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A questão antropológica no contexto da elaboração da obra

A estrutura da pessoa humana (1932-1933)


de Edith Stein1
Gilson Bavaresco2

Resumo
A década de 1920 é caracterizada pelo surgimento da Antropologia Filosófica, cujo problema formulado por
Scheler é “O que é o homem? e qual a sua posição no interior do ser?” (SCHELER, 2003, p. 1). Essa questão
fundadora da Antropologia Filosófica contemporânea enfrenta problemas de uma época em que, rica em
formulações filosófico-científicas sobre o homem, confronta e põe em questão ideias antigas e novas acerca do
que, essencialmente, é o ser humano. Pretende-se analisar algumas obras de Max Scheler e Edith Stein tendo como
foco as concepções antropológicas a serem submetidas a crítica antes do desenvolvimento de uma antropologia
fenomenológica propriamente dita. No caso de Scheler, cinco noções são colocadas em questão: a Antropologia
Teológica judaico-cristã; a grega do homo sapiens; a do homo faber; a do homem desertor da vida; e a do ateísmo
postulatório da seriedade e da responsabilidade. Já em A Estrutura da Pessoa Humana, no início da década de
1930, a partir de uma perspectiva inovadora, Stein apresenta quatro ideias de homem: a da Bildung; a da
Tiefenpsychologie; a da Analítica Existencial; e a da Metafísica Cristã. Em ambos autores criticam-se noções
vigentes de homem para uma Antropologia Filosófica, pondo-as entre parênteses para uma Fenomenologia. Para
Stein elas têm uma relevância pedagógica, repercutindo na formação da pessoa. Com Scheler, compartilha a
preocupação com o problema da relação espírito/vida, principalmente em sua crítica à psicanálise. Por outro lado,
critica o intelectualismo da Bildung e a superficialidade psicológica que resultou dela. Nesse sentido, concebe uma
noção de pessoa humana que critica as três primeiras noções de homem enunciadas no início de seu tratado
(principalmente pela ausência de meta última formativa) e valoriza a Metafísica Cristã em que, pelo enunciado
“ele [a pessoa espiritual e livre] pode e deve formar a si mesmo” (STEIN, 2015, p. 123), se distingue de Scheler
pelo papel ocupado pela (auto-)formação no conceito de pessoa, a importância dada ao télos formativo e à Graça
sobrenatural.
Palavras-Chave: Edith Stein; Max Scheler; Antropologia Filosófica.

1 Introdução
No curso de Antropologia Filosófico-Fenomenológica de Edith Stein, denominado A
Estrutura da Pessoa Humana (Der Aufbau der menschlichen Person), ministrado entre 1932-
1933, a autora sustenta a tese de que a pedagogia se funda na metafísica e na antropologia
filosófica (e na ética, implicitamente3). As questões fundamentais da antropologia filosófica
são: “O que é o homem? e qual a sua posição no interior do ser?”4 Respondê-las é
imprescindível, pois a “imagem” de homem é fundamental para qualquer pedagogia e ignorá-

1
Trabalho realizado com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– CAPES – no âmbito do desenvolvimento de pesquisa com o fim de elaboração de dissertação em Filosofia.
2
Psicólogo – CRP 07/20256 –, bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul, UCS.
Especialista em Educação em Direitos Humanos. Acadêmico do Mestrado de Filosofia da UCS, orientado pelo
Prof. Dr. Everaldo Cescon. E-mail para contato: gbavare1@ucs.br
3
Em um artigo de 1929 a autora afirma que “establecer objetivos es tarea de la ética, y que por lo tanto la ética
es la ciencia fundamental para la pedagogía.” (STEIN, E. Sobre la lucha por el Maestro Católico, p. 105).
4
SCHELER, M. A Posição do Homem no Cosmos, p. 1; SCHELLER, M. Para a ideia do homem, p. 91.
2

