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Caso Clínico em Estudos do Sono

Unidade Curricular de Estágio em Fisiologia Clínica II


1º Semestre do 4º Ano do Ano Letivo 2023/2024
Estágio realizado no Centro Hospitalar Universitário do Algarve - Faro

Discente: Miguel Ângelo Dias Lopes nº20201503


Módulo: Fisiopatologia do Sono
Monitora de Estágio: Beatriz Pacheco
Professores Responsáveis: Profª Doutora Patrícia Coelho, Profª Doutora Lucinda
Carvalho e Profª Ema Torres Cabral

Faro, 2023
Caso Clínico em Estudos do Sono

Índice

1.Introdução .................................................................................................................................... 4
2.Revisão da Literatura ............................................................................................................... 5
3.Descrição do Caso ...................................................................................................................... 6
4. Interpreteção dos Dados ....................................................................................................... 7
5. Conclusão..................................................................................................................................... 8
6. Bibliografia................................................................................................................................10
7. Apêndices ..................................................................................................................................11

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Caso Clínico em Estudos do Sono

1. Introdução
Pesquisas têm indicado que a não utilização da pontuação baseada em
microdespertares pode resultar num subdiagnóstico em até 30% a 40% dos
pacientes com suspeita de Síndrome de Apneia-Hipopneia Obstrutiva do Sono
(SAHOS). Também tem sido referenciado que eventos respiratórios que estão
ligados a micro despertares têm sido associados a sintomas como má qualidade
do sono e hipersonolência diurna devido à fragmentação do sono(1).
Dado essa informação, o presente caso clínico enfatiza a importância da
realização de uma polissonografia de Nível 2 como um exame complementar
em doentes com uma poligrafia cardiorrespiratória negativa com forte suspeita
de SAHOS, sonolência diurna excessiva, ou outros sintomas associados.
De acordo com as diretrizes de pontuação da AASM 2.6 2020 (2), para a
marcação adequada de hipopneia é necessário que as mesmas estejam
associadas a um microdespertar ou a dessaturação.
Contudo, a presença de reduções significativas no fluxo respiratório (com
uma diminuição superior a 30% em relação à linha de base no canal da pressão
nasal por mais de 10 segundos), quando não associadas a despertares ,pela
ausência do canal eletroencefalograma (EEG) , ou dessaturações podem ser um
indicativo da presença de SAHOS mesmo na presença de um estudo poligráfico
do sono cardiorrespiratório negativo.
A ausência do canal EEG impossibilita a marcação de microdespertares
levando a um subdiagnóstico das reduções de fluxo respiratório mencionadas
anteriormente. Tais reduções devido à classificação da presença e gravidade da
SAHOS se basear através do índice de apneias-hipopneias por hora (IAH) ou do
Índice de distúrbios respiratórios (RDI) a exclusão desses eventos respiratórios
interfere diretamente no diagnóstico levando a um valor incorreto.
Além disso, foi observado que essas hipopneias baseadas em
microdespertares estão relacionadas a um maior risco de hipertensão e outras
consequências prejudiciais para a saúde. A exclusão dos eventos respiratórios
que possam estar relacionados a microdespertares pode levar à falta de um
diagnóstico preciso de SAHOS, à classificação inadequada da gravidade da
doença ou à identificação equivocada de outro distúrbio do sono ou condição
médica (como hipersónia idiopática ou síndrome da fadiga crónica). Isso pode
resultar na continuação de tratamentos ineficazes, levando a sintomas
persistentes relacionados ao sono, piora no desempenho no trabalho, redução
da função neurocognitiva e resultados clínicos insatisfatórios(1,3).

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2. Revisão da Literatura
A SAHOS é caracterizada pelo colapso recorrente das vias aéreas superiores nas
regiões mais comuns de estreitamento do fluxo (retropalatina, retrolingual e
hipofaríngea) durante o sono, resultando em uma redução significativa
(hipopneia) ou cessação completa (apneia) do fluxo de ar, apesar dos esforços
respiratórios contínuos. De facto, existem vários fatores fisiológicos
significativamente prejudicados na SAHOS, como a anatomia das vias aéreas
superiores, a capacidade dos músculos dilatadores das vias aéreas superiores de
responder aos desafios respiratórios durante o sono, a propensão para acordar
devido ao aumento do estímulo respiratório durante o sono (limiar de despertar) e
a estabilidade do sistema de controle respiratório (Loop gain). Essas interrupções
na respiração levam a distúrbios intermitentes dos gases no sangue (hipercapnia e
hipoxemia) e a surtos de ativação simpática. Ronco alto é uma característica típica
da SAHOS e, na maioria dos casos, o ápice de um evento respiratório está associado
a um microdespertar. Esses eventos resultam em um padrão de respiração cíclica e
em sono fragmentado, à medida que o paciente oscila entre a vigília e o sono(4).
Tendo em conta os fatores anteriormente descritos, a SAHOS está associada a
comorbidades significativas, incluindo hipersonolência diurna, comprometimento
cognitivo, baixa qualidade de vida e aumento do risco de acidentes de trânsito.
Além disso, existem evidências emergentes que sugerem que a SAHOS é um fator
de risco independente para uma ampla gama de desfechos cardiovasculares
adversos (1,3).
A realização de uma Polissonografia é crucial para o seu diagnóstico, sendo um
passo fundamental no processo de avaliação. Através dela avalia-se a presença e a
gravidade da patologia, atribuindo-lhe um grau (ligeiro, moderado ou grave)
através dos valores do IAH/RDI conforme descrito nas normas da AASM 2.6
(2020) (2) e o seu impacto hemodinâmico através do índice de dessaturação (ODI).
As abordagens terapêuticas incluem cirurgia, pressão positiva contínua nas vias
aéreas superiores, terapia posicional, hipnoterapia, terapia miofuncional e o uso de
aparelhos intraorais de avanço mandibular, sendo medidas específicas no
tratamento da síndrome da apneia-hipopneia obstrutiva do sono.

