;áo dos docun1entos contidos nos dois volu-
doviárias da hacia do J acuí ! Que fecundo e 1.na~d1to ~o~tat? · mes dos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (n.os
que estupenda e prodigiosa interpenetra<;ao e misc1gena<;ao · .N ª? 52 e 53) trouxe esclarecimentos que se pode1n considerar defi-
só a fisionomía do nosso Estado sa-ia diversa do que hoJe e, nitivos, P?rque, compulsando-os, chegou o historiador pernam- .r
bucano Rodolfo García a conclusao de que "justa ou injusta, a
1nas todo o hen1isfério teria, por certo, sido transfig~rado.
- A terceira pergÜnta da Comissao ~ tao puenl, que nem interven<;áo dos jesuítas na insubordina<;áo dos seus jurisdicio-
merecía res.posta. É cousa sabida. e ressab~da que, p:lo Tratado nados apura-iSe isenta de quaisquer dúvidas." (R. Garcia -
de Tordesilhas, as terras pertenc1am nom1nalment,e .ª Coroa de Preambulo aos Anais.)
Espanha mas ef etivamente aos índios que voluntan:1'mente, e1? Nós manuseamos e cotejamos mui atentamente esses mes-
1626, a~eitaram 0 domínio castelhano, sob .as segu1ntes cond1- mos documentos e a conclusao a que chegamos é que a náo-res-
c;óes: permanecerem livres, pagarem um tributo anual e p;es- ponsabilidade <los j esuítas no levante dos índios se apura isenta
tarem servic;o militar em caso de guer:a. <;Juarr~o aos Jesuitas, de quaisquer dúvidas, isto é, os padres, dentro dos preceitos da
é igualmente sabido e ressa:bido que Jama1s pretenderam ~~m obediencia a que e~tavam sujeitos e sem transpor jamais os li-
a propriedade, nem 0 us.uf ruto da terra, cque apenas admin1s- mites do respeito devido a autoridade e as leis morais e civis em
vigor, tudo fizeram no sentido de impedir a prática de um crime.
travam em nome do Reí. . ... .
É também sabido e ressabido, embora a Co1?1ssao te1me Malogrados no seu intento, abaixara1n a cabe<;a, restrin-
em ignorá-lo, que as Missó_es ·Orientais ,do Ur~1gua1 nunca pe:- gindo a sua atividade ' a assistencia espiritual dos sublevados,
tenceram a Provín.cia do Paraguai,. m_as ~ ?o Rio da ~rata. SeJa ;em haver nunca participado de qualquer opera<;áo de guerra.
civil seja eclesiasticamente, os m1ss1onanos depend1am .d? go· Se a culpa deles é essa, entao é o caso de dizer: - Felix culpa.
várno de Buenos Aires. E tanto isso é verdade ,qu~ fo1 JUSt~­ Aurélio Porto, reconhecido e citado pela. Comissao como
inente 0 governador e capitao-general das Prov1nc1as do. R:o autoridade incontestável no assunto das Miss6es, que conhecia
da Prata, D. Francisco. de Céspedes, quem .co~ce.deu permi~sao muito mais profundamente do que Rodolfo García, emite opiniáo
a Companhia de J esus para vir reduzir e cnst1an~zar os nativos identica a nossa, quando escreve: - "Os documentos sobre o
d~ chamada Província do Tape, dando-lhe para 1sso, em n?m.e Tratado de 1750, publicados nos dois magníficos volumes dos
de sua Ma}estade Católica, an1pla faculdade e poder sei:i hnu- Anais da. Biblioteca Nacional, lan¡;am luz sobre os acontecimen·
tac;ao e restric;áo alguma, para que fizesse ~ f unda~se !odas as tos da época. Ante a insurrei¡;ao geral dos indios, que nao se
redu<;Óes possíveis e nelas pusessem OS caciques e JUStl<;aS ªUe importavam de pertencer a esta ou aquela coroa, mas agiam -
lhe parecessem, e~ nome de S. 1L e dele, govern~dor, dan °- eni legítima defesa de suas terras e bens. (o grifo é nosso), o,s
lhes varas e autoridade, toda a que ju~gasse con~enie)nt~ao, ~er­ padres dos Sete Povos nada mais fizeram do que reproduzir o
vi<;o de ·ambas as Majestades (a do Re1 e a de Cnsto · , ~e u a gesto antigo dos seus predecessores e tudo arriscar para os so-
-7-1626 A ínteo-ra desse instrumento publico de correr, material e espiritualmente, nessas horas de sofrimento,
tem a dat a d e 4 · b , • ·R·
em que jogavam os destinos de sua secular organiza<;áo.
-o pode se-r lida na obra Os tres Martires io-gran-
concessa , G J er S J
denses, cap. 21, de autoría do Padre Luis . onzaga aeg , . · .... , Nao há dúvida do empenho que puseram na mudanfa dos
ue mesmo os adversários de Sepé d~venam ler c~m aten<;ao, Povos, embora isto lhes fosse o m.ais cruel de todos os sacrifi-
q f' de nao mais coineter 0 grave erro de chama-lo, .contra . cios. M a.r, sentindo-se desprestigiados, qua.se anulados ante a.
a 1m 1 · ' t' de heró1 para· desconfianfa dos _indios, quando estes se organizaram para com-
toda a evidencia histórica, jurídica e ec es1as 1ca,
.
gua10.
'
• O PRIMEI!tO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 65
64 MANSUETO BERNARDI

.. bater f or,as disciplinadas e superiores, num ato de desespero, gia, n~ transmigra<;áo violenta, é sem dúvida lingua¡gem dos
nao os abandonaram a mercé da própria sorte e num gesto que· Jesuítas. Talvez seja também da Hun1anidade. 'Ü S Índios, com
niio os deprime, preferem assistir a seus filhos e com eles rece- as suas representa<;óes, procuravam atenuar ou retardar os efei-
ber o peso do· golpe tremendo." (O grifo é ñosso.) (Aurélio tos da desgra~1.. Alguns J esu,ítas dos P ovos (nao todos) acom-
Pórto - As Missoes Orientais do Uruguai, l.ª ed.~ págs. panhararn1.-nos nessas representafoes, (o grifo é nosso), 'que
427 e 428.) subiram a Coroa, pelos 1neios legais, (o grifo é do autor).
Con10, depois dessa li<;áo irrespondível de Aurélio · Porto, Achando as portas fechadas, os indios tentaram passar pela
nacionalista exaltado, ainda falar em responsabilidade dos "ca- única, que lhes ficava aberta, a da insurrei<;ao e resistencia. Em
tequisadores, 'dos orientadores, dos diretores mentais dos índios" casos semelhantes, nao se fez, nem se faz ainda boje, outra
na deflagra<;áo do movimento armado a que alucinadamente se cousa, em todos os povos civilizados do mundo, dando-se-lhe
arre1nessaram? apenas, com verdade ou por eufen1is1no, o mágico nome de
revolu,ao ou coisa anáiloga. ( Iden1, ibídem, pág. 556.)
Mas a fobia, a má vontade, a preven<;áo, a aversáo da Co- Tratando-se de um autor que é notória1nente, na elabora<;áo
missáo de H~stória a tudo quanto cheira a jesuítas e as Missóes • de suas obras, n1'1ito inais por tugues jesuíta do que jesuíta por-
é tao grande que chega a tresler os próprios text"ós históricos, tUJgues, de tal forma o seu sentimento nacionalista se sobrep6e
a ponto de querer, a todo transe, confirmar com um débil ªº seu sentimento cristáo (ele mesmo confessa, a pág. 557, que
Sitn do Padre Serafim Leite .1J seu vigoras& Nao referente a o fato religioso nao rmpede o .patriotismo individual, antes é
suposta existencia de um Império do Paraguai, cuja "integri-· suscetível de lhe aumentar o fervor), semelhante opiniáo se
dade" índios e padres teriam tido o intuito de defender, de 1750 reveste de urna importancia extraorclinária, capital, acabando,
a 1756, contra os portUooUeses. de vez, com as leudas pombalinas do Império Jesuítico do Para- •
Eis, a propósito do assunto, o que ensina o provecto autor guai e da responsabilidade dos filhos de Santo Inácio na su-
da H istória da Conipp,nhia de Je sus no Brasil: bleva<;ao das Missóes.
"Nas Missóes do Paraguai nunca houve República, nem Es- A interven<;ao de al,g uns desses religiosos (nao todos) li-
tado nem Teocracia, no sentido autónon10 da palavra, isto é, mitou-se, conforme as próprias palavras do Padre Serafim Leite,
Independente. O título de Conquista Espiritual, dada pelo Pa- a acompanhar os 1ndios nas suas representa<;óes contra a trans-
dre Ruiz de Montoya, .no século XVII, ao seu livro, indica a migrac;áo, representa<;.óes que subiram a Coroa pelos meios usuais
natureza religiosa · das Missóes e a catequese ou conquista dos e legais.
1ndios para a R.eligiiio cri1sta. República, Estado, Teocrocia,. Daí nao saíram, sob pena de desobediencia e excomunhao,
sao no<;óes políticas. Aqui houve apenas a organiza<;ao da ca- con1ina<la pelo con1issário do Superior Geral da Orde1n, Padre •
tequese, adaptada as condi<;oes sociais e mentais dos índios e Lope Luís Altamirano, o único que tinha autoridade para falar
do isolamento da selva, numa experiencia particular de cómu- em nome da Companhia, a qual, repetimos, como corpora<;áo,
nidade, na verdade surpreendente para o tempo, tudo porém nao esteve contra o Tratado de Madrid. (Idem, ibidem, págs.

enquadrado dentro do regin1e político da Monarquía Espan~o­ 557 e 558.)
la." (O:s grifos sao do autor.) (P. Serafim Leite, S. J. - His- Aos juízos acima transcritos seria ridículo acrescentar ou-
tória da Companhia de Jesus no Brasil, vol. VI, pág. 556.) tras palavras. Urna pequena observa<;áo, entretanto, nos permiti-
·Onde está aí a prova da existencia de um Iinpério Jesuítico mos fazer, e é que o Padre Serafi1n Leite, ao se referir aos seus
do Parauuai? Prossegue, porém o eminente historiador: "Aque· irmáos missionários no Paraguai e no Uruguai, só emprega as
la frase bdos Índios , invocando o Rei de Espariha "nosso Rei". palavras Padres Espanhóis, J esuítas Espanhóis, quando mais
certo e mais justo seria dizer Jesuítas da Assistencia de Esp(J¡-
contra urna injusti<;a internaciol)al, que tao duramente os attn-

...
MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 67

nha, Padres que seroiam na Província do Paraguai, pois nin- a


ganado, pertencente nobre familia dos Távoras, incidente que
guén1 ignora que nessas missóes vertian1 lágriinas, suor e san- provocou, ein seguida, urna espantosa tragédia, o próprio D.
gue regulares de inúmeras nacionalidades : espanhóis, alemáes, José corría, na época, que f ora corrompido por grande soma,
austríacos, italianos, irlandeses e até portugueses. para nao se manifestar adverso ao 1'ratado de Jviadrid. (Ve-
Falar genérica e insistentemente em J esiiítas Espanhóis é, ja-se Joao Lúcio de Azevedo - O Marqites de Ponibal e sua
de certo inodo, insinuar que esses regula.res, por motivos de or- época, e Porto Seguro - História do Brasil, 3.ª ed., vol. IV,
den1' política, eram naturalmente adversos a Portugal, o que pág. 161. )
absoluta111ente nao corresponde a verdade. Grande parte deles A propósito des se fato, o Conde de Stahren1berg, represen-
na<la tinha que ver co111 as brigas, emula<;óes, rivalidades e guer- tante da Austria em Lisboa, transnútindo o boato a sua corte,
ras travadas entre Portugal e Espanha. fazia este ben1 pouco lisonjeiro comentário: "Isto é apenas Ul11
- Dois fatos notáveis con1provam "isentos de quaisquer vago dizer, porém tem seus . visos de verdade."
dúvidas'' a náo-responsabilidade dos jesuítas no levante armado Da Marquesa de Pon1padour, an1ante do rei Luís XV ele
guaranítico: F ran<;a, sabe-se positivamente que recebeu meio milhao de
(
• cruzados para iAtrigar e predispor o espirito da corte contra os
1) Do mesn10 partic1param diversas centenas de índios jesuítas. Mas o bolo maior quem o con1.eu f oi a Corte Pontifí·
n1inuanos e guenoas nao batizados nem [eduzidos, que nunca cia, onde ao que par~e, só se salvou o Papa Ganganelli, o qual,
obedeceran1 aos padres e sóbre cujo espírito indomável, por se bem que fraco de animo, todavía era honesto.
conseguinte, a •palavra dos missionários nao podia exercer qual- O Cardeal Passionei, redator da bula que reformou a Con1-
quer influencia.- panhia de Jesus, recebeu duas enormes bichas de brilhantes.
2) Depois de clestro~ados os índios e conquistadas as
Re- Presente igual recebeu Monsenhor Flório, o qual, devido a sua
du<;óes, o novo governaclor de Buenos Aires, D. Pedro de Ce- cupidez e v·enalidadc, acabou senslo preso no ·Castelo de Sa!-lto
ballos, por ordem da Corte de Madrid, 1nandou proceder. a Ángelo. O Padre BtJonaiuti foi galardoado com 300 cequ1ns.
rigoroso inquérito sobre os aconteci1nentos. O Conde Cardelli com u1n anel no valor de 600.000 réis (naque-

les tempos). Ao Padre M. Bonten1pi, conf es sor do papa, quis
Dito inquérito, efetuado en1 Sao Borja, no ano de 1759, e o Ministro Francisco d' Almada, representante de Portugal em
no qual depuseram cente11as de testemunhas, tapes e espanholas, Ron1a e pri1110 de Pombal, recompensar oficial1nente com do·
nao apurou a responsabilidade de nenhu111 regular inaciano, tanto nativos n0· valor de 10.000 cruzados, ao que o Su1no P ontífice
que, ao encerrá-lo, D. Pedro de Ceballos escreveu ao governo, se opós terminante1nente, o que nao impediu, por certo, que
de que era n1andatário e representante, que todas as acusa<;óes aquele sacerdote recebesse a sua gorjeta particular'l1iente.
formuladas contra os me1nbros da Companhia de Jesus, nao Mas o presente régio, o presente dos presentes, quem o
passavam. de "um tecido de enredos e einbustes." (Veja-se todo auferiu foi Monsenhor Vicente Macedonio, prelado sabidainente
o doc. in Joao Batista lfafken1eyer, S. J. - A Conquista Por- ao ser·vi~o de Pombal, dentro da corte ponti fícia, o qual f oi re-
tugruesa do Río Grande do Sul. Rev. do I. H. G. do Estado, munerado con1 "48 frutos do Brasil".
Ano de 1928. págs. 199 a 292.) Sabem os senhores o que eram, no eufemisn10 diplomático
.Um tecido de enredos, e1nbustes e corrupc;óes, acrescentare- pombalino, aqueles "48 frutos do Brasil?" Nada 111.ais nada me-
mos nós. O próprio D. José I de Portugal, tao preocupado nos que 48 sonantes, reluzentes e eloqüentes barras de ouro de
sempre co1n esportes venatórios e conquistas g~lantes, tanto que, 22 quilates, pesando 22 quilos e quinhentas gran1as !
certa noite, ao voltar de un1a entrevista amorosa, foi objeto de ªº
o valor desses dourados "pomos", cambio atual de 100
um tiro de espingarda, mandado desferir por um marido en- cruze1ros a gra·ma, seria, pois de Cr$ 2.2.S0.000,00 !

68 MANSUETO BERNARDI

(tstes inforn1es sao extraídos de Murr. História dos


J esuít~s no M inistério do Marques de P ombal. Rev. do l. H .
e G. do Estado, ano de 1923, pág. 63 e do Visconde de Carna- •
xide - O Brasil na administraf ao pombalina, Cole~ao Brasi-
liana, Sao Paulo, 1940, págs. 184, 185 e 186.)
V
Con1 argumentos dessa natureza conseguiram o Marques
de Po111bal e seus sócios e coirmaos "iluministas" dos gabinetes
de Madrid, Paris e N ápoles demonstrar ao mundo a responsa- Ca.usas e Conseqüencias do Tratado de Madrid
bilidad e dos jesuítas na deflagra~ao da revolta dos guaranb
dos Sete Povos das 11issóes, em 1750-1756 ! I nsiste a Con1issao de História e Geografia en1 perguntar
o que sucedería com o território das Miss·óes, se os índios su-
blevados ·tivessem vencido. Respondemos: o mesmo que suce-
deu, sendo eles derrotados, porquanto, apesar da fragorosa der-
• rota dos guara.nis, a pennuta da Colonia· do Sacra111ento pelos
Sete Povos das Missóes nao se realizou, tendo ficado tudo como
• dantes no quartel di Abrantes, até que, em 1801, um pugilo de
gaúchos e paulistas decidiu conquistar e incorporar definitiva-
1nente aqueta zona ao n1apa do Rio ·G rande do Sul, e do Brasil.
O que d en1onstra inilucliveltnente que o n1otivo aparente do
Tratado de Madrid de 1750 f oi a pennuta da Colonia do Sa-
cramento pelas Sete Colonias das Missóes Orientais do Uru-
guai, 111as o n1otivo· recondito, verdadeiro, secreto, foi a destrui-
\áo das Reduc;6es e, através da d estrui<;ao das 'Redu~óes, o en~

volvimento e o comprometimento da Companhia de Jesus. E pre-
cisamente para esse fim se inseriu, no referido aj uste, o texto
do artigo XVI, que deterrninava a expulsáo dos padres e dos ín-
dios, bem como o confisco dos bens de raiz que estes ali possuíam.
Sa:bendo os negociadores e executores do Tratado que nem
mesmo as feras da floresta deixam de se revoltar, quando alguém
as pretende expelir de suas tocas, com muito 111ais razáo era de
se prever que se revoltaria111 30 ()(X) nativos, com 1SO anos de ci-
vilizac;ao crista já impressa nas almas e já com bastante cons-
ciencia da propriedade coletiva, familiar e individual.
Nada obstante, se exigiu a trans111igra~ao e se insistiu na
sua execu<;ao iniediata, a fi111 de acirrar ainda mais os animas.
E o que era de prever, aconteceu, quando bastava supritnir
aqueta cláusula odiosa, para que tudo se resolvesse sem nenhum
trope~o, tanto mais que os próprios guaranís pleitearam o di-
reito de permanecer nos seus aldeamentos, postos agora sob o

69
.
70 MANSUETO BERNARDI O PRIMEJRO CA UDILHO RI O-GRANDENSE 71
domínio portugues, o que nao lhes foi permitido. (A. Porto - Qual o n1otivo da insen;ao da venenosa cláusula XVI na
O·bra citada, pág. 426.) cauda do Tratado de 1750?
É que a senten<;a de sua expulsao e dispersao havia sido, O que histo~iadores de n1onta asseveran1, con1 viso:-:; de
sob o n1aior sigilo, ·pactuada e assinada en1 Madrid, e devia ser verdade, é que a tran1óia da mudan<:;a con1pulsória dos índios foi
cu1nprida de qualquer n1aneira, set11 dila<;ao algu1na. Pngendrada na Corte de Madrid, sob inspirac;ao ou press'.Y.o do
Do que se pode deduzir, se1n receio de erro, que o Tratado en1baixador ingles, Benjamin Keen. pedreiro-livre, agente de
de 1750 foi ótimo na sua origem e propositura, mas péssimo sociedades secretas, que, desde 1747, urdiam a destruic;áo da
na sua conclusao e execuc;áo. Sociedade Inaciana.
- Ten1-se acusado muito o Conde de Bobadela de ser o Tal é a opiniao do Padre Pablo I-Iernández, S. J., autor da
autor, oculto, do trac;ado das novas fronteiras luso-espanholas, notável "Organización Social de las Doctrinas Guaranies de la
bem con10 da idéia da transmigra<;ao compulsória dos tapes. C ompafíia de Jesús." E desse parecer é ta1nbé1n o historiador
Acredita1nos na pritneira parte da acusac;ao, que aliás em Padre Francisco Mateos, expresso na Introdu<;ao ao to1110 VIII
nada o desdouraria, n1as nao há provas, nem indícios de provas, da Historia de la Compañia de Jesús en la Provincia del Para-
quanto a segunda. N en1 há provas de q ue tenha' partido de ·Ale- gumy, do Padr! Pablo Pastells (Madrid, 1949), onde afirma que
xandre de Gustnáo ou de qualquer outro membro do gabinete o Tratado foi negociado entre o embaixador portugues, D.
portugues, partícipe do ajuste. < Tomás da Silva Tel~, e o l.º ministro espanhol D. José de Car-
Pelo contrári o, o que docu1nentos coevos comprovam é que vajal "com interven<;áo da Inglaterra e, ao parecer, também das
era finne intenc;áo de D. Joa.o V e de Alexandre de Gusmáo, Seitas, nas costas do egrégio Marques de la Ensenada."
ao negociar o Tratado de 1750, respeitar o 1náximo possível o Poder-se-á redargüir que esses dois historiadores sao sus-
statu quo existente nas l\.1issóes. peitos, porque pertencentes a Co1npanhia de Jesus.
Explicando, co1n efeito, ao embaixador portugues em Ma-
Vamos adn1itir, de barato e como demonstra<;áo de nossa
drid, Visconde ele Vila Nova de Cerveira, que o escopo nuclear
lealdade no exan1e do assunto, que a argiii<;ao seja verdadeira.
claquele ajuste era "a escolha de ·balizas conspícuas e inalteráveis
Mas a mesma suspei<:;áo náo pode ser alegada contra outros his-
que excluíssem para sen1pre toda dis puta" entre as duas partes
toriadores leigos, que nada tem que ver co~ os jesuítas e que,
contratantes, acentuava e assegurava o ministro de Estado Marco
no entanto, asseveram a mesma cousa. Mencionamos, dentre
A..ntonio de Azevedo Coutinho. en1 16 de 1naio de 1749, e em
outros de fácil consulta, René Fülop-Miller, em Os I esuítas e
resposta ao n1inistro espanhol D. José de Carvajal, - que pon-
o segred?J do seu poder (pág. 474 da edi<;áo Globo, Porto Ale-
derara o escrúpulo ele S. M. ·C. ein 1nocfificar "o governo e boa
gre, 1935) e Charles Seignobos - História Conipara da dos 1

disciplina espiritual e temporal" dos Sete Povos - que "tao


Povos da Europa (Livraria José Oly111pio Editora, Rio, 1946,
longe vai do que ele receia a real inten<;ao do mesn10 Senhor (Rei
págs. 271 a 275.)
de Portugal) , que, antes, no caso que lhe fiquem as ditas Al-
deias, nao pern1itirá que se mude um ápice do atual governo - Também se acusa Gomes Freire de "fraqueza" (a ex-
delas e toda a dif erenc:a consistirá en1 serem portugueses em pressáo é do Visconde de Porto Seguro ), por ter pactuado com
Jugar de esoanhóis os jesuítas que as ad1ninistrem." (Anais da os Caciques Guaranis a convenc;áo de Río Pardo ( 14 de novem-
Biblioteca N adonal, Vol. 52. págs. 27 e 28.) bro de 1753) , n1ediante a qual as duas partes em luta suspen-
Era a soluc;.áo natural, justa, hu111ana e crista, a única so- diam provisorian1ente as hostilidades.
luc;ao que se in1punha no caso e que, todavía, nao f oi. no fi. Nao concordamos con1 o parecer. Pensan1os, antes, con1 o
nal das negodaGóes, adotada, o que veio acarretar o derrama- General Borges Fortes, que, assinando o C?nde de. ~obadel~
mento de un1 mar ele sangue. aquele tratado de armistício, desferiu, con1 rara hab1hdade dt·
72 MANSUETO BERNARDI

plomática e penetrante visao das cousas, um verdadeiro golpe


11
de mestre, porque obteve, desse modo, dos embaixadores tapes,
o reconhecimento indireto do don1ínio portugues sobre todo o /
território situado na margem oriental do rio Jacuí e da Lagoa
dos Patos até o presidio do Rio Grande. VI

Dizemos isto para de1nonstrar que nao nutrimos qualquer
prevenc;ao contra o general portugues. Antes, reconhecemos e A Cornissao de História e o Padre Antonio Sepp
proclan1amos, com o ilustre Varnhagen, que ele foi um dos
melhores governador.es do Bra:sil-'Colonial, sendo lamentáv'el A ojeriza <la Comissao de História a tudo o que nao é por-
que ainda nao tenha urna estátua no Brasil, ne1n tenha sido ainda tugues ou de origem portuguesa na f orma<;ao social e cultural
dado o seu nome, ao que nos conste, a nenhun1 logradouro pú- do Rio Grande do Sul, vem de longa data. Ela pensa e especial-
blico importante, nem a nenhuma povoa<;ao ou distrito no Rio 1nente pensam dois de seus me111bros, os Srs. Othelo Rosa e Moy-
Grande do Sul. sés Vellinho , que a história do Rio Grande comec;a em
Nao esquei;atnos ainda que foi et.e que n1aridou construir o 173'7 com a tunda<;áo do presidio pelo brigadeiro Silva País.
primeiro templo católico ereto no Continente de Sao Pedro, ocu- Antes disso, tudo era espanhol e estava ao servi<;o da Espanha,
pado pelos portugueses. e sendo, portanto, inimigo de Portugal e, por via de heran<;a,
inimigo do B·rasil.
Querem a prova desse asserto? Em 1948, urri municipio
missioneiro sugeriu ao secretário de Educa<;ao e Cultura do
Estado que desse a um grupo escolar dali o nome do Padre
Antonio Sepp, o gigantesco jesuíta tiroles que, durante 41 anos,
missionou no vale do Uruguai, desenvolvendo urna atividade
espiritual, económica e social que en~he de assombro a todos.
Coube ao ilustre historiador e 1neu amig-0 Sr. Othelo Rosa
emitir, como membro da Comissáo de História, parecer acerca
do al vitre. E seu parecer f oi, ein resun10, o seguinte: A a<;ao
• do Padre Sepp nunca se exerceu, nem podia ter se exercido, em
beneficio do Rio Grande do Sul. Antes, em sentido contrário
.a nossa civiliza<;áo e ao nosso destino histórico,. tanto mais que
éle ajudou a organizar o célebre exército de 3 000 índios, que
vieram combater os portugueses na Colonia do Sacramento,
como aliados dos espanhóis." (IQ. grifo é nosso.)
"A organiza<;áo militar das Doutrinas - ensina Aurélio Por-
to - data de épocas bastante remotas. Santos, como Cristóvao
de Mendoza, Boroa, Romero e outros haviam resistido a máo ar·
macla, em defesa de .seus pobres catecúmenos, ante a agressao
dos bandeirantes. Outros, mais tarde, a servi<;o dos espanhóis,
haviam defendido a terra contra a expansáo portuguesa. (Obra
citada, pá¡g. 428.)

73
74 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE
. '

75
E por que a def enderam? Porque a isso eram obrigados Vellinho, en1 sentimento de hostilidade para com Portugal e os
por lei, porque urna das cláusulas da concessao de licenc;a para portugueses e, hereditariamente, para com o Brasil e os brasilei·
reduziren1 os jesuítas a fé crista a província do Tape era pres- ros. E justamente porque, mesn10 senda historiadores de nota, nao
tarem, índios e padres, auxílio militar, em caso de guerra. Cha- querem compreender aquela. verdade elementar, a que alude
n1ar os índios e os padres de aliados dos espanhóis é cousa que o Padre Serafim Leite, negam ao Padre Antonio Sepp o direito
faz rir. Alian<;a pressupoe independencia e já se explicou, liinhas de dar o seu nome a un1 sin1ples grupo escolar elementar, muito
atrás, que nao gozara1n nunca de independencia as lV[issóes do en1bora conhecendo a prodigiosa. ativi<lade por aquele sacerdote
Uru¡guai e do Paraguai. O que havia entre os padres e os índios. exercida em benefício dos prin1itivos habitantes do Rio Grande
de um lado e o R·ei de Espanha, de outro, eram relac;óes de do Sul.
súditos e vassa1os para com o Soberano. Mas vamos dar, nesse Resumindo-lhe a biografia, o historiador . argentino Gtti-
ponto, a palavra ao en1inente Padre Serafi111 Leite, cuja auto- lherme Furlong acentua que "António Sepp constituía o assom-
ridade os Sr. Othelo Rosa e Moysés Vellinho tanto gostan1 de
.invocar: bro dos seus conte1nporaneos, "tanta era a sua ha·bilidade, assim
'
na inúsica e na pintura co1no na escultura e na arquitetura", in-
"Na história da Colonia do Sacramento ap!recen1 jesuítas cluindo-o, por' seu turno, o historiador germanico Wolfgang
de Portugal e j esuíta~ de Espanha, a saber, jesuítas da Provín- l:Ioffmann Harnisch( no rol .dos g·enios universa.is.
cia do Brasil e jesuítas da Província do t>araguai. Todos da Salientando a perfeita isen<;áo de espirito e o múltiplo
Companhia, mas com deveres políticos opostos. Mas assim con10 valor da obra do missionário tirolés, assevera o Dr. Hof fmann
no resto do mundo, em tempos d-e guerra, se encontram cató- Harnisch, em pr~fácio a Viageni as Missoes e Trabalhos APos-·
licos nos dois campos opostos, assim ta1n bé1n, neste, os jesuítas
tólicos: "É necessário dizer que ele ( Sepp) nao foi, quer gra-
do Brasil defendiam a .bandeira portuguesa e os jesuítas do Pa-
<;as a sua nacionalidade, quer gra<;as a época em que viveu, pes-
raguai a bandeira espanhola. Era a estrita obriga<;ao de cada soalmente influenciado pelos antagonisn1os his•pan~portu¡gue­
qual, como cidadáos e como patriotas. Nem todos os historiado· ses."
res, mesmo os de nota, tém compreendido esta verdade ele-
n1entar. Por que, pois, acusá-lo como coadjutor da organiza<;áo do
·O s j esuítas espanhóis, com a experiencia dolorosa das de- "célebre exército de 3 000 indios", que foran1 co1nbater os por-
predac;óes praticadas nas suas Aldeias pelos Paulistas ou Por- tugueses na Colonia do Sacramento? É o que nós tampém nos
tugueses de Sao Paulo, temiam que a Colonia do Sacran1ento perguntamos, com un1 sentimento náo sabemos se de tristeza ou
fosse outro baluarte de inhni;gos, donde saíssen1 novas investidas de, espanto ou se de tristeza e espanto, ao 1nesn10 tempo.
e lhes destruíssen1 as Missóes. Náo se enganara1n no seu pres- O fato alegado, fór<;a é confessá-lo, é verdacleiro. Veri fi-
sentimento. O que levou f oi un1 século a realizar-se. Porque cqu-se em 1680; logo após a funda<;áo da Colonia do Sacramento
f oi dela, da Colonia do Sacramento, na troca pro posta pelo tra- por D. Manoel LObo.
tado de 1750. que veio a depreda<;ao e ruina final das Redu<;óes. :A requisiGao do governador de Buenos Aires, Dr. José de
Explica-se, pois, a atividade incessante dos jesuítas castelhanos Garro, as ReduGóes enviaram, como era de seu dever, um exér-
em colaborar com os elementos oficiais da Espanha para difi- cito de 3 000 guaranís. comandados pelo valente morubixaba
cultar ou suprimir aqueta Gibraltar platina." (Serafim Leite, - D. Inácio Amandaú, a fim de auxiliar os espainhóis, capitanea~
Obra citada, Vol. VI, págs. 535 e 536.) dos pelo General D. Antonio de Vera Mugica, a desalojar os
Aquí está: o que era o cumprimento de um estrito dever ci- portugueses, instalados naquele ponto do Rio da Prata. O em-
vil e religioso, senáo o exercício de um direito curial de legítima bate f oi terrível, distinguindo-se, dentre os atacantes, o cacique
defesa, transforma-se, na pena dos Srs. Othelo Rosa e Moysés Amandaú, cuja intrepidez decidiu da vitória e, dentre os defen·

, .
• it
O PRIMEI RO CA UDILHO RIO·GRANDENSE 77
i6 MANSUETO BERNARDI

Por outro lado, proliferam as sementeiras, plantam-se ex-


sores, o casal Manoel Galvao, que preferiu morrer de espada tensos pessegueirais e laranjais, adornam-se as hortas de varia-
em punho a entregar-se prisioneiro. ' das espécies vegetais, cultivan1-se ervais, hortenses, e pelos cam-
Repelidas duas tentativas consecutivas de expugna<;áo, só pos das estancias os ga<los constituem o mais alto patrimonio
no terceiro assalto a pra<;a forte foi tomada, sendo mortos, dis· do povo, a que f ornece carne, leite e seus derivados.
persos ou aprisionados tódos os defensores. Toda essa organizac;áo reflete a atividade do Padre Anto-
Isso ocorreu em 6 de agosto de 1860. Pergunta-se agora: nio, as suas iniciativas em todos os setores do trabalho material,
como podia o Padre Antonio Sepp ter auxiliado a organiza<;ao intelectual e moral, orientadas pela fé profunda que o afasta
daquele exército, se só chegou as Missóes 11 anos depois ou mesmo da órbita trac;ada pelo tempo a ac;áo jesuítica, o que o leva
seja a 2 de junho de 1691? aos maiores dissabores, sofridos resignada1nente pelo amor de
É o caso perf eito da fábula do lobo e do cordeiro. Se nao Deus e desse filho que arnou carinhosamente.
foi eleJ foran1, decerto, seus progenitor·es ou antecessores ... Nao cabe aqui detalhar a ac;áo do Padre Sepp e sua influen·
E é quanto basta para incrin1iná-lo e condená-lo, de plano, sem cia para o apogeu .da civiliza<;ao artístico-industrial dos povos
apela<;áo nem agravo. das Missóes. Mas, de sua vida e obras ressaltam qualidades tao
Damos, porém, a palavra ao máximo histtriador gaúcho, excepcionais de inteligencia, cultura e virtudes cristas, que se
para que ele resuma, a largos trac;os, a vida desse apóstolo que, o pode, nessa segun·dc'\ fase da vida missionária, erguer a altura
ainda ao morrer, exclama va: "Grac;as ao• Senhor ! Creio que dos grandes apóstolos Boroa, Taño, Cristóváo de Mendoza, Ro-
todos os meus trabalhos, de qualquer espécie, nenhum outro mo- que González e outros, que constitue1n essa galería que exorna
tivo tiveram senao o amor de Deus": de glórias e. virtudes, e111 seus pritnitivos tc1npos, a Companhia
"A vida do Padre Antonio Sepp é a história da própria de Jesus, em terras do Rio Grande do Sul." (Aurélio Porto -
fundacáo · de Sao Joáo Batista. Sua atividade multiforme, sua História das Missoes Orientais do Uruguai, Rro, 1943, págs.
inteligencia privilegiada, suas profundas virtudes cristas e sua 334 e 335.)
fé inabalável ficam ali assinalando as r2ízes da alta civiliza<;áo P·ensam os senhores que todos esses títulos e merecimentos
que o seu espírito criador soube imprimir aos destinos do seu sejam bastantes para justificar a imposi<;áo do nome do Padre
Povo. nas obras que executou. Sepp a um simples colégio primário da roc;a? Nada disso.
Em Sao Joáo Batista iorra, de 'fornas primitivos, o primeiro O Padre Sepp exerceu o seu apostolado a sombra da ban-
ferro que se fundiu nas Missóes; tempera-se o a<;o que vibra deira espanhola, obedeceu a leis emanadas da Corte de Madrid.
na sonoridade dos sinos : sobem ao céu os sons harmoniosos do Lago, tudo o que ele fez foi COlTI intuito· de hostilidade aos por-
primeiro órgáo que se fabrica; edifica-se urna cidade modelar, tuo-ueses foi neeativo e adverso ao Brasil e aos brasileiros.
b '
cuio casario, alinhado e bem-posto. a:brig-a exe_mplares familias u

Fora, portanto, com o intruso! Nao há lugar para ele nas pági-

cristas ao servic;o de Deus e da sociedade primitiva; e11gue-se um nas da nossa história !


templo majestoso, rico de alfaias e de artísticas ornamentacóes
com seus altares de talha dourada e um púlpito com estátuas
douradas e embutidas de madrepérolas; e se estendem as vastas
oficinas onde artistas de toda espécie burilam retábulos famo-
-
sos, pin~am quadros notáveis, esculturam estátuas magníficas,
lavram as colunas do templo, e fabricam os mais variados instru-
' mentos rnusicais. enquanto os calígrafos, prestimosos e hábeis.
copistas inimitáveis, nos legam os seus trabalhos, que honram
a civiliza\ao jesuíta.
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 79
<;áo oficial da Capitania do Rio Grande", porque "tal atitude
conduz a certo bifrontisn10 histórico incompatível co1n a vene-
ra~o que 9evemos aos que, no passado, lutaram por conservar
dentro das confronta<;oes luso-brasileiras as terras do Rio Gran-
de." (::orreio , do Povo, Porto Alegre, 31-12-1955.)
VII . Ja. destru1mo~, com o irrespondível parecer do Padre Sera-
hm Leite, em cuja insuspeita autoridade os eruditos confrades
A Couiissao de História e "Os Tres Mártires Rio-grandenses." sAe U:Póian1 a cada passo, a lenda, a patranha, o en1buste da exis-
tencia do In1pério Jesuítico do Paraguai. E quanto ao aleo-ado 0
O Dr. Moysés Vellinho é ainda n1ais radical, nesse ponto, "desbordan1ento dos regulares da Casa de Assuni;ao" sobre ter- ,.
que o próprio Sr. Othelo Rosa. ras que constituiriarn, depois, o atual Rio Grande, contestamos
Opinando, ein 1954, sobre o livro Os Tres lvl ártires Rio-gran- forn1almente se tenha verificado.
denses, de autoria do Padre Luís Gonzaga Jaeger, S. J., pon- Os jes~ítas que penetrara1n no ano de 1626 e nos seguintes
tifica o ilustre crítico e historiador: t.. na Prov1nc1a d{ Tape, co1n o intuito de evangelizá-la, 0 fizeram
"Do ponto de vista da nossa forma<;áo histórica, que se con1 e?'pressa autoriza<;ao dos &is de Castela e com anuencia
processou, nessa extren1adura, em luta abefta contra desborda- dos próprios silvícoh.s, concedida pelo cacique Nhec;á, que deli-
tnentos dos regulares da Casa de Assun<;ao sobre terras que berara converter-se a f é crista. E o fizera111 sob certas condi-
serian1, mais tarde, quase todo o Río Grande do Sul, examinando <;6Nes, aceitas por todas as partes interessadas, como já vimos.
o problema, repetimos,. sob o arngülo de nossa integra<;a·o terri- N~o houve, po~tai:to, nenhum desbordamento, de parte dos je-
torial, nao padece dúvida que a naturalizac;ao dos mártires pelo suitas da Prov1nc1a do Paraguai.
nosso prezado confrade nao pode ser aceita sem oposi<;ao ou Desbo_rdamento e auténtico desbordamento houve por parte
controvérsia." dos bande1rantes, dos portugueses e dos próprios inacianos da
E recentemente, confirmando o voto que havia emitido como Província do Brasil, que clandestinamente penetraram em terras
membro da Comissao de História do Instituto, contrário "a ere- enta? sujeita~ ª?s Reís de Castela, para o fim de prear ou ca-
<;ao de un1 monun1ento a Sepé Tiaraju, o herói missioneiro que teqtuzar os s1lv1colas. -
se fez matar em defesa· do Império Jesuítico que desbordara do ,
E quen1 de1nonstrará esse ilegal desbordamento nao somos
N )

