Você está na página 1de 9

Olpa Jose Muchanga

A ÉTICA DE KANT

A ética de Kant foi considerada, durante muito tempo, como expoente da ética iluminista. O
filósofo alemão foi um típico representante do iluminismo. Acreditava no poder da razão e na
eficácia da reforma das instituições. O seu optimismo foi tal que chegou a afirmar que a paz
perpétua estaria assegurada quando todos os países fossem repúblicas.

Para Kant, o homem está constantemente a ser colocado à prova no sentido de ter de escolher
entre as suas inclinações e o cumprimento do dever. A obediência à lei impõe-se acima de
todas as coisas.

Quando Kant se refere à lei não está a afirmar que se deve, em todas as circunstâncias,
respeitar as leis positivas. Está, isso sim, a afirmar que o dever obriga ao cumprimento da Lei
Moral.

A Lei Moral não tem efectivamente conteúdo. Sendo uma expressão puramente formal,
limita-se aos contornos do imperativo categórico. Esse formalismo da ética kantiana tem sido
visto, por uns, como a expressão da vitória da razão e da autonomia do agente cognoscitivo e,
por outros, como uma posição carregada de esterilidade que permite, na verdade, integrar
todas as posições e condutas.

Kant considera que a religião se baseia, não na ciência e na teologia, mas sim na moral. Mas
para isso a base moral da religião deve ser absoluta e não derivada da experiência sensorial
ou da dedução. É preciso encontrar uma ética universal e necessária. "Os princípios a priori
da moral são absolutos e certos como os da matemática. Devemos mostrar que a razão pura
pode ser prática, isto é, pode por si mesma determinar a vontade, independentemente de
qualquer coisa empírica e que o senso moral é inato e não derivado da experiência. O
imperativo moral requerido para base da religião deve ser um imperativo absoluto e
categórico" (2). Exemplificando a sua noção de imperativo categórico, Kant dá o exemplo da
mentira: "quero sair-me de apuros dizendo uma mentira? Mas embora podendo querer a
mentira, não posso de modo algum pretender que mentir seja uma lei universal. Pois com
semelhante lei não poderia haver compromissos. Daqui o ter eu a impressão de que não devo
mentir, mesmo que mentir me traga vantagens. A prudência é condicional; o seu lema é:
proceder honestamente, quando for a melhor táctica; mas a lei moral é em nossos coração
incondicional e absoluta" (3). Este exemplo ilustra o formalismo da ética kantiana. Levado às
últimas consequências quer dizer que devemos ignorar os contextos e os particularismos no
processo de tomada de decisões morais. Ora, todos nós sabemos que a vida não pode isolar-se
das circunstâncias. Não existe, na verdade, um Homem universal, pairando sobre as
circunstâncias, como pensava Kant, mas sim um Homem situado, profundamente dependente
da sua herança cultural e condicionado pelas suas circunstâncias.

E o que é uma acção boa? "Uma acção é boa não pelo bom resultado ou pela sua sensatez
mas por ser feita em obediência a este íntimo sentimento do dever, a esta lei moral que não
procede da nossa experiência pessoal, mas legisla imperiosamente e a priori sobre o nosso
procedimento passado, presente e futuro. A única coisa incondicionalmente boa deste Mundo
é a boa vontade - a vontade de obedecer à lei moral, independentemente do seu proveito ou
desvantagem para nós" (4). O imperativo categórico obriga incondicionalmente a proceder
para consigo e para com os outros sempre como um fim e nunca como um meio. Vivendo no
respeito pelo imperativo categórico, podemos construir uma comunidade racional ideal.

Mas o que é o imperativo categórico? A linguagem imperativa é prescritiva e os imperativos


podem ser hipotéticos ou categóricos. Os primeiros são condicionais, os segundos são
absolutos. Para Kant, a concepção de um princípio objectivo, na medida em que se impõe
necessariamente a uma vontade, chama-se um mandamento, e a fórmula deste mandamento
chama-se um imperativo. Todo o imperativo que mande incondicionalmente como se o
ordenado fosse um bem em si, é categórico. Kant formula o imperativo categórico de várias
maneiras: 1) obra só de acordo com a máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que
se converta em lei universal (fórmula da lei universal); 2) obra como se a máxima da tua
acção devesse converter-se pela tua vontade em lei universal da Natureza (fórmula da lei da
Natureza); 3) obra de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua própria pessoa como na
pessoa de qualquer outro, sempre por sua vez como um fim, nunca simplesmente como um
meio (fórmula do fim em si mesmo); 4) obra de tal modo que a tua vontade possa considerar-
se a si mesma como constituindo uma lei universal por meio da sua máxima (fórmula da
autonomia); 5) obra como se por meio das tuas máximas fosses sempre um membro
legislador num reino universal de fins (fórmula do reino dos fins).