las resulta em que esta ciência não faça senão “construir castelos no ar,”5 dado que a pedagogia
tem por tarefa formar a pessoa humana.
Dada a crise dos grandes sistemas, o materialismo cientificista do século XIX e o surgir de
novas noções de ser humano no século XX, muitas delas diluindo o homem nas classificações
biológicas, levantou-se novamente a questão de se haveria uma noção essencial de ser humano.6
Neste trabalho pretende-se analisar algumas obras de Max Scheler e Edith Stein, tendo
como foco as concepções antropológicas a serem submetidas a crítica (e postas entre
parênteses) antes do desenvolvimento de uma antropologia fenomenológica propriamente dita,
pois elas compõem o (con)texto em que a questão antropológica é colocada e possibilitam a
clarificação do desenvolvimento das antropologias dos autores.

2 Ideias ou imagens de homem consideradas por Max Scheler e


Edith Stein
Scheler enumera algumas ideias de homem que as caracteriza da forma apresentada a
seguir:
A primeira delas é a antropologia que formou a consciência religiosa ocidental, ou seja, a
Antropologia Teológica oriunda da tradição judaico-cristã. Scheler aponta em geral elementos
dogmáticos: a ideia homem formado à imagem e semelhança de Deus; caído pelo pecado
original (entendido como evento histórico); e diversas outras noções que constituem os
diferentes símbolos de fé – por isso haveria diferentes antropologias teológicas. Entretanto, o
que transparece em Scheler é a abordagem de seu conteúdo como sendo mitológico7 e a crítica
da pretensão de validade para uma discussão filosófica e científica autônoma. Em geral, a
análise de Scheler enfatiza os aspectos psicológicos que o “mito” tem na consciência ocidental,
ainda em autores que não professem fé no cristianismo, em uma leitura psicológico-cultural que
lembra Friedrich Nietzsche.

5
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 579.
6
Em A Posição do Homem no Cosmos, Scheler, após tratar de diversas funções humanas que estão presentes
também nos animais (passibilidade a estimulação, associação, inteligência prática), o autor levanta a questão
central de sua antropologia: “Si se concede la inteligencia al animal, ¿existe más que una mera diferencia de
grado entre el hombre y el animal? ¿existe una diferencia esencial? ¿O es que hay en el hombre algo
completamente distinto de los grados esenciales tratados hasta ahora aquí y superior a ellos, algo que convenga
específicamente a él solo, algo que la inteligencia y la elección no agotan y ni siquiera tocan?” (SCHELER, M.
El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 138). A partir destas questões Scheler irá opor espírito e vida em sua
antropologia filosófica.
7
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 60.
3

A segunda ideia, a do “homo sapiens”8, que constitui uma “antropologia filosófica”9 de


herança grega, do homem como portador de λόγος, separa homem de animal, ontologicamente.
Essa ideia de homem possui uma gênese distinta das ideias contemporâneas de homem e
pressupõe, em sua base, uma divindade, se não criadora, pelo menos plasmadora de um mundo
de “formas” no qual a razão, afim a essa divindade (pois ela mesma é um “agente divino”),
pode conhecer. Esta ratio tem poder e força contra o inferior (instintos e sensibilidade) e é
constante na história.
A terceira ideia seria a do “homo faber”10, ou seja, a antropologia científica11, se opõe à
anterior, pois, negando à razão o estatuto de ser algo separado da animalidade, considera apenas
uma distinção de graus evolutivos (mas não de essência). Ela supõe a perda da evidência do
postulado da razão como sendo um princípio ontológico distinto da vida em geral. Scheler inclui
neste grupo antropologias de cunho caracteristicamente materialista, que entendem a mente
como epifenômeno cerebral e funções complexas, derivadas dos instintos. Nega-se, assim, a
origem metafísica do λόγος, assim como a sua legalidade autônoma com relação às leis naturais.
O ser humano é visto com um ser capaz de realizar atividades complexas (pôr-se fins e dispor
dos meios para tais, de modo mais sofisticado que outras espécies) e se reduz a ser um animal
de sinais e instrumentos. Pela evolução, adquiriu estas capacidades psíquicas superiores, uma
inteligência técnico-prática, superior a mera capacidade de reação instintiva, sendo o espírito a
parte interna da psyché. Apesar da in-diferença ontológica e a despeito da evolução no
darwinismo designar mera mutação das espécies, ligou-se essa noção a concepções teleológicas
de história que acreditam em um processo inteligível de melhoramento, que concebe a história
humana una, que faz com que as características diferenciais do homem signifiquem um
“aumento de valor das coisas humanas.”12
Nesse sentido, emerge uma sombria ideia “temível”,13 uma visão completamente oposta à
do homo faber, mas à sua esteira, na do homem “desertor da vida,”14 também influenciada pelo
evolucionismo. Aquilo que para a antropologia do homo faber aparece como uma exaltação do
“espírito”, nessa aparece como uma patologia da espécie humana, sendo os produtos espirituais
do ser humano a expressão de sua inferioridade biológica com relação às outras espécies que
estariam consideravelmente melhor adaptadas ao meio e dariam mais sinais de plasticidade