.Paraguai sobre terras do Rio Grande" (sic), de férula em nos, que nao ternos nem autoridade, nen1 con1petencia para tanto.
punho investe o ilustre escritor contra quantos nao partilham É,. con1 todo o péso de sua autoridad e oficial e política, nacional
do seu ponto de vista, isto é, contra quantos nao concordam ~ internacional, o próprio tninistro das Relac;óes Exteriores do
que a história do nosso Estado só tenha início ein 1737, co1n a Brasil, o etninente Sr. Osvaldo Aranha.
funda<;áo, pelo brigadeiro Silva País, do presídio 1nilitar, na Em conferencia proferida no Palácio do Itamarati sob o
bóca do Rio de Sao Pedro, mas quererµ r ecuá-lo para época título "A revoluc;ao de 35 e a unidade nacional" conferencia
mais re1nota, para o ano de 1626, .quando o venerável Padre
. . '
a que ass1stiran1 os representantes diplon1áticos de n1uitas na-
Roque González de Santa Cruz atravessou, pela primeira vez, c;?es estra~geiras e a :ior da intelectualidade brasileira, prele-
o rio Uruguai, e fundou a reduc;ao de Sao N icolau, sobre o rio c1onou o ilustre secretario <le Estado e en1baixador:
Pirati ni. "Origem do Rio Grande do Sitl. Para dar a sentir o Rio
Visiveln1ente irritado, ad verte o douto con frade: "Precisa- Grande do Su! farroupilha, precisamos, inda que em fórmulas
' .
n1os nos curar, de urna vez por todas, de certa ambigüidade, de urna concisa o algébrica, le1nbrar a f orma<;ao racial do gaú-
em f ace do plano que, sob o patrocínio dos Reis de Castela, a cho e a sua situa<;ao no fenómeno brasileiro.
Companhia de Jesus procurou realizar aqui, antes da instala-

78 '
80 '.MANSUETO BERNARDI
O PRIMEIRO CAUD.ILHO RIO-GRANDENSE. 81
O Rio Gr{ltJl.de dos J esuítas. A Conquista, de Ruii de lví0n-
O célebre mapa de Carrafa (1637-1641) passou muito
1

tempo por ser o primeiro que mencionava o território rio-gran- toya, menciona vários povoados no Rio Grande, de 1600 e tan-
dense. O Brasil, pelo Tratado de Tordesilhas, termina.va t."-m tos. No local da gloriosa Rio Pardo, destinada a ser o baluarte
pouco abaixo de Santos. (O grifo é nosso.) Daí, o velho car- contra o castelhano, e a porta da campanha e do povoamento
tógrafo caracterizar a terra gaúcha como adjacencias do Pa- erguia-se a missao dé S. Cristóbal. Na comarca de Santa Cruz'
vizinha a Rio Pardo, o povo de Jesus Maria, fundado pelo Padr~

raguai: Paraqu.aria, vulgo Paraguai cum adjacentibus. A única
no1nenclatura de n1onta dessa carta é a do -porto de Sao Pedro. Romero, S. ] ., onde viviam déz mil índios. Ao Norte os povo.s
Mas o grande Rio Branca acabou com a prioridade do mapa de S. Joaquim e Santa Teresa. No local de Cruz Álta o da
de Carrafa, juntando as M eniórias apresentadas a SuÍ<;a, na Nativid.ade. 1'o.do~ esses na· hacia do Jacuí, entao chamad~ Igai.
questao do Amapá, um Atlas contendo n1apas raríssimos, alguns Na b~c1a do Ib1cu1 elevavam-se os núcleos de S. To1né, S. José,
n1es1no desconhecidos. 'Ü Atlas de Maiollo ( 1S1 S) designa o s.. Miguel e ~· Cosm·e e Damiáo. O destino desses povos f oi
\Rio Grand~ como a terra do Gentió dos Patos. O mapa de triste. ,Destru1ra111-nos as .bandeiras de Antonio Raposo. Data
D·iogo Ribeiro (1529) mostra que esse nome passou ao porto: dessa epoc~ a m~da1;i;a das Miss6es para a 1nargen1 ocidental
Porto dos Patos. O n1apa de Desvaliers ( 1550)< já muda esse do U~ug~ai. Te¡ia sido ~al destruifao !1'~cessária a,-incorporaf5o
nom·e da barra no ele Rio Grande. Era, pois, o torráo gaúcho do 1?.io Grande ao Brasil? Nada mais duvidoso. (O grifo é
conhecido desde o século XVI, e só a incúri¡. da M-etrópole per- nosso.)
n1itiria que a Terra dos Tapes, vital pela sua situa<;ao geográ-

A atividade dos jesuítas, civilizando os índios e criando un1
fica para a terra de Santa Cruz, fosse algum dia chamada adja- tipo <le comunismo branco, que lhes assegurava a existencia com
cencías do p aragiwi. um mínimo de esfón;o, desconhecido aos proletários de hoje, foi
Segundo a Relafiío Anu.al, de Fernáo Guerreiro ( 1606-1607) completamente destruída pela bronca política de Pombal. O
já os jesuítas Joáo Lobato e Jerónimo Rodrigues tinham ali es- refinado intrujáo, o falsificador impenitente que até hoje faz
tabelecido urna missao, a mando do P. Fernáo Cardim. Por sua pesar sobre as Miss6es Jesuíticas a odiosidade de suas inven-
vez, N óbrega, em quem Capistrano de Abreu via um verdadeiro c;.óes, o infati~ável empreiteiro da campanha de mentiras, que
estadista, já n1andava en1 seu ten1po dois inacianos a catequizar semeou por toda a Europa as suas torpes invenc;oes e os seus
os índios. ~sses esforc;os se perderam pela incúria dos Gover- óclios, criou, por. meio de seus escritos e de seus panfletos, a
nadores-Gerais. lenda de um império jesuítico, fundado no Sul para combater
:Q venerável P. Roque González, protomártir da igreja, foi Porttlbo:al e Castela. A sua política vingou. As suas mentiras
o primeiro explorador do Rio Grande, onde fundou Sao Nicolau, venceram. E ainda hoje ipas~a por um :beneficio o ter o Rio
o prin1eiro povo das Sete Miss6es Orientais, e a capela de Assun~ Grande do Sul ficado limpo de povoa~'oes indígenas. O que já
c;ao, onde os P. P. c ·astillo e Afonso Rodríguez f oram n1artiri- era a publicidade naqueles tempos!
zados en1 1628. Curioso é que o n1elhor documento contra as invenc;oes de
Um n-iapa de 1732:, dedicado ao Geral Francisco Retz, com Pombal nos seja fornecido por urna fon te absolutamente insus-
estas palavras - Terras regadas com o suor e o sangue dos peita, por I_). Pedro de Ceballos. N enhum militar castelhano
filhos da Companhia de J esus - assinala os túmulos de vários nos fez tanto mal como ele. É for<;a, porém, confessar que esse
missionários sacrificados pelos índios. homem rude e fragueiro era um caráter. Ao passo que o Pa-
2sse é o batismo do Rio Grande do Sul: o sangue dos he·
dre Altamirano nao se pejava de conspirar contra a verdade e
róis inermes que niinca hesitaram em sacrific(IIY a vida pela f é.
negar a evidencia, dando os jesuitas das Missóes co1no ac;ula- •
Por ele o Rio Grande se artica-tla a f orma~ao espiritual do Brasil,
dores da subleva<;áo dos índios contra os seus algozes, Ceballos
obra principal,'l'nente dos jesuítas. (•O grifo é nosso.)
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82 MANSUETO BER~ARDI
O PRIMEI.RO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 83
confessa lisamente a verdade do que viu e era exatamente o
contrário. Nao teme arrostar as cóleras do poderoso ministro devemo-110 ao grande santista, a quem a persegui~ao de Pombal
a quem servia, implacável inimigo dos jesuítas, e deixa em um cortou a mais lu1ninosa das carreiras. Por sua conta nao correu
relatório as inven<;óes de Pombal reduzidas a mais completa ina- a execu<;áo do Tratado: o espírito, porém, que o tra<;ou f oi so-
nidade. mente o do grande santista, que entáo firmou para a nossa di-
• plon1acia o princípio do uti possidetis." ( Osvaldo Aranha -
Povoamento do Rio Grande. Quanto nao atrasou o Río A revoúu,ao de 35 e a unidade nacional, in Província de Siio
Grande essa política! Quanto n1ais cedo nao se teria incorpo- P edro, Edi<;áo Globo, Porto Alegre, N. 5, Ano de 1946.)
rado a civiliza<;ao ! Ora, se de Santos para o Sul e para o Ocidente tudo era
Por que se povoou tao tarde? Portugal nao reclaniava as território espanhol, j á v~ o n1eu caro a1nigo Dr. Moysés Velli-
terras abaixo d(JJ capitania de S. Vicente. Espanha só se ocu- nho que nao é lícito fal~r em desbordan1ento dos regulares da
pava do Rio da Prata. (O grifo é nosso.) Casa de Assun<;áo sobre os cainpos do Rio Grande. O con-
·O Rio Grande defendia-se das incursoes pelo inóspito do trário é que é verdadeiro.
seu costilhao, que .parece o de u1n deserto, a quem o perJonga. Nao ignoramos que, en1.bora a linha ideal de Tordesilhas,
o mar que lhe bate as dunas é agressivo e perigoso. .&bras, a partir da foz~do Amazonas, passasse, de fato, pelo porto de
golf os, enseadas, baías, embocaduras nao as há propícias e Santos, outros, para chicanar, a deslocavan1 mais para o Sul, para
reman<;osas. As de T órres e Rio Grande, ~esta cheia de bancos o porto de Laguna; of:ttros, para o porto do Rio Grande, e outros
movedic;os, 1nal se distinguem da terra, segundo a curiosa obser- ainda n1ais cubic;osos, para a foz do Rio da Prata, de sorte a com~
vac;ao de Gabriel Soares no Tratado do Brasil. Vinigando-as, con- preender na esfera de jurisdi<;ao portuguesa toda a margem
seguindo penetrá-las _e entrar em contato com a terra, clava o fo- esquerda daquele imenso caudal. Mas nós preferimos faze-la
rasteiro com o indígena, e um indígena cuja tradic;áo de fero- passar, como de fato passava, pelos portos de Santos-Sao Vi-
cidade se consolidara desde a trucida<;ao de Solis e seus com- cente, nao só porque " urna elementar honestidade mental" manda
panheiros, vítimas dos Charruas. Essa abordagem difícil preser- que assim procedan1os, n1aS -tan1bé1n porque, nao a tirando dali,
vou por 1nuito ten1po de invas6es forasteiras a Terra dos Tapes. fazemos 1nais honra aos portugueses, gaúchos e bandeirantes
Só a pouco e pouco, quando as primefras penetra<;6es fo rain que, pouco a pouco, a f oran1 empurrando para o Sul e para o
desvendando as maravilhas da sua uberdade, a beleza dos seus ·O:este, incorporando desta forn1a ao Brasil a 1naior parte do seu
campos, a riqueza das suas florestas, a distribui<;ao providencial atual território.
das suas águas, a salubridade dos seus ares, é que o Rio Grande Se, pelo contrário, con10 fazen1 outros, nós fizéssemos passar
entrou a ser conhecido e povoado. o n1eridiano de Tordesilhas pelo n1eio do Río da Prata\ entao os
Laguna e a Colonizafao. Laguna, onde se fixou Brito Pei- brasileiros de hoje teriam o direito de perguntar aos seus an-
xoto, foi o ponto de partida dos primeiros povoadores da cam- cestrais : "Que fizestes das ricas províncias de Entre-Ríos, de
panha do Sul. :l!le e seu genro J oáo de Magalhaes sao os pa- Corrientes e do U ruguai ?"
triarcas da f amília rio-grandense. A . estrada da Laguna ao Nao basta a opiniao do ex-presidente da Onu, 0 svaldo Ara-
1

chamado Continente era preferível aos perigosos desembarques nha? Aí vai outra, a do venerável José de Anchieta, que nunca
em Tórres e no Rio Grande. Alexandre de Gusmao, a maior fez política, nen1 andou metido no jogo de empurra do meri-
cabec;a talvez do seu século, na opiniáo de Camilo Cas~elo Branco, diano de Tordesilhas, pois que só se preocupava com a "con-
foi quem incorporou, pelo Tratado de Madrid de 1750, obra quista espiritual" dos índios para o Reino de Cristo.
. exclusivamente sua, toda a regiáo austral do Brasil ao domínio E screvendo em 1554, de Piratininga, mas referindo-se a
lusitano. Santa Catarina e Rio Grande do Sul, se sao brasileiros, toda a regiao compreendida entre o Rio Amazonas e o Rio da
, Prata, diz Anchieta:
84 MANSUETO BERNARDI ' O PRil\-IEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 85
"Aquí estamos nesta india Brasílica, sob a obediencia do ,Portugal nao existiu politicamente, incorporado, como f oi, ao
Reverendo ein Cristo Padre Manoel da N óbrega." (J oseph de Reino de Castela. E f oi exatamente nesse período, a principiar
Anchieta - Cartas, ·Civilizac;ao Brasileira, Río, 1933, pág. 35.) de 1626, que os filhos de Santo Inácio penetraram no Río
E após descrever os silvícolas que habitavam Sao Vicente Grande do Sul.
e o planalto, referindo-se aos índios Carijós, que po.voavam a - No que tange ao qualificativo de "bifronte", aplicado aos
costa, de Sáo Paulo para 'baixo até o Río da Prata, ajunta tex- escritores que querem incorporar a hístória do Rio Grande os
tualmente: "Além <lestes ( índios de Sao Vicente e Sao Paulo), fastos das Missóes Orientais, pediríamos ao nosso prezado
há outra casta de Íindíos grandemente disseminados por tóda a confrade e amigo Dr. Moysés Vellinho que tivesse de outra feita
parte (a qual chamam Carijó) (Cário, tape, carijó ou guaraní, um pouco mais de cautela na expressao do seu pensamento e na
é tudo a mes1na cousa, advertimos nós) em nada diferentes defesa dos seus pontos de vista, porquanto, quem diz o que quer,
<lestes no ailimento, no modo de víver e na língua, todavía muito arrisca-se, as vezes, a ouv1r o que nao quer.
• ' A • -

111ais n1ansa e mais propensa as cousas divinas, o que clarament~ Nós poderíamos, com efeito, responder-lhe, a propósito, que
conhecemos pela conversa<;ao de alguns que conhecemos aqut antes parecer-se a gente com o primeiro, em hierarquia, dos deu-
entre nós' bastante firmes e constantes. 2stes ~'>tao sob a ju- ses do Oilimpo•romano, e possuir quatro olhos, a fim de melhor
.
risdifao dos Castelhanos, cu1as casas fazem de boa niente .
))
presidir a abertura e ªº f echamento das portas, inclusive natu-
(Idem, ibídem, págs. 46 e 47.) <.. ralmente as portas d! história, do que proceder como o peixe Iin-
No ano seguínte, escrevendo aos Padres e Innáos da C?m- guado, o qual por ser caolho, só enxerga de um lado. (Podería- '
panhia de Jesus em Portug~l, .acentua .nova~e~t~ o. veneravel mos dizer, mas nao dizemos, porque sa;bemos que revides, acri-
/
apóstolo: "Esta na<;áo de 1nd1os daqu1 ( P1rat1n1nga) eremos tudes e imputac;óes ná.o resolvem controvérsias históricas.)
que se estende muito por a terra a. dentro. - No tocante ao gauchismo ou brasileirismo de Sepé, rea-
Fora destas na<;óes que heí díto, há outra na<;ao em o firmamos que, etnicamertte, ele era muito mais gaúcho e brasi-
Brasil (toda a regiao até o Río da Prata era entao ~eneric~­ leiro que os próprios memhros da Comissao do Instituto.
mente considerada Brasil e os seus habitantes naturais brasu Cumpre, em verdade, náo olvidar que, nos primórdios do
ou braisílicos) muí estendi<la que- se chama Cari:os (~;irijó:) descobrimento e explorac;ao des te hemisfério, toda a América
muí maís mansa e capaz das cousas de Deus ; estes Ja estao do Sul e especialmente aqueta regiao compreendida entre o Rio
debaixo do poder do Imperador (Carlos V, Reí de Espanha e Orinoco e o Estreito <le Magalháes, se denominava Brasilia e
Imperador da Alemanha)." (Idem, ibídem, pág. 74.) . que, conseguintemente, só os nativos podiam legitimamente glo-
Quer, finalmente, o Dr. Moysés Vellinho outra prova admi- riar-se do apelativo de brasis. Sepé Tiaraju era, portanto,
nistrativa ainda mais concreta? Quando, em 1554, o adelantado genuinamente, autenticamente brasil, brasílico ou ainda brasi-
Alvar Núñez Cabe<;a de Vaca veio tomar posse do seu cargo, liense, no sentido racial da expressao.
no Paraguai, plantou um marco com as arma~ de Espanha em _E no que respeita ao gauchismo, quem será mais gaúcho
Cananéia e, ao chegar ao porto dos Patos (boje de Santa ~ata­ do que éle? Pois nao é o verdadeiro tg?.Úcho sinonimo de cen-
rina) desembarcou e, sem pedir Iicenc;a a nenhuma autondade tauro? E nao morreu Sepé como um verdadeiro centauro?
portuguesa, seguiu por terra até Assun<;áo. Nao houve, por · Reputamos a morte de Tiaraju, por exemplo, a mais ex-
conseguinte, "desbordamento" algum dos r·egulares da Compa- pressiva cena gauchesca da .H istória do Rio Grande, a reclamar
nhia de Jesus da Província do Paraguai para o território que, o pincel de um Diogo Rivera, ou de um Candido Portinari ou
depois, foi de Portugal e agora é nosso. o escopro de um Vitor Brecheret ou de um Antonio Caringi.
Isto, para falarmos, em termos .d e possessáo colonial eu- Aí está, com efeito, empolgante e palpitante, o centauro dos
rcpéia, convindo, porén1, nao es(¡uecer que, de 1580 a 1640, pampas, o hornero como prolongamento e complemento do ca-
86 MANSUETO BERNARDI

" valo, caídos ambos, e ambos -acidentalmente f eridos, mas, em-


bora caídos e f eridos, e sangrando, e morrendo, ainda procu-
rando erguer-se, e o bra<;o do homem ainda atirando um golpe \
de lanc;a. contra o seu agressor !
Que estupendo mural, ou tela, ou grupo ein bronze nao VIII
daria esse episódio bélico, transposto para o domínio da arte!
Em 1927, encomendámos ao pintor Lucílio de Albuquerque A Comissao, as Missoes e o Padre Anchieta
o esbO<;o de dois grandes quadros representando a entrevista com
Gomes Freire e a morte de Sepé. Mas os esboc:;os nao nos agra-
daram e a idéia morreu na casca, assim con10 tantas outras. Insiste a Comissáo de História em apresentar os pró-ho-
Entretanto, o' pro jeto merece ser executado, para figurar mens do ciclo inissioneiro, leigos e- religiosos como "antibrasi·
no Palácio Piratini ou na futura sede do Poder L.egislativo ~eir?s':, _só porque viviam e agiam em terr;s sujeitas entáo a
Rio-Grandense. JUnsdt<;ao de Castela, e obedecian1 as leis desse país, e colabo-
- Nao é verdade, repetin1os, que Sepé se f\izesse inatar de- ravam con1 as suas autoridades.
f endendo o Império Teocrático das Missóes contra os portu- ~elo estr!nho cr~tério dessa Comissáo, todas as nac;óes sul-
A

gueses. e amencanas, que confina1n com o Brasil, deveriam tan1bém con-


~le sucun1biu, sim, en-1 defesa da sua terra e do seu povo, siderar. ~ Companh~ de Jesus co1no "antiespanhola", pela sim-
exatamente pela razáo precípua de nao querer "emigrar" para ples razao de haver urna de suas pro~íncias, a da Assistencia
outras bandas que lhe haviam sido designadas. Baqueou com- de Portugal, evangelizado as selvas a sombra do pavilháo lusi-
batendo, ao mesmo tempo, contra Portugal e contra Castela. tano, tendo eventualmente favorecido, con1 isso, a expansáo <leste
Tombou gloriosamente, para nao deixar o seu ber<;o, para nao país, com grave prejuízo dos interesses de Castela.
sair do seu pago, para nao abandonar a sua querencia, em suma, Segundo exemplo. Conforme noticiou a imprensa, a ilha
pa'ra permanecer brasil! de Tenerife está erguendo um monumento ao seu grande e ilus-
~sses, os primitivos habitantes desta gleba, eram, entao, etni- tre ·filho, o venerável José de Anchieta, Apóstolo do Brasil.
camente, os únicos, verdadeiros e genuinos 1gaúchos e brasileiros, Adotando a prática da Comissáo, o Instituto de Cultura
nao passando o resto da popula<;ao de un1a turbamulta de adven- I-Iispanica deveria manifestar-se contrário a homenagem,' sob o
tícios e filht>s de adventicios. fundamento de que Anchieta exerceu o seu ministério em terras
do clomínio portugues e precisan1ente entre aqueles terrívefs
n1an1alucos que, con1 tanto ímpeto, contribuíram para destocar
para o ·Ociclente o meridiano de Tordesilhas, com profunda e
irreparável lesao da Coroa de Espanha. E aquí com a agra-
vante de ser Anchieta u1n súdito castelhano, equivalendo por
esse n1otivo, no parecer da Cotnissáo, a sua convivencia e enten-
dimento COlTI O inimigo a Ut11 verdadeiro crime de traic;ao a
pátria.
Teve, porventura, alguém na Espanha a extravagante idéia
de alegar esse fato? Absolutamente ninguém. Pois qual o co-
rac;áo bem formado que negaria a sua homenagem aquele ho-
mem de orac;áo, candidato a glória dos altares?
/
,

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88 MANSUETO BERNARDI O PRI1fEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 89

Entretanto, nem todos enxergam no cantor da Beata Vir- N essa conformidade, é bem de ver que nao nos é mais lícito
gem um esnelho de perfeiGao crista. porque. se procurarmos bem, c?lti;ar a memória do roupeta canário, nao só porque "isso se-
com o auxílio da lanterna da Comissao Anti-Sepé, nós descobri- na 1ncompatível com a venera<;áo devida aos que, no passado,
remos na vida íntima do Padre Anchieta cousas deveras estra- Iutaram por conservar dentro das confronta<;óes luso-brasilei-
nhas. e até horripilantes, sob o ponto de vista cívico e moral. ras as terras do Rio Grande", mas também porque e sobretudo
Descobriremos. por exemplo, que. enouanto, como espanhol. porque, em face do exposto, nao passava o sedizente Apóstolo
ele se aliava e colaborava com os portugueses, en1 Sao Paulo, do Brasil de um perfeito quintai-coluna, vestido de catequista!
Rio de .Taneiro e Bahia, exercendo, portan to, aparentemente, Basta. pois, de contempla<;óes com esse agente secreto es-
"urna aGao nee-ativa e adversa" a Espanha. por outro lado, como panhol ! Para longe a idéia de dar o seu nome suspeito a ci-
suoerior provincial, regalava-se em mandar para o Parag-uai o dades, estradas e colégios ! Fora com o "bifronte" ! Nao se
primeiro núcleo de inacianos, fundadores da Casa de AssunGio, abram mais para éle as páginas da História doBrasil ! ...
donde, acrescidos logo de outros, pouco a pouco "desbordariam" T.erceiro exemplo. Quando Hernán Cortés invadiu o Mé-
para as Províncias do Guairá e do Tape, co1n o i.Ptuito político e xico, quem lo¡o saiu, armado, a embargar-lhe o passo, f oi o
absconso de doutrinar indígenas e estabelecer aldeamentos ' in- Imperador Guatimozim, que os astecas chamam Cauahtemoc.
,
cumbidos de hostilizar aqueles mesmos nortugueses, de quem Pelo critério da Comissao, os mexicanos de hoje deverian1 tra-
se fin~da aliado e amigo no Brasil! e tá...lo como inimigo •dos seus antepassados, aos quais se opos
O projeto de conquista do Paraguai pelos regulares de ar~orosamente, a tal ponto que os invasores o deitaram num
Santo Inácio da Província do Brasil era antigo. Data de 1551. leito de brasas, a fim de l~e extorquir a confissao do esconde-
Acariciaram-no, sucessivamente, dentre outros. os Padres Ma- rijo dos seus tesouros.
noel da Nóbrega, Leonardo Nunes e Luís da Gra. Mas foi so- Pensam os senhores que os mexicanos descendentes de es-
mente Anchieta, durante o seu provincialato, que, afinal, o pode panhóis tratam Guatimozim como adversário ou inimigo? Pelo
realizar. contrário. Quando o :governo daquele país decidiu oferecer ao
"Foi, pois, de certo modo, o :Apóstolo do Brasil - acusa Brasil um símbolo do valor pessoal, do heroísmo, da altivez, do
Eduardo Pra<lo - o funda<lor das Cristanclades Tesuíticas do apego a terra, do espirito de resistencia e de sacrificio do seu
Paraguai." (Vide. para maiores detalhes, &tuardo Prado - povo, o vulto escolhido f oi exatamente o do indio Guatimozim,
Conferencias anchietanas. pág. 53. Serafim Leite, . S. J. - His- cuja estátua lá figura no Rio de Janeiro, na contfluencia da Praia
't6ria da Companhia de Jesus ,no Brosil, vol. ,I, páigs. 333 a 358 do Flamengo com as Avenidas Osvaldo Cruz e Rui Barbosa.
e A!urél~o Por.to - História das Missóes Orientais do Uruguai, Assim cultuam os mexicanos, descendentes de espanhóis, os
págs. 10 a 17. Y seus heróis nativos. Mas cor,no é diferente o amor em Portugal!
~ esse, justamente, o solerte plano denunciado pelo Dr.
Moysés Vellinho no seu artigo, "o plano que, sob o patrocinio
dos Reis de Castela. a ·Comoanhia de ! esus procuraria ( vir) r-ea-
. lizar aqui, 3111tes da instala<;áo oficial da Capita:nia do Rio
Grande."
E dizer-se-que faziam parte da primeira leva de missio-
.nários. enviados ao Paragu~i. para aquele tenebroso fim, dois
-t.ransfugas, portug-ueses, os :padres Manuel de Ortega e Este~o
da Gra, e que t0dgs .iam' á i;nstantes. pedidos de outro renegado
luso, o dominicano Frañciscó Victoria, hispo de Tucumá ! . , ,
' .
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 91

Por que asseverar que Sepé nada tem que ver com o Rio
Grande e com o Brasil, se ele é muito mais rio-grandense e
,
n1uito mais brasileiro que todos nós·?
Nao! Nós nao participaren1os jamais de semelhq.nte cor-
IX dáo, nem seguiren1os ja1nais semelhante critério, que só ten1,
'
na órbita externa, a virtude negativa de sombrear as nossas
M onu,1nentos E retos e a Erigir relac;óes com os países vizinhos e, na esfera interna, o demérito
de envenenar as nossas rela<;óes gremiais e sociais.
Durante a solene inaugura<;áo do Monumento ao Imigrante, Excluir os heróis civis missioneiros e os apóstolos e már-
em Crudas do Sul, no ano de 1950, perguntou-nos um conhecido tires jesuítas pelo siinples fato de haveren1 exercido a sua ati-
se nao achávamos u1n desaforo que os alemáes e os italianos já vidade apolítica sob o lábaro de Castela, afigura-se-nos um
tivessen1 un1 monumento co1nen1orativo de sua vinda t> do seu erro, un1a injustic;a, un1a crueldade, un1a ingratidao. Dizemos
trabalho e nao tivessen1 n1erecido até boje o mesmo tributo de mais: um impossível. Porque, no dia em que lhes fechássemos
hon1enag-em e gratidao os colonos portugueses,• que os haviam as portas da (lOSSa história, eles entrariam pelas janelas, eles
precedido de quase um século. penetrariam, - fluidos sutis, - através das paredes das nossas
Responden1os nao achar nisso de~foro al1gun1. Julgá- casas, para virem S(l exibir e impar a contemplac;áo dos nossos
vamos, isto sim, e o dizíamos francamente, que os descenden- olhos, tao impregnado está, pela radioatividade de suas almas,
tes de lusitanos é que haviam, a nosso ver, negligenciado no • o ar que todos respiran1os.
cumprimento do seu dever. E que já era tempo de cumpri-lo. Capacite-se a Comissao de História: muito mais que a cir-
Por que nao se aproveita agora a ocasiáo para preencher cunstancia a.cidental do nascimento, ou da ori;gem portuguesa, a
essa lact,tna? Por que, por exe'mplo, a Comissáo de História, benemerencia de certas vidas e o heroísmo de certas mortes po-
em-vez de malbaratar o seu tempo, a sua cultura e a sua inteli- dem conferir cartas de naturalizac;áo e até mesmo títulos de
gencia com questiúnculas de campanário e negativismos discri- nobreza.
minatórios e estéreis, nao promove a reda<;ao de urna seleta ga- Nessa conformidade, por que ~ repetimos - a Comissao
leria <le perfis dos nossos governantes do tempo do Brasil-Colo- de História e Geografia do Instituto nao pron1ove a erec;áo de
nia, que jazem qua.se ignorados, mau grado dentre os mesmos um grandioso 1nonun1ento - Aos conquistadores do Rio Grande
se encontrarem vultos de acendrado espírito público e grandiosa do Sul?
estatura intelectual e moral, vultos que sao verdadeiras repro- Dizemos deliberadamente "Conquistadores" e nao coloniza-
du<;óes de certas efígies consulares romanas? dores, porque a i1nigra<;ao civil portuguesa precedeu, nesta ex-
Muito mais lucraría, se1n dúvida, a comunidade rio-gran- tremadura austral, a conquista arn1ada. E o que houve no Río
dense com um conhecimento mais íntimo da vida e das obras Grande do Sul foi conquista militar, no duro, antes do povoa-
desses soldados e desses administradores do que com o espetá- mento pacífico. Conquista efetuada com disciplina militar pres-
culo do injusto e infrutífero empreendimento, a que se entre- tante, passo a passo, com derrame de muito suor e de muito
garam alguns estudiosos, de enxotar do campo da nossa história sangue, com lan<;as, tiros e patas de cava.lo, até a fixac;ao defi-
homens repletos de méritos e servic;os, os quais, se alhures nas- nitiva das fronteiras em pontos mais ou menos naturais.
ceram, a.qui desenvolveram toda a sua fecunda atividade. aqui Cremos que essa noc;áo <leve ser bem incutida na cons-
se devotaram a obra ingente da assistencia econ61nica e espiritual ciencia da n1ocidade e do povo, o qual terá, por certo, muito
a popula<;áo nativa, aquí muitos deles estáo sepultados e aqtti mais co~fian<;a e orgulho em pisar um solo adquirido a custa
ainda outros chegaram a colher a palma do martírio.
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92 ; MANSUETO BERNARDI
ges do Canto e Manuel dos Santos Pedroso e pelo paulista Ga-
de muitos sacrificios, cruentos e incruentos. do que possuir e briel Ribeiro de Almeida, poderosamente auxiliados debaixo do
gozar urna terra que f osse produto de urna barganha diplo- poncho, .pelo comandante da fronteira de Rio Pardo, Coronel
mática ou de um donativo papal. Patrício José Correa da Cámara e pelos próprios índios guara•
,, Monun1ento a. "Conquista Portuguesa do Rio Grande do. nis, sem cuja adesáo e ulterior concurso a gigantesca empresa
Su1 , por consegu1nte. de certo nao teria sido tao rápida.
Dito monumento poderia ser custeado pelo Erário E stadual. Como estes tres heróis representam a conquista armada,
em parcelas anuais, durante oito a dez anos e con1 substanciais tres sacerdotes inacianos poderiam sin1bolizar a conquista espi-
auxílios da Uniáo e de todos os n1unicípios rio-grandenses, o ritual: Roque González de Santa Cruz, Antonio Ruiz de
que nao seria nada difí~il de se obter. Montoya e Antonio Sepp. E ísso tambén1 se1n esquecer u1n
. Seria o mesmo de propor<;oes grandiosas e a erguer-se na n1erecido tributo individual ao índio Sepé, que é vinho de ou-
futura Avenida Beira-Rio, que se denominaría Avenida Ale- tra pipa, ou, antes, mate amargo, sob todos os pontos de vista.
.t:andre de Gusmao. em homenagem a um dos deuses Terminus Na futura Avenida Alexandre de Gusmao, que deveria
da sistematiza<;áo dos nossos lin1ites. ('Os outros dois sao J oa- ter, pelo menos.( 40 a SO metros de largura, com duas maos, se-
quim N abuco e Rio Branco.) ' riam efetuados os desfiles cívicos, de paisanos e militares, no
No ápice do monumento seria ~o locada a estátua do genial Día da Independenci(l-, passando· escolares e Jropas em cont~­
negociador santista-portugues, que mais tfubalhou pela fixa<;ao nencia <liante do Monumento dos Conquistadores, onde sena
definitiva das nossas fronteiras con1 os países vizinhos. construído o palanque oficial permanente, de granito, para as
e pelo povoamento da caipitania de Sao P edro do Sul. autoridades.
Abaixo da estátua principal, viriam colocados, em ordem de- O monumento, contendo baixos-relevos em bronze repre 4

crescente. as estátuas dos outros integradores: Gomes Freire, sentando o Comércio, a indústria e a Agricultura, as Letras, as
Silva País, Cristóvao Pereira de A·breu, Rafael Pinto Bandeira, Artes e as Ciencias, o Poder Temporal e o Poder Espiritual, e
Brito P eixoto. Joáo de Magalháes, David Marques Pereira, urna Capela votiva na cripta, ao mesmo tempo que representada
Patrício .Tosé Correa da Camara, Sebastiao X avier da Veiga Ca- o resgate de urna <lívida coletiva de gratidao, teria por escopo
bral da Camara, D. Diog-o de Sousa, José Marcelino de Figueire- apontar e recomendar, para todo o se1npre, os nossos homens
do, Soares de Andréa, Cerro Largo, Manoel Marques de Sousa, representativos ancestrais ao culto, estudo e apre<;o das gera~óes
Tomás Luís Osório e os Dragóes, os conquistadores das Missoes. vindouras. 1
os Generais Bohm e Funck, e outros que nao 1nencionamos aqui, Por que motivo a ComissáQ de História do Instituto,' em
porque nao estamos fa.zendo - urna rela<;áo, n1as urna simples vez de gastar o seu precioso tempo, catando lendeas na ca:b;~
¡ ~ 1 . ,~- ·~
sugestao. · ·· dos mártires e heróis missioneiros, no inglório empenho de 1m 4

O Secretário de Educa<;áo e Cultura seria o presidente pedir ou pelo menos de reta:dar a inscri<;áo,.. dos seus 1:º~~s .no
nato da comissao incumbida da ere<;ao do monun1ento, bem como livro de ouro dos Fastos R10-grandenses, nao toma a 1n1c1at1va
da escolha dos figurantes. da constru<;áo desse Templo;Monumento que, estamos certos,
Sem preju!zo de sua comparencia no .f!10numento a ser eri· alcan<;aria um apoio imediato e completo? ~
gido na capital do Estado, os Conquistadores das Missóes de- Aí f ica a nossa humilde sugestao. Se porventura eia for
1

veriam merecer outro. a ser oportunamente erguido em Ijuí,


S anto Angelo, Sao Miguel ou qualquer outro ponto adequado.
aceita, máos a obra sem deten~, porque já estamos bastante
atrasados.
Tudo isso setn olvidar que houve duas conquistas das Mis-
soes: urna espiritual. originalmente ef etuada p elos jesuítas e
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
\ - J
outra militar, realizada, cientre outros, pelos gaúchos José Bor-
www.etnolinguistica.org
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 95
Multiplicam-se para atingi-los, semeando o bem. E morrem nos
clescan1pados, olhos fitos em Deus, e cora<;óes cheios de ben<;áos,
sen1 um grito de revolta, porque sabem que sobre suas cinzas
Deus construirá para os pobres índios um inundo melhor, ilu-
niinado pela sua caridade infinita.
X Os monumentos :g randiosos que nos· legaram, nessas Anuas,
que sao un1 tesouro histórico do Brasil, em sua maior parte des-
Aurélio P.orto e as R edufoes conhecidas e inéditas, permitem que se os veja, dia por día, nessa
larga trajetória en1 que fincam os esteios de urna civilizac;áo
A propósito da inclusáo ou exclusa.o dos vultos e fatos crista, que a política estreita dos ten1pos e as am·bi<;óes dos
missioneiros nos textos da nossa história, quem, com n1ais brilho homens nao pernlitiran1 atingisse o seu apogeu.
e f unda1nento, se pronuncia pela inclusao é o saudoso e generoso Há algun1a·s que sao verdadeiros con1pendios de etnologia,
Aurélio Porto na sua magnífica História das Mis'soes Orientais geografia, história, ciencias e artes. O utras nos revelam o caráter
do Uriigua1) a qual, a par da Viageni as Missoes e Trabalhos íntegro desses homens formidáveis, singularizados, aquí e ali,
Apostólicos) do Padr,e Antonio Sepp, deveria fi~urar em todos por um tra<;o psicológico, por urna f ei<;ao mor~l ou pelo senti-
os lares rio-grandenses, nao só como utensílio ele cultura inte- mento universal de a¿nor ao próximo, em que fundam os ali-
lectual, mas ta1nbén1 como instrun1ento d61 forrria<;ao moral da cerces mais fortes da sua catequese. Através dessas Anuas,
j uventude. Eis o voto de Aurélio Porto sobre esta questao : con10 procuramos fazer, se pode1n escrever trabalhos ainda ori-
"Entre os que passaram pelas recluc;óes do Uruguai e do Tape, ginais, sobre quaisquer aspectos por que se encarem os jesuítas
há urna pleiade de vercladeiros filólogos: os Padres Roque Gon- desses te1npos afastados e gloriosos.
zález de Santa ·Cruz, J\1arcial de Lor·enzana, José 1Catalclino, Si- Integrando-os a História do Brasil, de que sao excluídos,
mao Mazzeta, Antonio Ruiz de 1\!Iontoy:a, Pedro Romero, Fran- porque em território depois brasileiro f undaram urna civiliza<;ao,
cisco Diaz Taño e muitos outros, que sao expressóes de verda- que se reflete nas popula<;óes n1eridionais do extremo sul, nao só
deiro saiber lingüístico. Quase todos aliava1n ao conhecimento pela incorpora<;áo desses índios, que educaram, a família brasi-
das línguas indígenas profundas raízes hun1anísticas e noc;óes leira, como pelos monumentos de arte que nos .legaram e que
das várias ciencias das inais' adiantadas épocas. E, coroando o constituem elevado patrin1onio histórico - senao pela univer-
saber humano, todos esses ho111ens, excedendo.-se ª-si próprios salidade da própria Companhia de Jesus - cun1primos um dever
em abnega<;ao e virtudes, bem merece1n da posteridade pelo bem de justi<;a." (Aurélio P'o rto - 1-Iistória das Missoes Orientais
que praticara1n, pelos exemplos cristaos que andara1n espalhan- do Uruguai) Río de Janeiro·, 1934, págs. 136 e 137.)
do, pelo sangue que derranuram nos n1artírios que os santifi-
caran1, elevando-os a Deus, circundados de um halo in1perecível
de glória. . .
O trabalho desses homens en1 todas as atividades temporais
e espirituais, que tiveram de exercer entre os nossos a'borígines,
causa verdadeiro asso1nbro. Hu1ni·ldes e si1nples, abnegados e
heróicós, retrata1n-se e1n todos os se.ús gestos, percebidos nos
relatórios - Anuas - cotn que levavan1 a seus superiores o
conhecin1ento das cousas atinentes as aldeias que f undavam e
dirigia1n. Há, en1 todos eles, urna ansia de perf ei<;ii.o moral.
Un1a aspira<;ao a santidade. Um desejo incontido de sacrifício.