O imperativo categórico kantiano tem sido objecto de várias críticas: a objecção sociológica
considera que ele é a matriz de uma ética burguesa; a objecção teológica afirma que é o ponto
culminante de uma ética autónoma que atribui ao homem a possibilidade de encontrar o bem
sem a inspiração divina; a objecção psicológica afirma que ele faz depender a ética
exclusivamente da vontade; a objecção filosófica afirma que é um imperativo inteiramente
subordinado à razão, que pode ser contrário aos imperativos da vida.

Decorrente do imperativo kantiano é a crença de que cada um de nós é um agente moral


autónomo, entregue apenas à autoridade da razão e sem a presença de nenhuma autoridade
externa, nem mesmo divina, capaz de proporcionar um critério objectivo para a moralidade.
A ética kantiana "faz do indivíduo o soberano moral; torna-o capaz de rejeitar todas as
autoridades externas. Deixa o indivíduo livre para perseguir tudo aquilo que ele quiser, sem
sugerir que ele deve fazer outra coisa. Os exemplos típicos do imperativo categórico kantiano
dizem-nos o que não fazer: não quebrar as promessa, não dizer mentiras, não cometer
suicídio, etc. Mas em relação às actividades que devemos realizar e aos fins que devemos
perseguir, o imperativo categórico parece ficar em silêncio" (5).

O teste kantiano para uma verdadeira máxima moral é o teste da universalidade. Com esse
teste não há lugar para a existência de verdadeiros conteúdos morais, porque a noção kantiana
do dever é tão formal que pode admitir quase todos os conteúdos.

Kant simpatiza com a revolução francesa e mostra ao longo da sua obra uma clara antipatia
para com o servilismo e o paternalismo. Amava acima de tudo a independência de espírito e
acreditava no poder libertador da razão e da educação. "A vitória aparente da Revolução
sobre os exércitos reaccionários em 1795 levou Kant a esperar que as repúblicas se
espalhariam então por toda a Europa e surgiria a ordem internacional baseada numa
democracia sem servidão nem explorações e empenhada na manutenção da paz. A função do
governo é, afinal de contas, auxiliar e desenvolver o indivíduo e, não, usar e abusar dele.
Todo o homem deve ser respeitado como um fim absoluto em si mesmo - e é um crime contra
a sua dignidade de ser humano utilizar-se do homem como mero instrumento para algum fim
no exterior" (6).

Na Crítica da Razão Prática, Kant coloca o problema da moralidade de uma forma


profundamente inovadora. Respondendo à questão sobre as origens da bondade de um acto,
Kant afirma: "os sistemas anteriores de ética procuraram a moralidade no fim dos actos, quer
dizer, fizeram radicar a bondade na sua adaptação a um fim concreto, determinado. Assim,
por exemplo, os hedonismos descobrem este fim no prazer, ou a moral religiosa, assinala-o
no cumprimento de uma lei divina. Mas aquele que assim age, diz Kant, não age por razões
morais, mas por algo alheio á própria moral; a verdadeira moral não é heterónima (lei alheia,
imposta), mas autónoma; apenas age moralmente aquele que o faz por respeito à Lei, sem
razões distintas a este mesmo cumprimento. E que lei é essa em que assenta toda a
moralidade? Aqui Kant encontra uma nova forma, uma forma da razão prática, como o
espaço e o tempo o eram da razão especulativa. Esta forma é aquilo a que chama imperativo
categórico ou lei moral, que se pode formular com estas palavras: age de modo a que a norma
da tua conduta se possa erigir em norma de conduta universal. Quer dizer, se perante uma
acção qualquer podemos admiti-la sinceramente como norma de conduta geral, essa acção é
legítima moralmente; caso contrário, não. Esta lei ou imperativo é puramente formal: em si
mesma não ordena nada em concreto, mas serve para qualquer tipo de conteúdos ou actos.
Segundo Kant, não se deve praticar um acto porque é bom, mas é bom porque deve fazer-se.
A moral radica apenas numa forma do agir, da razão prática" (7).

Importa ter presente que estas regras são puramente formais. Não fornecem, portanto,
nenhuma receita material nem nenhuma norma de conduta. Só a intenção formal conta: age
como deves, suceda o que suceder. A liberdade do Homem consiste em agir por dever. A
recta conduta torna-me digno de felicidade, mas não a garante. Agindo por dever cumpro o
meu ser moral, mas não garanto a minha felicidade. Tornome apenas digno dela.

Qual é a relação existente entre moralidade e felicidade? Kant afirma que a felicidade é um
máximo de bem-estar no nosso estado presente e em toda a nossa condição futura. Contudo,
Kant não aceita que a felicidade seja sinónimo de satisfação dos nossos desejos e inclinações.
A vida moral torna-nos dignos de ser felizes mas não constitui um passaporte para a
felicidade. Uma pessoa moral é a que faz uso continuado da boa vontade para dar a primazia
ao bem fazer face ao bem estar. Para se ser digno da felicidade é necessário ser-se virtuoso,
mas a virtude baseia-se na autonomia da razão. Terá de ser, portanto, desinteressada e não
pode depender de nenhuma autoridade externa. Tão-pouco pode ser condicionada pelo medo
ou pelo interesse.