8
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 62-69.
9
SCHELER, M., El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 106.
10
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 71-79.
11
SCHELER, M. El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 106.
12
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 80.
13
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 80.
14
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 81.
4

biológica. Segundo Scheler, essa noção teria o defeito de exaltar os valores vitais e entender o
espírito meramente como inteligência técnico-prática e, nesse sentido, depender da
antropologia do homo faber. Um dos seus principais representantes, para Scheler, seria Ludwig
Klages.15
A última noção de homem é a do “ateísmo postulatório da seriedade e da
responsabilidade”16 que, desenvolvendo a filosofia dos valores de Scheler e, por outro lado,
por influência de Nietzsche, seus representantes, Hartmann e Kerler, exaltam de tal forma a
origem autônoma da moral e o valor da pessoa que, atribuindo somente a esta a providência e
presciência, consideram que, se Deus existisse, o homem não poderia ser livre e moral17. Nesse
sentido, esse ateísmo é novo, pois não se limita a negar a existência de Deus ou a suspender o
juízo sobre ela (agnosticismo), mas considera necessário que Deus não exista para que a pessoa
seja moral e livre18.
As noções de homem tratadas por Edith Stein, a partir de uma perspectiva inovadora, são
resgatadas da sua relação com a pedagogia (pela repercussão na formação da pessoa humana),
o que a diferencia da abordagem de Scheler. Nesse sentido, ela analisa quatro noções de
homem:
A primeira é a da Bildung (relacionada ao homo sapiens de Scheler), mas que se limita aos
aspectos desta noção enquanto relacionada aos filósofos da Aufklärung – do idealismo alemão
–, que legaram suas ideias filosóficas às instituições de ensino alemãs e cuja influência ainda
vigia, apesar de sua crise desde o século XIX. Embora a ideia de formação integral constitua
parte essencial da Bildung, Stein critica o seu intelectualismo e a noção superficial do ser
humano que se gestou no século XIX na esteira desta sua consideração unilateral ao intelecto,
pois a Bildung teria legado à posteridade a psicologia dos dados da consciência, sem uma noção
de profundidade da psiquê. Sua ênfase principal está na autonomia do indivíduo e é uma
pedagogia otimista e ativista.19