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O PRIMEIRO CA UDILHO RIO·GRANDENSE 97
A verdade foi respeitada nestas páginas. Apenas o romance
a imagina~áo preencheu."
1\1as, adverte em seguida, para evitar quaisquer' possíveis
sofisticac;oes e n1al-entendidos fu tu ros: "Sepé nao é urna cria-
XI ~áo da fantasía. É um herói de carne e osso. Hoje, um símbolo
tao aJto como aqueles que Zorrilla e Alencar criaram na legenda.
S epé e os I ntelectuais rio-grandenses É o primeiro g rito de amor a terrado Rio Grande. Urna figura
que pede um monumento. O nun1e racial que deve ser procla-
No meio do seu parecer, a Comissao de História formula, mado e glorificado no espírito das novas gerac;oes." (Manoelito
por linhas travessas, unla proposta muito engra~da. El~ r ejeita, de Ü'fnellas - Tiara.ju) Pórtico) Edi~ao Globo, Porto Aleg~e,
com arrepios de horror, o Sepé histórico, inilitante e social, n-ias 1945.)
estaria disposta, - para o f iin de "enriquecer o seu patrimonio
Já no volume Tradifoes e Símbolos, estampado em 1940,
cultural", - a ficar com o Sepé lendário, pseudo-santo, um-
acentuava 1\1anotlito de Ornellas : " O· tratado de 1\!ladrid de 17 50,
brátil e nefelibata. ,.
celebrado entre os reinos decadentes de Espanha e Portugal,
Recusamos liminarmente a maliciosa proposi~o. Ou os impunha o abandono das Miss6es •Orienta.is pelos jesuítas e
Comissários aceitam o Sepé inteirinho, coq! sua lan~ de ponta índios catequizados. tTa consciencia <los primeiros rio-granden-
de ferro, suas setas e suas boleadeiras, com sua carne, seus ossos ses, nasceu, como urna predestina<;áo, o sonho e o anseio da li-
e seu lunar, ou náo lhes deixamos nada. E nao lhes deixamos berdade. Nem com os exércitos de Espanha, nem com os ex ér-
nada, porque aceitar o Sepé irreal, larvar e fantástico e recusar citos de Portugal. ~les queriam a terra, contra urna imposi<;ao
o Sepé revolucionário e guerreir0, estuante de humanidade e preo- ·e xterna. Deviam abandonar suas aldeias, suas searas, e suas
cupa<;áo social, seria, de certo modo, matar o índio macho pela igrejas, tudo, as máos dos invasores. Foi em Santa Tecla que
segunda vez, no que nós, seus padrinhos e def.ensores, absolu- os nossos primeiros irmáos, pelo sangue e pelo ideal, sentiram
tamente nao estamos dispostos a consentir. a enormidade do sacrifício da injusti~a humana.
~sse Tiaraju lábil e fictício, nútico e misterioso, filho da . Naqueles e~píritos incultos, um tropel de sentimentos se
crendice e da superstic;áo popular, seria, no dizer do Dr. Moy- agitou, os senthnentos pujantes e profundos que prendem o
sés Vellinho, o preferido pelo escritor Manoelito de Ornellas, homem - culto ou bár·baro - ao trato da terra que ama ins·
· que o revive "no belo poema em prosa que com justi<;a lhe tintivamente.
consagrou. '' · Foi aí que Tiaraju surgiu, con10 o genio da terra ·selvagem,
Nao é verdadeiro o asserto do nosso douto , cqntraditor, lutando pelo pedac;o de chao onde erguera a sua taba, onde ris-
co1no logo se verá. cara com seus pés os priineiros caminhos na selva inviolada,
De saída, no P órtic-0 do seu poema, declara o brilhante es- onde colhera os primeiros frutos e onde desvendara, maravilha-
critor 1vlanoelito de Ornellas: "Foi Sepé o primeiro caudilho do, os primeiros mistérios da fé.
rio-grandense. Morreu na batalha de Caibaté, na prin1eira re· Tiaraju morreu a frente de seus índios, brandindo seu arco
frega, na tarde de 7 de fever·eiro de 1756. Sepultaram-no a mar.- de guerra, como um símbolo: o símbolo inderrocável de urna
gem de um· río que, como a terra, se chamou, depois, Sao Sepé. ra~a, que se havia de prender a querencia, com o an1or fetichista
Porque a i.magina<;áo popular canonizou o índio, a quem em- do prin1eiro clá."
pr·estou um fulgor de santidade. Foi assim que o herói nativo en- E pergunta, outra vez: "Se enchemos de bustos de bronze
trou para a lenda e para a história. os recantos silenciosos e mágicos dos nossos parques urbanos,
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98 MANSUETO BERNARDI
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 99
por que nao levantamos ainda, como um símbolo do próprio E qual a parte que mais lhe agradou dessa sinfonia?
Río Grande, o monumento ao Indio Tiaraju, o grande Sepé, A segunda, denominada A F onte.
no verso de Basílio da Gama, un1a figura autentica de herói, Ora, é justamente no capítulo segundo da sua extraordiná-
nem o Tabaré da lenda oriental, nem o Peri da criac;ao romantica ria cria<;áo que o consagrado romancista descreve e exalta o
de Alencar, nem o Anhanguera da imaginac;ao bandeirante, mas florescimento das Missóes, ben1 como a vida e a morte do santo
o índio de carne e osso, que lutou e deu o seu sangue por amor e guerreiro Sepé Tiaraju.
do Rio Grande?" (Manoelito de Ornellas - Tradifoes e Síni-
bolos, Porto Alegre, 1940, págs. 15 e 16.)
Na sua linguagem simbólica, é como se Érico dissesse: "O
P?n:o. de partida, a origen1, o n1anan~ial, a f onte, a genese da
Manoelito de Ornellas consagra ainda a Sepé Tiaraju um
h1stona e das tradi<;oes rio-grandenses reside nas Missóes e
capítulo inteiro dos seus Símbolos Bárbaros, no qual o índio
quen1 nao beber da água dessa fonte, e nao se lavar com a água
forn1idável é qualificado "santo e herói das Tabas". (Livraria
dessa f ante, claudicará nos seus j uízos e 1nutilará o registro e o
do Globo, Porto Alegre, 1943, págs. 119 a 134.) •
relato de nossa existencia coletiva.
1
Como se ve, a posi<;ao de Manoelito de 10•rnellas em rela-
c;ao a Sepé Tiaraju é radicalmente o posta a Ca Comissao de - Diverg$ radicalmente da Comissao de História o erudito
!Iistória do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do historiador Padre Luís Gonzaga Jaeger, S. J., autor de Os Tres
Sul. e lvfártires R io-grandenses e de Os H eróis do Caaró e Pirapó e
- Náo pensa igualmente como a Comissao de História o \ outras meritórias .co~tribuic;óes ao estudo, esclarecimento e res-
notável escritor e sociólogo Alcides Maya, conforme evidencia- sur-reic;áo do IRio Grande primitivo, o qual, no .próprio seio do
mos em nosso artigo Evocafao de S epé Tiaraju. I~stituto, com lisura e vantagem refutou as premissas, conclu-
- N em concorda com a Comissáo de História o nosso soes e assen;óes do voto ali emitido contra Sepé Tiaraju.
máximo narrador regionalista, o grande Joao Simóes Lopes Para aquete ilustre inaciano, cujo parecer reproduzimos na
Neto, que escreveu, transcreveu ou · subscreveu as brónzeas es- íntegra, em apendice <leste volume, "Sepé foi a alma da resis-
trof es do Lunar de Sepé. tencia indígena ao cumprimento do Tratado de Madrid de 1750"
- Discorda também completamente da ~comissáo de His- sendo hoje "u1n s1mbolo definitivan1ente incorporado a viru:
tória o maior romancista rio-grandense e brasileiro da atua- histórica do Río Grande do Sul". "~sse morubixaba se me
lidade, Érico Veríssimo que, em O Tenipo e o Vento, tece um afigura - acentua ainda o mesmo historiador - com todas as
verdadeiro hino de glória as Missoes Orientais e .especiahnente boas virtudes que nós rio-grandenses tanto admiramos, indomá-
a Sepé Tiaraju. vel nas suas resoluc;6es, de urna intrepidez sobre-humana pé-
Conversando, nao faz n1uito, com urna senhora n1issioneira, rante a própria morte.
despida de qualquer veleidade literária, mas excelente musicista, Ergue-se soberano, cresce resoluto, avulta feroz e se agi-
perguntamos-lhe se gostava das obras de V eríssimo. ganta como un1 soberbo caudilho, um líditno centauro, n1odelo
Respondeu-nos que nao gostava muito das histórias ante- e símbe io perf eito para qu<,i.ntos lhe .sucederam.
riores desse escritor, porque lhe pareciam al¡go fictícias e algo Um gaúcho dessa tempera está a reclamar de todos os fi-
decakadas sobre trabalhos congeneres ingleses e norte-ameri- lhos desta terra um monumento, como Tasso Fragoso já o
canos, porém que, com O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo reivindicou em seu livro: "A Batalha do Passo do Rosário."
nao só a havia conquistado, de assalto, mas até mesmo a em- (Jornal do Dia. Porto Alegre,, 8-12-1955, 2.0 caderno, págs.
polgara, por completo. Rep~to esse romance cíclico meridional 9 e 10.)
- acrescentou nossa interlocutora - urna verdadeira sinfonía - Náo pensa como a Comissao de História o reputado
wagneriana. historiador, economista e sociólogo Félix Contreiras Rodrigues,
100 MANSUETO BERNARDI O PRIMETRO CAUDILHO R~O-GRANDENSE 101

o q~~l, con1 tod~ ? peso de sua vasta cultura e de seu in1parcial aquele escritor, urna das mais altas expressóes da intelectualidade
es1?1n to de br~s1hdade, ainda há pouco procla111ou que " Sepé sulina, insere un1 admirável poema intitulado: "•Ronda dos He·
exige ~1n1a estatua no Cerro de Bagé." róis", no qual evoca os arquétipos gaúchos que .
" ~1s as palavras tex tuais do seu valioso pronunciamento:
Sepe se tornou um vulto rio-'g randcnse desde o 1non1ento ein T endo por teto o Céu, os arreios por leito
que se atirou contra os Por t_ygueses, que nós, depois, ex pulsa- e o poncho, quando cai a chuva, por bar raca 1
mos, para fazer a nossa independencia, e contra os E spanhóis, ~asta-lhe inda hoje um pingo, um trabuco e u ma faca,
que nesse tcn1po sempr e guerreávan1os. para pelear em prol do que é justo e direito.
Sepé encarna a aurora da nossa história e merece um mo-
n t;1ncnto :qüestre e no Cérro ele Bagé, que era a sua vigia. E ntre "os centauros do Sul, 111onarca das coxilhas", ex·
Ai se fara un1 parque dominado por sua fio-ura an1eríndia a clama, a certa altura, de sua ode, o inspirado poeta :
cavalo, de en1 pelo, com a aljava cheia de set~s, o arco na ~ao
esquerda e a pahna da direita acin1a dos olhos, fazendo sombra V cjo aqui sobre um cerro, im.p assível, de pé,
para bem ver Andonaég ui, que vinha do Ace<f·uá e Gomes - qual s~ já f6ra o bronze em que o esculpiu a Piistória -
Freire, que vinha do Seival buscando a incor~or~<;ao que se o guapo Tiara ju, que se cobriu de glória
efetuo u nessas ünedia<;óes, sobre a Cox ilhc:t Grande. nos dramas da•invasao espanhola, Sepé.
Sepé é urna fonte, urna origetn , u1na fon;a emanada dos
primórdios do Río Grande. Vejo, após, Rafael Pinto Bandeira, a frente
, , Sepé exige urna estátua no Cerro de Bagé, reservando 0 de cento e vinte heróis, investindo, sen1 n1edo,
• El Señor Juan José de V értiz y Salcedo,
Cerro de Santa T ecla para outra estátua a R afael Pinto Ban-
deira." ( Jornal do Dia, P orto Alegre, 23-12-1955.) , destro<;ando-o, afinal, de um golpe, heroicamente.
M eus cordiais parabens pelo seu peren1ptório e oportuno
pronunciamento, meu caro an1igo e confrade F élix Contreiras - E passava de n1il, fora os ínclios e escravos
'
Rodrigues. Assim é que se faz história e sobretudo justic;a a audaciosa legiao do exército invasor,
histórica, dando a Oésar o que é ·d e César e a Deus o que é de . que é batido e que fd.ge ante a bravura e o ardor
Deus. A idéia das duas estátuas, a seren1 erguidas nos cimos do luzido esquadrao desse grupo de bravos. -
'
dos Cerros de Bagé - urna ao valente correig,edor e capitao
I revolucionário a1neríndio e outra ao brigadeiro colonial conti- Como se ve, nao há necessidaele ele excluir e expatriar Sepé
nentino, leal e intrépido, é larga, generosa, edificante e con1pleta. Tiara ju para cingir de louros a fronte ele Pinto Bandeira. O sol
Futura111ente há . de ser concretizada. da glória tem raios para dourar a efígie dos dois, ao mesmo
tempo.
- A sen1elhan-Ga de Félix Contreiras R odrigues, outro'·
laureado poeta e prosador gaúcho, H on1ero Pratcs, e1nparelha - N ao pensam como a Comissáo ele História os escritores
no. altar de seu culto cívico Rafael Pinto Bandeira e Sepé Tia- e historiadores Roque Callage, Dante de Laytano, Walter Spal-
raJU, colocando, porém, cronologicamente, em prin1eiro lugar, ding, Clemenciano Barnasque, Valdomiro Sousa, Tarcísio Ta-
o ca111peador missioneiro. borda, e F ernando Luís O'sório, o qual, na sua obra· S angue e
N o seu livro Ao sol dos pagos, premiado no concurso de Alnw do Rio Grande, insere até um esboc;o do monumento que
poesía aberto pela Sociedade Sul-lRio-grandense, do Rio de Ja- a
o Estado <leveria erigir memória dQi "denodado e nobre Sepé,
neiro, por ocasiao do centenário da Revoluc;áo dos Farrapos, o primeiro caudilho do Rio Grande". ( Pág. 76.)
102 MANSUETO BERNARDI

A maqueta desse inonumento f oi executada, há muitos anos,


por encomenda de Fernando Osório filho, pelo escultor brasi-
leiro Eduardo de Sá e encontra-se, hoj e, na Prefeitura Munici-
pal de Sao Sepé, estando já o herói aborígine sem bra~os, como
a Venus de Milo. Outra n1aqueta de n1onun1ento a Tiaraju, mas XII
esta de natureza eqüestre, foi elaborada) em 1934, para a Ponte r
da Azenha, pelo admirável artista conterraneo Antonio Caringi, Ainda S epé e os Intelectuais
autor do grandioso Monumento ao Imigrante, erguido em Ca-
xias do Sul. O prof. Walter Spalding, diligente cultor da História Pátria
O voto de F ernando Luís Osório é particularmente valioso, e apaixonado folclorista, incisivamente assim se pronuncia: "Se
seja pelo alto espírito de justi<;a, seja pela rara imparcialidade for verdadeira a assertiva de que "elementar honestidade mental
que o ditou, pois o saudoso escritor pelotense, além de ser in- determ.ina que a persona¡gem histórica seja situada no seu papel
f enso aos jesuítas missioneiros, ainda conta entre os seus ante- exato e verdadeiro dentro da História" e, portanto, da H u1nani-
passados, al.guns oficiais participantes, e até f ervos, na Guerra dade, negar a ~epé Tiaraju o papel preponderante que teve como
das Redu<;óes. filho das selvas rio~grandenses no movimento que culminou, quase
< cinqüenta anos mais.tarde, com a incorpora<;ao das Missóes ao
território gaúcho, portanto, brasileiro, depois de ter sido por-
tugues, - será, si1nplesm·ente, "desonestidade mental".
Admitimos que o Rio Grande do Sul na sua parte missio-
neira tenha duas histórias: urna espanhola, que vai até 1750,
- o povoamento organizado com~ silvícolas rio-grandenses' pelo.s
jesuítas espanhóis, e outra portuguesa, a partir de 1750 até 1822.
Mas jamais poderemos admitir que o contexto dessas duas His-
tórias nao perten<;a, exclusivamente, ao Rio Grande e que nao
fac;am, assim, parte integrante da grande História do .Rio Grande
do Sul, que continua brasileira de 7 de setembro .a nossos dias,
inclusive, sem favor, os longos anos da Revoluc;áo Farroupilha.
-Assim sendo, tudo quanto é boje sul-rio.:grandense, sempre
f oi sul-rio-grandense, desde a pré-filistória, desde que, através dos
tempos, se foi formando este cora~ao, ao pesco<;o do Brasil, nao
para enfeitá_-10, mas para dar-lhe maior grandeza, mais galhar-
dia e maior vitalidade
Porque, se formos negar que as Missóes do Uruguai, os
Sete Povos - sejam rio-grandenses e brasileiros, teremos, ipso
facto, que negar - porque da pré-história, porque da forn1a~ao
da terra - seja rio-grandense todo ess·e mundo fóssil que pos-
suímos, parte do qual já foi estudada por Carlos de Paula Canto.
para somente ref.erirmos nosso moderno e mais j ovem paleon-
tologista.

103

..
104 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSB 105

E se, geralmente, f orem parte integrante da I-Iistória do Rio que os seus,· nao querendo D.frde-lo, o elevaram ao céu, cano.
Grande na sua vida primitiva, nos seus primórdios como terra, nizando-o, para que continuasse a sua luta. ingenté em defesa
todos esses fósseis, por que negarmos as Missóes que, por curto deles e das terras que eram suas, que eram do Rio Grande,
tempo, relativamente, estiveram sendo dirigidas por espanhóis, o C0111.0 rio-grandenses eram eles e f ora - e continua sendo -
direito de serem também parte integrante da História do Rio seu inolvidável ohefe e condutor - Sepé Tiaraju." (Jornal do
Grande do Sul? Dia, Porto Alegre, 18-12-1955.)
11as, se uns e outros foren1, como na verdade sao, genuina- - Diss·e nte da Comissao de História o historiador militar,
mente rio-grandenses, tudo quanto existiu, viveu, lutou e sofreu Coronel I-Ienrique 0scar Wiederspahn, o qual, em A Guerra
1

nas terras missioneiras ,e ra e é rio ..grandense, se ali permmeceu e das Redufoes, assevera ter tido início, com eta, "a primeira luta
se por elas e em defesa delas morreu. dos filhos do Rio Grande pelos seus direitos contra a for(a..
A Guerra das Redu<;óes representa um esfor<;o desesperado dos
Ora, Sepé Tiaraju nasceu nas Missóes, em Sao Luís Gon- indígenas rio-grandenses contra os mais ilustres !generais por- •
zaga, teluricamente ligado, portanto, ao Rio Grande do Sul, que tugueses e espanhóis. Defenderain sua terra con1 ·denodo admi-
os esp~nhóis clenominava1n "Adjacencias do Paraguai" e "País rável. Apreci~-se entao a indústria bélica da civiliza<;ao jesuítica.
do Tape" e os portugueses "Capitanía d'El-Rt'.i". N ~ar-lhe,
- como a todos os seus companheiros de terra e de lutas, o direito
de seren1 rio-grandenses, é o 1nesn10 que nt!"ar aos poloneses, por
Fabricaram-se canhóes e mesmo alguns conj ugados que pode-
riam ser tomados ~orno precursores <la metralhadora.
Em, 1754, foi o forte de Rio Pardo, pasto avan<;ado dó
exemplo, o direito de serent poloneses, antes de 1918, só porque, dominio portugues no interior, atacado por f on;a.s missioneiras
antes daquele ano, a Polonia f ora sacrificada a tres potencias de Sao Luís. Numa sortida feita pela guarnic;ao, esta foi re-
maiores: Alemanha, Russia e Austria. E seria isso justi<;a? cebida por urna chuva de setas, ·que matou 16 homens, sendo
Sepé Tiaraju é, portanto, genuinamente rio-grandense. ~ o f,e rido o T enente- Coronel Ton1ás Luís 0 1sório e. nun1 braco, o
1

protótipo do gaúcho, o condutor de hon1ens que, em defesa da - Tenente Francisco Pinto Bandeira. ,G rac;as a artilharia do f orte
terra, contra portugueses e espanhóis, levou os s~us irmáos de e ao auxílio eficaz de Cristóvao Pereira, f oram os índios re-
tribo até os serros de Bagé, até Sao Sepé, que lhe recolheu o pelidos. .
f
no me telúrico no rio que, conta a lenda, se f ormou com suas Novo ataque realizaram, contudo, os missioneiros em rnaior
lágrimas partidas do cora<;ao esmagado pela pressao hispano- número e com artilharia, cujas pe~as, segundo Southey, consta-
portuguesa, que pretendia nao somente as terras para as entregar, vam de grossas taquaras cobertas de couro cru e atarraxadas
conforme estaibelecia o Tratado de Madrid, a Portugal, mas com arcos de ferro. Vinham co1nandados por Sepé.
tan1bé111, e is so era o mais doloroso - e isso f oi o que levo u a Grac;as a ttm pedido de entendimento dos portugueses, fo-
revolta e ao sacrificio de Cabiaté - mas também expulsá-los ram Sepé e mais 30 1homens apreendidos por aqueles em Río
da sua terra, jogá-los do outro lado do Uruguai. Se, portanto, Pardo. Mas esta flagrante violac;ao dos direitos dos parlamen-
Sepé nao tivesse o sentimento - nao diremos de pátria, mas tares nao foi de longo e.feíto, pois conseguiu o chefe índio fugir
de amor a terra nativa - pouco se teria in1portado . em viver de sua escolta, lan<;ando-se a nado num rio que o separava do
aqui ou ali. Foi o artigo XVI daquele Tratado que n revoltou1e acampamento dos seus." (Henrique Osear Wiederspahn - A
o fez 1gritar pelas plagas rio-grandenses:. "Esta terra tem dono 1 Guerra das Rediu;oes, iti Rev. I. H . G. R. G. S., ano de 1936.
Esta terra é nossa !" 3.0 trim., págs 11 e 12.) .
E que era deles, e que eles eram seu dono, ele o provou, - Dissente da Comissáo de História e Geogra fia o pro·
banhando-a com seu sa.ngue e com o sangue dos seus irmáos. vecto historiador civil Alfredo Vareta, o qual, no importante
E tanto foi o seu valor, e tao grande foi o seu poder de atrac;.áo, volume Rio Grande do Sul, depois de descrever o Continente

'
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 107
106 MANSUETO BERNARDI
os auspicios do Instituto Histórico e Geográfico do Río Grande
de Sao Pedro sob o ponto de vista geológico, paisagístico, as- do Sul e a expensas do Gov-erno do Estado, ~oltando · a apreci~r
. tronomico, climatérico e -etnográfico, entra na rela<;áo histórica a mesma questao, confirtna Alfredo Varela, com palavras ainda
e, ao apreciar a origem e o desenvolvimento das Missóes, chega mai~ fortes o juízo expendido sobre Sepé 36 anos antes, escre-
ao Tratado de Madrid, a primeira tentativa de de1narca~áo das vendo: "Ciente da poderosa ofensiva dos brancos, o cabo supremo
novas f ronteiras e, finalmente, ao início da marcha da Expe- d os vennelhos esperava-os ao f undo da " estan<i.ta
.. . " d o seu " povo ,, ,
dic;ao Punitiva contra os índios. diz: "Ao enfrentarem (os exér- nas acidentadas cabeceiras de um arroio, cujo nome atual imot-
citos de Portugal e Esparrha) Santa Tecla, deparou-se-lhe a taliza o do valoroso missioneiro. Nas colinas que se dilatam
sinuosa linha da coxilha apinhada de guerreiros. Eram os in- nu111a e outra 1nargen1, ·estendeu, ele, as suas linhas de guerrei-
dios. A tiranica ordem de despejar os lares sublevara-os: ei-los ros muito estranhos para os nossos. A hoste dos indios conver-
dispostos a pelejar até a morte pelo torráo amado, contra as tidos a doutrina crista 1nontava a 2500 combatentes. A da
hordas civilizadas, que tinham nos lábios o nome de pátria, mas alian<;a contava número igual, n12.s lhe era muito superior., tanto
que nao sa:biam respeitar esse .puro s·e ntimento de apeg-o ªº lu- no arn1amento, quanto na pericia. A imponencia dos últimos
gar em que f on1os nadas, em outras criaturas, entendendo que nao esmoreceu, no entanto, a ingenua, forte alma dos autócto-
nao podía existir no cora<;ao dos íncolas americrnos e era pri- nes. 01t1sados, confiantes, iniciaram a peleja, que foi renhida
vilégio de europeus sornente! No entretanto, mais do que estes, e infausta para eles. Com muitos deles, muitos, ficott exanime
sentia~o ele. o indíg-ena. na frescura virgen1(,da sua alma. onde o sóbre o campo de b~talha, Sepé Tiaraju, o alferes do povo de
fetichismo inicial revestía o solo natalício dos atributos humanos! Sao Miguel e, nessa quadra, o alferes-mor de seus pares.
Desistiram os com.issários de levar adiante o seu intento, Foi o pri111eiro que ton1bou, entre nós, con1 lustre singular,
dando parte do ocorrido aos Governos de Buenos .Aires e Rio pro aris et f ocis, e mantém-se inapagável o épico, lendário,
de J aneiro. O atrevimento dos índios sur preendeu a todos; o simpático recordo do intrépido "tapejara". Perpetua-se, como
patriotismo de que davam prova, foi julgado um crime. Deci- um símbolo do enérgico sentimento predominante na ra~a Pri-
diu-se vencer a ferro e fogo a natural resistencia ao infando mitiva, sendo notório o "desmedido amor que os índios, mais
despotismo injustificável. _ que Na<;ao alguma, tem por sua Pátria", .hoje nossa; terra ond;
Dispostos elementos mais que ·bastantes, marcham espa- o civisn10 desde entao arde, sen1 consu1n1r-se, como a san;a mt·
nhóis e portugueses, operam jun<;ao nas origens do tio Negro, tica. ('A expressau entre aspas é do historiador Pa:blo Her-
em número de 2 500 aliados, aibalando eln busca do inimigo. O nández.)
exército missioneiro dispunha de número igual, mas inferior O nome do primeiro dos heróis, na ampla lista ~ontinen­
em muito no armamento, e ipexperiente na arte bélica. Nao tina, persiste glorificado, num arroio que corta o próprio chao
fraqueou , no entanto; veio ªº encontro dos agressores e em re- nativo que, brioso, a1tivo, buscou resgua~dar." (Alfredo Va_:ela
nhida peleja perdeu seu ohefe principal, alferes do povo de - História da Grande Revolu(ao, Livra~ia do Globo, Porto
Sao Miguel, Sepé Tiaraju, ~ujo nome heróico imortalizou-se Alegre, 1933, vol. I, .pálg., 141.) .. ~ . , .
num curso d'água vizinho ao posto de seu sacrifício em defesa - úivorcia-se por completo da Com1ssao de- H1stona o
da liberda<le natal, e que lem'brará, por todo o sempre, o exe- historiador e romancista Castilhos Goycochea, o qual, ao estudar
crável atentado de que foram vítiinas os aborígines desta parte a forma<;ao étnica do gaúcho, escreve: "O segundo elemento
da América!" (Alfredo Varela - Rio Grande do Sul, Echenique étnico da· formac;ao gaúcha foi o silvícola, que era o clono na-
& Irmáos, Editores, Porto Alegre e Pelotas, 1897, págs. 34 e 35.) tural da terra. Nao há duas opinióes sobre ele. Era o melhor
Na História da Grande Revolu~ao, estampada em 1933, dos que aqui encontraram os europeus, a parte naturalmente
nas oficinas gráficas da Livrari.a do Globo, de P'Orto Alegre, sob os fixados na costa ·do Pacítico,_ que já tinham atingido um

f
1()3 MANSUETO BERNARDI
O PRIMEJRO CAlJDILHO RIO·GRANDENSE 109
1 '
grau superior de civiliza~ao (Incas e Astecas). O simples fato Para que haven1os de ir buscar lá f ora o que sobeja cá
de sua indomabilidade demonstra a altivez do próprio caráter. dentro? Pode1nos avani;ar que o material, que nós ternos, é
Nao há notícia de que o charrua e o n1inuano hajam sido es- nosso. Nao é copiado.
cravizados. Procuramos, como urna obra de justi<;a, como a<;ao de reco-
A guerra guarani, isto é, a defesa heróica chefiada pelo nhecin1ento para aqueles que representam o trabalho de engran-
silvícola José Tiaraju - alferes do povo de Sao Miguel - decünento que nos honra, aproveitar a heran~a que nos deixaram.
contra quem (fato vir¡gem na história) tiveran1 de se unir por- Dir-vos-ei agora urna cousa que está na consciencia de
tugueses e espanhóis, depois de derrotados uns e outros sepa- todos e que ainda ninguém disse. "Nós ~o ternos ainda, no
radamente, demonstra o valor da ra<;a de que proveiu o gaú- Brasil urna alma nacional, mas ternos no Río Grande urna
cho." (•Castilhos Goycochea - A alnia heróica das coxilhas. alma rio-grandense." (Alvaro de Alencastre - O Regionalismo
Editorial Alba, Rio de Janeiro, 1935.) no Rio Grande do Sitl, Papelaria Velho, Rio de Janeiro, 1932,
- Nao concorda com a Comissao de História, quando págs. 18 e 19.)
pretende excluir as Missóes O·rientais do Uruguai e, por con- Para a forma<;ao dessa "alma rio-grandense" - acrescen-
seguinte Sepé Tiaraju, da história rio-grandensq.. o General Al- tamos nós - cüntribuiu primordialmente. o alento que animou,
varo de Alencastre, o qual ensina: "Tres grandes correntes mo- até 7 de fevereiro de 1756, o protomártir civil das Missóes,
veram o cenário rio-grandense: a influenc,1a nacional, a influen· o centauro Sepé Tiart.ju.
cia platina e as correntes en1igratórias.
Fo,ram elas que criaram o a.n1biente pampiano. O ponto
de partida inicial é simples. Sao 'bem conhecidas e definidas •
as nossas origens.
O Padre Roque González penetrava para a catequese dos \

índios em 1626. E.m 1637 come~aram as incursóes dos bandei-


rantes. U m século depois dessa época o General Pais, desvian-
do-se da Colonia do Sacramento, para onde marchava, funda
no Rio Grande o primeiro a.campamento militar. Náo tardaram
..
a aparecer os primeiros casais de a<;orianos que povoaram o
porto dos Casais (Porto Alegre).
·Aí está.o os primeiros dias do Río Grande do Sul. Dat ,
nasceu o gaúoho. N esse n1eio f ortnou-se a sua individualidade.
.Elementos étnicos exóticos adaptaram-se ao meio pampiano,
modificados por ele. Trabalhado por agentes especiais, nao se
• pode negar que o gaúdho tem urna fisionomía especial particular
na vida do país.
T ernos os nossos costun1e.s, as nossas tra<li<;óes guerreiras, a
nossa oriO'inalidade
o , o nosso feitio especial, o nosso clima, o
nosso pampa. É natural, é lógico que queiramos ter alguma
cousa adaptada a esse cenário, inteiramente particular ao nosso
E stado.
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 111

É por isto que o velho Aristóteles já dizia, ao comparar as


duas artes, que - "A Poesia tem sempre razáo. A História
nao, :onse~ue ter nem o seu alcance nem a ~ua grandeza. É pe-
queruna <liante dela."
XIII A .celeridade da P~esia no julgamento e exalta~áo de Sepé
se man1festou, a bem d1zer, logo após a sua morte, ocorrida em
Sepé e a Poesia Épica 1756, p~rq~anto, ~eno~. de tres lustros de~<.Jis, em 1769, já o
poeta nune1ro J ose Bas1ho da Ga1na - táo encomiável e admi-
' rável pelo seu estro quáo detestável e desprezível pela sua
l:Iistórica e etimologicamene, a vida exem:plar de Sepé falta de ca~áte~ -, ?e<licava~ ao drama colonial de que Sepé foi
Tiaraju constitui urna ·verdadeira epopéia, isto é, un1a série o , at?r ma1s s1mpat1co e relevante, O Uruguai, reputado pelo
fulgurante e meteórica de a-<;óes nierecedoras de registro e ce- ductil .Ronald de Carvalho" o mais perfeito e n1elhor poema
lebrac;áo poemática. · aparecido no Brasil", antes <le nossa e1nancipa<;áo política.
. Se, lame11taveln1ente, ainda nao akanc;ou, o \+idio n1agnífico, " 0
1
sentirrento da terra an1ericana foi ele (Basílio) que
a consagr~<;áo do bronze perene, através da escultura, sobejam- tev~ a honra de o mostrar, antes de mais ninguém, revelando
lhe, todav1a, as coroas de louros, entreteci<lt'l.s pelas .m.aos de poe- ass1n1 a grandeza de nossos cenários e a opulencia de nossos
tas e prosadores de prol. aspectos naturais." "
Atribuindo, especiosamente, urna dtfpla personalidade ao "Algumas imagens de (O Uruguai) sao ainda, pela fonno-
h.erói missioneiro, estranha e deplora a Comissáo de História sura dos contornos e perfeic;ao do desenho, das 111ais deliciosas de
que o Sepé lendário ou $áo Sepé tenha prevalecido, até a:gora, quantas possuímos em nossa poesía." (Pequena Histckia da
na imagina<;ao coletiva, sobre a pessoa do Sepé histórico ou Literatura Brasileira, 2.ª ed., Briguiet, Rio, 1922, págs. 157,
seja do corregedor miguelista José Tiaraju. 159 e 160.)
Equivoca-se, mais unia vez, a douta Comissáo. A·bsoluta- O Uruguai, composto em decassílabos espontáneos e sono-
mente nao há dois Sepés, mas apenas un1, n1onolítico, inteiric;o, ros, de grande beleza plástica e líclüna inspirac;áo, teve em mira
infrangível e que o povo admira e venera sob dois aspectos dis- ex~ltar a. conquista dos Sete Povos das Missóes pelos exércitos
tintos: o natural e o sobrenatural. Porque, no fundo, o · Sepé coliga.dos de Portugal e Espanha, ~m 1756, e especialn1ente um
mártir, o Sepé que se deu en1 holocausto a li.berdade de sua dos con1andantes daqu.ela campanha devastadora, o General Go-
terra e de sua gente, o Sepé aureolado de um brilho divino, "que. mes Freire de Andra<la.
no céu to1nou posic;áo", numa palavra, o Sáo Sepé, nada mais Para esse fim, Basílio da Gama nao· trepidou e1n falsear,
é do que a proje~o moral do Sepé histórico, do Sepé guerreiro, sem nenhum escrúpulo, a verdade histórica, que devera infor-
do capitáo Sepé, entrevisto, num plano mais alto, pelos claros 111ar o poema, a cujas estrofes após, além <lisso, urna série de
olhos do Espírito. notas refertas de tanta acrimonia, e tanto intuito de dífama<;ao
E se aquele prevaleceu, até agora, sobre este, é porque a e injúría contra os ínacianos, que, já no fin1 de sua vida, ao
Poesía o compreendeü e l!he fez justíc;a mais depressa do que a que informam os seus biógrafos J. M. da ·Costa e Silva e José
História, a qual, por vía de regra, é dorminhoca e tardígrada. Veríssimo, deitou ao fogo quantos escritos - antijesuíticos pos-
A Poesía voa, ao passo que a História se arrasta dificultosa- suía, ainda inéditos. "E igual destino quís ele dar ao seu poema
~ente. A Poesía vislumbra, adivínha e intuí, de um golpe, onde
O Uruguai, comprando quantos exemplares achou, para os sacri-
a Hístória pesa, repesa, analisa, explora, tateia, compóe e de- ficar em holocausto a Companhia de que fizera parte e a quem
compóe, para, nao raro, claudicar e se iludir nas suas conclusóes. tínha entáo remorso de haver ofenqido naquela composi~áo."
\

110
112 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 113
..
Apesar de escrito com o fim subalterno de lisonjear 03 deu a nossos avós; nós também livres
Eur?peus e especia~ente o ministro todo-¡poderoso Sebastiáo as recebemos dos antepassados.
Jose de Carvalho, O Uruguai resultou, a final, - táo certo é Lvres as ·hao· de herdar os nossos filhos.
que Deus escreve direito por linhas tortas - un1a verdadeira Desconhecemos, detestamos jugo,
g1orificac;áo dos An1ericanos. que nao seja do céu, por maos dos padres.
.As f alas ~os seus índios - pondera José Veríssimo - As frechas partirao nossas contendas
respiran1 tal gosto de liberdade, que críticos da estatura de dentro de pouco tempo ; e o vosso mundo,
Aln1eida Garrett, Camilo Castelo Branco, Teófilo Braga e Men- se nele um resto houver de humanidade,
des dos Re1nédi~s chegaram a se enganar sobre os pro¡:>ósitos j ulgará entre nós; se defendemos
do poeta,, presun11ndo que ele houvesse tido en1 inira enaltecer os tu a injustic;a, e nós o Deus e a pátria."
guaranís. (José Veríssin10 - Prefácio as Obras Poéticas de .
José Basílio da Gama, Livraria Garnier, Rio, págs. 44 e 67). GOMES FREIRE
É que ? subconsci~nte poético de Basílio ~ Gama falou,
~o c~so, mais alto e ma.1s forte do que o seu cálculo político, e " Eiffim quereis a guerra? Tereis guerra,
int.eresse pessoal, que era nao ir degredado ¡ara a Af rica e con- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . podeis partir-vos,
qwstar, com as boas gra<;as do Marques, um posto bem remu- que tendes l~re o passo."
nerado na burocracia lisboeta, o que, de fato, conseguiu. E assim dizendo
.. Nao obstante ésse mesquiniho o·bjetivo, o que estremece e manda dar a Cacambo rica espada
I so?r;vive ainda hoje nas estrofes de O Urugi"°'i é a indiada pri· de tortas guarni<;óes de prata e ouro,
m1genea e sofredora. É Cacambo e Caitetu, é Tatú-Gua~u, Kobbe a que inda mais valor <lera o trabalho.
e Pindo, é Lindóia e Sepé, em frente dos quais o futuro Conde U·m bordado chapéu e larga cinta •
de Bobadela e seus comparsas · nao passam postic;os de uns verde, e capa de verde e fino pano,
irrisórios bonecos de palha. ' ' com bandas amarelas e encarnadas.
Eis, com efeito, ~orno falam uns e outros no canto segundo •
E mandou que a Sepé se desse um arco
des se poema épico, em que sao descritas a entrevista dos che,fes de pontas de marfim, e ornada e cheia
índios com Gomes Freire, e a marte de S~é: de novas setas a famosa al java;
1 1 a mesma aljava, que deixara um dia,
1 '

CACAMBO quando, envolto em seu sangue, e vivo apenas,


' 1 sem arco e sem cavalo foi trazido
"Gentes da Europa, nunca vos trouxera prisioneiro de guerra ao nosso campo.
o mar e o vento á nós. Ah, nao debalde
estendeu entre nós a natureza Lembrou-se · o indio da passada injúria
todo este plano espa\:O imenso de águas." e sobra~ando a conhecida aljava,
lhe disse:
SEPÉ "- ó general, eu te agradec;o
as setas, que me dás, e te prometo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . "E todos sabem mandar-tas bem depressa urna por urna
que estas terras, que pisas, o céu livres entre nuvens de pó no ardor da guerra.

