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UX - Como Melhorar a

Experiência do Usuário no
Serviço Público Digital
Introdução à Experiência de Usuário

1
Módulo

Governo e Transformação Digital; Gestão da Informação e do conhecimento.


Fundação Escola Nacional de Administração Pública

Diretoria de Desenvolvimento Profissional

Conteudista
Rodrigo Pessoa Medeiros (conteudista, 2022).

Enap, 2022
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Diretoria de Desenvolvimento Profissional
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF
Sumário
Unidade 1:Caracterizando a Experiência do Usuário........................5

1.1 O que é Experiência do Usuário?............................................................................... 5

1.2 Evolução da Experiência do Usuário....................................................................... 14

1.3 Elementos da Experiência do Usuário.................................................................... 25

Referências ...................................................................................................................... 30

Unidade 2: Design Centrado no Usuário................................................31

2.1 Importância do Design Centrado no Usuário........................................................ 31

2.2 Princípios fundamentais do Design centrado no usuário.................................... 35

2.3 Desafios do Design Centrado no Usuário.............................................................. 37

Referências ...................................................................................................................... 41
Apresentação e Boas-vindas

Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) ao curso UX - Como melhorar a Experiência do


Usuário no serviço público digital. Antes de iniciar seu estudo sobre o tema, assista
ao vídeo de apresentação e, logo após, retome sua leitura!

Videoaula: Apresentação

Como visto, este curso está estruturado em três módulos e tem como objetivo
proporcionar aos participantes conhecimentos e recursos para que desenvolvam as
habilidades necessárias para criar serviços públicos que colocam o cidadão no centro
da experiência do usuário, melhorando-a no contexto da Administração Pública.

No primeiro módulo, você conhecerá os aspectos conceituais da Experiência do


Usuário e do Design Centrado no Usuário. No segundo, verá como ocorre a prática da
Experiência do Usuário com as seis etapas para o seu desenvolvimento. No terceiro
módulo, você focará seus estudos em como a Experiência do Usuário está inserida
nos serviços públicos e alinhada a estratégia de transformação digital do governo.

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Módulo

1 Introdução à Experiência de
Usuário
Neste módulo, você conhecerá os conceitos básicos da Experiência do Usuário (UX)
e do Design Centrado no Usuário. Quer saber como envolver e engajar melhor os
usuários nos novos artefatos digitais que vai criar? Então, é hora de começar!

Bons estudos!

Unidade 1: Caracterizando a Experiência do


Usuário
Objetivo de aprendizagem

Ao final desta unidade, você será capaz de compreender os conceitos básicos sobre a
Experiência do Usuário (UX).

A seguir, veja como ocorreu a evolução histórica da Experiência do Usuário e de


seus elementos. A partir do que será apresentado, você poderá compreender como
a relação entre homem e máquina começou a ser melhor compreendida, estudada,
aperfeiçoada e incentivada pelas empresas de tecnologia.

1.1 O que é Experiência do Usuário?

A origem do termo Experiência do Usuário vem do termo em inglês User Experience,


mais conhecido como UX, e pode ser entendida como a área que estuda a experiência
de quem usa algum artefato, serviço ou produto.

Como comenta Grilo (2019, p. 12), “à primeira vista, parece se tratar de uma disciplina
recente, sendo frequentemente encontrada em discussões sobre interfaces para web”.

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UX - Experiência do Usuário e as interfaces para web.
Fonte: Freepik (2022).

Mas, ao longo dos estudos, você vai perceber que, quando se deparar com termos
como startups, cidades inteligentes, aplicativos, Internet das Coisas, visualização
de dados, big data e todas as outras palavras da moda do mundo da tecnologia,
possivelmente você também vai encontrar algum processo de UX envolvido.

A disciplina de Experiência do Usuário surgiu na década de 1990, “se originando,


inclusive, de pesquisas e investigações sobre a relação do homem com artefatos
analógicos e físicos” (GRILO, 2019, p. 12), conhecida na Computação e no Design
como a área de investigação Interação Humano-Computador (IHC).

Portanto, a partir desta perspectiva, é possível expandir a abrangência do termo UX


para além das interfaces digitais, alcançando todos os tipos de experiência de uso
que podem surgir, como com serviços, produtos e máquinas.