A noção de boa vontade apresenta-se como central na ética kantiana, porque é a única coisa
que pode ser considerada boa, sem quaisquer restrições. É a boa vontade que distingue um
acto recto de um acto mau. A inteligência, a coragem e o autodomínio não são, em si,
qualidades morais, porque podem ser usadas para o bem ou para o mal. Nos Fundamentos da
Metafísica dos Costumes, Kant dirá que essas qualidades são, em muitos aspectos, boas e
desejáveis, mas podem tornar-se funestas quando ao serviço de uma vontade má.
A área da ética que enfrenta a questão do modo como devemos viver é a Ética Normativa,
que floresceu na época do Iluminismo, quando os filósofos passaram a entender que aquilo
que deveria pautar as escolhas morais deveria ser a razão humana, e não os valores
religiosos. O imperativo categórico de Kant é uma importante expressão das perguntas
acerca da acção moralmente correcta que marcaram esse período. Por meio do Imperativo
Categórico, Kant procurou proporcionar um padrão pelo qual determinamos o que é
obrigatório ou permissível fazer.

Desse modo, no pensamento de Kant, entrelaçam-se as noções de liberdade e de dever. A


razão humana seria uma razão legisladora e, por isso, pela natividade do pensamento, seria
possível chegar a normas. Essas normas seriam universais porque são fundadas na razão, algo
que todos os humanos possuem. Ao obedecer às normas, a pessoa exerceria sua liberdade de
estabelecer, por meio da razão, aquilo que é correto. Para Kant, podemos entender que o
dever é uma expressão da racionalidade humana.

Mas o homem, sabia Kant, não é formado apenas de razão, pois ele possui também desejos,
medos e interesses que interferem em suas decisões. Por isso, Kant acreditava que, em
qualquer decisão, o homem deveria observar se sua ação pode ser universalizada, ou seja,
aplicável a todos sem que ninguém seja prejudicado por ela. Se não puder ser universalizada,
não se trata de uma ação moralmente correta.

SÓCRATES

Sócrates já dizia algo no mesmo sentido que Kant, mas, para ele, a alma humana era, em sua
essência, razão e nela deveriam ser encontrados os fundamentos da moral. Platão, por sua
vez, desenvolveu esse pensamento com uma distinção entre corpo e alma: o corpo, por ser
dotado de paixões, poderia desviar o homem do bem. Para alcançar a ideia de bem, o homem
precisaria da pólis, de modo que aquele que age de forma ética é bom e, também, um bom
cidadão.

A preocupação da ética de Aristóteles, também racionalista como a de Platão, era relacionar


mais profundamente o homem com a vida na pólis. Por isso, abandonou o dualismo platônico
corpo-alma.
Em sua obra, Aristóteles investigou as formas de governo que permitiriam que os homens
tivessem uma vida melhor em sociedade. Para ele, “o homem é um animal politico”, ou seja,
o homem só realiza sua natureza quando envolvido na vida da pólis. A política constitui, ao
lado da ética, dentro do sistema aristotélico, o “saber prático”, pois o objetivo de ambas não é
o conhecimento de uma realidade – como no caso da física, astronomia, ciências biológicas e
psicologia, que constituem o “saber teórico”. Segundo esse filósofo, ética e polítca não
poderiam ser pensadas separadamente, pois enquanto a ética busca o bem-estar individual, a
política busca o bem comum.

ARISTÓTELES

A ética aristotélica é um estudo da virtude – em grego, areté, que também pode ser traduzido
por “excelência”. Isso significa que o objectivo do ser humano é atingir o grau mais elevado
do bem humano – a felicidade. Para alcançar a virtude, o homem precisa escolher “o
caminho do meio”, a justa medida das coisas, e agir de forma equilibrada. A covardia e o
medo de tudo, por exemplo, não seriam o certo, mas não ter nenhum medo também não. A
melhor forma de agir seria preservar a cautela, evitando os excessos, tanto de medo tanto de
destemor.

Para alcançar a felicidade, cada ser precisa cumprir sua faculdade. A faculdade principal do
homem e que o distingue dos outros animais é a racionalidade. Essa é a maior virtude do
homem. Sendo assim, para ser feliz, na concepção de Aristóteles, ele precisa exercitar a sua
capacidade de pensar. Como o homem não vive sozinho, seu agir virtuoso também terá
impacto na relação que estabelece com os outros, ou seja, na vida social e política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Durant, W. (S/D). História da Filosofia. Lisboa: Livros do Brasil, p. 282 7)


Gambra, R. (1993). História da Filosofia. Lisboa: Planeta Editora, p. 186

Você também pode gostar