··,
O PRIMEI.RO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 115
114 MANSUETO BERNARDI
Nao quis deixar o vencimento incerto
Tu as conhecerás pelas feridas por mais tempo o Espanhol e arrebatado
ou porque rompem com mais for<;a os ares." co1n a pistola lhe fez tiro aos peitos.
- .
l• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • E ra pequeno o espac;o e fez o tiro
Fez proezas Sepé naquele dia. no peito desarmado estrago horrendo. .
Conhecido de todos, no perigo V iam-se dentro pelas rotas costas
mostrava descoberto o rosto e o peito, palpitar as entra1;,lhas. Quis tres vezes
for<;an<lo os seus c9'exemplo e coas palavras. levantar-se do chao: caiu tres vezes.
' Já tinha despejado a aljava toda. E os olhos já nadando em fria marte
E destro em atirar e irado e forte, lhe cobriu sombra escura, e férreo sono.
quantas setas da mao voar fazia,
tantas na nossa gente eµsangüentava.
Setas de novo agora recebia,
·* * *
para dar outra vez princípio a guerr~ Já salientimos a importancia hiStórica e literária da can~
Quando o ilustre Espanhol que governava <;áo heróica " ·O Lunar de Sepé", transcrita ou escrita por Joáo
Montevidéu alegre, airoso e pronto Simoes Lopes Neto, no ano de 1902, e inserta na primeira parte
as rédeas volta ao rápido cavalo ( <leste volume. •
e por cima de mortos e f eridos . •
'.!
que lutavam coa marte, o índio afronta. * * *
Sepé, que o viu, tinha tomado a lan<;a
e atrás deitando a um tempo o corpo e o bra<;o, Outro poeta rio-grandense, entretanto, se deixou empolgar
a despediu. Por entre o bra<;o e o corpo pela história e a legenda de Sepé Tiaraju.
.a o ligeiro Espanhol o ferro passa: Referimo-nos ao edificante poema em prosa que, em 1945,
rompe sem .fazer dano a terra dura Manoelito de Ornellas consagrou a glória e ao martírio do índio
e treme fora muito tempo a hasta. missioneiro, sob o título de Tiatraju, cuja leitura deveria ser
Mas de um golpe a Sepé na testa e peito obrigatória em nossas e,.'3colas públicas, tanto as suas páginas
fere o governador, e as rédeas corta sao de molde a comover os espíritos e os cora<;óes.
ao cavalo feroz. Foge o cavalo Nao nos furta1nos a tenta~~o de transcrever aqui aquele
e leva involuntátio, e ardendo em ira trecho de antolorgia, em que se narra a marte de Sepé:
por todo o campo a seu senhor; e ou fósse "As primeiras descargas das armas aliadas, urna nuvem
que. regada de sangue aos pés cedia de flechas cai sobre os soldados invasores. O· combate é vio-
a terra, oú que pusesse as maos em falso, lento e feroz.
rodou sobre si mesmo, e na caída Sibilan1 as flechas no espa~o, riscam as distancias, cravam-se
lan<;ou longe a Sepé. no peito dos cavalos, cimbram no oháo duro.
- "Rende-te ou morre !" Depois, um tropel de cavalos, com a fúria de urna tempes-
grita o governador; e o Tape altivo, tade, desaba robre o campo de luta. Os índios, com os arcos
sem responder, encurva o arco, e a seta sobrepostos as costas, trazem nas máos, vibrando nos ares, as
despede, e nela lhe prepara a morte. laminas de suas lan~s. E o entrevero é um drama, é urna or-
Enganou-se esta vez. A seta um pouco gía, é urna loucura de sangue. Gritos abafados, impreca<;óes,
declina, e a~outa o rosto a leve pluma.
116 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDit:HO RIO·GRANDENSE 117
brados de comando, gemidos agudos, ~ntrc o estrcpitar do fogo, Viana chega ao local onde o entrevero esmaece como a
dáo ao encontro o espetáculo de urna chacina selvagem. vida de Tiaraju e, do alto da sela de carona bordada, despeja a
Sobrepondo-se a todos, a figura de Sepé Tiaraju é a do sua pistola sobre o corpo já quase inerte de Sepé."
genio da guerra. Sua lanc;a, coberta de vermelho, embebe-se
nos carpos portugueses, nos corpos espanhóis, levanta-se nos
ares como urna bandeira rubra, deixa escorrer pelo cabo liso o
* * *
sangue humano, ainda animado do calor da vida. As penas do Tanto ou mais que q..ualquer monumento em bronze, már-
seu cocar sáo rubras. Vermelh,as as suas máos. A cara rude do more ou granito, esses escritos em prosa e verso sublimam e
índio tem manchas róseas. Suas narinas dilatam-se e seus olhos perpetuam a memória de Sepé.
fuzilam, dando a agilidade dos brac;os a certeza dos golpes Bem que o advertiu o sábio de Estagira. A Poesia consa-
mortais. gra. A Poesia imorfaliza. A Poesia nao se engana. A Poesia
Dois, tres, quatro guerreiros, aos grupos, enfrentam aquela tem sempre razáo.
lamina demoníaca e atiram suas armas contra aquele carpo de •
bronze. A lan<;a de Sepé é como um garfo inferf,al, levantando •
na leveza dos ares os carpos pesados e j ogando-os a distancia.
A volúpia do combate, o desespero cfd. Juta, nao parecetn •
cansar aquele físico acostumado aos mais rudes e pesados en-
contros.
O campo está coberto de cadáveres. Mas os índios ficam
reduzidos. Só Tiaraju parece, ele s.ó, conter o poderío esmaga-
dor da legiáo luso-espanhola.
Urna dezena de soldados enfrenta-o, numa penetra~áo ou-
sada ªº amago das fór<;as inimigas.
Sepé luta como um ser sobrenatural. Mas chega-lhe,. pelas
..
costas, um dragáo portugues, que lhe joga um golpe profundo,
de ~n~. '
Sepé abrac;a-se ao pescoc;o do cavalo. E tenta retirar. Quase
pendurado aos estribos, nao resiste. Cai mais longe. Mas, o
1

inimigo persegue-o de perto. Cai, mas ainda distende o arco •


de guerra e atira urna flecha em plena face do dragáo portu~
gues. Tombado e ferido, mortalmente, ainda lhe temem o bra~o
.
vigoroso.
Mas o sangue lhe escorre aos borbotóes pela ferida, em-
papando o chao que ele defende, embebendo a terra que ele
ama, assinalando de rubro a porta dos Sete Povos, onde fica
a sua ca:bana abandonada e onde os campos das Missóes, a¡gora,
seráo presa fácil dos invasores.

,
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 119

EM DEFESA DE SEPÉ TIARA.fU

¡pelo Prof. Hugo RamJrez

Em parecer, de que o CORRJ¡no DO POVO, a 26-11-55, deu a


lume um excerto, assinado pelo Sr. OTHELO ROSA, nega és.se his-
XIV toriador a identidade de Sepé Tiaraju eom o patrimonio histórico
sul-rio-grandense.
Data venia, apesar do respeito que nos m·erece essa ilustr~
Sepé e a Poesía Gauchesca personalidade, náo podemos d1ei:xiar de ·m1anif estar nosso ·m ais vi-
goroso protesto contra o que nos parece um extrem·i smo de exege.s e
Nem ' só a poesia épica vem celebrando, desde o século em nome da história do Rio Grande do Sul.
XVIII; a vida heróica de Sepé Tiaraju. Cr·e mos que a palavr.a do e1ninente senhor Othelo Rosa náo
traduz nem a V'erdade nem a vi1sao e i·nter.pretagao .s ere·n a dos acon-
Também a poesia ·gauchesca se ap9derou do tema, decan-
/
tecime·ntos que serviram d.e moléLu.ra a figura imensa de Sepé,
• con.sUtuindo até um perigoso exc.e s·s o q·u e nao pode .s er aceito s·em
tando-o com especial e perseverante carinho. < agravo a contrf.luigáo indígein a, ao amálga.m a étnico re a tradigao
de a.mor e d·efesa do chao do Rio Grande que nos v-ém da atitude
O poeta gabrielense Valdomiro Souza, por exemplo, abre de quem se opOs ao·s castelhanos de Valdelírios e a.os lusos de
o seu livro de versos intitulado Chünarra~, impresso em Póf.to Gomeis Freire para dl!ender o torráo natal ameagad·o.
Alegre no ano de 1951, com a seguinte referencia ao príncipe Ao lado do poeta W ALDOMIRO SOUZA e de inúmeros tradi-
cionalistais, lancamos aqui nosso formal P'rot·e-sto a tese esdrú-
guaraní, que representa, no escrínio das nossas tradi<;óes, o xula do Sr. Othelo Rosa, -cuja voz · -s-Omente poderi.a passar em
mais belo diamante missioneir0 laipidado pela joalheria crista:
- branca nuvem se a.inda vive_ssemos nesse letargo m~seráve l de há
alguns lill·Stros, quando a:ssistimos de bragos ·c ruzados a qureim.a de
nossos símbolos mais queridos. Hoje ninguém aceitará uro tamanho
attentado ao nosso patrimOnio ....histórico e as ne>s-sas t radigóes, ~m
Eis o que a cuia me ensina: que pesero os r ebuscados argumentos que torcem oo fatos e visarm

Quando chegou Silva Paes, diminuir o legado de um povo.
já Sepé entre os ervais A Hi·stória nao é monopólio de nenhum sárbio nem de um soda-
Ucio; ela pertence aos estudiosos, ·c uja .palavra nunca é d.efinitiva.,
tomava o seu chimarráo, tendo ·sempre a .a guardar revisóes esclar,ecedoras .
.feliz, na paisagem guasca.
Sepé que soberbo e ' ousado SEP:t; TIARAJU desperta Era teu chao ad·o rado·,
Do son·o da imen:sidao ... O .chao des.s a brava indiada
sucumbiu, despeda~do, Ets. que vem .um fn-dio irmao Que Sepp trazia al.d·e ada,
por amor <leste Riincáo. OTHELO ROSA chama.do Que tu entáo defe·n·dias,
Dar um golpe ino·plnado Naquel:as 1utais braviias
Na raiz da tradigáO'! De nob~eza consagrada!
E, ao ser divulgado, em fins de 195.S, o intempestivo pa-
Tombaste empapado em sa.ngue Tu recebeste o jesufta
recer da Comissáo de História e Geografia do Instituto His- Defendendo a tua terra, Que veio trazer-te a luz
tórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, contrário a ere<;áo A que o ibérico se aferra Do evangelho de J esus,
de um monumento ao protomártir civil da Guerra das M.issües, - SeJa luso ou eastelha.no Sem te manear ou prender,
Pra tJ ~o do mesmo pano Sem mal nenhum te faz.er,
o poeta e sociólogo Rugo Rarnirez lan~ou, em Erechim, o Nessa missione.ITa guerra. Como o emissário ~ Cruz.
vibrante manifesto que a seguir reproduzimos.

. . 118

120 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 121
O padre t-e protegia Nao obedeces ninguém! 1
Quanto a negar monumentos E af, como noutras eras,
Do assalto bandeirantista, E aissim tu deixas confulsos A ti, monumento vivo, Qu.ando em luta contra o estranho
Da castelhana conquista Tanto a espanhóis como a lusos Continuas sem1pr.e altivo Nao lhe temeste o arreganho
E da aimbigao portuguesa. Que ais redugoes atacando Em nos so civis·mo e f é: Da. perffdía militar,
Que com terrfvel f.er.e za A<>s indios vao ·m·a ssacrando Há a ·c idade de Sepé. Morto, hás de res-s·usci:tar
QuerLam dobrar-te a cri,sba.. Na qualidade de intrusos. Com iteu nome redivivo .•• Como nos tempos de antanho !
.
FloT varonil das Mlssoes: Tu fóste apenas d-e ti! A ingratidáo passará Nesse dia, como agora,
Tu náo nasceras pra escravo, Nunca fo.ste de Castela ... E há de passar a. miopla Hás de agüentar o repuxo
• Que mesmo a sabedorla, Que t e talhou o debuxo
Nem pra sofrer esse travo Amava-s a terra bela
Do roubo do que era teu ... Que era o teu bergo querido A.s vezes, por sortilégio, De uma estátua missioneira.
Por isso o invasor perd·e u E onde por chefe eras tido, Tropega no 1sacriléglo, - E a Hi1st6ria, entáo, justiceira,
Teu desespero de bravo! Alma vi.ril ·e 1singela! Da incompreensao que extravia ! Dirá que fosrte gaúcho ! ....., ' ,.':"'
\ ~ '";'",•

E a ~ss.es padres caluniados • Erechini, 1955


Tu és do .nosso Rio Grande
Que tanto bem te ale&ngara.m., A pré-hi stória iifior.t al,
Que tu:a. raga salvaram O fabulo.so fanal
Desvendando-lhe o valor, Que o isaniue indígena traz
Tu deste respeito e amor, A essa mescla que nos faz
Em troca do que ens1naram. O m elhor sovéu racial.

Para FREIRE e VA'LDELIRIOS A ter em conta ess·e erlme


Pouco importava o ·S·elvagem: De 1histórico desaUnho,
Compram·ete.ndo a palsagem
L
Nao precisa •s er adivinho
Devia ser retirado Pr.a V·e r a quanto extremismo
E sem clemencia em pul"rado Conduz ésse barbarismro
A estranha e alheia ·paragem·. De preconcelto mesquinho.
'

Os padres se .s ubm•e tem Amanha farao o mesmo


Por,é m tu ·t e .re·belaste Com ·O:s teutos e italianos
E com t·e u ~esto mostraste, E outros. povos araganos ......
Indiferente aos estragos, Que imigraram 1á da Europa
Que ama.vas teus lindos pagos Vind'o aumentar nossa tropa
Em que livre te -cria-ste. De indios ... lusos ... castelhanos !

E entao protestas, veemente, Do rodeio sa-crossanto


Contra as decisóes tirana.s Das tradigoes da querencia
Dessas cO.rte.s soberanas Apa·r tar-t·e é uma violencia:
Lá da.s Europas dlstante.s . Teu .sangue e teu nobre exemplo
Que quer·em botar-te guantes, Perdur1arao nes.te te.m·plo ..
Liv.r e ftlho das savanas! Da gauchesca co111sciéncia.!
O PRIMEI.RO CA UDILHO RIO·GRANDENSlt 123

RIO DAS LAGRIMAS

XV Contam ...
• No tempo em que os castelhanos procuraram se ajeitar
Sepé e o Rio das Lágrimas com os portugueses nestes confins do Brasil por causa da tal
Colonia do Sacramento, resolveram, lá entre eles, na Europa,
As mais belas e exp-ressivas lendas sul-rio-grandenses sao arreglar as cousas com rela<;ao as terras que deviam perteñcer
de lídima origem cristá, o que demonstra quáo profundamente a um e a outro, mas sem consultar ninguém. Nao pensaram
o sentimento do sobrenatur~l vincou a alma dos ancestrais pam· ·n o 'índio que nelas vivia e que, por direito de posse e direito
.
pianos. divino, era o único e verdadeiro dono d~ todas elas.
Haja vista, por exemplo, o Negrinho do Pastoreio, afilhado O caso f oi assim:
de N ossa Senhora, cujo culto foi introduzido nas Missóes Orien-
Já se haví'a perdido a conta das luas desde o dia em que os
tais do Uruguai pelos discípulos de Santo Inácio, nos primórdios padres, atravessando o rio Uruguai, construíram ocaras e tabas
do século XVII. e grandes ·onde reúnii'am· os indígenas de diversas tribos, en~i­
Haja vista a Salamanca do Jarau, que r epresenta a luta nando-lhes a arte da .agricultura e .da cria<;ao de gado, da es-
da consciencia hun1ana entre .as solicita<;Óes do demoníaco e do cultura e da música, da arquitetura e da pintura, a ler, e .a
divino. E mais a Mae do Ouro, e a Casa do Bororé. E os escrever, e a moral social e a religiao de Cristo e, também, l·hes
Zaoris. E o Angoera. E sobretudo o maravilhoso Lunar de ensinaram que todas aquetas terras até se per'derem de vista
Sepé, cujo autor vai ao extremo de atribuir a um episódio da eram deles, somente deles,- e que por isso podiam nelas traba-
Guerra Guaranítica a genese da constelac;ao do Cruzeiro do Sul, lhar ·a. vontade. · ·
a qual, segundo urna de suas sextilhas, só a contar de 1756 é E os índi'Os, missionados e orientados pelos bons padres, co-
que "no céu tomou posi<;ao". me<;aram a plantar, criar, construir, esculpir, cantar e rezar... E
Afora a lenda referente a Sao Sepé, canonizado por um tudo ia muito bem, apesar dos su~tos que de vez em quando
decreto espontaneo do povo anonimo, outra efabulac;ao n1uito in- brancos ousados lhes pregayam, quer atacando-os, quer chaman-
teressante perpetua a memória do guerreiro guarani, no tabu- do-os para as guerras no Prata, guerras que com eles, de ver-
lário das tradi<;óes gaúchas. É a alegoria do Rio das Lágrimas. dade, nada tinham que ver. Mas iam. . . Iam porque assim
Dedicou-lhe Cle1nenciano Barnasque algumas linhas do seu também aprendiam a brigar como os brancos e o manejar as
livro No pago, impresso em 1925. Mas r eproduziu.:.a recente· armas <los brancos e, ao mesmo tempo, se enfronhavam das
mente, na íntegra, o incansável folclorista Walter Spalding, artimanhas e das bálas daqueles barbudos europeus e conquis-
que -assevera te-la ouvido, em ma.io de 1955, durante urna via- tavam suas grac;as e boa vontade.
gem f eita por terra, de Porto Alegre a Bagé, da bóca de pessoa Um dia, porém, surgiu o imprevisto: um bando de cspa-
muito conhecedora de toda a regiáo compreendida entre os rios nhóis, vindos de Buenos Aires, intimaram-nos a abandonar as
Vacacaí e Candiota e os Cerros de Aceguá e Batovi. Ei-la: terras e as criac;óes, as ocaras e tabas grandes, e rurnarem, sem
nada, para a outra banda onde nada havia, onde tudo faltava ...
122
..
• O PJUMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 125
124 MANSUETO BERNARDI

Vacacaí, próximo ao local por onde haviam cruzado os lcgio-


Deixar as suas casas, 'as suas igrejas, os seus santos, os seus
nários de Sepé.
cabaiús, as suas vacas, as suas ovelhas, as suas galinhas, as suas
· plantac;óes. . . as suas terras queridas que os padres haviam ga- - :a chegado o momento, - disse o bravo missionciro. -
rantido que eram suas, exclusivamente suas ! . . . Nao. Nao dei- E reunindo sua gente, engrossada por mais algumas centenas
xariam. Antes morrer, morrer lutando ferozmente, do que de índios do valente Lbagé, senhor das terras desde Santa Te-
render-se vencido sem luta a prepotencia do branco trai<;oeiro cla até a foz do Pirai, no rio Negro, contramarcharam em
que, sem consultá-los, dispunha do que nao lhe pertencia como busca do invásor. ·
se fosse senhor absoluto, sacrificando os pobres missioneiros dos
Sete Povos por mero cápricho. Que arreglassem as cantas como Um dia, porém, quando o sol brilhava com todo o seu es-
quisessem, mas que os deixassem em paz. ~les é que nada ti- plendor fazendo tre1ner com seus raios de vida a campina on·
nham que ver com as diferen<;as e pendencias de Castela e dulante entre o Jacuí, o Vacacaí e a serra do Batovi, as duas
fór~as se encontraram.
Portugal.
Mas a ordem veio. Ordem violenta,. terrívtl, arrasadora!. .. Peleia dur1 ! Gigantes com simples flechas, contra homens
, vulgares bem entrincheirados, vomitando fogo e ferro! A luta,
Foi entáo que, altivo e resoluto, se levantou o jovem e ~pesar da valentía dos indígenas, tornou-se impossível !
(
destemido Sepé Tiaraju, o índio querido etas Missóes jesuíticas:
. . Sepé f oi vencido.
- Eu vos guiarei na luta em defesa desta terra que é
nossa. Cheio de raiva e de dor, tocou em retirada, indo acampar
na encosta do Batovi. E aí, reclinado sobre urna rocha da co-
Despedindo-se de Juc;ara, a noiva idolatrada, organizou sua xilha do Maricá, chorou copiosamente o heróico Tiaraju, en-
l~áo de missioneiros e marchou a
frente deles, sorriso nos lá- quanto os seus soldados, acampados por perto, se refaziam, pre-
bios, ouvindo seu povo cantar o hino telúrico, seu cantico de parando novos arcos e novas flechas ...
- ~~:
guerra.: Um dia inteiro e toda a noite seguinte passou ali o chefe
Sepé, que trazia na testa, como símbolo de predestinac;áo, o sa·
Esta terra tem dono grado lµnar. E as lágrimas ..que de seus olhos escorriam, molha·
e nin¡guém no-la tira! rain a rocha e embebera1n a terra. E a terra, cada vez mais mo·
Esta terra tem dono lhada, foi se encharcando ... encharcando cada vez mais ... Tornou-
se um filete ... um regato... E quando o sol novamente brilhou
e nin¡guém no-la tira!
era já um arr6io ! Arroio. cristalino e puro. E os índios da le-
giáo venéida ao verem aquela água límpida e boa que na vés-
A natu reza cantava em festa e a legHio de Sepé seguía, pera nao existía, ajoelharam, contritos e crentes, e beberam
alegre e convencida, disposta a vender caro o direito de posse dela. Beberam muito e notaram que tudo, em torno deles, se
aquele cháo sagrado que desde tempos imemoriais lhe pertencia. modificava. Brotavam árvores da terra e pássaros aos milhares
Cruzaram o Ibicuí, o Vacacaí e chegaram. afinal, aos cam· ali vinham cantar. E o quero-R_uero, com sua voz potente de
pos de Santa Tecla, sede de urna de suas estancia$, a mais me- sentinela, parecia dizer-lhes:
ridional de todas. Aí pararam. Dias depois, com noticias - A van~~ ! que esta terra é nossa. . . que esta terra é
exatas da situac;áo dos espanhóis, seguiram para o Norte, ao nossa !. ..
encontro das hostes inimigas acampa.das nao longe do passo do
\
•'

126 MANSUETO BERNARDI •

E todos se animaram. Todos.


A legiáo se f ormou de novo. Mas Sepé, o índio destemido .
que trazia na testa o lunar sagrado, antes de partir quis batizar
aquele arroio que nascera dos seus olhos, que choraram lágri·
mas de fogo e de amor por sua terra e por sua gente. E disse: XVI
- Chere~a i apacui. . . - Gherec;a i ...
- Rio das Lágrimas que verti . . . - Rio das Lágrimas ... S epé Tiarajit e os Militares
E o rio das Lágrimas, pequeno afluente do rio Sao Sepé,
ainda percorre o mesmo trajeto murmurando no seu suave e Nao pensa como a Comissáo de História um dos mais
delicioso marulhar: cultos e hrilhantes chefes militares brasileiros, o saudoso Gene·
- Lágrimas de Sepé. . . Lágrimas de Sepé ..• ral Augusto Tasso Fra~os0, membro do Instituto Histórico e
Geográitico Brasileiro, ex-ministro da 'Guerra e ex-chefe do Es·
(Da Revista do Museu e Arquivo Hist6ricó do Rio Granda tado-Maior do E:.xército e autor, dentre outras o·bras, da His-
do Sul, n.0 6, Porto Alegre, 1956, págs. 95 a 9g,) tória Militar dú Revolufao Farroupilha e da Guerra da Tríplice
Alian~a contra o Paraguai.
En1 A Batalha )Jo Passo do Rosário, diz o emérito cultor
das letras históricas, referindo-se ao episódio da morte de Sepé:
"Na segunda campanha (1755-1756) portugueses e espanhóis
juntam-se com antecedencia .em Sarandi, nas cabeceiras do Rio
Negro, iortes de 3 000 homens, e avan~ contra o inimigo.
Nas margens do Vacacaí logram matar, numa pequena esca·
ramuc;a, o morubixaba Tiaraju, chamado Sepé, (7 de fevereiro
de 1756), ao que parece, principal chefe dos guaranís na resis-
tencia heróica que ofereciam a seus encarni~ados perseguidores.
É essa, incontestavelmente, a figura mais simpática des tes acon-
tecimentos !
Quanto ' esse índio sobreleva, na singeleza de sua vida e na
pobreza de seus recursos materiais de resistencia, bem como
no seu incomparável devotamento patriótico, a sanh~ incoercí-
vel dos seus adversários, a quem nao minguavam saber· guerreiro,
nem instrumento$ aperfeic;oados de destrui~o !"
E depois de descrever a chacina de Caibaté, acrescenta, em
nota, ao pé da página: "Fac;o votos ardentes por que o heróico
E stado do Rio Grande do Sul festeje o centenário de nossa inde-
pendencia (o General Tasso Fragoso escrevia em 1921) erguendo
em urna de suas belas coxilhas um monumento ao índio Sepé, e
desse modo renda .merecida homenagem aos ·primeiros povoado-
res do território e lance, com o bronze imorredouro, um pregáo

127
128 MANSUETO BERNARDI
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 129
de amor que eles lhe dedicavan1 e que, por ventura nossa, se
transmití u as gera<;óes que os substituíram." (General Tasso te-lo e a fon;a armada que, precavidan1ente, o escoltava, como
Fragoso - A Batalha do Passo do Rosário, lmprensa Militar, sabe111os.
Rio de Janeiro, 1921, págs. 65 e 66.) . Des~ ca valgada inicial, quase se poderia dizer só apeia dois
Como estamos long:e, em todos os depoimentos civis e mi- ª,~º~ depo1s, quando da fu~esta rodada que o prostrou, nas pro-
litares que vimos transcrevendo, do Sepé apátrida, do Sepé herói x11111dades da sanga da B1ca, para sempre !
paraguaio, do Sepé "que nada tem que ver com o Rio Grande Co1n alg~ns intervalos, proporcionados pela sua tática ardi-
e con1 o Brasil", do Sepé que se fez matar em d~fesa do Império losa e_ desten11da execuc;ao, se n1anteve sobre 0 lon1bo do pingo
todo csse ten1po.
dos Jesuítas, que sorrateiramente desbordaram da Casa de As-
sunc;ao para vir disputar aos portugueses a posse do Continente De Sao l\tli¡gue a Japeju, de Japeju a Santa Tecla ao Rio
de Sao Pedro ! Pardo (tres vezes)' as l\1Iiss6es e, novan1ente a Santo Antonio
o i:~vo, -ª Batovi, ] agua1~i'. Vacac~í, Tri.Iba, - '. o valen te guerri'~
Gra<;as a Deus, outra é, aqui, a perspectiva histórica. Ou-
lhe11 o nao cessava a pe1 v1caz res1stenc1a aos invasores conser-
tro o critério de aferi~áo de valores. 0utro o ar que se respira.
vando-os e1n. i~interrupto sobressalto, atropelados, en1 pe~manente
1

Já nao estamos numa planície estéril ou nufu túnel fuma- xeque e, 111a1s de un1a vez, moralmente derrotados, coagiu-os a
cento, mas num clima de altitude, onde é possível sorver, a gran- recuar,. abandonando, desprestigiados, o teatro das opera<;6es e
des haustos, o oxigenio dos cimos de inontan'ha ! o serv1<;0 que devia'1:i executar .
- N·áo pensa igual.mente co1no a Comissao de História o . E quando ~ gente se lembra de que esses relevantes acon-
conspícuo General do Exército Ptolomeu de A.ssis Brasil, quando, tec11nentos, realizados por aborígines por assin1 dizer desar-
ao descrever o episódio culminante da Guerra das Missóes - n1ados, er~m. vit?riosan1ente dirigidos por um dos seus pares
A Batalha de Caiboaté - numa de cujas escaramuc;as prelimi- - de autentica ltn~agem tape - contrá exércitos regulares de
nares "tombaria tao heroicamente o grande caudilho Tiaraju", duas f ~lgura~tes c?rtes e~ropéias, sob o co1nando de conspícuos
acentua: genera1s e one.nta~ao . .de ttt:ilare~ diplomáticos, cumpre reconhe-
cer ~ue o condutor desses incautos centauros possuía singulares
"No estudo da f orma<;áo histórica do Rio Grande do Sul,
qu~l:dades que o ~estacam, sem · a n1enor dúvida, como o pri-
é imprescindível levar em linha de conta e exal<;ar, como merece,
n1eu o grande caudilho revelado nas plagas rio-grandenses.
a individualidade e os feítos mareantes, quase desconhecidos do
Nas patas .<l.o seu '?agua! e no n1anejo da lan<;a inseparável,
resto do país, desse índio sem par.
abro~ue. .la~a efic~ente, 1nvulgar a~ao, oriunda das suas qualida-
A .reac;ao oposta a evacuac;ao e entrega a Portugal dos Sete des 111.genltas, po1s era, ao n1esn10 tempo, audaz e cauto, valente
Povos das Missóes fundadas ao Oriente do Uruguai, a partir de e ard1loso.
1687, pertencentes a Província do Paraguai, foi dirigida direta- ~?111paradas as épocas, os recursos e os acontecimentos que
mente por ele. p~rn11~1ra:i11 tecer a coroa para exornar-lhe a ,fronte vitoriosa,
Desde o ¡primeiro passo para o despejo daquelas terras, que ' f1araJu nada deve, en1 valor, a Borges do Canto, Cana:,barro,
lhes f oram dadas p.or Deus e Sao . Miguel, com a agravante de Andrade Neves, Gun1ercindo e Honório Lemes, para citar so-
se impor aos possuidores legítimos a transferencia para indese- tnen~e ~~tre os mo.rt~s, um nome civil de cada etapa marcada
jáveis paragens - objetivo de Luís Altamirano quando partiu na h~stona do caudtlh1sn10 rio-grandense." (General P. de Assis
para Japeju - Tiaraju, resoluto, sem perder tempo, montando Brasil - A Batalha de Caiboaté, Livraria do Globo, Porto Ale-
a cavalo, dirigiu-se, a tóda brida, a frente de 300 companheiros, gre, 1935, págs. 97 e 98.)
~o encontro daquele padre, com o intuito preconcebido de aba- . Depois do substancioso laudo acima transcrito, que. sinto-
niza co1n tantas outras opini6es a respeito emitidas por urna
130 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE
,..

legiáo de hon1ens de estudo e de pensa1nento, leigos e religiosos, E a caracteriza~ao - perdoem-nos o dize-lo - logrou al-
n111ltares e civis, ainda terá º' meu caro anügo, tino poeta e crí- can<;ar o consenso geral, o que muito nos conforta e orgulha.
tico literário Augusto Ni eyer a coragem de afirmar, como féz - Na obra acima referida, consegue o General Assis Bra-
na sua excelente Prosa dos Pagos, que Se.pé é u1na figura "tao r sil operar, com rara competencia técnica, senso patriótico e
vaga, tao sumida no conílito torniidável de interesses", que nao conhecin1entos topográficos especiais, urna verdadeira recons-
passa " quando muito, de u111 episódio pitoresco" da Guerra das titui<;ao histórica. Passo a :passo, desde as cabeceiras do rio
Redui;6es ? Negro, onde se efetuou a j un~áo dos exércitos aliados, o emi-
Nao ! Engana-se redondamente o ilustre escritor. Sepé nente soldado e cidadáo acompanha a marcha da Expedi~o
Tiaraj u f oi náo sóm~nte '·a figura mais simpática dos aconteci- Punitiva até a capital das Miss6es, tendo conseguido descobrir
111entos que ensang üentaran1 as coxilhas rio-grandense~, na se- e indicar com matemática precisáo os lugares em que tombou
gunda 111etade do século XVIII", conforme afinnou o Gener!ll Sepé e se realizou a matan<;a de Cai·baté. ·
·Tasso Fragoso en1 1921, e repetiu o Major Nobre da Veiga em Gra~as a urna carta geográfica, existente no M useu e Ax-
1955, senao tan1bén1 o vulto n1ais nobre, mais vigoroso e mais - quivo Público do Estado e levantada em 1772 pelo astrónomo
relevante. • e geógrafo Mi~el Antonio Ciesa, a servic;o do Rei de Portugal,
É verdadeiramente un1a personalidade magnética, centrípeta, conseguiu o General Assis Brasil, após longas e pacientes pes·
nuclear. É o defensor e o paladino da liiberdade guaraní.· quisas, náo só localiAr o campo em que se f eriu a desigual ba-
Vago, evanescente, inconsistente e espectral - un1 verda- talha, mas tan1.bén1 o sítio exato em que o corregedor D. Miguel
deiro conto do vigário - é o Sao Sepé da lencla, que a Con1issáo, ·Mayná mandou levantar pelos seus soldados, em 4 de mar~o
com luciferina malícia, simula aceitar, e inculca a venera<;áo do de 1756, urna grande cruz, comemorativa do sangrento episó-
povo, justamente .porque sabe que semelhante Sepé náo passa dío, cruz essa, cuja haste principal o benemérito pesquisador
de u1na aparencia, de urna f ic<;áo, de um fantasma, em sun1a, ainda encontrou cravada no solo "para testemunhar o local
de u1na vazia irrealidacle hun1ana, religiosa, política e social. em que teria havido, outrora, um grande cemitério''. (Oibra
N ao. Verdadeira encarna\ao ele urna energía telúrica, o citada, pág. 115.)
Sepé Tiaraju que emerge do fundo da cena histórica, segundo Dita cruz trazia, em caracteres guaranís, a seguinte inserí-
os documentos idóneos já transcritos, é um varáo de corpo in- ~º: "Ano de 1756. A 7 de fevereiro morreu o corregedor
teiro, desnudo e primitivo, galhardo e generoso, incansável e guaraní Tiaraju, num combate que houve num sábado. A 10
im·p erturbável, einpolgante e resfolegante, a contrastar com ho- de fevereiro, n11ma terc;a-feira, feriu-se urna grande batalha
mens e elen1entos, a feii;ao de urna estátua viva de Miguel An- em que pereceram, neste lugar, 1500 soldados e seus oficiais,
gelo ou de Rodin. pertencentes ao Sete Povos do Uruguai. A 4 de mar~o mandou
Outro engano comete Augusto Meyer, ao dizer que foi o D. Miguel May;n á fazer esta cruz pelos soldados."
General Assis Brasil quem primeiro "apontou ( em Sepé) o Por motivo dessa cruz - informa o Bar ao do Rio Branco
nosso priineiro tipo de caudilho". - o ca1npo de batalha de Caibaté passo-u a ser mais conhecido
Quem exumou e caracterizou, pela prin1eira vez, Sepé Tia- e vulgarmente indicado pelo nome de "Campo da Cruz."
raj u• como "o prin1eiro caudilho rio -igrandense" foi o modesto (Efemérides Brasileiras, Imprensa Nacional, Río, 1918, pág.
signatário destas linhas, em conferencia proferida e impressa 81.)
em 1926, ao passo que A Batalha de Caiboaté, - em cujo Contra:póe-se a Comissao de História o reputado historia-
texto aliás o autor nos confere a honra de nos citar expressa- dor e general do Exército, De Paranhos Antunes, membro do
mente, - foi estampada em 1935, nove anos depois, por con· Instituto Histórico e Geográfico do Estado, que assim se ma-
seig:uinte. ni festa sobre a idéia de uin monwnento a Sepé: ..
..

132 MANSUETO BERNARDI . .


O PRIMEJRO CAUDILHO RIO·GRAND~NS1t 133
" "No momento em que pelo :R ío Grande afora tanto se II - que. sob o ·p onto de vista racial. éle representa um
prega a volta ªº passado, quando tanto se prega o culto as tra- dos tres elementos con1ponentes de nossa f orma<;ao étnica, par-
di<;óes dos pagos, é mister acentuar a figura destemida de Sepé l ticipando, ao demais. do grupo dos primeiros povoadores e colo-
'11araJu, o 11eroi de Laibaté. Na realictade, toi éle a primeira nizadores do Rio Grande do Sul.
manifestac;áo do gauchismo em solo do Estado do Río Grande III - que Sepé nao se opos ao destino histórico do Rio
do Sul. Grande. nem a sua incorporacao na civilizacao lusitana, por isso
Sepé era tape e, pela s.ua bravura e destemor, foi o primeiro que se defendeu apenas. reacindo, eventualmente, contra a pre-
gaúcho do pampa, na luta contra os ádvenas. ::asse an1or a p~tencia e a injusti<;a dos homens.
terra, demonstraram também os farrapos em 1835 contra os IV - que existem entre nós e Seoé tantos elementos de afi-
impena1s. nidade, naturais e culturais, característicos do conceito de civi-
Por que nao ho.m enagear a Sepé Tiaraju ? :ale nao agiu liza<;ao, que nao se pode dizer que sua a<;áo tenha sido "neg-ativa
ac·o bertado por nenhuma bandeira estrangeira. Sepé é o autóc-· e adversa a inclusao do Rio Grande na civiliza<;ao lusitana e
tone contra o intruso que queria expulsar os seus irmáos." (Jor- no Brasil."
nal do Dia, Pórto Alegre, 12-2-J.956.) r
V - que,• em conseqüencia. nao só nao ·h á inconveniente
Estava já datilograf ado este trabalho, quando recebemos algum em que se erga o ;pleiteado monumento em homenag-em
duas novas e valiosas nlanifesta<;Óes de <t_::>OÍO e aplauso a ini- a Sepé, mas, pelo Cl!mtrário, tal ere~o constituirá um ato de
ciativa do monumento a memória de Sepé. Trata-se dos bri- justka que o Rio Grande deve prestar-lhe."
lhantes oficiais generais do Exército Amaury Kruel, Chef e do O parecer do combativo descendente do Visconde de Pe-
Estado-Maior da Zona Militar do Sul e Rinaldo Pereira da Ca- lotas vai inserto na íntegra, no fim deste volume.
1nara, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado
e ex-comandante da Escola Preparatória de Cadetes, de Porto
Alegre.
Escre~e-nos o primeiro, em data de 6 de abril de 1956: -
"Canfor.m e ti ve ensejo de lhe manifestar pessoalmente, é com
grande Ínteresse que leio seus artigos no "Correio do Povo",
a respeito do primeiro caudilho rio-grandense, Sepé Tiaraju.
A tese defendi da pelo ilustre amigo é das mais simpáticas, tra-
duzindo perf eitamente urna conclusáo lógica de quem pesquisa
a história do Rio Grande: {
Conte, pois, com os nossos .. aplausos e solidariedade pela
sua feliz iniciativa: - um monumento ao índio Sepé, que en·
carnou a bravura, a lealdade e o patriotismo gaúcho."
- Estu dando a personalidade e a vida de Sepé, afirma, em
resumo, o segundo;
"I - que Sepé era brasileiro, gaúcho, nascido em Sao •'
Mi¡guel e que tanto amou esta terra, que por ela realizou o sa-
crificio supremo de sua vida. Assim, ele personifica também
wn símbolo de amor a estes pagos, que tanto amamos.