Como comenta Teixeira (2014), a

"Experiência do Usuário existe desde que o mundo é


mundo. Ou melhor, desde que as pessoas começaram
a ‘usar’ objetos para realizar alguma tarefa. Depois,
vieram produtos digitais (p. 1).

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Grilo (2019, p. 13) comenta que a Experiência do Usuário pode acontecer tanto no
“meio digital como no mundo físico, basta para isso a interação entre um indivíduo e
um artefato, mediada por uma interface, isto é, um elemento posto entre o usuário
e uma estrutura interativa”.

Essa experiência é influenciada por fatores humanos (habilidade com a tarefa,


habilidade motora, visão, capacidade de ler e entender a língua em que a tarefa
foi proposta, cansaço, humor naquele momento, e a maneira como as ideias são
organizadas em determinado contexto, ou seja, o modelo mental daquela tarefa)
e também, por fatores externos (ambiente, contexto da utilização, horário em que
a tarefa é executada, iluminação do ambiente, reflexo na tela do artefato para
executar a atividade).

De acordo com Teixeira (2014, p. 2), normalmente, “a experiência é positiva


quando você consegue realizar a tarefa sem demora, frustração ou sem encontrar
problemas no meio do caminho. […] Experiências são, obviamente, subjetivas”. O
autor completa esta ideia ao dizer que, “[…] apesar de subjetivas, essas experiências
são projetadas por alguém” (TEIXEIRA, 2014, p. 2).

Apesar de entender que a Experiência do Usuário pode ocorrer tanto no ambiente


digital quanto no físico, o foco deste curso é nas experiências e interações com os
artefatos digitais. Recentemente, sistemas interativos e artefatos digitais passaram a
fazer parte do dia a dia das pessoas, não só no trabalho, mas também em várias das
atividades cotidianas, como entretenimento, educação, saúde e acesso a serviços
públicos, e em diversos ambientes (em casa, na escola, no trânsito, nos shopping,
museus, hospitais, parques de diversões, restaurantes etc.).

Barbosa et al. (2021, p. 31) comentam sobre essa mudança:

"Essas novas atividades aumentaram a necessidade


de considerarmos a forma como o uso de um sistema
interativo afeta os sentimentos e as emoções do usuário.

Como apontam os autores, na literatura de design a preocupação com as emoções


e sentimentos dos usuários pode ser vista a partir de duas perspectivas: como uma
“atenção maior à satisfação do usuário como critério de usabilidade ou como um
critério de qualidade diferente, chamado de Experiência do Usuário” (BARBOSA et
al., 2011, p. 31).

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A relação do homem com artefatos tecnológicos e físicos.
Fonte: Freepik (2022).

Assim como Teixeira (2014) e Grilo (2019) reforçam, Barbosa et al. (2021) também
comentam sobre a subjetividade da Experiência do Usuário e complementam ao
dizer que é preciso investigar outros aspectos, como “caracterização dos sentimentos,
estado de espírito, emoções e sensações decorrentes da interação com um sistema
interativo em determinado contexto de uso” (BARBOSA et al., 2021, p. 31-32).

Para isso, pode-se investigar os seguintes aspectos: satisfação, prazer, diversão,


interesse, atração, motivação, surpresa, desafio, cansaço, frustração e ofensa.

Apesar disso, Grilo (2019) reforça que a experiência se inicia com uma necessidade
ou problema que motiva o uso de um produto, e que isso antecede as interações das
pessoas com os artefatos. Segundo o autor, “isso desloca o sentido da experiência,
de um olhar restrito à tecnologia ou artefato para um entendimento amplo sobre o
contexto que ela ocorre” (GRILO, 2019, p. 14). Portanto, para que sejam criados bons
sistemas, aplicativos e artefatos digitais e interativos, e para que essa experiência
seja significativa e relevante, é preciso:

[…] pensar naquilo que vem antes do desenvolvimento


de tais soluções, perguntando o que as pessoas estão
procurando e o que as motiva a estar ali” (GRILO,
2019, p. 14).

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Criar essa experiência não é algo cartesiano e nem sempre é possível proporcionar
a melhor forma de uso – o que a literatura chama de usabilidade – em todos os
elementos de um determinado produto. Barbosa et al. (2021, p. 32) comentam que
um sistema “pode ser eficiente com muitas teclas de atalho, mas elas podem ser
difíceis de serem lembradas por usuários ocasionais. Já um sistema com explicações
pode ser de fácil aprendizado”.