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3. Descrição do Caso
Um indivíduo não fumador do sexo masculino, com 1,82m de estatura e um
peso de 74kg, apresenta um índice de massa corporal (IMC) de 22,4. Ele possui
antecedentes de arritmia-extrassistolia supra-ventricular frequente ao qual lhe foi
administrado ambulatoriamente metoprolol 100mg ½ + 0 + ½.
Além disso, o perímetro do pescoço mede 37cm, a circunferência da cintura é
de 86cm e a medida da anca é de 99cm. Ele relatou os seguintes sintomas: nictúria
(uma vez durante a noite), agitação durante o sono, cefaleias matinais, extrema
fadiga ao acordar e uma notável sonolência diurna, evidenciada por uma
pontuação de 12 na Escala de Epworth.
Esses sinais e sintomas apontam para a necessidade de uma avaliação e
diagnóstico apropriados em relação à SAHOS. Para a devida avaliação e
diagnóstico, foi realizado inicialmente um estudo de Poligrafia cardiorrespiratória,
seguido por uma Polissonografia de Nível 2 como um exame complementar.

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4. Interpretação dos Dados


Com o objetivo de investigar a possível existência de alterações ou eventos
anormais durante o sono que possam explicar os sintomas e para avaliar a
presença da SAHOS, realizou-se uma poligrafia cardiorrespiratória que monitorou
os seguintes parâmetros: pressão nasal (através de uma cânula nasal), movimentos
torácicos e abdominais, saturação de oxigénio, frequência cardíaca, ronco e posição
corporal, utilizando o dispositivo NOX T3.
Após a conclusão da Poligrafia cardiorrespiratória os resultados mostraram um
total de 25 eventos respiratórios: 16 Apneias (15 Obstrutivas, 1 Central e 0 Mistas)
e 9 Hipopneias Obstrutivas correspondendo a um Índice de Apneia-Hipopneia
(IAH) de 3,1 eventos por hora. O IAH na posição supino foi de 3,1 eventos por hora
(em um total de 478 minutos). A saturação de oxigénio variou de uma máxima de
95% a uma mínima de 88%, com um Índice de Dessaturação (ID) de 2,4 eventos
por hora. Durante o período total de registo, a saturação de oxigénio diminui
abaixo de 90% (CT90) em 0,1% do tempo. A frequência cardíaca média foi de 62
batimentos por minuto, com uma frequência cardíaca mínima de 43 batimentos
por minuto e uma frequência cardíaca máxima de 90 batimentos por minuto.
Embora os valores registrados tenham indicado um resultado negativo para a
patologia devido ao quadro clínico sugestivo e à observação de várias reduções no
fluxo nasal que não atenderam a todas as diretrizes de Scoring para Hipopneias da
AASM 2.6 2020(2) (ou seja, uma redução acentuada de mais de 30% no fluxo
avaliado no canal da pressão nasal com duração superior a 10 segundos, não
associada a uma dessaturação), como pode ser visto na Figura 2, foi decidido
realizar uma Polissonografia de Nível 2 para investigar se essas reduções no fluxo
estavam associadas a despertares e, assim, classificá-las adequadamente e
confirmar o diagnóstico estabelecido.
Durante a Polissonografia de Nível 2, foram registados os seguintes canais:
Eletroencefalograma - 6 canais (C3-M2, C4-M1, O1-M2, O2-M1, F3-M2, F4-M1);
Eletroculograma - 2 canais; Eletromiograma submentoniano; tibial direito e
esquerdo; Eletrocardiograma; Fluxo nasal (através de cânula nasal e termistor);
Ronco; Movimentos torácicos e abdominais; Oximetria transcutânea e Posição
corporal, utilizando o dispositivo EMBLETTA MPR+PROXY.
Após a análise do exame os seguintes resultados foram obtidos: A
macroarquitetura do sono estava ligeiramente alterada, com a presença de 4 ciclos
de sono e eficiência no limite da normalidade (84%), havendo diminuição em todas
as fases de sono e um aumento do tempo acordado após o início do sono (WASO -
Wake after Sleep Onset). Além disso, foi observado um aumento no Índice de
Microdespertares, que atingiu 50,7 por hora.
Em contraste com os resultados apresentados na poligrafia cardiorrespiratória,
foram registados 208 eventos respiratórios, sendo 59 apneias (34 obstrutivas, 16
mistas e 9 centrais) e 149 hipopneias (141 obstrutivas e 8 centrais). Não foram