.. O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 135
• ~ um dos r:iais bem aprop~iados, Jamais ternos nós até auui
visto algum ca pao de elevadas arvores, sobre a Coxilha Grande
e t.alvez ou pela falta de água nativa, ou porque a terra na~
tena urna for~a interior para a criacao delas : aa ui, nao obstante

XVII º
ser o ..Albarda.. formado de montanhas maiores. se divisa de
long-e este capao de mato. do qual a orig-em é s11nerior a todas
Sepé Tiarajit e a Critz de Caibaté elas. e SPP'tte Por urna caírla oara a canhada de Caaibaté.
A Nordeste 57° i. l. 2.n1.7. deste a1to Canao de mato estáo
Se, depois das pacientes indaga<;oes e verifica<;óes ef etua- as ca·beceiras ou cafdas .r/tais <listantes da presente canhada. no
das pelo G,eneral Assis Brasil ainda pairasse no espírito de al- recanto oue faz ;om o Albardao Grande a coxilha, que sai para
guén1 alguma dúvida acerca da localiza<;ao do can1po de batalha Leste nara o R.indí.o chamada de Santa· Catarina.
de Caibaté ou Campo da Cruz, poderia deri111i-la faci1mente (Ouarta-feira, 14 de marco de 1787). Se nos bastasse so-
confrontando as cartas e conclusoes aduzidas por aquele militar n1ente o 1ie-a: os pontos iá situados, sobre o terreno a vista. t1-
nli:-ln11"S () Cer~() ñe Mhatohi. a 16°. ele nos é tan1bén1 necessáric
com os dados constantes do Diário R'esumÁdo da •ne1narcacao da
América Meridional. escrito em 1787 pe]o eng-enheiro-geógrafo, a 11rirticular confit:ruracao: assim posto en1 march<t voltamos para
matemático e astronomo lusitano José de (Saldanha, bem como o Sul oelo oróprio .Aihardáo Grande, onde vimos. no fim da
com o magnífico mapa que traz apenso. Ambos constituem um nrin1 0 ir~ lPo-tta. o c~rnno de 0 10 • 111e de ·('::i::iihaté. on<le foi o en-
manandal precioso de informes referentes a toponímia. etno· contro das nossas trooas. e das dos espanhñis cotn os índios das
gra:f ia, geolOIQ"ia, história, astronomia, zoologia e botanica do Con- .. .
MissoE>s no temno. . ,
da Demarcacao de 1755. senda .g-enerais e
prtnc1oa1s comtSsanos o exmo. Conde de Bobadela e 0 Marques
tinente de Sao Pedro. naquela época.
Na parte do Diário aue nos interessa (ter<;a-feira, 13 de <le Va tdelírios. '
mar<;o de 1787), diz o esclarecido perito portttgues: Ain<la ali se distinf!uem urnas pequenas alturas de terra. das
"Apartando-se do rio Bacacaí, e do seu passo de S. Jero- que serviram de trincheiras. Un1a anti~a cruz de maf1eira ali
nimo. <lepois de caminharmos meia légua ·pela várzea da banda persiste por monumento de mais de mil e setE>centos índios aue
do Norte. orinciipiamos a subir por urna pon ta de coxilha com- os efeitos sentiram das mortíferas, e para eles desconhecidas
balas.
posta de diversas colinas, e cuios vales sao todos de barrancas.
e alg-umas bem profundas, cheias de arbustos e macegas (tal , Para a banda do nascente baixa (para) a can hada de Caai-
tem sido o efeito das corren te zas das águas da chuva, em um bate urna san~a. que de sepultur;:t serviu a tantos infelizes. As
terreno bastantemente inclinado, brando, e de pura terra cretá- ág-uas. do seu sang-ue tintas. ao 11ar che!!.ariam, denois de toeretn
cea ou ane--ilosa) . corrido pelo Bacacaí, Jacuí, Lae-oa dos Patos e Rio Gr~nde."
Dali baixando, atravessamos a canha.da de Caaibaté, e tor- Ao pé desta .página do Diário Resumido, insi:re o autor a
nando a subir, saímos enfim no Albardáo Grande, junto a seguinte nota: "Junto desta Cruz plantaram os fndios Tapes.
Caaibaté, ou Alto Capáo de Mato, junto do qual acampamos, haverá tres anos. a um pessegueiro. do qual principiam outros
e da banda ocidental. a procri<tr, alguns pés de milhos e de lim'Oeiros.
Latitude observada ................ A 300 - 6' - 15". A<;ucenas brancas. e mogang-as cobrem o limitado espa<;o
Caaibaté, pronunciado pelos índios tapes, guturalmente, imediato a Cruz. e cercado de urna curta estacada. em quadro
como se fósse escrito entre nós - Ca-ai-guaté - quer dizer Que o livra do dano da eguada. e gado xucro." ( Anais da Bi·
Bosque Alto. · blioteca Nacional, Rio de Janeiro, Vol. LI, págs. 228 a 230.)

- 134

136 M ANSUETO BERNARDI • O PRIMEIRO CA UDILBO RIO·GRANDENS!: 137

Com referencia a esta Cruz, cu jo estípite ainda em 1935 Na base. do singelo monwnento seriam postas as duas pla-
se conservava cravado no solo e que os descendentes dos mor- cas .de bronze le1nbradas pelo General Assis Brasil, urna con·
tos de Caibaté ritualn1ente circundava111 outrora de flores e tendo a inscri<;ao em idioma guarani, a outra em portugues.
de fr utos, assim se man ifesta o General Assis Brasil. Aquela devia ser colocada do lado ocidenta1, para signifi-
" Algara é preciso, penso que até imprescindível, providen- car q ue o guarani é para nós u111a língua i.norta, ao passo que
ciem os poderes públicos na ere~ao d e t11n 111onumento que o lusitano figuraria do lado em que o sol nasce, para simbolizar
ateste para sempre onde se consumou a talvez maior e quíc;á o surto da líng-ua portu guesa no Brasil.
mais esquecida hecatomhe verificada na história r io-grandense. Ainda na base do monurn ento. do lado N a rte, seria gravado
Atendendo a necessidade cívica de materializar o local da este grito histórico de Sepe, vestido de poesia pelo épico repre-
batalha de Q.iboaté. ora reconstituído, consegui do atual pre- sentante da E scota Mineira :
feito de S. Gabriel a promessa do n1onumento simbólico que sirva Estas terras, q.u e pisas, o céu livres
de ensinatnento as gera<;óes fut uras. deu a nossos avós; n ós ta111'bé1n. livres
É provável 111esmo que o n1011umento seja pronta1n ente exe- as recebe1n.os dos antepassad os.
cutado, em vista da boa vontade expr essa por aqucla autoridade. L ivres. as háo de herdar,_ os nossos f ilhos.
Seria talvez acertado, entre outros caracteres gravados no g rito que milhares de rio-g randenses estao repetindo neste mo- •
monun1ento histófi.co, restaurar a cruz ali rravada pelos jesuí- mento e que poderat • r epetir, em qualquer emerigencia futura,
tas aquela éooca e cu jo desenho é o seg·uinte." ( Segue-se o ao passo que <lo lado Sul urna placa também de bronze t radu-
desenho da Cruz ali posta, nao pelos jesuítas, n1as pelos índios ziria o nosso julgamento histórico acerca da natureza daquela
tapes, como info rn1a o engenheiro José de Salclanha e conf irn1a deplorável luta: Pro aris et focis, legenda antiga~ que Cícero,
a própria inscric;ao, con1 os r espectivos dizeres en1 portngues e em D e Natura Deoru1n, interpr eta - P ela P átria e pela f amília.
guaraní, o que tudo consta do manuscrito existente na Biblioteca T ernos ra zóes para acreditar que a guarnic;ao federal, se-
Nacional do R ío de Taneiro, onde o copiou para o General Assis diada ·neste E stado, se assóciaria de· bom grado a cívica e cris-
Brasil o historiador ~ ,Coronel J.. C. do. Rego 1\1onteiro) . (Assis tianíssima demonstra~ao, cumprindo assim os votos formulados,
Brasil - O bra citada, p ág. 113.) ' com impressionante seqüencia, por tantos militares, a frente
N ós concordamos plcnan1ente com a piedosa e patriótica su- dos quais se destacam sete generais: Augusto Tasso Fragoso,
gestao do conspícuo autor de A Batalha de Ca.iboaté e con10 nao Ptolomeu de Assis Brasil, E stevao L eitao de Carvalho, Valen·
consta que tenha sido cumprida até agora a promessa do ex-pre- tin1 Benício da Silva. Amaury K ruel, Dioclécio De P aranhos
feito de Sao Gabriel, apelamos para o Governo do E stado no Antunes, e Rinaldo P er·eira da Camara.
sentido de que, aproveitan<lo a verba ele 30·000 cru zeiros. de
boa mente votada pela Assembléia dos R epresentantes, n1ande * * *
Duvida a Comissao de História que pudesse ter Sepé Tia-
restaurar no ( fln1 no de Cai·h;:i té a grand~ cruz re1nen1orativa do raju "um sentido de pátria."
sangrento n1ortidnio ali yerificaclo en1 1756. _ Entretanto, ele possuía esse nobre sentimento, no máximo
T alvez fosse mesmo ainda possível recolher muitos restos grau imag:inável. Q~e é, com efeito, e a fi nal de cantas, o sen-
dos tapes que ali tombaram, em defesa das suas propriedades, tido de pátria ? U m dos homens d~ mais peregrino talento, de
da sua pátria e das su as f an1ílias, r ecolhendo-os todos num mais excelsa virtude e mais profundo saber, de que se possam
ossário comum, a ser construído no embasamento da cruz. orgulhar , nao já o ~io Grande e o Brasil, mas a própria cultura
E sta. a nosso ver, devia ser de granito ou concreto arniado. sul-americana, o Padre Leonel Franca, fornece-nos, a r espeito,
ten do os brm;os estendidos no sentido N orte-Sul. esta defini~ao lapidar:
138 MANSUETO BERNARDI
. -
"Com todos os harmonicos sentimentos que lhe acompanham
a sonoridade fundamental e lhe dao timbre acentu::i.damente
emotivo, a no<;ao de pátria prende-se imediatamente a de terra,
terra pátria, e, por ela, aos ascendentes aos quais devemos a vida.
Sem o solo nata:l, sem o contexto geográfico que emoldu- XVIII
r ou a existencia de nossos pais e que eles contemplaram com
seus olhos e aformosearam com os seus trabalhos. nao há pátria." . Sepé e os Cultores das Tradiqoes Gaúchas
(Leonel Franca. S. J. - A Crise do Mundc> Moderno, Livra-
ria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1941, pág. 35.) Nao pensa, gra~ a Deus, como a Co1nissao de História
Ei.~ exatamente a pátria, a terra pátria, en1 def esa da qual do Instituto, a Assembléia dos Representantes· do Estado, a qual,
e por amor da qual morreu Sepé Tiaraju. judiciosa e patrioticamente, votou, nao há muito, urna verba de
~le era, por conseguinte, un1 grande, u1n sincero, um mo- 30 000 cruzeiros, como auxílio para u1n n1ontunento ao caudilho
delar, um verdadeiro patriota. .
guarani.
A liqs, nem o 1nercen~rio Basílio da Gan1a1 ao eng-endrar, - Nao ¡:1cnsa como a ·Comissáo de História o "Centro de
em 1769. o seu poema O Uruquai, teve a corag-e1n de dizer oue Tradi\óes Gaúchas Índio Sepé", da cidade de Sao Sepé, o qual.
Sepé Tiaraiu nao tinha um nítido e vhrorose " sentido de pátria", em ofício diri:gido aoc Governador do Estado, protesta fortemente
tanto qúe lhe póe nos lábios, na célebre entrevista com Gome3 contra "o inconseqüente, incoerente e absurdo" parecer emitido
Freire. estas palavras sobremodo si¡gnificativas: pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul,
ao mesmo passo que solicita que o monumento a Sepé Tiaraju
!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Todos sabem seja erigido naquele municipio, em cuja prefeitura revela exis-
que estas terras, que pisas, o céu livres -: tir, faz uns quarenta anos, urna maqueta r epresentativa do cau-
deu a nossos avós; nós também livres dilho tape, morto gloriosamente em def esa do seu pago e da
as recebemos dos antepassados. sua nac;ao. (Jornal do Dia> Porto Alegre, 5-2-11956.)
Livres· as hao de herdar os nossos filhos. Dita niaqueta, con10 vimos, é de autoría do escultor Eduardo
. . . .. . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . .. .. . .. a
de Sá e <leve-se patriótica iniciativa do historiador Fernando
'As f rechas partirá o nossas conten das Luís Osório.
dentro de pouco tempo, e o vosso niundo,
- Desaprova formalmente o parecer da Comissao de His-
se néle u1n resto houver de hu111anidade,
tória o "35 Centro de Tradi~óes Gaúchas", de Porto Alegre,
julgará entre nós ; se defendemos
o qual, em· ofício aprovado por unanin1idade de votos e dirigido
tu, a injusti<;a, e nós o D·et1s e a Pátria.
ao · ilustre governador Ildo· Meneghetti, assim se manifestou a
propósito da controv:érsia suscítada em torno do monumento
Af ternos. no can1no da luta, conforme a confissao indireta
a Sepé Tiara ju:
<lo próprio a.poloe-ista dos lusitanos. as arm~s estran!leiras co1n·
batendo injustamente contra o Deus e a Pátria dos guaranis. "Sr. Governador. O "35 Centro de Tradic;óes Gaúchas do
No ano da e-ra(".a de Nosso Senhor Tesus Cristo de 1955. Rio Grande do Sul" -sente-se no dever de manifestar a V. Excia.
'ºmente a Comissao de História e Geoqrafla do I nstituto HistÓ· sua desaprova<;ao ao parecer emitido pelo Instituto Histórico e
rico e Geográfico do Rio Grande do Sul. haveria de assumir o Geográfico do Rio Grande do Sul no caso da personalidade
ine-rato e escandaloso encargo de asseverar e ensina r o con· histórica do 1ndio Sepé, .e m que pese a respeita:bilidade daq,uela
trário ! nobre institui<;áo.
140 MAN~UETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·G~.NDENSE 141

E desa1)rova o p~recer pela convicGao seQ"ura de que a eoo- desse sentimento e dessa afirma.c;áo, provar em nossas ren1otas
péia do f ndio Sepé foi. sem dúvida, a prirneira manif estaGáo origens a existencia de um bisavó das tabas rio-grandenses.
de urna consciencia de pátria nos fas tos da Hist.ó ria Rio-gran- Somos descendentes de europeus ou africanos que vieram ten-
dense. tar na terra virgem a a ventura de urna vida nova e opulenta.
Embora distanciados no ternoo, nao <levemos esouecer. oor- Náo somos, portanto, mais rio-grandenses do que Tiaraju, que
oue nao ignoramos nem nos far~io ienorar. aue a conclidío de nasceu na terra e que dela era o senhor nat·ural e que por ela
Colonia, a oue nos suhrnetiarn as Coro::ts ImnPri:ilistas cla. Eu- lutou e deu o seu sangue nos can1pos de Caibaté. E lutou e
ropa, em nada nos lisonieava. tivesse ela a ori!!em que tivesse. morreu por ve-la livre, nao sob a opressáo de um governo im-
Nem Esnanha nem Port110-a1. Sr. GovPrn::tclor. fl<Yi::lm n11 l11t~vam perialista, mas livre no mais amplo sentido do termo, q~er de
dentro destas terras continentais para f ormflr aaui a pátria livre portugueses con10 de espanhóis. E nlorreu com un1 tiro de
dos ~aúchos. a ue nos oertencesse e nos f0s"e dado f"overnar. misericórdia que lhe foi desfechado pelo espanholíssimo gover-
como hoie. Lutavam pelos seus prónrios interes"Ps e ai <lanueles nador de Montevidéu. Se o índio Se.pé n101-reu para ver. livre
que Qt1sassem levantar a caibec;a contra seu poclerio e sua auto- a sua terra e seus índios da pressáo invasora e autoritária, Sepé
cracia! A história brasileira está cheia de exem-q1os nesse sen- é um simbolo<re um shnbolo ünortal. Sí111bolo, Sr. Governador,·
.... tiño. nois a travPrli~ nos P::irlr0s Mio-uelinho e 1ifornrn ::itP ho1e da nos~a afirma~o de independencia, con10 Pátria livre, sem se-
nos cornove e até ho1e S::?C"ode o nosso cor::tc~o ·sensivel. de pa- nhores f eudais. N·ek~ esteve a primeira galhardia e a primeira
.
tr1nh1c: () f.1fl1 t'""0'1f'()
, . e h ~, rh::lt'Q. c-r11 P t e nPS1.1n1~fl0
-1 w
. (1tle t.PVP a altivez 'do gaúcho rio-grandense.
Inconfidencia Mineira. com o trucidamPnto monstruoc:n do al- O norte do Brasil criou um índio de f ic~o na literatura
feres Toaouirn e o exHio dos ooetas mineiros da A rc~<iia. de Alencar e o Uruguai criou a fantasía de Tabaré. Somos pri-
Era esse o preco mínimo do sonho ne urna P-~tria livre, sob vilegiados, como o foi o México, com a figura do seu herói
o dornínio imperialista dos oaíses <la Europa. Mesmo no P-lo- nacional, em possuirmos na nossa História um índio désse porte,
rioso enisódio da Recon<luista das Missóes. Portue-al auxiliou de carne e osso, que nos legou urna epopéia que foi o primeiro
e consolidott o feíto dos heróis. nao poraue tivessem eles pre- grito selvagem e instintivo de Pátria que as coxilhas do Rio
nunciano a f ormacáo de urna pátria, mas porque a causa servida Grande receberam e guardaram.
era rlAl~. d~ Portue-al. Por isso, como o México, queremos perpetuar a figura do
Nao seria essa a reacao portur!uesa. se Pinto Randeira. nosso fndio, dando-lhe um n1onumento e um grande monumento,
Manoel dos Santos Pedroso e Bore-es do Canto tivessem ou- que seja a glorifica~o do dono natural desta terro, e que por
saclo imaf"inar um Rio Grande livre das bandeiras e~cravagistas, ela morreu." (Jornal do Dia, 21-12-1955.)
independente e soberano.
- Discorda também da Comissáo de H1stória o historiador
Ora, Sr. Governador. a nosso ver. Sepé Tiaraiu levantou-se
e jui~ de direito Dr. Tarcísio Taborda que, ~ entrevista a um
eni armas e morrett a
norta das Missóes. nao para defender
matutino de Pórto Alegre, assevera:
interesses imperialistas de Espanha ou Portugal. mas a terra ern
si. a terra oue era dele e de seus indios. dando, dessa arte, o "Defensor primeiro de vasta extensáo que hoje constituí o
primeiro exemplo de urna consciencia telúrica <le oátria. E território do nosso Estado, Tiaraju tem urna presenc;a impres-
ninguérn teria, como Sepé. direito mais nf ti do e mais claro des se sionante na história rio-grandense." (Jornal do Dia, P órto Ale-
pronuriri::\mento. nnis e.r~m eles - Sepé e os seus indios - gre, 18-12-J.955.) -
os senhores n:a.t urais da terra. - Dissente da Comissáo de História o professor Dr. Ruy
Se nós nos consideramos hoje rio-g-randenses e rio-{1"ran- Ruben R uschel que1 interrogado pelo professor de História, cam-
denses .tradicionalistas, n~m todos de nós poderemos, a.pesar peáo rio-grand~nse do monumento a Sepé, Dr. Astrogildo Fer-
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 143
142 MANSUETO BERNARDI
n
o
teu nome com do Esposo virginal de Maria Santíssima, Sáo
nandes, respondeu: "Sou favorável ao monumento a Sepé. Con- J osé. Pe<;o-te que me alcances de Cristo u1na grande sinceridade
siderar esse índio corno figura marginal a nossa História, seria como a tua, u1n acendrado a1nor as cerim6nias litúrgicas, como
restringir demasiadan1ente o campo de nossa formac;ao humana. tu o tiveste nas festas encantadoras dos Sete Povos e a gra<;a
O Brasil nao é apenas portugues . . N em a nossa História, pode de es<:rever sobre a história missioneira para a maior glória da
ser considerada con10 a expansao conquistadora de urna nac;áo Igreja Católica, cuja obra rilais estupenda foram as Reduc;óes.
ibérica contra outra, ou contra a popula~o nativa. Ternos urna Seja a minha pena como a tua lan<;a, empenhada sem ces-
cultura plural, resultante de um complexo movimento de fór~as sar para defender a verdade, o direito, a pátria e as diretrizes
sociais, centrífugas e centrípetas, lusitanas e nao lusitanas, eu- da Esposa do Cordeiro. E que eu tenha a gra<;a de morrer como
ropéias, africanas, a1nericanas e asiáticas. . . Os n1exicanos nao tu na paz do Senhor :para te encontrar nas coxilhas eternas.
ergueram monumentos a Guatimozim? Os rebeldes araucanos Assim seja." (Da revista "Estu,dos', Porto Alegre, 1955, N.0
nao sao prezados pelos chilenos como símbolos da própria liber- 3 e 4, pág. 82.) . .
dade nacional? Nao cultuamos nós personalidades opostas, como Reputando Sepé Tiaraju "sem dúvida alguma, o pnmeiro
um Tiradentes conspirador antilusitano e um D. Joao VI portu- caudilho da te1ra pampiana", o j ornalista e ron1ancista J. C. Ca-
gues da gema? · • f runi escreveu, em fins de 1955 e princípios de 56, diversos arti-
Sepé Tiaraju nao é apenas urna figura histórica. Como le- gas, em revide ao parecer da Comissao de História. Dentre as
genda popular, é um símbolo. Re.presen!ft t> gaúcho, que se for- agudas ,e oportunas considerac;oes do jovem intelectual gaúcho,
rnaria do sangue dos seus e do conflito de culturas do índio, do destácamos a seguinte:
castelhano, do ac;orian6, do beduíno. "Que def enderia Sepé - co1n inegáveis corage1n e valor -
. .
Construir um monumento a figura de "Sao Sepé" demons- em 1750? Nada que tivesse rela<;ao conosco. Se ele tivesse
tra amplo espírito de compreensao humana, que sobrepaira as vencido, qual seria a conseqüencia histórica dessa vitória ?''
interpreta<;oes limitadas de nossa história e formac;áo." (Jornal - pergunta a co.missao.
do Día, Porto Alegre, 16-2-1946.) "O argumento dos ilustres historiadores parece forte~ como
un1 rochedo, contra o qual todas as demais argüi~óes entretan:_o,
- O Prof. José Hansel, membro do Instituto Bistórico do se desfariam con1.o espumas. Justamente na sua argumenta<;ao
Paraná e autor de diversas obras interessantes sobre as Missóes reside a fraqueza. ·O s ilustr·es historiadores perguntan1: "que
do Uruguai; ,publicou em 1956 um curioso ensaio sobre Sepé defenderia Sepé em 1750 ?" E mais: "Se ele tivesse vencido,
Tiaraju, a quern chama de "lan<;a imortal das coxilhas gaúchas." qual seria a conseqüencia histórica dessa vitória ?" .
Considerando ~' urna vergonha para o Estado do Rio Grande Pois ·bem. Nao é esse o critério legítimo. Nao é, precisa-
do Sul e a regiáo missioneira em especial que Sepé Tiaraju ainda mente, porque entáo perguntaríamos aos mesmos ilustres histo~
nao tenha conseguido que o povo ou o Goyerno lhe levantasse riadores, que realizaram ·obras magníficas, imortalizando os he-
ao n1enos un1a henna, a filn de que a n1ocidade tivesse um exem- róis farroupilhas, cuja memória todos veneramos - pergunta-
plo brioso a seguir", compós o Prof. Hansel esta comovente ríamos : - Qual seria a conseqüencia histórica, se os nosso3
orac;áo, para seu uso, que demonstra que o culto de Sao Sepé heróicos farroupilhas tivessem vencido em 1835? .
já transpos o círculo da crendice galponeira, para ingressar na Apenas isso: o desmembramento do Brasil,, q~e tanto d~­
esfera das classes cultas: sejamos se ja uno; o nascimento de mais urna repubhca na Am~
"Glorioso Sepé Tiara ju, apesar de nao teres sido canoni- rica do Sul. Republicazinha, aliás, como tantas outras. B;m. pod1a
zado pela ligreja, tenho a firme convic<;áo de que gozas da vi~ ter acontecido que o Río Grande do Sul, entáo "Republtca ¿e
sao beatífica da Divina Majestade, pois sacrificaste tua vida Piratini", se tornasse um país economicamente forte, neo e feltz,
pelos -direitos eternos do homern. O povo te ~lorificou, trocando

-
.
'
144 MANSUETO BERNARDI
-
pois hoje é considerado "celeiro do Brasil". Quebraríamos, en·
tretanto, a nossa tradi~áo de brasilidade, nosso vínculo por esse
Brasil grandioso e in1enso, que a111amos sobre todas as coisas.
Nao é un1 critério justo o a;presentado pelos ilustres histo-
riadores. Os heróis da ra<;a, nao importa os princípios que nor- XIX
tearam a sua conduta, desde que nobres e desprendidos, náo dei- /
xam nunca de merecer o a·pr~o dos pósteros. As Missoes e os Mestres da H istória Pátria.
Enaltecernos os feítos dos negro.s de Paln1ares. Formavam,
no entanto, um quilombo, um quisto, urna republiqueta indepen- Divenge radicalmente da Comissáo de História, no tocante
dente, no cora<;ao do Brasil. Van1os condenar os quil61nbola5 a apreciac;áo dos vultos e fatos do ciclo missioneiro, o eminente
pahnarinos? Nao. Foram bravos. Merece1n exalta<;áo e admi- .OPCR historiador e crítico literário Joao Ribeiro, o qual," ao noticiar
ra<;áo. A Hgura de Zun1bi reveste-se de u1n halo de glória o aparecin1ento da História ·do Río Grande do Sul, do Padre
in1orredoura. Carlos 'Ieschauer, S. J., escreve as seguintes palavras que cons-
Os índios brasileiros defenderam, palmo a p~lrt10, a sua terra tituem ttma virdadeira prele<;áo, n1agistral e irretorquível:
nativa, contra a agressáo portuguesa, e n1esn10 hoÍandesa, fran- "A pena e a erudic;ao do Padre Carlos Teschauer <levemos
cesa e espanhola. Nao va1nos perguntar"agora: "se os indios os dois primeiros ~lumes consagrados aos dois primeiros sé-
tivessem vencido, en1 que pé estaria ainda o Brasil?" Seria, culos e as origens n1orais, econ61nicas, etnográficas e políticas
talvez, ainda, um país de bugres, sem progresso, sem conheci- do grande Estado, que hoje se impóe por um equilíbrio sem
n1entos, etc. l\1as nao é esse o critério que <levemos adotar. o exe1nplo de f or<;as construtivas da nossa civiliza.c;ao.
que cutnpre perguntar é isso: - tiveram valor? Foram levados A terra feliz do Rio Grande come,ou com a civiliza,ao in-
por um ideal justo e nobre? Ora, justamente isso ninguém terna, indiana, do extremo ocidente, com as suas missoes do rio
o nega. ' Uruguai, logo cedo perturbadas pela ambi,ao predatória dos
Por tudo isso, julgamos inaceitável o parecer da douta co- ma1nelucos. (O grifo é no~so.)
tnissaó de historiadores porto-ale¡grenses. S.epé Tiaraju n1erece Aqueles redutos tranqüilos, onde, soh a dire<;áo paternal
um n1onun1ento, como seu companheiro de ra<;a, Guairacá, que dos jesuítas, prosperavam o cristianisn10, as artes mecanicas, a
j á está imortalizado em bronze. E Sepé nao f oi menos nobre, agricultura e a pecuária, e as priineiras indústrias alimentares,
nen1 menos valoroso que o destemido Guairacá, orgulho do tinham já logrado um grau de civiliza<;áo invejável. O· livro
povo paranaense." (De O· Nacional, Passo Fundo, 13-12-1955.) do Padre Teschauer, nesse volume, come<;a com o famoso exodo
dos expatriados, que volvem, aipós trinta anos de exílio, aos seus
antigos pagos, já quase desmoronados e extintos, reduzidos a
taperas pelo ferro e o fogo dos sanguinários conquistadores.
l'!sse día 1ne1norável (2 de fevereiró de 1687) em que tres
mil exilados transpoem o rio, hoje limítrofe, com as suas fa-
milias e animais domésticos, em carretas e em canoas, desafía
a inspira\áo de um poeta americano de genio igual ao daquele
que escreveu a Evangelina e o poeta de }!isu.Jatha.
O Rio Grande do Sul, de hoje, deve muito ainda, apesar
de sua civiliza,ao litoránea., aos primeiros semeadores, e o que
I
há e subsiste entre algumas de suas riquezas primordiais, os

145
O PRIMEIRO CA UDILHO RIO·GRANDENSE 147
146 MANSUETO BERNARDI

e náo tinham predilec;óes nacionalistas. 0 império da Cruz, uni-


1

seus ca1npos de gado, o trigo e o vinho, ou a erva-'1t'Dl1te: tuda


versal e eterno, pelo conhecimento de Deus e pela fraternidade
come.fou na citltura 1nissioneira do Oeste, anterior a conquista
política do litoral. (O grifo é nosso.)
humana, a que incorporaram as chusmas de índios que mais tarde
for~i:n exp~essóes da civilizac;áo crista, era o único escopo desses
Con10 nwna concha bivalve, vemos, nessa formosa contri-
herots e desses santos que exerceram a sua atividade en1 terras
buic;áo, º. contato progressivo entre a civiliza~o indiana, que do Rio Grande do Sul. ·
co1nec;ou internamente e a ci'viliza<;ao litoranea, que só n1ais tarde,
Entram, assim, na História <lo Brasil. Integram-se a nossa
pelos meados do século XVIII, se estabeleceu nas praias. vida inicial, pelo beneifício que nos legaram, pelas sementes que •
A História do Ria Grande do Sul do Padre Carlos Tes-
lan<;aram, pela beleza dos seus ¡gestos, pela glória imortal das
chauer é um trabalho consciencioso a altura do erudito que já
suas ac;óes. Seus catecúmenos entraram na forn1a<;áo pri111itiva
tem prestado ao país numerosos servic;os intelectuais. das populac;óes brasileiras do sul e seus monun1entos de arte
. Pitdessem os Estados da Uniao ter, cada um deles, um his- ruínas de um passado grandioso, constituem o mais alto patri·'
toriador do se.u ~e~tio e da sua escrupulosa exa·tidao e fácil seria
monio artístico e histórico ibrasileiro, e a razáo de ser da admi-
a tarefa da historia gera.l da nacionalidade. (O grifo é sempre
rac;ao .que !hes votamos." (Aurélio P«)rto - História das Mis-
n~sso.) (Joáo Ribeiro. Aipendice ao III Vol. .da História do
soes Orientais wo Uruguai. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul do Padre ·Carlos Teschauer, S. J., Livraria
1943, págs. 151 e 152.)
Selbach, Porto Alegre, 1922.) •

E p~ra r~matar este pálido aparato <de defesa, queremos •


reproduz1r aqu1, dentre n1uitos outros autores que, por falta de
es~ac;o,. deixamos de citar, as palavras de longo alcance com que
o tlum1.n~~o his~or!a?~r Aurélio Porto desmantela e pulveriza
em deftn1t1vo a irnsona Linha Maginot que alguns epígonos Io-
~ais do Marques de Pombal tentam, a todo transe, contrapor ao
tngresso dos mártires, apóstolos e heróis civis missioneiros na
História do Rio Grande do Sul.
A\pÓs descrever o início e a expansáo da catequese crista
na Pr~ví?ci~ ?o Tape e referir, de relance, os dados biográficos
dos m1ss1onanos que nela to1naran1 parte, e dentre os quais fi-
gurava o portugues P. Paulo Benavides, companheiro do P.
·Cristóv~o de, Mendo~c;~ na fundac;áo da aldeia de Sao Miguel,
sentencia o integro JU1z e beneditino pesquisador:
"Operários hümildes da vinha do Senhor, obscuros obreiros
de um monumento imperecível de Fé, na renúncia de todos os
bens terrestreg, sem an1'bic;6es, praticando o bem entre selvagens
e procurando, com o sacrificio das próprias vidas, traze-los ao NOTA - Da Histórfa das Missoes Orientais do Urugual, e. obra-
redil de Cristo, eles avultam nesse cenário grandioso, circunda- prima do maior e mais do-cumentado historiador que o Rio Grande
dos por um halo glorioso de santidade. do Sul produziu até hoje, aoaba doe 1Síalir, €'IIl POrto Alegre, a se-
Nao importa a nacionalidade a que pertenceram. America- gunda -ediQáo, oem dois volume-s, com os tipos da Livraria Se1'bacb
e os comentários do Pa'<lre Luiz Gonzaga Jaeger, S. J.
nos do sul, espanhóis, franceses, italianos, 'belgas, alemáes e
portugueses, eles representavam a universalidade da Companhia

/
O PRIMEI.RO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 149

Nao era, a sua, urna voz isolada clamando no deserto. N em ia.
com
, .
ele urna cáfila de "ambíguos" e de "bifrontes"' como teme-
• ranamente se ousou afirmar. ,
XX Acompanhava-o, isto sim, constante e imutável no tempo
e no espac;o, um verdadeiro coro de expoentes, do pensamento
Conclusao rio-grandense e brasileiro, urna brilhante e numerosa pleiade
de pró-homens do mais alto quilate civico, intelectual e moral,
Em face da massa compacta e concorde, bem co1no do peso dentre os quais naturalmente nao merecemos nem pretendemos
e valor dos pronu_nciamentos pré-transcritos, fica reduzida a figurar.
muito pouco a significa~ao do parecer da Comissao de História
e Ge~.rafia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande * * *
do Sul, tanto mais que o aludido parecer foi aprovado apenas
por meia <lúzia ·de seus membros, que só levaram em conta, Na conclusaó <leste capítulo, queremos consignar aqui o
conforme lhes foi perguntado, um único aspectb da questao em nosso formal pr~testo contra o parecer emitido pela Cornissao
tela: o sentimento de brasilidade de Sepé. de História do Instituto, desfavorável a um monumento a Sepé
Ora, sob esse ponto de vista, a resptsta tinha que ser for- TiaraJu. • -
c;osamente negativa. Em 1750, nao havia no Brasil sentin1ento Protestamos tamhém, com veemencia, contra o mesquinho
de brasilidade, no sentido atual e político da palavra. Nao ha- e injusto critério de quantos pretendem fazer da Histgria das
via, nem podia haver. Haja vista o que sucedeu ao alferes Ti- Missóes Orientais do UrUJguai um episódio estranho, um com-
radentes e aos seus infelizes co.mpanheiros da, Inconfidencia partimento estanque na. Hist_ó ria do Rio Grande, da qual as ·
Mineira. Reduc;óes constituem, pelo contrário, o capítulo inicial. Protes-
O problema nao foi, portanto, equacionado e resol vido como tamos contra quantos pro.positadamente confundem, por motivos
fora mister, mas advocaticia:rnente ladeado. talvez de ord~m sectária, os interesses e fins da Monarquia de
Entretanto, mesmo que o parecer da Comissao de História, Espanha na hacia do Rio da Prata com os interesses e fins da
Companhia de Jesus nas Redu<;óes do Uruguai.
emitido sóbre Sepé, tivesse sido examinado também sob outros
aspectos, e destarte a:provado, ainda assitn negaríamos que o voto No conflito de interesses sul-americanos, que o Tratado
de meia dúzia de sócios do Instituto represente o pensamento da de Madrid procurou resolver, a ·E spanha <leve ser considerada
maioria dos men1bros desse ilustre areópago, como inequivoca- urna cousa - u1na potencia política e militar, expansionista e
mente o demonstra o número de manifesta~6es contrárias, já rival da portuguesa; a Companhia de Jesus outra cousa -
urna ordem religiosa, apolítica, docente, assistencial e universal;
surgidas na imprensa.
e finalmente os guara.nis urna terceira cousa - urna na<;ao sil-'
Em segundo lugar, fica igualmente demonstrado, em face vícola, mas de certo modo autonoma, e titular de direitos inalie-
da matéria exposta, que o Major José Carlos Nobre da Veiga náveis e imprescritíveis, porque inerentes a :pessoa humana.
nao estava sozinho, quando foi ao Palácio Piratini sugerir a.o "A mais elementar honestidade mental" impóe que, no exa·
chefe do Estado, a ere<;áo de um monumento ao herói cristáo me desta questao, se distinga e separe nlti<lamente o joio do
missioneiro Sepé Tiaraju, no louvável intuito de resgatar urna trigo.
<lívida de gratidao e de render, ao mesmo tempo, um preito de E se o ajuste diplomático luso-espanhol consagrava o prin-
reverencia e justi<;a. .. cípio do uti Possidetis, ninguém mais do que os . tapes tinha o
direito de o invocar em seu favor de vez que os mesmos vinham
148
150 MANSUETO BERNARDI

possuindo e cultivando a terra, amea~ada de esbulho iminente,


nao desde alguns trintenios ou séculos, mas desde milenios,
"desde o dilúvio", como afirmaram no seu protesto.
Protestan1os ainda contra o emperro de se querer impedir AP~NDICE
a todo custo, que, a par dos non1es dos nossos heróis litoraneos,
em nossas tábuas históricas figurem também outros, de vultos
civis e religiosos missioneiros, dos quais somos, direta e indire- PARECER DA COMISS.A.O DE HIStTóRIA DO INSTITUTO
tamente, herdeiros e beneficiários. • HISTóRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL
E protestamos, finalmente, contra a atitude de quantos CONTRA SEPÉ TIARAJU
- pretendam f azer da História, - mestra da vida, - instrumento
de educa<;áo col·etiva, dispensadora imparcial de justi<;a - urn
O ctdadáo Joao C:arlos Nobre da Veiga, major do exército, diri·
lan1entável laboratório de guerra toxicológica. giu-se ao Sr. Governador do Estado sugerindo a eregao de um mo·
numento ao il\idio Sepé, figura de .saliencia. na chamada "Guerra
• das Mi·s·soe.s", ou "Guerr1a ·d a De.mairca.gao", trav.ada ero território
* * * o.
ulteriormente incorpor.ad·o ao Rio Grande do Sul, nio decurso da
execugao do Tra:tado•de Madrid, em 1750, convencionado entre as
cortes de Portugal e de Es¡>anha. O monumento seria levantado
1

no local .e m que se deu a escaramuga, em que mo-rreu Sepé, ou na.e


suais adjia cencias, e1m. 7 de fever e1ro de 1756.
A quantos, com bondosa paciencia, nos tenhan1 lido até o
fim e especialmente aos nossos estimáveis confrades e amigos
da Comissáo de Hlstória, pedimos sinceras escusas pela viva- * * *
cidade de certas expressóes que, por acaso, nos tenham escapado O full'damento da proposta está nos tópicos que vamos trans-
na lavra desta def esa. É que o texto do seú parecer nos sur- crever, para exata compre-en.sao da ma.téri-a. em exame:
pr·eendeu e chocou sobremodo. E particularmente dois vocá- "Ao que tu do indica, er•a este verdadeiro ·brasileiro, na ace.p·gáo
bulos empregados pelo Dr. Moysés Vellinho, - ambigüidade pura da pal.avra, o ·p rincipal che·fe dos guare.nis, na r•e sistencia
heróica que estes ofer·ecer.am ao cumprimento <los artigos do Tra-
e bifrontismo - soaram como impertinencias, senáo como agra· tado de Madrid, a.ssinado por portugueses e esp.anhóis, em 13 d-e
VOSz nao SÓ ao npssO ouvido, mas tamfbém a memória de diver· janeiro de 1750:." .
sos amigos nossos pessoais, cujos lábios a morte emudeceu e "~ste indio simboliiia na .singeJeza da ·sua. vid1 a, na pobreza de
que, por isto mesmo, nos sentimos na obriga<;ao moral de s-eus r·e-cursos materi.ais e no incomparável d·e votamento patriótico,
defender. o valor pesooal do brasileiro, que em todas· as épocas de nossa
htstórta, sempre ·s e opós a sanha incoercfvel d·e se.u1s a.dv.e rsários,
Quanto aos outros assertores de Sepé, ainda vivos, estes a.os qua.is náo f.altava -0rientagáo gue;r.r-eira, nem instrum·e ntos aper-
nao precisam de advogado. ~les possuem armas muito mais !eigoados de ·d-est.ruigao."
brilhantes e eficazes do que nós, com que poderáo rebater, se "Sr. Governador, creio que nada mais justo pa ra o povo gaúcho
assim o entenderem, aquela rude e insólita increpa<;áo, tanto do que r·e verenciar na ·pessaa do índio Sepé, seu passado d-e lutas,
mais estranhável quanto partida de um escritor assaz conhecido de glória:s e de ·sa-criffoios, mandan.do ·ergue·r, em homenage.m ao
bicentenário die •s·e u d·e saparecim·ento em holocaust•o a pátri.a, um
pela sua fidalguia pessoal e mental. monumento que lem·br.e e personifique o denodado valor e o acen-
drado apego a terr a da figura mais •s impática .d os acontecimentos
1

Veranópolis, m.ar~o de 1956. que ensangüentaram ias coxilhais rio-g.r-andenses, na se.g unda me-
tade do :século XVIII."