15
Walther, em 1928, alude a uma série de passagens de Klages que demonstram que o espírito não é mero
“intelecto”, contrariamente a Scheler, pois o espírito, cuja caracterização é sui generis, apartaria o ser humano
da existência, ao fixar a mobilidade e dinamicidade da vida ininterrupta (e suas “imagens”) em conceitos
“estáticos” e ter uma vontade essencialmente repressora dos instintos (WALTHER, G. Ludwig Klages y su
lucha contra el 'espíritu', p. 117s., 265s.). A filosofia e psicologia de Klages é um desenvolvimento a partir de
Nietzsche, que “ha inaugurado una filosofía de la enemistad absoluta entre la vida y la conciencia; y nosotros
mismos hemos desarrollado sistemáticamente que la reflexión ha de concebirse como un fenómeno de
perturbación del vivenciar, y que sólo así, en resumidas cuentas, puede comprenderse.” (KLAGES, L. Los
Fundamentos de la Caracterologia. p. 25).
16
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 94.
17
STEGMÜLLER, W. A Filosofia Contemporânea, v. II, p. 221-222.
18
SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 94-95; Hartmann desenvolve cinco antinomias entre ética
e religião, optando a favor da primeira (STEGMÜLLER, W. A Filosofia Contemporânea, v. II, p. 222-223).
19
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 563.
5

De acordo com Ales Bello, “Stein, todavia, confronta-se também com as posições que lhe
são contemporâneas, em particular com a leitura do Dasein proposta por Heidegger e com a
psicologia do profundo, presumivelmente aquela de Jung, mesmo não sendo expressamente
citado.”20 De fato, a segunda noção abordada é a da tiefenpsychologie, mas não há indicação
nenhuma em sua obra a Jung (apesar de ter em comum a ideia de Selbst21), pois Stein afirma
que se limitará ao seu fundador22, ou seja, à psicanálise de Freud, que se caracteriza por
conceber uma profundidade no homem (referindo-se ao inconsciente). Isso se confirma pela
crítica de Stein à ênfase dada na satisfação instintiva/pulsional e a negligência das
possibilidades futuras do sujeito23 tendo como consequência pedagógica não conferir uma
formação ativa da pessoa, não implicar uma luta contra as pulsões e, enfim, não ter metas
pedagógicas devido à sua noção de natureza humana. Sendo mais conhecida que a psicologia
de Jung24 e influenciando a pedagogia, fez com que Stein assumisse uma posição frente a ela.
A atitude compreensiva desta pedagogia, frente ao ativismo da Bildung, que se nega a
estabelecer metas pedagógicas reduzindo-as a metas terapêuticas, é uma característica da época
que descobriu os males psíquicos causados pela imposição de fins pedagógicos abstratos e das
dificuldades de desvelar as possibilidades próprias do educando.25
A terceira imagem de homem levada em conta é a da Analítica Existencial de Heidegger,
a partir de sua leitura de Sein und Zeit, de 1927. Reconhece nesta uma noção de profundidade
do ser humano distinta da psicanálise, situando como problema básico a questão do ser e
descrevendo o modo como entende que a profundidade da existência seria acessada na visão de

20
“La Stein, tuttavia, si confronta anche con le posizioni a lei contemporanee in particolare con la lettura del
Dasein proposta da Heidegger e con la psicologia del profondo, presumibilmente quella di Jung, anche se non
è espressamente citato.” (BELLO, A. A. L'Universo nella Coscienza, p. 133).
21
STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 650, 653. No entanto, apesar de Jung realizar a distinção
eu/si-mesmo, essa distinção já era realizada por autores conhecidos por Stein na própria escola fenomenológíca
de Munique, por exemplo, “según Pfänder, la personalidad humana – como todo ser dotado de espíritu – puede
compararse a una elipse con dos focos, mientras que el ser sin espíritu se semeja a un círculo con un centro
único. Uno de los focos de la personalidad es el yo que aprehende, conoce y quiere, o yo-centro; el otro es el
mí-mismo, aún más profundo, el ser fundamental del que brota el flujo de lo vivido, antes de ser actualizado por
el yo-centro.” (WALTHER, G., Ludwig Klages y su lucha contra el 'espíritu', p. 123).
22
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 565.
23
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 572.
24
Na recensão à obra Metaphysik der Gemeinschaft (1930), de Dietrich von Hildebrand, Stein, em 1932,
recomenda a obra deste filósofo, na análise do amor, “desde el punto de vista teórico, porque ofrece fundamentos
conceptuales esenciales para una discusión crítica de esa mala interpretación sensualista de todas las relaciones
humanas que a través del psicoanálisis se ha adentrado en los más amplios círculos” (STEIN, E. Metafísica de
la Comunidad, p. 1000). O sensualismo psicanalítico é análogo ao empirista, pois considera que a “ human
personality as a 'bundle of impulses.'” [“a personalidade humana como 'um feixe de pulsões'”] (ALLERS, R.
The New Psychologies, p. 32), funda todo o mental no pulsional e, por derivação, todas as relações humanas (o
outro como objeto da pulsão).
25
Como afirma Allers, havia se tornado moda, naquele período, a tese da educação livre, cujo objetivo único era
o “'desenvolvimento de sua própria personalidade'” (ALLERS, R. Psicologia do Caráter, p. 175), em uma práxis
pedagógica contraditória, como se abrir mão dos fins pedagógicos já não fosse ele mesmo um fim.
6

