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Jean-Jacques Rousseau nasceu numa família calvinista em Genebra. Sua mãe morreu apenas
alguns dias depois de seu nascimento. Alguns anos mais tarde, seu pai abandonou a casa após um
duelo, deixando-o aos cuidados do seu tio. Aos dezesseis anos, Rousseau foi para a França e se
converteu ao catolicismo. Enquanto tentava se tornar conhecido como compositor, trabalhou
como funcionário público, tendo sido designado para Veneza por dois anos. Ao retornar,
começou a escrever filosofia. Suas visões controversas levaram seus livros à proibição na Suíça e
na França, onde foram dadas ordens para sua prisão. Foi forçado a aceitar o convite de David
Hume para viver na Inglaterra por um curto período. Voltou para a França com um nome falso.
Mais tarde, foi-lhe permitido retornar a Paris, onde morreu aos 66 anos.
Obras-chave
1750 › Discurso sobre as ciências e as artes;
1755 › Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens;
1755 › Discurso sobre a economia política;
1762 › O contrato social;
3. A sociedade corrompe
O estado de natureza que Rousseau descreveu é um idílio pastoril, no qual as pessoas em
seu estado natural são fundamentalmente boas. Em diversas línguas, a ideia do homem natural de
Rousseau foi erroneamente interpretada como o “bom selvagem”, devido à tradução do francês
sauvage, que significa “natural”, não selvagem. As pessoas seriam dotadas de virtudes inatas e,
mais importante, com atributos de compaixão e empatia. Mas, uma vez que esse estado de
inocência é destruído e o poder da razão começa a distinguir a humanidade do resto da natureza,
as pessoas são apartadas de suas virtudes naturais. A imposição da sociedade civil sobre o estado
de natureza, portanto, resulta em um afastamento da virtude em direção ao vício – e da felicidade
idílica em direção à miséria.
Rousseau via a queda do estado de natureza e o estabelecimento da sociedade civil como
algo lamentável, mas inevitável, porque isso resultou da faculdade racional humana. Segundo
Rousseau, o processo começou na primeira vez em que um homem circundou um pedaço de
terra para si, introduzindo a noção de propriedade. Conforme grupos de pessoas começaram a
viver lado a lado dessa forma, formaram
sociedades que só podiam se manter por
meio de um sistema de leis. Mas Rousseau
afirmou que toda sociedade perde contato
com as virtudes naturais da humanidade,
inclusive a compaixão, e impõe leis
injustas, feitas para proteger a propriedade
e infligidas aos pobres pelos ricos. O
deslocamento de um estado natural para
um estado civilizado, portanto,
ocasionaria um deslocamento não apenas
da virtude para o vício, salientou
Rousseau, mas também da inocência e da
liberdade para a injustiça e a escravização.
Embora naturalmente virtuosa, a
humanidade é corrompida pela sociedade.
E embora o homem nasça livre, as leis
impostas pela sociedade condenam-no a
uma vida “acorrentada”.
4. O contrato social
O segundo Discurso de Rousseau causou ainda mais polêmica do que o primeiro, mas
proporcionou-lhe maior reputação e até seguidores. Seu retrato do estado de natureza como
desejável e não brutal constituiu uma base vital do emergente movimento literário romântico. A
palavra de ordem de Rousseau (“de volta à natureza!”) e sua análise pessimista sobre a sociedade
moderna, cheia de desigualdades e injustiças, afinou-se com a crescente inquietação social da
década de 1750, especialmente na França. Não contente em apenas apresentar o problema,
Rousseau tratou de oferecer uma solução, no que parece ser sua obra mais influente, O contrato
social.
Rousseau abriu sua obra com uma declaração desafiadora – “O homem nasce livre e por
toda parte está acorrentado” – considerada uma convocação para uma mudança radical e que foi
adotada como slogan da Revolução Francesa, 27 anos depois. Lançado seu desafio, Rousseau
então explicou sua concepção de sociedade civil alternativa, governada não por aristocratas,
monarquia e Igreja, mas por todos os cidadãos, que participariam da formulação das leis.
Moldado nas clássicas ideias republicanas de democracia, Rousseau imaginou o corpo de cidadãos
operando como uma unidade, prescrevendo leis de acordo com a volonté générale, ou vontade geral.
As leis proviriam de todos e se aplicariam a todos – todos sendo considerados iguais. Em
contraste ao contrato social imaginado por Locke, concebido para proteger os direitos e a
propriedade dos indivíduos, Rousseau defendeu a cessão de poder legislativo ao povo como um
todo, para o benefício de todos e administrado pela vontade geral. Ele acreditava que a liberdade
de participar do processo legislativo levaria a uma eliminação da desigualdade e da injustiça e
promoveria um sentimento de participação na sociedade – o que levaria ao trio liberté, égalité,
fraternité (liberdade, igualdade, fraternidade) que se tornou o mote da nova república francesa.
5. Os males da educação
Em outra obra escrita no mesmo ano, intitulada Emílio, ou Da educação, Rousseau expandiu
seu tema, explicando que a educação era responsável por corromper o estado de natureza e
perpetuar os males da sociedade moderna. Em outros livros e ensaios, ele se concentrou nos
efeitos adversos tanto da religião quanto do ateísmo. No centro de todas as suas obras está a ideia
de que a razão ameaça a inocência humana e, sucessivamente, a liberdade e a felicidade. Em vez
da educação do intelecto, ele propõe uma educação dos sentidos e sugere que a fé religiosa seja
guiada pelo coração, não pela cabeça.
6. Influência política
A maioria dos textos de Rousseau foi imediatamente proibida na França,
proporcionando-lhe mais notoriedade e um número maior de seguidores. Por volta da época de
sua morte, em 1778, a revolução na França e em outros lugares era iminente. Sua ideia de um
contrato social no qual a vontade geral do corpo de cidadãos controlaria o processo legislativo
ofereceu aos revolucionários uma alternativa viável ao sistema corrupto reinante. Mas a filosofia
de Rousseau estava em desacordo com o pensamento corrente, e sua insistência de que um
estado de natureza era superior à civilização levou-o a indispor-se com colegas reformistas, como
Voltaire e Hume.
A influência política de Rousseau foi sentida
mais fortemente durante o período de revolução logo
depois de sua morte, mas sua influência na filosofia (e
na filosofia política em particular) teve maior alcance
no século XIX. Georg Hegel integrou as ideias de
contrato social de Rousseau a seu próprio sistema
filosófico. Mais tarde, e de maneira mais notável, Karl
Marx ficou impressionado com algumas das obras de
Rousseau sobre desigualdade e injustiça.
Diferentemente de Robespierre – um dos líderes da
Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de
Rousseau a seus próprios fins durante o Terror –, Marx compreendeu-a com precisão,
desenvolvendo a análise de Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de substituí-la. O
Manifesto comunista de Marx termina com um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que
“não têm nada a perder, exceto seus grilhões”.
Texto realizado com base no “Livro da Filosofia / Tradução de Douglas Kim. – 2. Ed. – São
Paulo: Globo Livros, 2016”.