15l
152 MANSUETO BERNARDI O PIUMETRO CAUDILHO lHO·GRANDENSE 1.53
Vé-se désses conceitos, ·Que nao é fá:cil o encargo da Oomtssáo e 'Simpática. Incorporacla. a.o acervo das nossas Ien das , das nossa.s
de História e Geografía: opinar •S0bf'e o brasileirismb d e um in· cr endices. das nossas S'tpersticoes, ela deve ser considerada. como
digena , que tinha um sentido de Pátria, e que se atirmou em luta um dos elementos que -contigur.a.m e enriq uecem o nosso patrimanio
contra os portugueses ... cultural.
No rig-or histórico porém. o cas·o é diferente. Urna elem·e nta.r
* * * honestidade m•e ntal d·e termina que a personai?em histórica seja
·situa da no seu papel exato e v erdadeiro. desnu d:i.da de fantasias e
Sob o ponto d-e vista histórico, é difícil a oaracteriza~áo da mistérios. encarada na i::ua exnressao J.egítim.a analis.ada em fa.ce dos
1

figura de Sepé Tia;ra.ju. Há, sobre el•e, dominante e g·e neralizada, motivo.s determinantes das sua. s atitndes e d e seu.s atos.
urna vi.s ao mítica, que altera e deforma, em sua.s linhas essenci.ai•s, Nao nos atemoriza i\ r.ertez.a de nue v::i;mos contrariar idéias
a persona.lidade r eal, única a. ser vista e compreendida r>ela exegese feJtas e nr eronceb'idas. im i1 vezes rPnetidas. a margem de aualqueT
da história. exame dos fatos. e cuja f6rca advém apenas. nrecisamente dess::i
É simples com:p.rovar o asserto: mal o tipo do indio, valent'0 repeticao a infiltrar-se s0rr::i.t eirament-e -eim espfritos desnre-0cupa-
e astuto, -s urge nos a.co.nteci.m·e ntos qu·e s·e <'i·e senrol.aram na guerra dos e d·e·satentos, Pncad·€'a:dos ao fascfnio do mito. Quando lemos
das Missoes, a lenda d-éle se .apo·s sa, envolv:endo-o e·m um· halo de qu e Sené f·oi "o prjmeir·o caudilho rin-gr.andense" a nós rn·esmos
per~unt.::.i.'JY!os <1UP. nod'ío élP pnd 0 ri ::\ tPr <lo 'Rin 0-r~n rl·A oo Sill. f\ S"l
fan tasía e mistério que o levará, d·e ntro d-e curto ·p razo, a canoni-
za~a o po.pular. ( nos 1será Uc!to fA·aticar ~ gr~ve jnini::+ica de ronf"dr-lhe 11m título
O guerreiro se faz sa nto: cabe melhor nos agiológi<>s do que nos a nne tem inoonr.usso f\ Jínu1do direito um Raf~Pl Pinto Bandeira.
tríos relatos histórico·s. M.ai's do que a ·Su.a ,briavu·r.a, o· que· nele o fronteiro flo Sul. aue delin·e-ou ~.s nni::s·ac:; frontfii roas P. nue. com seu
resplende é o lunar· - o lunar que o levará ao ·c éu, coniferindo-lhe in~ente ·e•s.f 6r co ·c.ri·o u ~ ron~olidou és.se Rio Grande do Sul, nll'e
prerrogativas m:als divinas do que humanas. R·eT'é v.a.le.ntemenb=~ combatPu. (H)nndo-se onanto p6de, a0 d·e stino
Nao se forra ria a própria história a o fascínio desses atributos histórico de sua inclusao na civilizacao lusitana e no Brasil?
transcendentais, as and·an~as e afitudes de Sepé, mesmo no raconto 011 e def »nd·e ria René - com. ine.g-áveis corag,em e valor -
(
de cronioo·s e memórias, apareceriam desfiguradas A prova conclu- em 1.750;? Nad:a nue tive.s se rel:a~~o C·onosco. S.e el·P- tive,s se vencido,
dente disso ·e stará nia conhecid·a descrigao do encentro de S1e·pé e r111al seri.a a -r.0n·~eQlienci1t hi-sfóri~~ d~ssa vitóri·a ? -As terra•<J. que
Gomes Freire de Andrada, quando da prisao daquele nas imedia- Deus havia dado a.o s indios e a S. Miguel. na. fras e ane lhe é a:t.ribufda.,
goes de R io Pardo, em que Sepé dialoga dramaticamente com o n ertenceriam a C!uem? Aos nrónrios ín<lios . ou a Comnanhia de
chefe do exército portugues, eom assomos inauditos· de altivez, J-eisus? A nós é OUf\ el.as nao to~ari.a. m. podemos afirmá-lo <Segura-
coin linguagem ale·v rantada e excelsa ... mPn.te. A a0~0 de\ Rf\né TIO s·f)nt.ido· dos inter éss·f'S P. do futuro do
Veja;mos, agora, a nota ·d·e Aurélio P6rto, a página 436 da "l!is- Ri·o Gr.ande e do· Brasil foi ,uma acao - negativa, ou me1hor, urna a.<;ao
tória das l\fissoes Ori entais do Uruguai":
1
a·d versa.
"Foi intérprete dessa -entrevista o Padr e Tomás Clarque, ca- A "Guerra da-s Mi~·soes", c::ius.a perm.a.nf\nt-e de tantas contro-
pelao da Demarca~ao e de.poi.s vigário do Rio Pardo, que r elatou o vérsiais, está hoje 'm:a,js claramente exnUca:da.. A pubUcagao dos
fa:to, en1 documento existente na Bjblioteca NacJonal, manns1erit0', docurnento·s referentes a el'a., feita n·e la Bibliote·c a Nacional, em
s·em o aparato e fantaisi.a·s em que se ressalta o orgulho coro, que dois grossos volume.s, tro·ux·e -e sclare·cimentos que s.e podem consi-
Sepé teria tratado a Gom·e s Freire." derar · definitivos.
Sllbre o fato histórico existe um documento autentico; há o E a. conclusa.o a que chegou Rodolfo Garci-a., no preambulo
depoime·nto va.lioso de uma teiste·m unha ocular, que o acompanhou d~ss•es volum·e s, expres·s ·a ne•ssas palavrais: "a. intie.rv·en ~ao , ju·s ta
e seguiu em todos os seu·s m.om·entos e 1a.spe·c tos, pois que foi o ou,.. injusta dos J.es·uftas n.a in·sµbordinagao de seus jurisdicionados,
intérprete .da. celehrada conferencia: nada dis.so impor.ta. A des- a pur.a ..se isentia de qwai·s quer dúvidais", está hoje fortal·e cida pelo
cricao é mantida, mesmo por historiado·res, no tom grandfl.oquo, jufzo insu·speito do Padre Ser afim Leite, historiador oficial da Com-
Crivado de inverog,similha n<;.as, pois que SÓ ele se adapta, nao ao panhia de J esus, qu e no v-0l ume VI de -su.a notável obra "História
tipo real, mas a figura mítica. E o ·mito, em Sepé, é sempre o que da Co·mpanh ia d·e Jesus no· Brasil" sustentando que a m e.s ma Com-
predomina, e a tudo vence e a tudo se superpoe. panhia con10 corpora~áo, nao esteve contra o tratad.o de Ma>drid,
Ac1:?ntuemos de logo, que e·s·sa figura de Sepé, ou m·elhor, de admite a desol>ediencia .de alguns padres Jesuitas "que ee solidari-
Sao Sepé, que ·a imagin.acáo popular criou, nos é de todo interessante zaram eom os indios, invocando razóes ... ju'ridkas, de Direito Na-
'
154 MANSUETO BERNARDI

tural, -a.cima. de compromissos na·c ionais ou associativos" (Pág<S.


557 e 558).
o reconhecimento désses f<atos coloca a questao em térmos •
cristalinos: nao seriam os indios que iriam dirigir e orientar os pa-
dres jesuitas, que -com eles se torna.raro solidários, nos termos usa-
dos por Serafim Leite: eles, os catequisadores, os orientadores, os DEFESA DO PARECER DA COMISSÁO DE HIST6RIA
diretores mentais desses indios é que exerceriam, natural e fatal-
mente, a fungao principal. E isso, é de extrema. relevancia, na ma- pelo escritor :Moysés Velllnho
-
\
téria, pois torn•a clara -e lfmpida .a determinante da agáo de Sepé
que, repetimos, nada tero a ver com o Rio Grande d-0 Sul e com
o Br.a sil. Como membro ev·e ntua.l d·a Co.missao de História do nos,s o Ins-
Rea.gindo contra as e.s tipulagoes d-0 tratado de Madrid - cuja tituto Hi.s tórico e Geográfi.co, tiv.ei a honra ide 1subs·c rev·e r o notável
just1ga ou inju.sti98- nao é o mom-ento •de consider:ar - Se.p é sb· parecer elabor:ado p-e1'o ilu•str·e htstor:Lador Othelo Ro•sa a. pro.pósito
mente pod·e ria ter em vista a integri·d·ade te1rritorial da chamada de urna sugestao ·r e.f erente a er·e gao de um .monum·e nto a Sepé Tia·
"Provincia do P·a raguai", a que pertenctam o.s 1s·et·e· .p·o vos das Mts- raju, o h erói missi:oneiro que .S•e fez ma:tar em defesa do Império
soes: defendia, poTta.nto, em última anáUs·e, a Cor·o a e•spanhola. jesufticio qu.e de·S·borda.ra d-0 Praragu:ai sé>br·e as teil':r.a:s· do· .Rio Grande.
pois ·C·o mo ensina o P. Serafi.m Leite, referiudo-se a ~ Missoe·s : "Aqui Ma.s s e assinli e&se docum.e nto, pega que dignifica os anais do
houv·e apenas a organizagao da ·oatequeise, adaptad-a as condlgoes nosso Instituto pela serledade· e liquidez de ·suia. argumentagao, nao
socia.is e mentai1s dos :fndi·o s· ·e do· i·s o1amen¡o ·da s•elva, numa ex-
0
o tiz apeniais para %UPrir uma formalidiacle .seníiio porque já há
periéncia particular •d e comtUnidade, na verdaode sur preendente para
1
muito ·m ·e convenci de qu.e precisamos nos curar, de u.roa v-ez por
o tempo, tudo porém ellrquadrado dentro do regime político da Mo- tOda.s, de ·c erta ambigüidade em faice do plano que, sob o patro-
narquía Espanhola.". cinio dos reís de Castela, a Companhia ge Jesus .procur-0u r ealizar 1

A conclusao parece-·n os irretorqufvel: nao só é in.aceitável o


"brasileirismo" <le Sepé, como ainda nao é admtssível encará-lo
como urna -expressao do sentimento, das tendéncias, dos inteT~s·ses,
da alma coletiva, enfim, do povo gaúcho, que se estava formando
- aqui, antes da instaliagao '()ficia.l da Capitanía do Rio Grande.
Tienho grande respeito pela Ord·em de Santo Inácio, a cujos
mestres devo o melhor d-e minha formagau. Muito me .pTezo d-e ter
ao signo da 'Civilizagao poTtuguesa. sido ~uno do Anchieta e nao un.e esquego de que f<>i por empenho
1J de iacentuar-s·e, ade.m ai.s, que o Rio Grand-e· do Sul ainda. náo de um jesuita, o saudos>0 Padre Enrique Book, que, a.inda ginasia.no,
resgatou a sua divida cívica: com inúme.ros de 1seu.s filho·s ilustres vi publicado o m·eu primeiro artigo no "CoriI'eio d<> Povo".
d.e significado histórico, estreme de qualquer incerteza e dúvi·d a Mas este 1sentimento de r·espeito e gratidao nao me obriga a
e de papel relev:ante ·e expressivo . no ·cur so de sua evolugao. a ceitar pas.sivamente a te.s·e que pr·e tende ca.pitular os feito·s mis-
S·o m·o•S, aisisi.m, de par.eoeer contrário a propoosta feita, no pro· sioneiroa entr·e os fatóres que contribufram ativamente para a for-
cesso junto, ao Sr. Governador .d o Estado. ma~ao Ti<>-grandens·e. Tal atitude ·c onduz a c.:trto bifronttsmo hi•s~
(Ass.) - Afonso Guerreiro Lima, Othelo Rosa (relator), Moy- tórico incompatfve.i cpm a V1ener.agao que devemos ·a os que, n<> pa.s-
sés Vellinho. sado, lutia ra.m por oons·erv.ar dentiró das confrontagoe'S luso-br.asi-
('Correi·o do Povo", 26-11-1955.) lefr.ais as terra;s do Rio Gr.ande.
Ora, se tivesse vingado a .audacioosa uto.pia dos je-suftais, que a.qui
se fixaram sob a protegao -ostensiva dos inimigos tradicionais de
Portugal, é evid·e nte que bem pouco, ou m.esm<> nada, teria sobrado
do Rio0 G.riand·e para a. int·e gragao do Braisil meridional. Outra seria
boje a nossa ~oilifiguragáo geográfica, desfal cada pelo menos de tóda
a regiao missioneira, da Campanha e -até d<>s campos de Cima da
Serra.
Nao dis-cuto o a.bominável episódio do despejo das redugóes nem
81S violencia;s pratic.adais do nos-so lado, m esmo porque em matéria
- de abominagóes e violencias, na história dos povos e até na hi•s tória
a

155
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 157
156 MANSUETO BERNARDI
temos uma tradiQao cultural, um ·passa.do em comum que niio po-
demos r.e negar sem mentir a própri.a contingencia humana. O ho-
da~ r·e1igi0es, ninguém pe>de atirar a primeira pedra. O que nao é mem é mais fiel a sua Geografía e a isua His'tória do que desejariam
passfvel de dúvida ou ce>ntrovérsia é que os jesuitas do Paraguai, os devaneios de certos ideólogos.
irradiando -Oa Casa de Assungáo sobre as terras que constituiriam Em conclusáo: .por mais piedosos que tenhaim sido, em si
depois o Rlo Grande, se langaram a urna empr~sa que se contrapunha mesmos, os intuitos do so.Tuho Jesuítico em terras do Rio Grande do
a empresa 1uso-brasileira da ocupa~áo do velho Continente de Sao Sul, náo resta a m.enor dúvida que éles aqui operaram como ele-
Pedro. Atravessaran1 o Uruguai, anos depois de terem ajudado os mento de desintegragao nacional, nao podendo figurar, portanto,
castelhanos, de maneira decisiva, a .esmagar o baluarte portugues da entl'e -0s fatOr.es de afirmagao da nossa história.
Colonia do Sacramento, e <Se é verdade que vieram para o remédio
e sa.lvagao das a1mas, tam.bém é vercLade que os ani•m ava a di1sposi-
gíi:o d·e entrar ero con-correncia c-0m os luso-brasUeiros na disputa
das terras do Rio Grande. Quer dizer que a expansao do império teo-
crático 1sObr-e a m,a:rg·e.m ·e·s querda do Uruguai figura ostensivamente
.. •

€ntre os f.atOres .q ue nos fomm. adve!'iSo•s, entre O·S fatO~es contra


·Os qua1s tiv·e ram .q ue lutar os fundador es d·o Rio Gr1and·e p,a ra dat-lib.e \
os contorno.s que éle hoje a.pres•e nta. \
No mes·mo sentido d·eipoe um gr·a nde jesuita p«rtuguiés, o P. (1

Ser.afim Leite, cuja a.utoridade Othelo Rosa inv:o·eia -em seu magnífico
par·e·o er. Mais nao foi ·s 6 naquel-e passo que o infatlgável autor da
(1
monumental "Hist6ri.a da Companhia de Jesuf no Brasil" T'econh-e-
ceu o oaráter antibraisUeiro da aQao jesuítica irradiada de Assun-
gao. Em Eieu livro: "Novas Cartas Jesníticas", a página 134, n~fe­
rindo-se a acáo dos milicia.nos de Santo Inácio no Rio Grande do
8ul. o P. Serafim LeUe <listingue o que ele chama o "ciclo por-
(
tugue<S e portanto br-asUeiro" do "outro ciclo que as vézes foi anti- •
bra-sileiro, o ciclo paragua.io." Antibrasileiro quando tra.n.spOs o rio
Uruguai, isto é, qua.ndo entrou na eorrida imperialista contra. os
1uiso-brasile.iros.
Evid·entemente, nao é nesse ciclo antibra,sileiro, quando o.s feí-
tos j.esuíticos ·entram em conflit-0 com a expanisao ·portugu~sa, que
iremos encontrar os nossos heróis autenticos. aaueles QU·e realm·e nte
cO'ncorreram para -a. constru.~ao da nossa unidade histórica e· cul-
tural.
Podem nos comover as f.ag.anhas de Sepé, .p od·e m e devem llü·S
comover, mas a verdade· é que o bravo c'1efe mi·s·sioneir·o se hateu
e morreu por urna ca.usa qu·e nao eria -a nos·sa, que -era, pelo con-
trário, abertaimente oposita a eausa que teve •c omo ·e:f.e ito histórico
a integraGao do Braisil m'eridional em suas divisas atuais. Que
Sepé continue ,no dominio d.a legenda, de onde a p ena de Manoelito
de Ornellas foi buscá-lo pa-ra o belo poenna -em prosa que com justi~
lhe consagrou. Daí náo dev-emos tirá-lo.
Se tOssemos cidadaos de um mundo imoossfve1, <>mundo que os
modernos utopistas chamam "um mundo só", 1seria admissfvel enca-
raT com 1.sengáo ou neutralidade os atos ou tia.tos que diret.a ou
indireta.mente ·s e opuseram ao processo d·a nossa forma~áo. O certo,
porém, é que todog nós que vi vemos dentro de urna nacionalidad~.

• •
¡
-
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 159
• cer a Com.p anhia de J·~sus, tao -sacrificada ·p ela política expansio-
' nista -dos portugueses e a agá.o hostil dos bandeirantes. Por sua
vez Aurélio POrto carrega as cores no campo oposto pelas razoes
REFUTAQ.AO DO PARECER DA COMISS.AO DE HISTóRIA contrárias e ainda por .geu acendrado naicionalismo. Daí a indis-
cutfv-el conveniencia de um futuro histori·a dor que tenha a . capa-
cidade e a co.r agem de por tudo nos seu,s justos térmos, sem conduzir
pelo historiador P. Lulz Gonzaga Jaeger, S. J. a nau nem tanto a.o mar, nem tanto a terra. Todavía, sendo as opi-
nioes tao antagónioos, contagiadas pelo -chauvinismo de gr egos e troia-
nos, duvid.amo·s seriamente venham jamais a um acordo completo, .-
Em 18 de outubro de 1955, após a leitura da ata e do ex.pe- s:;endo que cada qua1 dif'i:.cilmente arredará o pé do angulo ele v1sao
dtente, num·a s~ssáo ordinária do Instituto Histórico e Geo·g,r áfico em que o coloca o ·~eu .patrioUsmo.
do Rio Griand·e do Sul, a que assiistiram s-ete sócios «lo· me.s mo soda- Amicus Plato, sed 1nagis amica ' 'eritas. Amigo é Pliatao, po-
U:cio, fO·i lido o PARECER da Co.m issáo de História, a que lo nga- 1
rém, mais amiga é a V·erd.ade. :Este principio me inspirou ao re-
mente se refer·eim. as páginas precedent-es. PO·s to em votaQiio o cÜgir éste trabalho. . . movi·d o .pelas insist·é ncias de alguns coo-
PARECER, 6 confrades o ·a provara.m ·s em restrigao, sendo que o 7.0 , frades. . . Digo com fr.anqu·ez·a, f.aºo-o co·m .s inceridade, ao passo
o 1sign.atário <d€ste Apéndicce, o ~provou "·c·om re.strigé»es". Apenas que ·m e ia m.e :rgulhando no .assunto, m.e ia ta·mbém empolgando a
nao votei manifeSta!Jlente "-contra", por def·e renci·a ao terno que o ma:téria. (
6
ela.borara ·e ·a ssinara. . Ocorr·e ndo no dia 7 de fev·e reiro vindour 0 de 1956 o bi-cente-
1

:G1 que, desde as p.rimeiras frases, tive a iI:rupres.s ao i•n v·encív:el


nário da morte .do índio guara.ni José Tia.raju, 1morto em combate
de que algum.a ·c oisa nao ·e stava ·c erta ali, f~s se po: falt~ de co- em Oaibaté, em luta Ccontra as forºas invasoras luso-hispanicas,
nhe cimento cl1aro do ·aissunto da .p arte dos s1gnatárllos, toss.e por o Major Toao Ca:rlos Nobre da ·~«eig.a dirigiu-.s e em carta ao Sr.
pr·evengao preco.noebi«l.a, ou o.utra razao. Ass·i m declar·ei que nao Gov-ern.ador sugerindo-lhe a '0re~ao de um monumento no local
aceitava a conclusa.o, qual era negar um .m onumento a Sepé Tiaraju. exato em que se deu a esoar·amuQa em que perooeu Tiaraju.
Um colega e o próprio pr.esidente me animara.m a elaborar uma. ré-
e plica, que éles esper·a riam por meu contra.parecer. Declarei-1hes que Encaminhado o requerimento ao nosso Instituto, a Comissao en- <
sentía nao dis.por de tem·po indispensável para ~ste trabalho, que de- oarr-egada d.e julgar no cas-0, deu parooer contra. a eregao do pro-
mandaría demaisiado tempo, do qua.l nao dispunha de mom-ento. Por jetaldo monumoento.
is~o pedí que déssemos o negócio por terminado eom a. minha Alega a Comissao: "Sob o ponto de vista histórico, é diffoil
ressalva quanto ao monumento, po:r,q ue Tiara.ju o mere-cía. a. car.acterizagao da figura de José Tiar.aju. Há, sObr-e ele, domi-
Entr·e tanto, ia-.s-e-me gravando no es.p írito a nítida sen.saga.o de nante e gener.aliz.ada, uma visáo mítica que alte·ra e deforma, em
se haver cometido um ato de cova.r dia d•a minha parte, e dos meu\S suas linh.as es&en·ci:ai:s, a per•sonalidade r·eal, única ·a seT vis.ta e
confrades uma flagrante injustiga contra um indio altam-ente be... compreendida pela ex·e gese históric~." "É simples prov:ar o asserto:
nemérito ·do nosiso velho Rio Grande, que dera a su.a vida por uro.a ma1l o ti.po do fndio, valente e astuto surg·e nos •a contecimentos que
causa dras mais nobres e que eu deveria >Sair a defendé-lo·. ·Be d·es·enro.i.am na guerra dais miss·oes, a lenda del•e se aposs.a, en-
Faz en do pols, "das tripas eora~ao? ', mexi ·na minha pa pelad.a e volvendo-o ·e:m halo d·e !:anta.sía e misitério que o leva.rá, dentro de
desempoer,ei a mi•Thha m·e:m 6ria ela.bor.a:ndo e apresentando na ses.sao curto prazo, a canoniza~ao", etc.
is·e guinte, de 25 de outubro, a minha Defesa do intrépido gaúcho, o Aí a douta Comissao precipitou ia .su-a lógica, ·confundindo ini-
Capitio José Tiaraju, o lendário S. S.epé. cialmente duas P'e rsonialidades bem di.sU.ntas: O Oapitao Tiaraju
Assistiriaim a S·e ssao de·z <()U onzie ·Sócios. A in.si·s tente pedido da História do·s· Set.e Pavos ·e o Sao Sepé da lenda o.u do mito.
do noss·o confrad1e e· amigo Mansueto Bernardi, r·e produzimos a;qui o O Tiara.ju da h:Lstória é uma figura. nitid·a mente histórica. Os
que naquela oca.siao foi .dito no Instituto Histórico e Geográfico. docwmentos mais insuspeitos ·d as fontes j.esuiticas, hf.spanicas e lu-
Teschauer, ·e m ger.al, conforme algun.s critkos, se mostra com- sitania s o confirmam. (Verbi gratia o COnego G•a y, o Vise. de Sao
pl.a cente para coro os espanhói·s, aos ·quia.is defende na. maioria dos Leopoldo, Tasso Fragooo, Aurélio Porto, Mansueto Bern·a rdi, etc.)
casos, ao passo que se manifesta mais rigoroso no ju1gamento dos Foi ele a alma da resisténcia indígena a.o cumprimento do Tratado
luso-brasileiros. É que o ilustr-e historiógrafo se abeberou prect- '<le Madrid de 1750. A maior parte das 75 testemunhas de caci>Ques
puam~nte em fonte de origem hispanica, além de ele próprio perten- ouvidas 1sob juramento após a Iuta, eorrobora.m a nossa assertlva.
Tendo lutado bravamente foi vencido e morto por 'tiro de pistola
• 158

1()() MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 161
pelo próprio comandante espanhol, Joaquim de Viana., em 7 de fe-
1
O Tratado de Madrid de 1750 inspirou-se na melhor das tnten-
vereiro de 1756. ~Oe.s: terminar de uma. vez para sempre com as discutidais linha:s da
Afirma. a. Comissao: " O mito, em Sepé, é .sempre o que pr-edo- fronteira. O nosso Território das Missé5es teve a fatalidade de cair
mina, e a tudo v-ence e a tudo se superpoe". Senhores, estou admi- justa.mente numa zona tenazmente contestada por ambas as Coroa.s
rado por Gemelhante afirma~ao. Até a mor te do indOmito' defensor européias. Mas, a meu modo de entender, a razáo última do fra-
das terras guaranítioas, nao há sombra de mito. Tucio é r-ealida.de,
e tao grave que criou para os Missionár ios da Companhia de J esus
.
e&sso a devemos procurar numa única palavra do artigo XVI do
menceionado Tratado.
um intrarusponível €Jllpecilho para a r,ealiz·a~ao pacifica da trans- Reza éle assim: "Das Povoagoes ou Aldeias, que cede S. M. C.
migra~ao imposta. (Su.a Majestade Oartólica) na margem ori,e ntal do rio Uruguai, sairio
Continua a Comissao a sua c1:ítica com estas expressoes: "No os Mtsisionários com todos 0s se·us ·móv·e is e efeitos, levando con·s igo
1

rigor hi,s tórico, porém, o caso é diferente. Uma elementar hone·s- os indios par,a os a.Idear em outr.as te-r;ra,s de E spanha; e os r·~fe­
tidade mental determina que a personage·m histó.rica seja situada ridos indios poderao levar também todos os s·e us bens móvei.s se-
no >&eu papel exato e ver·dacleiro, ,desnudada de fantasías e' misté- movente,s, +e ais Armas, Pólvo:ra, e Muntgoe1s, que tiver,em; em cuja
rios, encarada na sua expressa.o legítima, a.u.alisada em tace dos forma ·s e entregara.o as Povoa~oes a Ooif'oa de Portugal com todas
motivos dete,r minantes das suas atitudes e seus ·a tos." as 1suas Casais, Igreja1s e Edifícios, e a pr,o·priec1ade, e pos.s e do
1

Siim Senhores, para. conhecer Tiara.ju é de todo ponto indis- 'Derr eno ... "
1

pensáv.el per+Scrutar-+lhe os 1notivos deter1ni11a11tes \tas· suas atitudes No artigo 1!.v, tratando da Colonia do Sacratue.nto, diziam que
e de seusi atos. É o que preten•do expor em rápido ,escOr~o aos meua os "mor·a dores po-deráo ficar livremente nela, ou retirar-se prura
distintos confrade·s. Sem .es·s a bas·e criarem('S un1 Tiara.ju da lenda outras ter.ras do D<>mW1lo Portugues, com os ·ef eitos e móveis, ven·
1

e do mito, esquecendo a figura ·s oberba do centauro que teve a dendo os bens de raiz. E no final do artigo XVI: "As (propri·e--
ousadia d e afr-0ntar for~as incomparavelmente superiores as s.uas. dades que .cedem por Sua M.aj.estad.e FideUssi·m•a (o r ei de Espa-
Quanto a Serafim Leite, ele nao é " historiador oficial" da Com- Iltha) .e católica (de Portugal), nas margens dos rios Pequeri, Gua-
panhia de Jesus, no sentido de a Ordem endossar tudo o que ele poré, -e das Amazonas, oo entl'egarao c-0m as m eismais cir.cunstancias,
publica. Quando muito fica responsáv.el o Provin~ial, que deu o
"Imprimí potest" e os 2 -censores, que aplicaram o "Nihil obstat".
que a Colonia do Sa<;ramento, oonforme se disse no A:rt. XIV; e os
indios de uma e outra pa,rtfe teráo 'a mesma liberdade para se ir+em •
ou ficar-ero, do mesmo modo, e com as mesm.as qu.a.lidades, que o
Par-a muitos brasileiros, SerafiIIn Le.ite nao é simpático pela hao de ·pode·r fazer os moradores daquela Pr.a~, ex.ceto, que o·s
figuria que nos tra~ou de Anchieta em confronto com Nóbrega, dei- que se for·em, perderao a propriedade dos ben.s ·d e . ~z. se os tive--
xando ·o primeiro em condi!;ao de i:nferioridad.e. Embo·r a eu náo rem." (Alexandr e de Gusmá,o - Jaime Oorte sáo, Fiarte IV, Nego-
1 1

possa acompanhar e,s se ilustre historiador ne.sse, par.a.l.eU.smo nada ciacoes, IV tomo, I parte, pág. 471.)
f-eliz, aplaudo-o no ingente serviQO que prestou ao Brasil, tirando Senbores, há aiqui uma manife.s ta, inte,n cionada e calculaida
a Nóbreg.a do +esquecin1e.nto e da .s ombra onde a nossa ingratidao dupla m·edida. Uns sairao (O texto oost-elhiano diz: saldrán), por
o deixara durante qu.ase quatro séculas. P.a.ra .muitos estrangeiros, bem ou p·o-r mal; ·s en do que os demais .poderao ,e scolher, e até ven~
Leite é aind.a suspeiito, em sua IU.s.tóri·a da. Companhia de J·e sus no
1
der iais ·su.as pro.pri·e dad.es, tic.ando indenizad0is.. Com º'ª indios, gu.a-
1

Brasil, como ex.eeissivamente nacionalista. Ainda .nesse particular iia.nis nao s.e teve e.s.s a con1sid-era~aof/
1

nao ou-so ·Ce<nsu1~r a meu confrade lusitano. Quem, como eu, ch·e gou
1
Nes.se Tratado ia.parecem lo.go dura s que,sit oe:s : 1.0 a ces sao ou
1

a conhe·cer pesso.almente a Portugal de 1909 / 10, e de 1950, &abe trooa de ter.ritórios colonia:i.s por parte de, du.as monarquiais; e 2.•
que, presente·m ente, na-0 obstante tOda a boa vontad.e de Oliveira a expropri.acao co.mpul,sór~a das propri,e dades coJ.etiV1ais e individuaiiS
Salazar e o r·e conhecimento oficial dado a Companhia de Je sus, nos dos indios, unida a mudanQ'a de domicilio.
2 últimos decenios ida monarquía, nao obstante o estado de exilado·s, Quanto ao 1.º ponto, na época qo absolutismo, a;s idéias jurídicas
os jesuitas era,m mai•s bem viSJtos e estimados do que depoi.s. Por domf.nantes atribuíam aos >So+berianos a faculdade de podel'em re-
e·s sa razáo quer-me parecer que o P. Leite aproveita tódas as nunciar a ter.ritórios ou trocá-l<>s a seu talante. (Guillermo Kratz,
oportunidades paria provar a .seus leitor es e patricios quantó a Com- S. J. - El Tratado Hispano-Portu.gu~s de Limites de 1750 y sus
panhia fez pela grandeza de Portugal, carreg>ando nisso, para olhos Consecuenctas. Roma. 1954, pág. 61.)
estrangeiros, demasiadamente as tintas. Porém, quianto ao 2.º ponto, surgiu a p.ergun.t a: Ttem o Rel
Ad-emais, a douta Comissáo errou abertamente, generalizando o ta.mbém o dlreito de e:xpoli:ar -seus súditos de tantas propriedades
que Sera.fim Leit-e atribuí exclusivaimente a alguns jesuitas. priv&das, justamente adquiridas, em longos decénios de trabalho e
162 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 163'

forcá ...Jos a emigrar a. r-egióes- longínquas e lrsso sem uma indenl- esbar.rou contra. uma. reslstencia inacreditável de choros e lamentos.
za~áo proporcional? (Oferecera.m a baga.tela de trinta mil pesos, E vamos n6s exigir dos indios dos Sete Pov-0s uma. indiferen~a, uma
quer dizer, um péso por habitante.) insensibilid.ade estóica -perante a mudan~ tao contrária e.os seus
A opiniao maia aceita entre os jesuitas rio-platenses fol esta: aa.grados inter&ses? Que tinha. ele a ver com a:s rivalidades de
a tran.smigra.~áo v.ai .contra. a. lel n·a .tural e por is.so é injusta. Os dua.s Coroa1> lá do outro lado do mar, que a.gura vinham expulsá-lo
jesuitacS, porém, ternos um voto, o miais ~r.acteri6tico de nossa da suas te.rrais ?
Ordem: -0 da obediéncia. a.o Superior em tudo o que náo é ma.nifes- Mas regressemos ao Tia.raju da hi.gtória. .Aa:n-eríndio de singula.r
tam.e nte p·ecado. O R. P. Geral de Roma ordenara ao P.rovincial do perspicáci:a, desde logo percebeu a m.anif-esta. i·njustiQa da ordem.
Paraguai, em virtude da ·s anta obediénciia, que todos os Padres Nao pude apurar ·s e já era correg.e dor de Sáo Miguel ou ae foi en-
dos Sete Povos se e:mpenhaissem deveras no s·entido de se realizar tao elei·t-0 para o cargo que lhe atribuem os docu~entos coevos
logo que fOs.se possivel a trainsmigra~ao. ~ que Sua Paternld&de de ~pitao de aritilharia, ou silm'Plesmente de corr·eged-0r. O oh.efe
já p.revia. a m-edonha borrase-a qu.e se esta.va levantando na Europa sup.r·emo era. ~om Nicolau N-enguiru, morubiJDP)>a de Japeju, tem-
e que d-esabaria em breve sObre a -sua. Companhiia.. Alg1UD·S - náo peramento ma.liS calmo e r·eftetido, mas que pouco intervei<> na re·
todo.a - discordaratn ·dess.a. opiniáo, julgand<> que essa ordem n.á o sisiéncia.
obrigia.va., de v·e·z q.ue era pecado ma.nif·esito. M·a s nao me consta At:ravés de t6da a documenta.g!o · tra.nsluz nltidam,e nte o seu
de nenhum jesuita que tivesse Instigado os indios a se opOl'e-m. pensa:mento: Estas terras ~áo nossas e d·e mai·s ninguém. :Oevemos
Uma coi sa é discordar duma -0rdem, outra é opcfr-.s e a ela.. .A:s def-endé-las p·c r becm ou por mal. E assim se.pé velo a torll'ar-.s e
COrte.s de Madrid e Lisboa., afín.al de contas. pouco interessava. o um NvoM.ado contra. o.s próprios missionários, a cujas ordens de.
que pensavam <>s Padres, conta.nto que obefeeessem. s-c~bedeceu. M.ais a.inda. ~1-e •declara solenemente: "Estas terras
E como receberam os úidiOIS dos Sete Povos a ordem táo dura de nos a r~ebemo.s d.e 'Deus e de Si.o ]IJgueL" Port:a:nto, sao teTras
eair da1! su.as terrais, herdada& dos senis ancestrais, cultivada.-s com sagradas que devemos guardar. E náo foi o próprio :rei da Espanba.
tanto ca.rl,nho, com as sua.s imen'S31s esta.netas, su.as lavou..ras tao que ainda. em documento recente nos ga.ria.ntiu a .p osse tranqüila
ricas, seus ervais e algodoaf.s, que formavam o seu principal sus- desta.s no&Sas ter.ras? - Os caciques r.ecordam ~sse ta.to a Ando--
naégui em su.a.is ¡oesposta.s. Era a. a.esim denominada "Cédula Gran-
• tento, ·oous grandiosos t-oot'Plc.>S, que náo tinha.m igua.i.s em tóda a
América, suas ·caisinh'3.S ;pe<iue-n·as, eegundo o seu gOsto, mas tAo de", de FiliPe V, em favor das Mi-ssües, de 1743. (Mtssionalia. His- •
cómodas, .suas oficinas, seus cemitérlos ~om os seus queridos e pan¡.ca, Madrid, n.º 18, 550.)
saudosos mortos? Ora tu<io ts.so <> haveri&m de a.baindona:r? E por !Tiara.ju reagiu como legftimo indio, sem calma. e sem reflexao
qué? E paTa onde os queriam expulnT? Pam o dese.rito, para. N· e 18-&m medir as conseqüoéncias. Tivesse ouvido UllD: padre amigo'
gioes já ocupadas rpor outros. MSiS qu.e crime ha.viem. cometido 1 outra :teria. &ido a sua atitude e a sorte d:a.s Mi·ssoos. Compete-nos'
para ·s emelhante .castigo? Numa das respostas dos 7 Caciques prln· e~1treta.nto, compre.ende-lo em su.a. índole de 1selva.gem, su.a idlos~
cipa.i s a Andon·a égui lembraim que as próprias fera·s s-e opóem quando
1 s~n·c·ra.sia de guaraní meio civilizado. De tOdais as m.aneirais, sua
ars quere·m <tes.alojaT das .sua.s cavernas, e como nao o faNmos n6s figura é empolgante, domin;a da por um senttment<> in.a.to e espon·
de spoj.a.ndo-nos do que é no,ss<>'
1 taneo d·e r.eia.~áo contra uma. clamo.rosa. inju.sti~.
Col01q.uemo-nos u.ns instianteis na realidad.e do fndfo mlsslonelro. Resttmindo, ·paissarei a ler ~ nota que publiquei na segunda
Jt qu·e éle t1nha um ·senti·do profundamente pronunciado, .g.e nA.0 de edi!;fi.o da. Hfstórla das 1'Ilssoeis Orientals do Urugual de Aurélio
Pátria, - como parecem n·egá-lo os confrades da CC>Inissio, - mas P6r.to, 2.ª pa.rte, págs. 209 e 210: '
um a;pégo in.superáv:el a querencia., a gleba que os vira na.seer. Pro· Após a fuga de ,Alta.mira.no (enviado ,p elo Rei da Espanha para
va-<> de iso,bejo a retirada d013 indios crista.os perante a. inv-estida urgir a transmigra!;a<>), Andona.égui féz .p romulgar em Buenos Aires
ba·ndeiTant-e de 1636 a. 1641, preterindo muitos escond·er..;se nas a ·SUra próxima ida a.os 7 Povos para lhes lmpor a obediencia. se náo
matas virgens e expor-se a cair prlsioneiros a emigrar para a f~sse por m·eios pacíficos s-eria. pelas armas. Antes, porém, tentou
outra banda do rio Uruguai, a lugar .mai-s seguro; demonstra-o a a1nd·a a.medrontá-1os com am-eaga·s ·m ediante uma carta que enviou
volta a.o Rlo Grande após m-eio ISéculo de eaudades doS guan.nis •
ao P. Strobel para. ser transmitida a.os 7 Povos. Mas os guarani.s
gaúchos, quando puderam regr~ssar nova.m-ente para. dar tnfcio a
1

mais se obstinaram, dando um r esultado contraproducente.