Heidegger. Entretanto, Stein interpreta a filosofia de Heidegger como uma metafísica niilista,
ou seja, como problemática a sua concepção de origem (do nada), a ênfase na finitude humana
e a meta niilista de seu pensamento (a morte), que faz com que a imagem de homem presente
na noção de Dasein não reconheça a presença do Ser Eterno que estaria por trás do ser finito.
Nesse sentido, a quarta noção, que é a da Metafísica Cristã, como ela denomina, ofereceria um
fim último à formação. Além disso, entende que Deus atua com sua Graça na formação da
pessoa, fazendo com que não somente a responsabilidade seja enfatizada, mas também a
confiança em Deus – providente – como um aspecto importante da transformação por que passa
o homem em seu processo formativo.26

3 Considerações Finais
Em termos gerais a diferença de critério entre Max Scheler e Edith Stein no que concerne
à eleição das noções de ser humano que passarão por uma análise crítica antes da elaboração de
uma Antropologia Fenomenológico-Filosófica é que, no primeiro, está relacionado ao problema
da relação entre espírito-vida (no qual emerge a questão de se o espírito constitui uma esfera
essencialmente diversa da vida em geral), enquanto em Stein a questão é a relação superfície-
profundidade da personalidade. Isso aparece particularmente evidente, porque ela identifica
como característica dos teóricos da Bildung que “só prestam atenção ao iluminado pela luz da
consciência”27, o que resultou como derivação histórica a psicologia superficial dos dados da
consciência do século XIX; além disso, distingue a psicanálise de Freud e a analítica existencial
de Heidegger por conceberem noções diversas de “profundidade”28 do ser humano e seu acesso
a ela – em Freud, significando a dinâmica das pulsões (somente nesse sentido ela preocupa-se,
diferentemente de Scheler, com a relação espírito-vida), e em Heidegger, na vida segundo o
espírito. Mais adiante, na mesma obra, Stein apresenta a sua tese antropológico-fenomenológica
pelo enunciado “ele pode e deve formar a si mesmo”29. Ao apresentar o que constitui o
diferencial do ser humano – como pessoa livre e espiritual – frente às outras espécies, no qual
a responsabilidade pelo que ela mesma é aparece como uma característica fundamental,
posiciona-se implicitamente contra a psicanálise (pois dá uma particular ênfase no eu e não o
reduz, em sua significação última, a dinâmicas pulsionais). Entretanto, é quando a autora realiza
a distinção entre o “eu-puro” de Husserl (com sua consciência central e periférica e seu caráter