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registados eventos RERA. O Índice de Apneia-Hipopneia (IAH) foi de 27,3 eventos


por hora, com um IAH na posição supino de 35,3 eventos por hora (em um total de
319 minutos). O Índice de Dessaturação (ID) foi de 9,7 eventos por hora, com uma
saturação de oxigénio abaixo de 90% ocorrendo em 0,2% do tempo total registado.
A frequência cardíaca média foi de 59 batimentos por minuto, com uma frequência
cardíaca máxima de 88 bpm e uma frequência cardíaca mínima de 48 bpm. Houve
uma intensa ocorrência de roncopatia, representando 40,1% do registo, o que
correspondeu a um diagnóstico positivo para a Síndrome de Apneia-Hipopneia
Obstrutiva do Sono de grau moderado, com agravamento posicional.
O diagnóstico diferencial obtido por meio da Polissonografia nível 2 está em
consonância com estudos anteriores que destacam como a ausência da pontuação
baseada em microdespertares pode levar à falta de diagnóstico em até 30% a 40%
dos pacientes com SAHOS, principalmente entre os mais jovens e aqueles sem
excesso de peso. Além disso, tem sido observado que eventos respiratórios
associados a despertares estão relacionados a sintomas como má qualidade do
sono, sonolência excessiva durante o dia e aumentam o risco de hipertensão,
afetando a qualidade de vida e acarretando outras consequências adversas para a
saúde(1).
Estudos prévios também indicam que os despertares, em vez da hipoxemia, são
melhores indicadores de hipersónia em pacientes com SAHOS. Melhorar a
continuidade do sono, mesmo com hipoxemia persistente, resultou em uma
redução da sonolência em comparação com a condição inicial. Os dados existentes
também apoiam a inclusão dos RERAs (Respiratory Effort-Related Arousals) para
uma definição abrangente dos distúrbios respiratórios do sono. Portanto, a
evidência insuficiente respalda o uso da hipoxemia como único marcador da
doença na SAHOS, visto que algumas das principais características da SAHOS, como
a sonolência diurna, não podem ser explicadas apenas pela hipoxemia(1,4).

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5. Conclusão
O paciente apresentou um total de 386 despertares aos quais 125 foram
associados a Hipopneias. Este valor impacta significativamente o índice de
despertares (50,7/hora), a alteração na percentagem de sono superficial e
profundo e um aumento do tempo acordado após o início do sono (WASO - Wake
After Sleep Onset). A realização da Polissonografia nível 2 resultou em uma
mudança substancial no diagnóstico, passando de uma avaliação inicialmente
negativa para a Síndrome de Apneia-Hipopneia Obstrutiva do Sono para um
diagnóstico compatível com um grau moderado da condição, incluindo
agravamento posicional.
Dado os fatores mencionados anteriormente, é possível concluir a importância da
realização da Polissonografia nível 2 para marcar as hipopneias associadas a
despertares, a fim de evitar diagnósticos falso negativos ou incorretos quanto à
gravidade da condição.

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6. Bibliografia

1. Malhotra RK, Kirsch DB, Kristo DA, Olson EJ, Aurora RN, Carden KA, et al.
Polysomnography for Obstructive Sleep Apnea Should Include Arousal-
Based Scoring: An American Academy of Sleep Medicine Position Statement.
Journal of Clinical Sleep Medicine. 2018 Jul 15;14(7):1245–7.
2. The AASM Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events [Internet].
2020. Available from: www.aasm.org.
3. Berry RB, Abreu AR, Krishnan V, Quan SF, Strollo PJ, Malhotra RK. A
transition to the American Academy of Sleep Medicine–recommended
hypopnea definition in adults: initiatives of the Hypopnea Scoring Rule Task
Force. Journal of Clinical Sleep Medicine. 2022 May 1;18(5):1419–25.
4. Eckert DJ, Malhotra A. Pathophysiology of adult obstructive sleep apnea. Vol.
5, Proceedings of the American Thoracic Society. 2008. p. 144–53.

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7. Apêndices

Figura 1 - Redução de Fluxo sem dessaturação associada

Figura 2 - Hipopneia associada a um despertar em sono REM

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