ida·de de ou.To dos Sete Povos; patenteia.--0 mal·S do que na.d~ o
ea-so acontecido ao P. Sepp, o qual, tendo construido paTa a po- Reoor:eu Alta~ano a novo expedlent~: t irar os cura4:1 dos 7
pulaQ!o já. demasiada de Slo Miguel a ne>~ r~duQlo de SAo Jolo Povos a. f1m de pr1vá-los de toda assist~ncia espiritual. C-alculavam
Batista, distante apenes 15 km, onde irlam encontrar tudo melhor, os senhores lá ~e Buenos Aires .q ue os indios cederiam, sendo


1 ''
164 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CA UDILHO RIO-GRANDENSE 165

quaise certo que nao os dei:xariam partir. Ma.s nem o Bi·s po de Bue- f>0l pos·s ível fugir e 'nem ·s equer comunicar-s·e com os outr<>s Curas.
nos Aires, nem Andonaégui aceitaram esse ialvitre. Um del.es, manif-estando que já na.o podia rezar miss.a, ouviu que,
Os su.periores da Companhia fi~er'3.m tudo para evitar a guerra noeste caso, nam lhe davam mais nada de comer. Os meios pacíficos
que haV'e.ria de ser funesta. E·s·c reveram ao Rei da Espanha. Porém estavam esgotados. ,
0 ministl'o Carva jal ~onfi scava cuidadosamente toda a correspon- Onde esteve a culpa? O afamiatlo historiad·o r espanhol, P.
dencia jesuítica, mantendo ao monarca nu1II1a total ignorancia. da Francisco Mateos, que estudou a fundo tOda a documentagao rela-
realid.aide mi·s·sioneirra. tiva a todos esses sucessos, reduz todo o fI"acaisso a tres erros fun-
Alvitrou o P. Comis·s ário um "assalto teatral", em que os mis- dam.e ntais :
sionários mostrassem pat~ticamente a seus neófitos a necessidade l.º - ignorAncia absoluta da realidad-e americana nas Córtes
de transmigrarem. Mas todos o.s Curas votaram unánimemewte con- européias; 2.0 - f.alta ·total do necessário tato .para realizar a
tra -essa medida. Entao Altamirano ordenou que todos os Padres tr.ansmigra~ao; 3.º - o incrív·e l ·a tropelo e ¡meissa na execugao.
aban donassem os 7 Povos, levando apenas o breviáxio. Para esse Houvesse mai>S tato, miais calma e o tempo indispensável, o.s je-
efeito passou toda a sua rautoridade ao P. Alonso F-ernández, Reitor suitas teriam levado a bom termo a mudan9a. :Mas como os cul-
do Colégio de Buenos Aires, como Vice-Comis·sário. O :p razo mar- pa.dos nao qutseram reconhe.c er o ·s eu erro, os governantes. luso-
cado para a fuga idos missionáriQs d·e via s-er o dia. 15 de ag~sto hispanos limparam as ma0rs a pareñe, langandó a culp·a a.o s jesui-
de 1753. Partiu Fer.nánd-ez, acompanhade> de mais fOis padres je- tas. (Mateos, in Missionalia Hispanica, N.º 23, pág. 290 e Pastells-
auítais ·Com f.a culdade de até expulsar da Compainhia. a.o mJ.ssionário Mateos, Histo1'la de la Oom.pañLa de Jes(ts en la Provincia del
que ·d e qualquer maneir:a se opuise·s se as ord·e ns reals, ou entao de Paraguay, VIII, 2.a. parte, pág. 1065-1081, car.ta do P. J-0íio de
sus pende-lo das ordens 'sacras. f Escandón, testemunha ocular e autor da maior pa.rt·e dos sucessos
Mau grado todo. o sigilo, os indios, por seus e.s pióes, já sabiam que r-efere.) Tam·bé~ ,a idéia alvitrada <le deixa-r os indios dos
em julho de 1753 da aproxi·m agao do P. Fernáindez e seus compa- 7 Povos 01nde estavam, mudando a-penas d·e soberano, tev:e pronta
nheiros, sobr.e os quaiis foram informados que eles eram vendilhóes repul1sa da parte espanhola porque nao lhes convi:nha ter nia Vizi-
do.s 7 Pov0ts aos .portugueses, e que lhes vinham tirar os venerados nhanQa um núcleo tao poderoso.
(
Curas. Re·so.Jvera:m, pois, os de Sao Migu·el, o.s m.ais exaltados, apo- Contra quem reagiu Tiaraju? Diz a Comissao: contra a.s armas
derar..,g:e dos 3 fo!'<asteiros já em Sao TOlm·é, a-ntes de t.erem a.traves,.. d.e Portugal. Nao está certo. OpO.S~ a.o invaso·r hispano e lusitano, ••
·s ado o Uruguai. Os P-adr·e s, porém, lhes escapa.ra.m. Rigorosa vi- e, a. julgar pelos docum-entos, principalmente contra os detestados
('
gilancia foi po.s ta em todos os pa:s.sos do xio, impedindo sem consi- cast.elhanos. Náo defendeu a terra dais Missoes nem para a Espa-
d·e ragao a entr,a da de qualquer pessoa ·SUSP·e ita e de todo e qualquer nha, 1nem para Portugal ·e tao .p ouco para a Companhia de Jes.us. •
escrito ou carta, que era..m queimados s em piedade. Mais a.inda: Defendeu~, sim, para os sens fndios de sua raga, c0im clara ma-
Fizeram saber a tod-0.s os missionários dos 7 Povos que ninguém nifest:a~ao de 1sentimento t-elúrico. E nao foi um portugu~s e sim
deles S·e atreves·s e ia arr·e dar o pé do· lugar onde esta.vam, que o pr<)prio gov.e·rnador espanhol de Montevldéu, Joaquim Viana que
Deus os fizera Padres e os tinha enviado para. assi·s ti-los, como o miatou, desfechando-lhe o tiro de mi·se.rfoórdia, <1uando o indio já
havia.m feito os ve1hos missionários do século pa.ssado. esteva ferido, dev-end-0-0 nesse caso prender, e náo matar, conforme
O e.m penho d·e F·e rnández d·e éle meg¡mo ,p ene,t r·a r nos 7 Povos, as leis da guerra. Entregar as suas ·te-rr.as a és.s eis homens, dos
com>0 ainida 14 tentames de ao menos avisar aos Curas por escrito · .qu.ais tantos males haviam recebido os infellzes 1silvícolas durante
e lhes im.por os seus pr.eceitos, se desmoroniarMn. iperant.e a tisca- mais de dois séculos, -era coisa .q ue nao entr·ava na cabega dum
liz.agao do1! guaranís. Um1a única oarta que chegou ardilosaimente indígena.
ao P. Tux, Cura de Sao Nicolau, foi arrancada das maos do Padre O TJ.arajn da lenda. Es·c reveu a sábia Comis.s áo: "acentuemos,
ao comeQ&r a le-la, com grave desrespeito a sua pes-soa. de logo, -essa figura de Sepé, ou mel.hor, de Sao Sepé, que a ima-
A su.s p·ensao da Missa 1nao ·só escandalizou aos indígenas come> ginagáo popular criou, nos é de todo interessante e simpática.
ainda os irritou mais, sabendo-se quanto estimav:am o Santo Sa- Incorporada a·o ac.ervo das nos·s as 1.enda.s, das nossasi crendtceis, das
crificio. A tal ponto já lavrava o facho do descontentamento que nossas superstigóes, ela deve 1ser considerada como um dQs ele- ·
chegar·a m a incitar a rebeldía os próprios inmaos de raga da Banda mentos que eonfiguram e -enriquecem o nosso .patrimOnio cultural."
Ocidental, onde de fato ·comegou a rein.a.r a oposigao. Como fr·a cas- Exce.I ente par·e cer.
1

sou a missao de Altamirano, nao foi mais feliz o P. Fernández, per- "Infeliz o povo que nao tem, e.m mei·O d·e seus arquivos, urna
segu ido de ·morte pelos indios. Os próprios Padres dos 7 Povos lenda. .para contar, urna coi.sa. incrivel para dize:r!" - proclamou
comegara·m a ser táo rigorosa:mente custodiados que náo lhes o grande -ensatsta e poeta Cassiano Ricardo, no iseu di·s curso de

166 MANSUETO BERNARDI O PP.IMEJRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE 167
pos.se na Academia Brasilefra de Letras: "Houve escritor~ qu& in- ~ esta a prim-eira vez que táo abertamente salo em def~ do
ventaram glgiantes: os nossos gigantes, porém, nao foi preclso que habitante primitivo dai nossa terra.. Estou satisfeito oomigo, porque
nenhum escritor os inventasse. A própria vida ~e incumbiu de os me ·s·t nto em boa companhia com todos os jesuitas da América La-
cri·a r, mais interessantes e mai.s verd.a,deiros." E mai•s adiante con- tina, d·e sd·e Nóbreg1a até os nossos diais, e e·m companhi.a do be-
tinua: "Nenhum hi·storiador tem o direito de desencantar um povo nemérito Mar•e chal Candi-do R<ondon. Nao 100 diga, porém, que
da magia do seu passaido"... "nesta última hipótese, o artista recuso a merecida homenagem aos grandes colonizadores do Rio
adquire mesmo o direito de corrigir o historiador." , Grande portuguss. E até me ufano agora de haver promovido o me-
Sepé é sem contestagao um símbolo in·c orporado definitivamente recido tributo de admiragao a Cristóváo Pereira de Abr·eu, cujo bi-
a vida hi·s tórica e lendária do Rio Grande do Sul. E que1m f·o i que o centenário de morte celebraremos em 22 d·e novembro vindouro, e
incorporou? Inicialmente, os p.róprlos conterraneos d·e ra~a, que demais cola.borador·e s na obra da nos·s a co1onizagao.
nao puderam esquecer o nome do imorbal chefei; logo a seguir en- Senhores, g.uar-de.mos com carinho os valo1·es do nos.so passado,
traram na heran<;a os colonizadores que ~eceberam a traidi~ao in- aind·a relativamente pobre em con.fronto coon as demais Unidades
dígena e a dese.nvolve-r:am coro carinho, como o 1estao a provar os da Nagao. Faz.e,ndo-o, o nosso Instituto, longe <le ,se diminuir, cres-
nomes de Sao Sepé, da.dos a um municipio, a urna cidade. a u rn.a 1 oerá na e.s tima do povo rio-grandien·s·e. Por iSiso proponho que seja
coxilha e a doi•s arroios, como ainda o nome de uma. entidad.e dos lev.antado um monuirn-en;to, nao ero Caibaté, ponto afastado das
cultores das Tra.digóes do "35", sediada em sao ¡..uts. A-clemais vias de comunictgao, e sim em· Sao Miguel, pátri•a e querencia de
diveraos clu.b es e edificios espalhados pelo Estado foram batizados José Tia.raju, sua terr.a natal, da qu:al foi chefe, e por cuja. lntegrl-
com o nome de Se·pé ou Tiaraju. Também por mai·s essa razao é que dade tanto lutou, e cujas ruinas derradeiras, o Governo Federal,
o lendário Sao Sepé se féz cr.edor de um mowmento. com itantos gastos, aint:a procura salvar. ,
O Tiara.j u gaúcho. O g·aúcho, ·como tal, nao tem na.cionalidade Encerro este meu aranz·el com urna fra.se atribuida equivocada·
det-erminada. Enoontraimo-lo nas coxilha.s rio-grandenses, no gaú- miente a Santo Agostinho, em eujos escritos se ;procura em váo,
cho uruguaio, a:rg,e ntino e })amg.uaio. Distingue..se por "S·eu amor lL que r·e za a<S·s im: In nooessariis nnitas; - In dublis libertas; - fn
querencia, '3.-0 torra.o natal. Q.u.añto a Tiaraju, vemo-lo dominado omnlbns caritas. (Raja uni.d ade nas coisas necessá.rias; haja liber-
por um grainde ·d estemor, um•a altivez ~m·pressionante, urna abne-
gagáo a toda a prova.
,_ dade nas duvidos•as; ero tudo porém caridad·e.) Dis:se. •
Senhores, ésse morubixaba s~ me a.presenta .com tódas as boas
virtudes que nós rio-grandenses tanto oelebr.aJillos, com os nossos
poetas e romanctsta.s Simoes Lopes, J oao Ma.la, Darcy Az·a m buja e OBSERVAQ.A.O. A -res·posta final foi que a Comis·s ao de Histó- •
outr-0.s , reagindo prontamente, tal qual os farrapos de 80 anos' ma.is rlia. apianas opina.ria que o moti_vo d•e se -ergue·r um monumento a
tard·e, contra a injusti93, indomável nas suas resolu~oes, de uma Sao 8epéi como expressao de brasilfdade nao oa,.bi.a d·e ntro d·o nos.s o
intrepidez sObr-e-humana pera.n.te a própria morte. Ergue-se sobe- modo de sentir. Portanto que a Comissao estava. certa náo se t.en-do
rano. cresce r-esoluto, avulta feroz e se agiganta como urm. soberbo preocupado do caso, s·e Tiara.ju m,e recia urna homenagem .p or outros
caudilho, um Udimo centauro, modél·o e isf.mbolo perfeito para todos títulos, como p. ex. o de seT gaúcho, um hom·e m e stimado na. lenda
0

ouantos lhe 1sucedemm. Um gaúcho de&s.a tem'I)eria: es·t á a recl·amar rio-gria:ndense, etc. ,
de todos os filhos desta terra um monumento. Os confrade.s iSignatáriQs do "Par.e cer" ·contra Sepé, insist.em
aqui e ai1hur.es na assertiva ·de os indios dos Sete P.o:vos, com Tia.-
E esse gaúcho já foi julgado pelos pr6.prios gaúcllos, primeira· raju, terem ido contra os nossos interesses, •sendo que os coloni-
mente p-O•r ·seu.s próprios irmaos d e e·s tir.pe, e logo, pelos co1001iui.-
1
zadores luso-agorianos do Rio Grande ·do Sul trab.alharam por
dor·es que entr.aram oem .sua her.anga nas coxilhais, espalhando-se nossa grandeza. Nossa? Nós ainda nao existíamos, -e se e:J\,istfsse-
sucessivia,m-ente por todo o ve1ho Contin ente de Sáo Piedro. ~ss·e
1
mos entao sería..m<>s meros colonos portugueses, obrigados a lutar
julgaimento achou a sua niats bela tradugáo na mimosa lenda. de pelos interesses insaciáveis de urna potencia ultramarina, dominada
Sao Se.pé. (Ver Si-móes Lopes Neto, "Contos Gauchescos e Lenda.s por um incoercível imperialismo.
do Sul", em Cole~ao Provincia, vol. I, pág. 347-353.) ' Quer·e m a p•r ova?
Quanto .a.o nome Sepé, o P. Eni.s, em ·Anals da Biblioteca Na. Quando os patriotas brasileir·os r·e-velaram ·OS prim·e iro.s senti-
cfonal, vol. LII, 1930, pág.s. 527 e 529, denomina. sempre Tia.raju mentos de Pátria, julgando--s·e já miaiores de idade, tentando Uvrar
de José. Sepé é o nome familiar de José, em guiarani, como o nosso a terra que os vira nascer do intoleráv-eJ jugo lusitano, qual foi a
Zeca, Zezé, Juea, etc., e o e&panhol Pepe. reagao da Mae-Pátria?
r
168 MANSUETO BERNARDI

Que o digam a forca e o esquarteja.m·e nto de Tiradent~s e o des- '


terr·o dos 1s-eus compatriotas. •
E quando o Príncipe D. P edro soltou o grito do Ipiranga, qua.l
foi a r es posta de P-0rtugal?
A d·eclaragáo de urna guerra sem tréguas nem .piedade. E se REFU'TAQ.AO DO PARECER DA COl\1ISS.AO DE HISTóRIA ~

vencemo1s rapós um1a guer.r a deses·perada, foi com auxilio de po-


tencias -e.strangefrais. E a .r aneorosa l\'1ae-Pátria s ó reconheceu a pelo General Riualdo Pereira da Can1ara
nossa ema.ncipa!;aO política mediante urna pes·a díssima ind eniza~áo
em ouro. ,
E se Portugal tives.s e vencido na gueTra da nossa independencia?
/ Pórto Alegre, 20-4-56. -
Ainda hoje seríamos co1oni1a tal qual o sao Goa, Mogambique
-Ilustre Confrade Sr. M.ansueto Bernardi.
e outros.
Por isso é d~ ·e stranha·r que historiaidores' de renome venham
a identificar os interes·s es portugueses co·m os brasHeiros. Atenciosas sauda.goes.
Ti:araJu, esse 1s.im, morreu pela. libertagáo integria.l do s·e u povo.
1

Se tivesse vencido ·fi oaria livre da o.pres.sao lusa e do velho prote- Acuso sua carta de 16 do c-0rrente na qual solicita o meu pare-
torado espanhol. E assim ter-nos-ia dado um inttressante modelo cer sObre o pr~etado monumento ao indio Sepé.
para a futuTa República de Piratini. Seu pe:dido veio encontrar-me engolfado em um tr.abalho de
história, que estou prep.ar.a;ndo p·al"a o día 11 de maio.
Nao obs·t ante; a.br«~: este pa.rentese para náo d·eixar de at-ender
1

a solicitagfüo <lo ilustre confrade.


Na noite em que foi ·s ubmetido a apfleciagao do nosso Instituto
o parecer da Comissao de História e Geografia, eu na·o pude com-
( parecer, nem mesmo 1sabia que se ia trata·r , entao, de tal assunto.
·Oom.parecendo a sessao seguinte, fui surpreendido eOim o pare-
1

cer do P. Jaeger, com o qual, logo, solidarizei-me, ;refo·r~ando-o


e co.m d·oi-s aparte·S.
' Em ·s eguida, 1surgiu pel•a impr.en.s a a polemica que deve ter

acom.panhado. · Abstive-m.e, totalme,n te de tomar parte nela, J;>ri·
1,

meiro, por já .me te·r manifestado ·em plenárlo., .m as, principalmente,


- paria. nao por "mais 1-enha na fogu eira", p·o ts ·pare.ceu-m-e que a qu~
tao estava ba.ixando do plano su perior em que devia permanecer.
E, prezando ·como prezo, o ·n osso Instituto, r esolví permanecer em
sil~ncio. Ag.o,ria, viem o amigo .solicitar a minha desvaliosa opiniio,
e em que momento de trabalh-0 ! Entr-etanto, em atengáo a sua
pessoa, bem como ao interesse da questao, v-0u tentar alinhavar
• algumas idéias, focalizando tres riontos, que m.e .parecem os maia
interessantes. E, com.o o .tempo é escasso p·ara pe¡squtsais e cogita-
• goes ·m ais atentas, aí vao essas observagoes, das qua.i.s o ilU!St.re
confrade pode f.azer o uso que entender.
Ma·s, fago questa-0 de d·e ixar bem claro, desde já, com a leal·

- dade que me caracteriza, que ao prestar éste d·epoimenito nao m·e


anima outro espirito senao o de interesse puraimente histórico.
Sem mais preambulos entremos, pois, no a.s sunto.
..
169

'
170 MANSUETO BERNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE '171
· I -_ Preliminarmente, abordemos a questio do espfrlw de bra- tndependéncla erigtndo em uma de .sua.s belas coxllha.s 'lllll monu-
sllldade de Sepé. m-ento ao fndio Sepé, e déste modo Tenda. merecida homenagem áos
primeiros povoadores do seu território, e aance com o bronze 1mor-
Para evic1enci:ar qu.e ele nao possuia tal sentlmento, formulou....se redouro um p.reglo de amor que él-e& lh.e ded1ca:ram, e que, por
a pergunta: "Que defenderia Sepé que tivesse rel-acao conosco?" ventura nossa, M transmtUu u g.ei-agoes que <>s aubstituíram!'
E, em seguida, cafirmou-se que "ele se o.pOs, o qua.nto .pOde, e.o Desde já convém destacar também, desta cit-agao, o fato de Sepé
destino histórico do Río Gra'llde, a su.a in·c lusao na civiliza~ lu- ter '8ido oom eua gente dos · nossos primeiro.s .p ovoadores e coloni-
sitana e no Brasil." zadores, o que abordaremos, entretanto, opor.tunamen.te, para n~o
Em síntese, "que sua acao foi negativa e adversa.." perder o fio da nossa argu.men.tagáo. Outro elemento natural do
Discordo dessa optniao, considerando o próprio conceito de conoetto de civillza~áo é o homem, fa.to?' biológico, que, se conser-
civilizacao, a qual s.e invoca. De acordo com a ·s ociologia moderma, vando e tran·smittndo atra.vés dias g.e racóes, con·s titui u.m tipo étnico
este oonceito - que· já ultrapassou o dos encielopedi·sta.s, como si- que &e denomina. ra.~. E a raca indfg-ena a que Sepé pertencia
nónimo vag;o de luzes, prog1~esso, etc. - é d-eúnido como o "complexo constitul um dos elementos plasmadores da nos"Sa etnia. Em con-
de inistituicoes 1sociais, políücas e económicas, que caracterizam seqüéncia, ets outro elo de afinldade que .n os une a Sepé. Aliás,
a vida de uma coloetividade, ell.:l qualquer fa-se de sua evolucao éste ~lemento é tAo lm·portainte que foi éle quie ezn·prestou a<> vocá-
histórica." (Leonel Franca - A Crise do Mundo Modemo.) bulo civilizagáo, eua acepgao etnológica, como observa o P. Leo-
E, observa.nd.o os el·emento,s ·ü<>nstitutivos des&. oonceito d·e cl- ne.l Franca, em we. obra já citada.
vilizagao, pode-se v·e rificar que muitos d~les eram comuns entre nós Observados éstes dois vfinculo.s naturais, .r .egistremo.s agora os
e a civiliz-acáo em que Sepé vivia. Assim, ~ois, entre os elementos elementos cultu.ra.ls, que ca.ract~rizam o oonooito de civilizácao,
naitur1ais, destaica-se, .<}.e log-0, o fator geográfi-00. E quem poderá e que nos eram eom.11na. Se éstes elementos, ta.is como artes, le-
negar que ele 1noo era. co.mu.m, tendo Sepé/ nascido, vivi·do e mor:ri'do tras, tkn1-oas, etc., tnAo fora.m incor.porados a n·OS·Ba clvlllza.cáo, a
a.qui no Rio Grande do Sul? culpa. nlo oabe a Sepé nem a aua gente. M.a.s, o que ae nao pode
E o fato des.ta Mgiao na-0 nos pertenrcer na época, nada signi- n~gar é que em mat.érfa de arte, por ex., foram os indios os artí-
fica., e invocá-lo levaria ao absurdo ·de n-egia.r cidadania braslleiira ff.ces, pelo menos, da.queles grandiosos monume~tos arquitet~nlc0is,
a tOdas as pessoas aí nascidas, p.or aquel-es tempos. E quem poderá boje :rufn·a s, como a Qaited.r al d~ S. Miguel, obra' gigante que cu•s tou
mesmo afirmar com .certeza, até hoj.e, a qu-em de direito pertenciam, mei~ de 10 anos de traba.lhos ingentes, d& mil operá-rios. Na.a "Mis-
entao, .aqu·e las te.rr:as? Ninguém ignora que se, inicialmev.t-e, a linha .s 6es ', observa Angelo Guido, com tOdia a sua. autoridad-e na. ma.téria
divisóriia. era o meridian·o das Tordesilhas, -esta linha nunca. f6ra criou-se ume. e.rte em que o "barroco" recebeu viva. influ~nela in~
dígena. 1: lamentável, acresce.nta. éste no.&So llustr-e confrade, que

dema.rea.da, transformando-se, ieom-0 muito bem obs~rva o General
Ta.isiso F.r.agoso, .em espécie de linha oscilante, que os eontenpores táo gr81D.de esfOr~o artf.stico tenha sido r-eduzido a ruinas, que con.s-
an.nbicios·o s ora. desl<>eavam para E., ora para O., ·SI<> s-abor de seus titu-em 1mpre&Siona.nt-e e mielaneólioa lembranca, daquele grandioso
inter~ses momentaneos. A verdade é que pela época em que Sepé conjunto arqu1tet0n1eo, t:ragm-entário documento em ped·r a ·de uma
nasceu, o Rio Gr.ande era "ter.ra de ninguém". E depoi·s, o referido ca.pacldade criadora aurpreendente."
trataido foi substituido peJ.o d·e Utrecht, asisim eoml() éis.te pelo de Quanto a escultura, o referido estilo perdura a.~da mats. lar·
Madrid, que foi, em seguida, anulado pela. Convencao d-e 1761, a p¡mente, ha-rendo até um caráoor todo especial na. técnica. de· es-
qual por sua vez d·e u lugar ao tratado de S. Ildefonso. Um nunca cultura.6 <>nde se r&fiete de modo multo expresstvo o espirito gua-
acabar ... ra.ni. Em música, particularmente sacra, f oram os indios peritos,
Mas, nem há nec,essidade de entrar a. fundo nesta questao para orientados lnletalmen~ pelo P. Roque, e leva.dos depois a perfeicio
conclu.ir-.se que Sepé era brasileiro; basta estar c-On·s tatado que ele 1>elo P. Sepp, aliá.s o pionetro da. siderurgia naelona.1, a.nteciipando
nasc-eu eim . S. Migu·el. de um século, em S. JoA.o Batista., a fundlgáo do ferro, realizada
Em con.s·eqüencia, o fa:tor geográfi<Co, primeiro elemento na- em Con·g onhas do Oa.mpo. ·Relativa.mente a peeuárla, & seU•S deri-
tural do conceito de civilizegáo, nos é comum.. E com que ateto vados, que paesaram a coo·sti.tuiT um dos mais sólidos alicerces da
. Sepé amou esta ter.r:a, pela. qu.a.I realizo.u o sacrificio supremo de eua economia gal\cba, BUa contribuicao foi decisiva. Se ela foi uma ini-
vida! Po.r isto o Gen. Tas so afirma, e·m sua "Batalha do Passo do ciativa do R. Orletóváo de Mendonza nao há negar que os "tro-
.........i ,, '
Rosário", com mu.ita razáo: "Fago votos ardentes para que o he- ~ros e "va.qu~anos" d&quelaíJ extensas "Vacariais do Ma.r e dos
róico Estado do Rio Grande do Sul f estej.e <> centenário d.e n~ Pinbata", com &&u.a dots a tr& milhóe-s de cabe~s, foram exclusi-
vamente o8 fndloa.

/
O PRIMEIRO CAUDILHO RIO-GRANDENSE 173
172 MANSUETO BERNARDI

~E é is to que nos manda.m entregar a.os portuguéses ?! " E nem


E agricultores; também. o foram em larga escala, cultiva.indo . "" "<le!endia Se.pé, em última anális-e, a coroa. espanhola", como se
o mate, o trigo, o milho, a mandioca, etc. Só em S. Miguel existia.m afirma.. Defendia-se, sim, do ataque das duas coroa.s, a espanhola
300 granjas-poma.res. e a portuguesa, as quais, a. !Orca, procuravam escórra~á-lo daquela
Industriais habilidosos, fiaTam o pano, fabricaTam cal~dos, terra, que ele considerava táo ,s ua, como afirmou, textualmente:
Instrumentos musicais, relógio.s, ferra.mentas, sinos, dedicando-se "Esta terra recebemos nós de Deu.s e de Sao Miguel". Nem tinha,
também a art~ tipográfica e a indústria vinícola. talvez, consciencia de que estava vivendo sob o dominio espanhol.
Quanto as letras, ou m•elhor, a matéria de ensino, se achav-a O sentimento que o animava. náo podia ser outro senáo o de amor
ete muito generalizado, no mei-0, pois é notória a .preocupa~áo dos a sua "querencia'', da qual •Se via agora enxotado, com armas e
jesuíta.g neste sentiido. Com sua "Ratio Studiorum", cujo método bagagens, s eim •saber ao menos por ·que, e assim deste modo tao
pedagógico foi tao exaltado pela ·a utoridade de Bacon, a instru~ao inopinado e brutal. Entao, conv;e nhamos, o tel•u ri·smo selvagem
p·rimária se generalizar.a. Ela. fazia parte integ.rante da cateques·e, devia ter brotado naturalmente, por todos os poros daquela natureza
como <aliás acontec·e u ·entre nós: onde queT que <S·e erigi,s se urna rude, tao arr·e batada. Mas nao que ·Se "estiv·eisse opondo ao destino
ig.reja., a · .s eu lad·o· su.rgia 1-0.go urna "·e;}..~ola de ler e escrerer". histórico do Ri·o Grande", por i·s to Que náo podi·a ter consciencia
ASis~m, ·poi·s, todos éstes elementos culturais nao no1 s eram "estra- deste destiino. E qu•e.m poderla te-lo?. Em conseqüencia, o que ele
nhos" niem "hostiis", muito pelo co-ntrário, nos ·ell'aim c.omiuns. Foi pratiCOU'- foi tao SÓ 'UID ato Ge liegitima defe.s a ·SOCial, a 180U modo,
assim, tam.b ém, que realizamos a conq·uista pacffi"'!l. d:o Amiaz-onSIS, tel urLc amente. ~·e poderia ele compreender mesmo de a.justes
1

obra gigamte daquele vulto -ex-cepcional que foi o P. António Vieira, diplomáticos entr.e a.quelas altas parte,g contr:atantes, que lhe est.a-
a qual se estendia de Gurupá ao Peru, com estas mes·mas caracte- va·m .s endo hostis? Que tinha el·e que v-er com o tratado de Madrid?
risticais civilizadoras. E, se tudo isto exisUaf tanto no Sul como no Tudo i·s to é que pr~isamos compreender para julgar com obje-
NoT.te, e nao foi incorporado a-0 no·s so processo civilizador, a culp.9. tividaide e justi~a. A história é tOda ela feíta de compreensao e
foi só de Pombal, o qual, com-0 afirma Joao Ribeiro, em sua Hlstórla vivencia •do passado. Já Michelet afix.mara que a "História é uma
do Brasil, "trainsvi.ado por falsas in!ormacoes, ou por arraigado ressurrei~áo". Deve:mos compreen.der a rea~ao de Sepé com a.q uele
ódio a.os jesuitas, deu com isua ext.empOTan€'3. .expulsao, sob malis mesmo espirito compr·e ensivo com que julgamos boje, .por exemplo,
• de um aspecto, sen-sfvel golpe n'3!8 colOnias, e no que diz respeito
aos indios proporcionou-lhas a ruina -e aquela irr·emediável con-
o bandeirismo, f enOmeno social e hios~órico, em ei bárba.ro, selva-
gem, impetuoso, semelhante a -ofensiva dos bárbaros ao iniciar-se
di~áo em que, boj.e, vem-0s a ra~ vermelha entre nós". E com a Idade Média, precipitando-se .sObre a Europa meridional na
isto, a civilizacáo recuou -centenas de léguas, como afirmou Eduardo avalanceha das tribos nórdicas. Entretanto, cowsidemndo as circuns-
Prado. E a cfvlUza~áo d<eU ·Jugar a sifilizac:;áo ... tancias da. época, ooega-se a conclusa.o de que 'se trata.va. de um
Nem &e objete .que todo aquele precio·so ace.rv<> cultural aqui impe.r ativo social. Se o sonho era egof.s ta, na .expr.es·s ao do poet.a,
1

do Sul nao nos pertencia, ou nao ·e·s tava inco·r .porado a alma na- se a ambiQao do vil 1Inetal- e a presa do indio eTa a. mola que acio-
cional, poi.s a conis;ciencia de S.e·p é e de eua_ gente devi.a estar tao nava o movimento, a neces-sid.a.de do braco es.c ravo· .para a tar·e·f a das
pouco saturada ·d a nocao de destinos eomuns. relativame·nt-e & Por- i.mensais lavouras s·e impunha~ E ele.s cafram sObre as reducoes
tugal, como relatiV1am·ente a Espanha. Devi'3Jm posis ulr ·t áo pouco com o ·"vOo do milhafre sóbr•e um ninho de po•mbas" como observou
1

espirito de "Hisp.ainid.ad" como de "Lusiitanismo". Mas i.st·o nao


1 (
Oliveira Vi.run•a. Pud:era! A nece ssid•ade era tao gr.~ude, a tentaQa<>
1 '
quer dizer que lhe·s fósse hostil, poi.s o ele,m ento .e specífko do tao f orte, a presa tao fácil ... ! E., ,s e crimes hor:r·oiros<>S foram co-

i
conceito d·e civilizacáo 1he.s . eira comum ·como v:e·r emos em breve. metidos, o Brasil .s e multtplic<0u por tres. E nós os compreendemos
Sepé vivia integrado naquela civilizacao surgida no meio do.s des- e os de·s culpamos. Mas nao por iisto, tao só porque realizando urna
oampados e argia.massada com o sangue dos mártkes, e que tamanha. vivencia histórica julgamos que "o mal era. da época e nao de Sao
admiracáo causara aos ,p róprios Montesquieu, Voltaire e COIIl'.lite,
1
Paulo", .como afirm·o u-se alhures. Ora., por que nao ir·ealiza.r no
onde goza.va a,s vantagens de uma ·sociedad-e, sem abandonar (l. li- caso da reaQao de Sepé, onrde, aliás, nao houve crime algum, urna
berdade selvaigem, em contato com· a natuTeza, em meio de ver- introspeccao histórica semielh'3Jnte? Já pensamos bem o que deve-
dadelr.a.s cidades, "que nao eram tao tristes como Esparta, nem tao ria significar a transmigracao de trinta 1mil pessoas e de tres mi-
fl1fvolas como Atenas, na expres.sáo feliz do autor do "Génio do lhoes de cabe~s de gado da noite para o dia ?! E o aspecto senti-
Cristtani&mo". O General J. Viana, governador -de Montevidéu, como mental do abandono de tudo a.quilo que lhes era. tao caro e para
refere Bauzá. em seu v-0'1ume III, pág. 135, nao esconde sua admira· sempre, para terras já ocupadas que se negavam també.m a. rece-
~ao ao deparar com .a granodiosida.de d,e S. Miguel, exclamando: -
be-los?!