26
STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 576. cf. STEIN, E. Sobre el concepto de formación, p. 192.
27
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 564.
28
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 564, 566.
29
STEIN, E. La Struttura della Persona Umana, p. 123.
7

funcional) e sua noção de “eu-anímico” – que tem um fundo, uma profundidade30 – que aparece
o significado fenomenológico de sua noção de “profundidade” da alma, como uma
espacialidade interior. Apesar do papel dado ao “si mesmo” (Selbst) em sua obra, não há
indicações de que se baseie na leitura de Jung, como sugere Ales Bello.31 Na verdade, a autora
mostra, nesta e em outras obras32, uma preferência pela psicologia individual de Alfred Adler
e de Rudolf Allers. E com relação ao si-mesmo que deve ser formado, a autora, nesse sentido,
confere particular importância ao télos formativo que a ética e a antropologia filosófica deverão
fornecer – contra uma pedagogia de influência psicanalítica (que abriria mão da finalidade
educativa) – e o coroamento dado por uma antropologia teológica em que, a diferença de
Scheler, não é subvalorizada, pois a Graça Sobrenatural e a Revelação deverão guiar o ser
humano para a sua plena formação. Além disso, confere particular importância à auto-formação
da pessoa, aproximando-se das concepções da Bildung no que concerne à autonomia, mas
diferenciando-se no que diz respeito ao fim último – fundamento ético da pedagogia.33

4 Referências:
ALLERS, Rudolf. The New Psychologies. Fort Collins: Roman Catholic Books/Roger A. McCaffrey
Publishing, [1932] s/a.
______. Psicologia do Caráter. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editôra, 1946.
BELLO, Angela Ales. L'Universo nella Coscienza: Introduzione alla fenomenologia di Edmund
Husserl, Edith Stein, Hedwig Conrad-Martius. Pisa: Edizioni ETS, 2007. (Incontri, I)

30
STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 656.
31
BELLO, A. A. L'Universo nella Coscienza, p. 133-134.
32
Por exemplo, em 1929, ao distinguir entre a psicologia metafísica (escolástica) e as psicologias empíricas
(elencando os tipos da psicologia descritiva, da psicologia explicativa – científico-natural – e da psicologia
compreensiva), a autora não somente não faz nenhuma referência a psicanálise e a psicologia analítica de Jung,
como inclui nas compreensivas aquela que “de un modo especial se acentua esta unidad indivisible [anímica]
en la psicología individual (Alfred Adler)” (STEIN, E. Los tipos de Psicología y su Significado para la
Pedagogía, p. 93) – assinalando o seu papel de compreensão da criança na pedagogia. Em A Estrutura da Pessoa
Humana, Stein cita a psicologia individual pelo mesmo motivo – a aceitação da unidade da alma (no qual se
enraízam as pulsões) – frente a posição de psicanalistas acerca do caráter caótico/cindido da personalidade (cf.
STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 565). Em Problemas de la formación de la Mujer, de 1932-
1933, ao tratar do material humano a ser formado, distingue os métodos de diferentes áreas do saber (ciências
naturais e humanísticas, teológica e filosófica), opta em especial, dentre as ciências humanas, pela psicologia
individual de Adler e cita em particular com a obra de Allers Sexualpsychologie als Voraussetzung einer
Sexualpädagogik (1931), apresentando alguns princípios desta ciência. Novamente, mostra preferência pela
psicologia individual e ignora as psicologias do inconsciente. Em carta a Rosa Magold, de 16 de junho de 1931
(STEIN, Obras Completas, v. I, p. 929), afirma que se tivesse permanecido mais um ano com o grupo, teria
recomendado, além de uma obra de Siegfried Behn, o livro de Rudolf Allers Das Werden der Sittlichen Person,
de 1929 (trad. ALLERS, R. Psicologia do Caráter, Agir, 1946).
33
A razão está em que a ética da Bildung e a da Metafísica Cristã estabelecem fins últimos para o homem
radicalmente distintos: “el idealista, para el que la autodeterminación es el más alto; el católico, según cuya
convicción el fin de la existencia del hombre es conocer a Dios, amarlo y servirlo: todos ellos tienen
concepciones fundamentalmente distintas de la educación.” (STEIN, E. Sobre la Lucha por el Maestro Católico,
p. 105).
8

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