174 MANSUETO BERNARDI O PRlMltIRO CAtTDILHO RIO·GRAND~NSE 175

Foi r·ealmente urna. provoca~~º de fazer perder a cabe~ das na re.alida.d'0 nao .s e opos. Defendeu-se apenas, r e.agindo, eventual-
mais tímida-s e pacíficas criaturas. Nao há necessidade alguma m·e nte, contra a prepotencia e a i111justi~a dos hounens, como os
¡>ara ·s e com.preender este fato, de 1se r·e petir; de boa-fé, talv·e.z, a nossos va!orosos farroupilhas xeagiram, náo ()bstante se'u com-
caltnia pombalina e mra~llnica de que foram os jesuitas que in.s- pr-ovado espirito de 'bra.silidade.
tigaram os índios a rea~ao, como veremos em breve. Nem "defendia. Sepé em última análise, a coroa espanhola".
Outro .ponto que convém -acentuar é ain·d a a influ~ncla. do E a proya di.s to é que quem deu cabo de rSU·a vid1a foi o chefe espa-
elemento es1)ecífico, que caracte·riza o eonceito de civil1zagao, isto é, nhol, o gov.e rnador de Montevidéu.
o .seu eleim·ento éU.co-m1etafí.sico da yida. E este aiao era estranho E •·se Sepé tivesse vencido, qual seria a cons-eqüencia de:>ta
.também, entre nós e Sepé, educado pelos jesuítas no mesmo hu- vitória ?" - pergunta-se.
manismo crtstao ero que fomos ·e ducad.o s. ~ste conceito é que mo- R eapondemos nós: - Provavelm-ente as mesn1ias conseqüe.ncias
I
dela tOda a cultura de uma civilizagao, por is·s o que, como muito que a.carreta:ri:a a vitória. de nossa república de Piratini, se se
bem ·o bserva o P. Leonel Franca, há sempre e em t6da a parte tivesse concretizado. 'Mas, tal hipótese é absurda, dada a desigual-
uma solidariedade indissolúvel entre a concepgáo da existencia e dade de recursos dos con.tendores ; e m esmo admitindo-a, aos in-
a exp~essíio ~enom~nológica do.s ·c ostum.e·fl e das estrutura..s sociais. dios é que aquela:s terrais. nao ficariam pertencendo muito tempo, ,
Nao hav1a, po1s, neim podía haver, dposigao ·e ntr•e a .s ua e a por esta mesma razao. Seriam em bre.Y·e aniquilados ou aissimila-
nossa civilizag§..o, moldadas ambas pelo mesmo espirito crista.o, ou dos como o foram pela Espanha. E nem a intengao de Sepé era
melhor, católico, inaciano. Os próprios choques ~rificados a.qui na opor-se a nosse futura r ealidade nacional, por iss-0 que, entíio, ele
América entre as colonias portuguesa e espanhola nao significam nao pocteria. preve-la; para tanto era m¡.ster o d.om divinatório.
mais do que meros · Te·fl exos •de lutais de inrteres·s es puram·e nte polf- lVIas, ne.rn tao pouco aos jesuítas ficari·a m pe·rtencendo eista.s . terras,
ticos entre as duais eoroas que visavam o< dominio do estuári-0 da como ·s·e pretende afi&ar. Para eles os bens temporais só tinham
bacia do Prata, denominadar comum a que se devem reduzir tódas valor em fun~íio dos interesses ies.pirituais, ¡pois "·s eu reino na-0
as nos,sa,s contendas, desde a fund·agao da Colonia do Sacra.imento, era des•te mundo". E a História aí está para comprovar éste a.Sis,e r-
o pomo da discórdia, até a emanci,pa~áo da "Banda Oriental". to, tanto aqu'i como no Japao. na China ou ·n a·s indias.
Nao re·s ta dúvida que só quando um povo ratifi.ca com a sua E>m verdade, foram éles "os únicos que pa.ra oeá. vieraan buscar
consciencia ·c oletiva a identidade de destinos comuns, é que estamos o n<>sso b:em e nao os nossos l>ens", na expressao semp-re. feliz de •
fa ce ao que se denomina uma nacionalidade._ Mas, esta aidesao co- Vieira. Foram eles "o.s únicos homens disciplinados de ·S'9U tempo",
letiva ·SÓ .se constitui ·com o ·tempo. E o "Es.tado" é o térmo final no conceito de Euclides da Cunha.
desta ·ev-0lugao histórica, qua.ndo a "Nagao" atinge a -s ua maioridade,
digamos a ssim.
Esta história da possibilida.de dos jesuitas ficarem senhores •
do território missioneiro, evoca-me aquela fábula oogra~da,, s·e
ll': o que •Se verifica em toda a parte; foi o que verifi-camos na.o fós·s·e maliciosa, ref.erida pe1o no.sso inolvidável historiador
entre .nós próprios ·com o nos•s·o ·s entimento nativista, cuja evolucao Aurélio Porto, .em sua "História dais Missoe·s Ortentais do Uruguai",
po1íU.ca foi longa. Ora, como exigir de Sepé sentimento de brasill- Vol. II, pág. 220. Es·s a lenda do " Império Teocrático", com suais •
dade sob éste ponto de vista politic-0, se o Brasil aind3. nao exi•stia riquezas fa.bulos.as, seus exércitos aguerridos, com o "Rei Nicolau"
como nacao ind·e·pendente? Pos·s uir tal .sen timen to eTa até, entre a frente, chegou a tal ponto que h'ouve quem afi'r.masse que circu-
nós próprio·s eon,sideTado um crime, e,m ·conis·e·qfrep.cia do qual, Tira- laram pela Eu1·opa até unoedas imandadais ·c unhar pelo regalismo
.dentes e outros foram .e.s quaTtejados. Por isso nao oonsideraanos maconico, com a efígie deste rei do .país das fant.a:sias, fruto táo
brasilida de apenas sob ~ste .ponto -d-e vista politko, mas A luz do só daquela campanha ,s istemática ·e tao bem .planeja·d a que acabou
conceito de civili:iagao, como, aliás, f.oi muito bem invocado por obrig.ando o próprio Papa ia extinguir a Oo·mpanhia de J.esus. Quem
aquél-es que afirmaraim que Sepé ",s·e opunha a inclusáo do Rio · quiser .se divertir um pouco, prusse os o1hos pelais ref.eridas páginas,
Grande na civiliz.a~íio lusitana e :no Bra·sil." Lástima é que náo onde poderá r efrescar a memória co-m tais "histórias" da nossa
se tenham detido na análise do coneeito de civiliza~ao invocado, Hi·s tória.
nem no estudo comparativo de seus •elementos eon·stitutivos. Se
assim s·e tivesse procedido, chegar-se-ia decerto a conclusa.o de Concluamos, re·s u·m indo, esta primeira part-e que já val longa:
que os elementos natu.r ais -e .c ulturais que _p.aT'acterizam o conceito - T·e ndo-se-lhe afirmado ·q ue "a acao de Sepé foi negativa e
de civilizagao nos oeram comuna, a nós e a gente de Sepé. E nao adversa a inclusa.o do Rio ·G rande na civilizagao lusitana", foca-
se afirmaria que Se.pé "se opunha ·a o destino hi·s tórico do Rio
Grande, opondo-se a -sua. incluslo na •Civiliza~ao lusitana", quando
liz.amos a. questao d:a. bra:silidade de Sepé, .s ob o r ef·e rido aspecto de
civilizacao, fa.z endo girar .toda a nossa argumentagao em torno do ,
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176 MANSUETO BERNARDI O PIUMJ!;IRO CA UDILHO JHO·GRANDENSE 177


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1\ conoeito invocado. Pr·e liminarn1ente, definimos este conceito, pas- Que os nossos valorosos fronteiros nao t.e.nha.m ainda sido imor-
sando, em seguida, como virn(}s, a observar ·s eus eleme-nt<>s cons- taliz·a dos no bronze é real·m ente um.a inju.s tiga. A eles devemos
titutivos, a fim de v·e Tificar .se, ,de fato, existi.a oposigao entre eles
1 muito. "Nunca tantos ficaram <levendo tanto a tao poucos". "Seus
na nossa civilizagao e n a de Sepé. E verificamos, afinal, depois d'0 feitos nunca feítos" b em merecem ser o quanto antes imortalizados
uma verdadeira experiencia, que estes elementos constitutivos do na pra<;a pública, -como já está.o no fundo dos nos·s as coragoes. Ma:s,
conceito de civilizagao nos e-ram comuns, a comegar pelos elefÍientos quem o culpado desta injustiga? Entr etanto, daí nao .s e pode con-
naturai·S, a terra ·e o homem. A afinidad·e geográfica perm-itiu-nos cluir que a a<}ao de Sepé tenha sido n egativa -0u adv·e·r sa, e por isso
concluir que Sepé era ·br.aisileiro, gaúcho, nascido -em S. Miguel, e nao mereGa também ser lem.brada por nós. ·
que tanto a.mou esta terra que por ela :realizou o 1sacrtficio su- Tf'.!nho para mim que o ideal seria que num só monumento fos-
premo de sua vida. Assim, personifica ta.mbém um símbolo de amor sem Iembrados todos estes gr.andes vultos da história do Rio Gran-
a este.s " pagos" que tanto 'él•m amos. d-e, a comec;ar por Sepé representando o e1em.ento indígena, sem
A afinidade cracial levou-nos a afirmaga. o de que, c·o mo indio, esquecer o P. Roque, que, com os ina:cianos, evangelizou a "Pro-
ele representa um daqueles tres · el·e mentos eomip onentes de nossa vincia do Tape", moldando os no·sso.s ante·passados, mar.ca.n·d o o
fórm.agao étnica, pa.rücipando ·a o .dem·a is, como tal, do~ grupo dos traGo eterno de nos·sa Hi.s tória. SeguiT-se-i.am 01s Iagunistas, per·-
primeiros povoado·re;s e colonizadore·s do Rio Grande .do Sul. .soniflcad-0s em Brito P•eixoto; o núcleo ofici·a l ·c om o Brig.a.deiro
Pals, os ac;orita.s representando o elemento lU>so e a "mae preta"
Quanto a.os elementos culturais frisaimos o co¡ceito ético-m·e- que nos embait>u -em seus braGos. enquanto os nossos gloriosos
tafísico da vida, elemento especifico que caracteriza e modela. a,s fronteiros c-0m Pinto B.and·e ira a fr ente, ·s eguidos dos Marques de
civilizagoes. E vimos que este elemento capital nos era comum, Sousa e do·s Correa da Camara, partindo da "Tranqueir.a de Rio
identifica;ndo assim as nossas .civilizagoe.s CllID·b as saturadas por Pardo" bar1'avam as ~nva·soes espanhol.as ·do século XVIII, até a
aquele ·me:s.m o humanismo crista.o, proveiJ.i.ente da fé catóUca tra- conquista da.s Missoeis ·c om as figuras hom&ri-cas d·e Borges do Canto,
zida paria cá pe1os nossos Nóbrega e Anchieta, e levaclia para lá Pedroso, ·e tc.
pelos Roque Go.nzález ·e Cri-stóvao de Mendonza. ~ste humanismo E teríamos apenas esculpido a·s pedras angular·es do imenso
integral foi que modelou, a .s ua imagem e semelhanga, todos os ou- edificio, que -se erguia majestoso coro os her6is do povoamento, ~a
C! tros fatores culturais. A difer-enga entr-e e'Stas duais civilizagoes defe'Sa e da expansao g eo?;ráfica do Rio Grande. . . · •
~penas consi·s tia numa questao ·de grau. Em con.seqü~ncia, a agá.o Em ver·d ade, precisam·os ,saldar o quanto antes esta. divida de
de Sepé, indio já catequizado, já saturado deste humanismo, nao gratidao e de· amor pátrio.
( podia ser adversa a inclusao do Rio G.r.and·e n.~ civilizagá.o lu·s itana,
cuja .c.ara.cterf:sti-ea .consistía n.a pr·edominancia deste mesmo ele-
P.a.ssemo·S a ·S egunda paTte d~ste• ·Singelo parece?'. •
mento éti-co-m·etafi.sico. Finalm·e nte, todos nós que julgamos coro
tanta compreensao os motivos, em virtude dos quais está.o imor- - II-
ta.lizados no bronze <>s nos.sos prestimosos colonos italiano e alemao,
bem ·c omo Garibaldi, ·eSJtrangeiro e despido de qualquer espirito Outro ponto Que nao pode· passar em julgado é a afirmaGao "que
d·e ·brasilidade; nós que, com tanta justiga, já realizamos a con.s·a - domina ·em Sepé urna vi.s ao m'ftica generalizada ·e domt.nante". fJ
gragao histórica d·e Bento Gongalv·es, ·c omo sím•bolo de um.a reagao pre·ciso, de urna vez para sempte, di.s tinguir-se o cacique Tiaraju
contra a prepotencia e a injustiga, reiagao e·s sa lev.a·d a até ao ex- d:a. históri:a, do Sao Sené da lenda. como já teve oportunidaide de
tr.emo da exclusa.o do Rio Grande da comunhao brasileira, nao observar o P. Jaéger. Com efeito, nao é absolutamente só o "mit'O
obstante o inegável espirito de brasilidade -dos farToupilha·s , como que domina, e tu do vence -e a tu do se ·s uperpoe". Se o gueirretro
pad-eremos nós deixar de reconhecer que Sepé também lutou por se féz i:;anto. a .responsa.bilidade nao é dMe; -cabe a Hi·s tória fazer
urna ·c ausa justa, ele que foi bravo centauro ga,úcho, e dos nossos abstracao ·d-esta auréola, se·m d·e ixar d·e focaiizaT o perfil do Udimo
prhneiros povoado.r es ·e colonizador·e·S, ele que foi um dos elem-entos centauro galicho. Proce•d,e r de outra fo·rma seria desfigurá-lo, des-
da nos.s a •etnia e sfmbolo de amor a este,s pagos tao ca.ros, pe.tos oambando a Hi.stória ipaTa o mesmo érro que se aponta. Se é1e
qu.ais deu sua vida? foi guindado a tais altitudes, foi -decerto como expl'essa'? superla-
Nao, sua agá.o nao foi negativa e muito menos adversa a in- tiva de seu valor. Nada obstante, Tiaraju fot, reaJ.mente, urna fi-
cl usao do Rio Grande na civilizagao l usitana e no Bra.gil; ao con- gura hi·s t6rica. Nao há historiador coev-0 ou contemporaneo quE>
trário, a ele estamos unidos por todos os elementos natur-ais e cul- tenha dei:xado de focalizaT a .sua atua~áo. particularm-ente na 2."
turail:! que caratcterizaim o c-0n:cei.to de civilizagáo. ·campanha guar·a nttica. Af est!o os trabalhos cláss·fc<>S do COn. Gay
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e do Visconde de Sao Leopoldo, até os estudos mais recentes do P. nar casa, t-erreno, plantagoes, .por ·parag.e ns a que se nao eneami-
Luís G. J aeger e do Prof. José Hansel com .sua obra recém-safda nhariam voluntariamen·te.
do pre lo. Nin guém ignora, por ex~mplo, o lugaT, a data exata e as "Se se aplaude hoje a um civilizado o seu af~to entranhado
circunstancias de sua morte, bem como a pessoa que o matou e ao solo que o destino lhe deparou, por que negá-lo a um indef.eso
em qu e circun.sta ncias. Ninguém ignora o cargo que ex-ereia. de selvagem? E tu do isso desabou sobre el e camo remate de hosti-
cacique de S. Migu el, o efclivo d·e suas tropas, as perdas entre lidades seculares"... e .com as quais ele nada tinhra que ver,
mortos e feridos, informa~oes estas detalhadas em numerosos do- a.crescenta.mos nós.
cumentos hi·sitóricos, como o "Diári-0 de Op e ra~óes do Cap. Jacinto Invoca-"Se na acusa~ao aos jesuitas ó depoi,m ento de um jesuíta,
Rodrigues da Cunha", a " Batalha de Caiboaté'', do Gen. AS1sis Bra- o do P. Serafim Leite, "historiador oficial da Companhia de Je-
si l" , a '" Hi stória das Mi·s soes" de Aurélio Porto, a "Ha talha do SUis". Nós vamos invocar na nossa defes.a nao apenas um, mais
Passo do Rosário" do Gen. Tasso }fragoso, etc. Ninguém ignora muitos outros jesuílais. Oo.m·egiamo·s, enteta.nto, pelo depoimento
qu e a flor da juventude gua·rani foi imolada nesta batalha, pere- de um 1eigo, ·Como o fizemos há pouco, para, em seguida, dar a
cendo o~rca de mil e quinhentos homens, contra tr~s mortos e dez palavra as maior.e s autoridades .n este assunto. Diga-se desde já
f·e ridos do exército . e.spanhol. que o P. Serafim Leit.e nao é o histariador oficial da Companhia
"Qu-anto· ~ste indio sobreleva, na singeleza d·e ·su.a vida e na
1 de Je.sus, como já teve oportunidia·d e de observar um m-embr·o· d·esta
pob~ez·a de sous r ecursos materiais, bem como no ·S\\J incomparável Companhia, ·o P. Jae.g er, que já chamou a atengao para certo e·spi-
devota.mento patriótico, a .sanha incoeTCÍV·e l de is eus adversárÍOS, a rito de naciona1rsmo que anima o P. Serafim, deix.ando-se influe·n-
que nao mÍnguavam o ·s aber guerreiro, n·e m instr.um·e ntos ap·e rfei- ciar natura1m·e nte pela idéia em 'Si -comp.reensivel d·e destaicar o
~oa:dos de d e st rui~ao ! " - obs·erva o Gen. 'Caisso. Estamos, pois, quanto Portugal dev·e ~referida Companhia. Mas admitindo, apenas
f-ace a uma figura .e a aconte.cim·entos ia.bsolutaimente históricos. para provar, a generaliza<;ao absurda, que mesmo que alguns pa~
Como, poi·s, predomina o mito? Por que n ao cabe a •SU.a figura "nos dres se tivessem. soUdariz-ado com os indios, o mais que ficaria
frio s Tela tos da história ?" E, mesmo que Sepé fosse santo, a Hi•s - apurado seria que estes padres. tinham desobedecido a uma ordem
tória nao deixa.ria por isso de focalizá-lo, através de sua agiografia, clara e terminante transmitida pelo Geral de Roma ao Prov·i ncial
e que aliáis náo se deve confundir eom mitologia. Mas, apesar de Se.pé
n ao ter ·s ido canonizado .pela Igreja, senáo pelo conseniso popular,
do Par.aguai para que se cumpri·s se e se fizes se cum.prir a ordem
de transmigragao, e i1Sto sob pena de excomunháo e de pecado mortal.

o que vem provar seu pr.estigio, nem por isso ele pode, nem dev-e (Ver a "Rev.• Estudios'', <le Buenos Aires, N.º 349, de 1940, pág.
ser relegado ao acervo exclusivo <la lenda, como um "Saci-Perere" 38, que contém conceituoso artigo de GordiLh<> Gom-ez e a obra de
ou um "Negfin ho do Pastoreio", o.s quai·s , s e •n áo sao dignos de Guilher.me Kratz, sob o título: "El Tratado Hispanico-Portuguéz", •
·e·s tátuas, nem por isso eles . próprios deixam de constituir aquele pág. 46 e 47. Em conseqüencia a Companhia, ·Como tal, es:taria a
pre·é ioso subsf.d.io que a Hisitória nao d.espreza e que encara até com cavaleiro de qualquer responsabilid:ade. Mas, nao .s e gen·eraliz·e a
elevado intere•s se, incorporando-os a·o patrimonio lendário regiona- afirmacáo ref·e rida do P. Serafim Leite-. 1lls.te nao afirmo~ abso-
Usta. Em sfntese, a figura d·e Sepé ·c abe muito be·rn nos frios re- lutamente que "os catequisadores, os ori,entia.dores, o.s dir~tore·s
latos da História. espirituais dos indios é que exerciam natural e fatal•m ente a fun-
gáo principal". Que alguns pad.re·s tivessem discordado· ' da ordem
de tr.ans·migracáo como contrária ao direito natural, é. ce·rto. Mas,
- III - discordar nao é ·Sinónimo de desobedecer. Compreende-s·e· :racil-
mente o QU·e devia significar para ·um jesuita, com ·s eu voto de
• I

Finalmente, o ter.ceiro ponto do qual divirjo completa-mente obediencia, urna ord·e m tal, partida do O.e·ral de Ro·ma e sob pena
consiste no preconceito de atribuir aos .Jesuitas a responsabilidade de excomunhao e .p ecado 1 mortal.
da Gue rra das Missoes. Trat.a-lse de urna acusa~ao grave e infun- E todos obedecer.aro, nenhum &e opOs, .nenhum comandou a tro-
dada. "Náo me parece que existam provia.s realmente cabais désse pa. O próprio Marques de ValdeUrios, inimigo declarado dos je-
concelto apaixonado" , afirma, com toda sua autoridade, o Gen. suitas, afirmou taxativamente que "nenhum incentivou a insurrei-
Tas so Fragoso, na pág. 64 de sua "Batalha do Passo do Rosário". cao" - pág. 128 da Revista supracitada. Os jesuitas fiz-eram tudo
"Mas, nem destas prov~s preci•samos, acrescenta éle, paTa. olbar o que fol possfviel para evitar a. luta, .g uplicaram aos chefes respon-
com simpatía o movimento patriótico desses indígenas. Como po- sáveis que lhes eonc-e.dessem pel<? menos tres anos, e etes fariam
I
de:riaim e·s ses desventurados conformar-se cotn a idéia de abando- a transmigracao paelfi.camente. A res·posta. de Valdelfrios foi. ~

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180 MANSUETO BERNARDI O PltIM!'..IltO CA Ur>I'LHO RIO-GltANl>ENSE r 181
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"Nao lbes darei nem tres meses ". (Ver Bai¡zd - Hfstórla de la Ora, nao serei eu que agora irel dizer a. última palavra sObre
dominnción española en el Uruguay - tomo III, pág. 85.) Nem o aesunto. Dimito-me. pois, a guisa. de conclus!o, a · subscrever,
tres meses para passar para o outro lado do Uruguai aqueles trés como o fiz no Instituto, a.s observagoes !lnals do P. Jaeger, as
milh oes d-e cab e~as de gado e urna .popula~ao de trinta mil almas quals, resumidas, sao as seguintes: ·
com tOda a sua matalotagem . .. ! - que os padres da Companhia fizeram todo o possivel para qu~
E para urna regiao já ocupada, cujas terras estavaim já d-esig- s~ r eallza.sse a transmlgraga-0 imposta;
nadas e sem moraclias ! - que jamais nenhum jesuit a se opos a •sua realizac;ao, em-
Náo resta dúvida: o que se queria era provocar um pretexto a bora alguns di.scordassem da juistiga do tratado;
mais para ser anexado a célebre "Relac;ao abreviada" de Pombal - que, ante a obstina.c;ao dos silvfoolas em nao abandonar as
et caterva, contr·a a Companhia de J esus. sua·s terra.s, os padres ficaram até -em situac;ao multo eritica e ti-
Ali ás. Afonso Ta.una.y -em sua "Hi.stóri-a da cidaae de S. Paulo", veram, com pesar, d·e deixá-Io.s entregues a sua aorte, impossibi-
Vol. I ., s egunda parte, pá.gs, 63-64. r efere-se as rel·aGñes dP. Gomes Utados de qualquer ac;áo, verda:ctelram·e nte constrangidos e·n tre a
Freire. o Condie de Bobade-la de Pombal, ·Com a ¡m.a ~onari.a. E o pró- poil'ta da e·spada dos agr-essores e o muro in•s tran·sponível da resis-
prio Pombal, quand·o de.posto por Maria I e processa·d·o., conf·e·sso.u t~ncia obstinada dos silvícol81S. . ~
claramente s·u as calúni.r¡i.s contra a Co.m p$;Tuh ia de J·e·s u s, r elativas a - qu e o fracais.s o da ex·e·CUGao do tratad·o f<>i devido ~q:u·eles
este caso ·e specífico dos Sete Povos das Missóes. Ver "A liberdade tr@.s e·rros fundamentais apontados por Franci·s co Mateos, que e.s -
dos fndi os e a Co·mpanhiia de Jesus", obra do ~ Maduxe-ira, pu- tudou a fund~tOda a documentac;ao relativa ao sucess.o : "a lgno-
blicada nor ocasiao do Centenário de nossa Indie.pendencia - Vol. l, ra.ncia absoluta d·a realid:a:de am·erica.na nas cortes européias, a falta
págs. 329 e seguintes, oue contém afi.rmaGó es do ·maior interessP. total do necessário ~to para a realiza~ao da transmlgrac;ao, e, fi-
r·elativamente ao caso em apre90. Para ·pro.far tudo isso que ve·nho nalmente, o incrfvel a tropel o na sua execugao";
de afirmar, aí estao ainda os conceituo·sos t r·a ba1hos das maior-es - que a desconfianca dos indios ante o empenho dos padres
autoridades na matéria, a com-ecar pelos clásskos: FRANCISCO em fazer cumprir a ordem, chegou a tal ponto que os prenderam,
BAUZÁ - "História de la dominación esJ)añola en el Urugua'y" noegando-lhes comida. e queixando-se amargamente que éste.s pa-
('
- Vol. III. pág. 85 -e se1?;uintes e pá~. 145 e seguintes; CARDIEL: dres n ao eram seuis amigos como aquéles outros dos bons t em·pos
"Decl::i ración de la Verda d", on-Oe num s6 volume pulveriza todas de outrora ;
as ohiec-fl~s: aí está tambéro o "Relatório" do P . Nusdorffer. a.nexo - qu e r ealmente foi baixada a tal ordem do P. Geral de Roma
ao III volnme da "História do Rio Grande do Sul" do P. T·e schauer, ao Provincial do P araguai a fim de aue os pa dres fizessem executar
(
pág-s. 191-ñ07: af está a "História da Com:pan.hia de Jesu s na Pro- a tra.nsmigracao sob 1>ena de excomunháo e -Oe pecado mortal.
vfn cia do Parae:uai", de PASTELLS, vol. 8, coro a declaracao dos Agora, p er guntamos n6s, por que aouela pre·s sa na. realizacao
7·0 caciou-es in\ernela-dos. e onde ni'io se encontra acusaGáo al?;uma; de urna emp·résa ta,o d·e Ucada eomo ess·a ? Por que tanta precipitac;a.o ?
af está o trahalho d·e HERNÁNDEZ. "Organización Social de los Aau ela falta de tato apontada nao seria antes um pretexto a
In·dios". urna d·a ·s .m aiores autorldades no a.s sunto, ialém· de traba- ma1s para :iustific-ar-se a campanha tremenda, já iniciada pela mia<;o-
lhos m·i:t is r ece·n tes como o de PAS'l'OR. "História dos Papas". vo1. naria ·c ontra os J esuitas. e ·Cujo térmo em breve irla consuma.r-s•e
16. 2.ª narte, pá..i;. 82: o de FORTUNATO DE AL~EIDA, "História com a extinciio da .O rd·e m?
da Tl?r·e ia em Portugal", tom·o 4.0 • 1.ª narte, t>áJ?:s. 280 e se·guintes~ Finalm E>nte, p~rguntBm•os, Que noderf:a.m éRt~s j·esuft.::i,s :ra.zer
o '"l'r::itado de Madrid". de GUI'LHERME KRATZ, já referido; a mais, Que ·m ais se lhes poderla exigir? O TEMPORA, O MORES!!!
" Col·ecáo de documentos .sóbre a Hi!stória do Rto da Prata", pu- Conclufndo:
blicada em 1949 na f'Revista Mis·sionáUa Hispánica", em 40 núme- I - Exf.s tem entre nós e Sepé tantos elementos de afinidade,
ros, de a11toria d·e Franci·s·co Mateos (o núm ero ·mats interessante n·~tur.ats e ·c ulturai·s, que caraoteri~am o ·con·c eito de clviliz:acA.o
é o 17. pág. 319) . que nlio ·s e pode dizer que sua a~ao tenba si·do "negativa ou adversa
· E tu do isto sem falar nos nossos Aurélio POrto, P. Tes chauel'. ~ inclusa.o do Rio Grande na. civilizacáo lusitana e no Brasil."
Afonso Ta unay, o P . :Madureira, Tasso Fragoso, Calogera.s. Eduar- Em conseaüéncia. nlío veio inconveniente algum que se erga
do Prado, o P . Luís G. Jaeger, etc. E note-se que tOdas estas o pleiteado monumento em bomenagem a Sené. Julgo até um ato
citac-óes nao se ref ereJl'l a ·a dmiradores de um modo geral da Com- de justica nue o Rto Grand~ do Sul deve prestar-lhe.
p::i.n nf a oe .TP.sus. mas sao de aut"ridades Que jule:a m o caso ei;ne- TT - Tr::i:t::i-se. sern .c]úviifa.. de uJTia figura comnrovadam ente
cfffco da aus~ncia de r f'sponsa.bilidade ·dos Jesuitas n a Guerrai da$ histórfca, apes.a.r de certo a"Specto 1-endárlo em que a fma.gina~áo
Missoes. popular a envotveu.
,,... .
182 MANSUETO BERNARDI
i
III - A Companhia de J esus como tal nao tem responsablli-
'dade alguma no fracaisso do Tratado de Madrid, nem tao pouco os
jesuitas dais Missóes t-0maram par~ ativa nas guerras, nem sequer
instigaram os indios a reagao; pelo contrário, fizieram tudo que lhes •
foi possivel para evitá-la.. P Á DE CÁL SóBRE O ASSUNTO SEPt:
Eis meu caro confrade. ohega.dos eo t~rmo tinal déste depol·
mento sincero. Mansueto Bernardl
Pode o ilu·s tre amigo orgulhar-se d'e urna coisa: Ter cons~
"'· guido de mim mais ·do que aquele'S bons padres conseguiram dos
indios, isto é, ar·rancar-me de minha "toca". ond·e e·stav.a "acuado" Em fins de 1955, a Comi.ssao de História. e Geografia do Ins-
de tra.balhos, por todos os lados. tituto Hi1stóri·CO e Geográfico do Rio G.r.ande do Sul estarr·e ceu a
Terla reagido ao seu "ataque" com violencia? Talv·ez. "Cet ani- consciencia tradi-cionalista gaúcha com o ·seu parec·e r contrário a
mal est méoha:nt, quand on l'attaqu·e, i1 ·s e défenid" ... pro.post·a de um monumento a memória do caudilho miss'ioneiro
Oom um forte e cordial a.brago, subscrevie ..s e seu patricio e
1
Sepe Tiaraju.
grande a·dmirador E maior ai-nda se tornou o :a.s:sombro dos ·r io-grandenses, em
face da insistencia ·c om que alguns intereis·s.aidos tre>m·bet·eava.m
(asa.) RlnaldoDtAmara que aludido pa:=-ec·er merecera a aprovagao unanim·e daquele so-
daUci-o.
Todavía, tndagando-ise, .p or menor, como pudera. acon.t ecer o
e·stranho fato, verificot-se logo haver muit<> exagero no noticiário
da imprensa, po.rquanto o parecer em aprego nao havia reunido a
totalidade •os· votos dos componentes do Instittuto, mas eimpl-es-
mente fOTa aprovado por meia dúzia de seus me mbros, por acaso
(
presentes a sessao, -em que o a-ssunt<> f<>i -discutido.
Mais a.inda. Referidos sócios nao se haviam pronunciado prO·
priamente s obre o veio da questao, mas se limitaram a responder a
per.g unta restrita formulada, isto é, .s e o indio Sepé Tiaraju :podia
ser a.presentado e homenageado como ·síim.bolo de brasilidade.
Ora, é bem de ver que, nessas <:ondigoes, a resposta s6 podía
ser negativa, porquanto, ia:o tempo de Sepé, ainda nao havia nem
I podia haver .sentim·e nto de braisilidaide, visto nao pas,sa.r o Bragil
~aquela época de uma simples expres:sao geográfi.ca, sem contor-
nos ·d efinido.s ·e sujeita ao Reino de Portugal.
Em face · do exposto, perdí.a muito de· sua alardead.a importa.n-
cia o voto do Iinstituto, mau grado fóss·e ele capaz de ger.a.r, como
• efetivamente gerou, -ce·rtas dúvidas ·e ·confusOe.s nos· espfritos des-
prevenidos.
, · Por este motivo, alguns membros daquel·e areópago, tnconfor-
ma<dos <eom o ponto de vi.sta. esposa.do pe·l a Comi·ssA.o de Hi•&tórlá,
resolve·r a·m -consultar os demais con!rades a. respeito, no intuito
de assim determinar quai-s o.s· verdad!eiros sentiment<>s do Lnstituto
Hi·s tórico e Geográfico do Estado sobre a matéria iem tela. A res-
posta nao se fez esperar. Nada menos de 22 sócio'S do Instituto
se declararam expressamente solidários com a iniciativa de u,m
r!onumeneto a Sepé, convindo salientar que figuram entre os de-
1

clara-ntes, com todo o peso de su.a autoridade moral e poUtioa, um


ex-presidente do ~stado e quatro generais do Exército NacioÍla~.

183 •
i84 MANSUETO BEltNARDI O PRIMEIRO CAUDILHO RIO·GRANDENSE 185
Seria deveras ocioso ,a ssinalar a releva.ncia de •semelhante pro- CONSIDERANDO que SBp.é Tiaraju é o símbolo do es.pf.rito de
nunciamento, nao só porque coTl"es·ponde a um perfeito título de- ~crifício, do denOdo, ~<> ~erofismo e do a.pégo a terra, dos primi-
clarat &rio de nacionialidad·e brasileira, outorgado ao paladino gua- tr':os ~onos d·e.sta proviuc1a, que eles ·Siro.avalµ ma.is do que a pró-
raní, mort o -em defesa de su.a t erra e de sua gente, como também pria vida;
porque representa urna definHiv.a pá de cal sObre a ingrata con- CONSIDERANDO que Sep.é Tiaraju é, a.inda, o líder e o con-
trovér sia .s us·c itada em t é>rno da sua historicida de e do se·u pa- dutor da pri-meir.a e gen.uín.a revolugao - de índole democrática e
triotismo. defensiva e conteúdo cívic<>-social - deflagrada no terrLtório do
E Ls. na su.a íntegra a manifes.taQao dos 22 s6cios do Instituto Rio Grande antigo; .
Históriro e Geográfico do Rio Grande do Sul, que aplaudem a ini- CONSIDERANDO que Sepé T1araju é uma fonte, uma origem,
ciativa do monu1mento a Sepé, em c<>nfronto com a meia dúzia, u·ma forga <emanada dos primórdios do Río Grande;
que votou contra: CONSIDERANDO que Sepé Tiara.ju foi, pela sua bravura e· des..
~emor, o pri'meiro g.a úcho do pampa, ,n a luta contra os ádvena.s e
Exmo. Sr. Governador do E stado lll'trusos, que quer1am expulsar os seus irmáos cristianizados;
. CONSI~ER~DO qu1e Sepé Tiaraju foi, .s em dúvida, a. pri-
CONSIDERANDO que, em fin.s do ano de 1955, o oficial do meira manif,estagao de uma legítima consciéncia de pátria no Rio
Exército, Ma jar. Joao CaTlos Nobre d·a Veiga , prop6s a V. Excia. Grande ;
a -er eQao de um monumento ao indio Sepé Ti.ar·aju<'.c omo "persont- CONSIDE~NDO que Sepé Tiar.aju é um símbolo definitiva-
rica cáo do dl"noda do valor e do acend rado aneg-o ~ t erra da fip;ura mente incor.p o·r.ado na vida histórica do Rio Grande do Sul;
mai.s · simpática dos acontecim entos que ensangii entara.m· as coxi- CONSIDERANDO que Sepé Tiaraju morreu nos campos de Cai-
lhas rio-grain denses , n.a segund1a metade d6 s·é culo XVIII", visto ba.te, e~ defesa di~ .tefra rio-grandense, .n.a prim·e ira i:nanifeistagao
pareoor ao rei\e.rido milit ar qu e nada seria "ma is justo para o do ~entimento telurico de pátria, de que há memória ·n a Hi·s tória
povo gaúcho do qu e r ever en ciar na n·&S·~·oa ílo fnfüo Sepé, seu Regional;
próprio passado de lutias, de glór·iais ·e de sacrificios"; . CONSIDERANDO que Sepé Tiamju, além de s·er genuinamente
CONSIDERANDO que a Comi·s sao <le Hi s•t ória do In stituto His- rio-gran~en~e, é o pr,o tótipo do gaúcho, o condutor de homens de
( (
tórico 'e Geográfico do Rio Grand·e do Sul emitiu parece·r contrárlo su~ qu er enc1~ que primeiro gritaram em face de espanhóis e portu-
a semelhante hom enag·e m, sob o fundamento de aue o referi·do in- gueses que Esta terra te·m dono! Eista terr.a é nossa!"
dio n i'í o .podia s)f>r cit ado ~orno um símbolo de brasilidade; _ . CONSI?~RANDO. que, prirrieiro defensor de vasta exten.sáo que
(
CONSIDERANDO aue S.epé Ti.ara.ju !oi urna per·s onalfdade hoJe c~nstitui .º território do E &tado, Sepé Tjaraju tem uma. pre-
amerindia a,ut-8ntica , vigorosa. histórica, densa de humainidade e senga 1mpres,s 1onante na hist6ri.a rio-gr.andense ·
preocunaci'io política e socira l; CONSIDERANDO q~e Sepé Tiaraju tem sid¿ glorificado pelo
CONStDERANDO qute Sepé Tiairaju nunca foi ·e.spanhól, cuja conseDJso ge·ral do.s gauooos, através de vi·b ra.ntes man1festac6es
I lfngua nao ~onoheda e oue nao morreu , como se alegou, em defesa d,e seus mais expressivos vultos culturais;
d·e um Tmn~rjo .lf'sHftico do1 Pafla~1ai. o qual nunca existiu ; . ~ONS!DERANDO que Sepé Tiaraju vem sendo aclamado pela
· CONSlDERANDO aue Sepé Ti.a.r.aju é, ·cronologioam·ente, o op1n1ao publica do Rio Grande do Sul, como o demonstra a. di.f.usao
primteiio hP-rói dessa gloriosa gaJ.eria de h erói1s de que tanto se cada vez m.aior do seu. nome devera;s r epr·e sentativo;
orgullia. o Rio Grande do Sul; CONSIDERANDO que Sepé Tiaraju foi -0lvidado qua;s.e por
. CONSlDERANDO q·u e S.ep.é Tiaraju é o protótipo do caval·e iro completo, no trainscurso do bicentenário d·e sua morte': 7 de feve-
crista.o. galharoo. nuro. desinteressado. sem medo e -s em mancha.; reiro de 1956;
CONSIDERANDO aue Se:pé Tiaraju é muito mais gaúcho e, por . CONSIDERANDO que Sepé Tiaraju já recebeu em tempos
C-oris-eguinte·, muito ·m·a is bra.s ileiro - nao no, •S'entido polfrUco e idos, as homenagens ag:radecid.as dos filhos dos pampas;
moderno do v<>cábul'O. m:is no .s entido Ptno<rPnko f' r a.c i"'l - no oue
os mais velhos rio-gra.ndenses, oo·is éstes descendem de lusitanos CONSIDERANDO que já existe um subsidio p'ecuniário para
i:lqui aportados. no máximo. há 2RO anos, ao uas·so aure éle p-rovinha promover a homenagem proj.etacta (trinta mn' cruzeiros) pa'trioti-
de · urna :"nac5o" aoui radicada "de.sde o temnó do dilúvi<>", COl:!.- camen te votaido pela colenda Assembléia Leg~slativa do Es•tado.
foTme ' -expr•essiyamente acentuaram os caciaues guarants. no seu Os sócios do Instituto His tórico e Geogáfico do Rio Grande
prot~to coletivo contra a transmigra!:(ao compulsórla, determinada do ~ul, que éste subscrevem, diretamente ou por deJegagao, -c ertos
l)'elo Tra·t ado de Madrid de 175-C>; de interpretarem o sentir da. quase tota.lidade da. po.pulacáo rio-


f!
186 MANStJ~TO BERNARDl
,
grandense, vém, respeiitosam-ente, apelar para V. Excla., no sentido
de ·que promova, pel-0s meios que lhe p:ar~cerem mai·s hábeis, a
eregao de um monu.m-ento a memória -daquele bravo gaúcho, d-e que
a nossa terra. pode se orgulhar como os mexicanos se orgulham
do s eu b-erói nacional Guatimozi.n. •

(Assinados) P. Luiz Gonzaga Jaeger, S. J.


General Rinaldo Pereira da Camara
Manoellto de Ornellas
~Iansueto Bernardl
Dante de Laytano
Walter Spalding
A. A. Borges de Medefros
General Estevño Leitáo de Carvalho
.. General Valentim Benlcfo da Silva
Felix Contrelras Rodrigues
P. Balduino Ran1bo, S. J/i...
Herbert Canabarro Refchardt
General Dioclécio De Paranhos Antunes
Luiz Felipe de Ca~tflhós Goycocb@a I
Amaro Baptista •
Fernando Callage
Ten.-Coronel Henrlque Osear 'lVlederspahn
P. Geraldo José Pauwls, S. J. f
t
Oswaldo Rodrigues· Cabra!
A.ffonso de E. Taunay
Luiz A.lves de Ollvelra Bello
Leopoldo Petry

POrto Aliegr.e; setemhro, 1956.

NOTA: Os nomes aparecem na oTdem em que foram recebida1


as adesoes. ,

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
!STE LIVRO FOI COMPOSTO E IMPRESSO NAS OFICINAS GRAFICAS DA
LIVRARIA 00 GLOBO S. A. EM PORTO ALEGRE. FILIAIS: SANTA MARIA,
PELOTAS E RIO GRANDE (NO RIO GRANDE DO SUL).
e o subtítulo "Fisionomía do
l-lerói Missioneiro Sepé Tiaraju."
Na ocasiao em que se discute
vivamente a posi~ao histórica
• do <:audilho da Guerra das• Re-
du~óes, é evidente a oportunida-
de de tal lan~aimento, tanto mais-
• que o Autor nao versa exclusi-
vamente sobre a vida aventuro-
sa de Sepé l ' iaraju. Esta serve
de motivo a que M an.sueto Ber-
nardi <lesenvolva tema mais
vasto e transcendente, qual seja
o da significa~ao histórica para
o Rio Grande e o Brasil da gran-
de experiencia religiosa das Mis-
sóes, levada a efeito 111os séculos
XVII e XVIII pela Companhia
de Jesus, na margem oriental do
(.
rio Uruguai, antes da conquis-
ta portuguesa do continentec-de
Sao Pedro.
( A obra se compoe de tres par-
tes - "O Primeit"o Caudjlho
Rio-Grandense", "Evoca~ao de-
•'
s ' epe T.1araJU
. " , "Um M onumen-
to a Sepé Tiara ju" (subdividido 1
em dezoito capítulos, nos. quais ,
• a questáo é abordada sob inú:- \
.. ineros aspectos) - e um "Apen-
dice" que reproduz na íntegra o
parecer da Comissao de História
do Instituto Histórico e Geográ-
fico do Rio Grande do Sul sobre
o , momentoso
. assunto,
. além , de
EDI<;A.0 2047 A - P•r-a. pedido1 tele¡Ti.fi~• d8s~ liTro, l>MU. indicia?' vanos pronunc1amentos pro e
o nl1mer? 2047 A, antepondo a aue númno a quanUd&de. E%18mplo: contra aquele parecer.
P!! ra pedir 5 exempla~ do '.P?'-eS-ellte liVl'o, basta indicar : Didonário -
Porto AlqN - .520-47 A. Quando a quantidade a tp6dir tOr 10 ou maia
exemplarea, alo 6 n•ee111,rio tr&namitir a l•tr• A.
Publica~áo d11
EDITORA GLOBO

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