Por sorte, existem hoje muitos artefatos digitais que têm contribuído para a
divulgação da Experiência do Usuário como área de pesquisa e método de produção.
Assim, essa área que pretende “proporcionar novas maneiras de utilizar serviços e
produtos para atingir seus objetivos” (GRILO, 2019, p. 14) com foco no usuário acaba
sendo mais amplamente divulgada.

As novas experiências desenvolvidas em formato de produtos digitais conseguem dar


respostas a um problema em algum contexto; conseguem propor aprimoramento
em uma determinada situação; ou seus criadores encontram oportunidades para
inovar em um ambiente específico. Desta forma, Grilo (2019) faz uma provocação,
afirmando que:

"um produto, portanto, não é a finalidade, mas o


meio para a solução dos problemas ou objetivos das
pessoas” (GRILO, 2019, p. 14).

Inovação em produtos para solução de problemas.


Fonte: Freepik (2022).

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Mas como você pode entender o que é trabalhar com Experiência do Usuário?

Primeiramente, é preciso entender que “experiências são fenômenos, que se observam


no cotidiano das pessoas. E as pessoas são diferentes, com suas próprias maneiras
de pensar, agir ou reagir” (GRILO, 2019, p. 15). Portanto, pensar em proporcionar
uma experiência de uso idêntica para cada indivíduo seria uma forma equivocada
de pensar. Grilo reforça que não é possível “prever com exatidão uma determinada
experiência - esta pertence unicamente ao usuário” (2019, p. 15). E, desta forma, a
experiência de uso vai acontecer naquele determinado espaço de tempo e contexto
em que pode ser observada, e só diante da observação pode-se mensurar e encontrar
possíveis parâmetros para melhorar a experiência dos outros usuários.

"Nesse sentido, projetistas e desenvolvedores de


tecnologia e produtos digitais podem até identificar
e reconhecer padrões, imaginar novas maneiras de
utilizar um produto ou serviço, mas estes só poderão
ser avaliados quando os usuários utilizarem a solução
projetada. O entendimento da experiência do usuário
é, portanto, pautado em observações - do antes, do
durante e do depois” (GRILO, 2019, p. 16).

Como discutido até aqui, a área de UX, assim como a área de interação homem-
máquina (HCI, do inglês Human-Computer Interaction), são campos de atuação que
articulam conhecimentos de uma grande variedade de áreas. Portanto, é difícil que
um único profissional tenha conhecimentos aprofundados de todos os objetos de
estudo dessa área.

Barbosa et al. (2021) reforçam a importância de manter uma equipe multidisciplinar


para a criação de artefatos digitais pois, desta forma, “profissionais com formações
diferentes podem trabalhar em conjunto, concebendo e avaliando a interação das
pessoas com sistemas computacionais” (p. 12).

Em geral, equipes multidisciplinares são formadas por designers, engenheiros,


programadores, psicólogos, antropólogos, sociólogos, artistas gráficos, ilustradores,
cientistas de dados, publicitários, jornalistas, entre outros, mesmo que a formação
acadêmica formal não necessariamente influencie o papel desempenhado pela
pessoa na equipe. Como os papéis são muitos e diversos, as pessoas também podem
colaborar em vários ambientes. A decisão sobre quais profissionais devem fazer parte
da equipe precisa considerar vários fatores, como o domínio no contexto da tarefa
daquele sistema, o orçamento disponível e o tamanho do artefato a ser criado.

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Equipe multidisciplinar.
Fonte: Freepik (2022).

Assim, equipes multidisciplinares de UX podem contar com pessoas trabalhando em


diferentes atividades. Os três campos a seguir são os mais atuais e de atuação mais
frequentes das equipes no Brasil.

Pesquisas com usuário focadas na compreensão dos usuários-alvo de um


artefato (conhecido como UX Researcher)
“Essas pessoas conduzem pesquisas com usuários reais, reunindo dados qualitativos
e quantitativos sobre como as pessoas pensam, sentem e se comportam. Porém,
em vez de focar na inovação e nas descobertas de fatores humanos que afetam
na interação com tecnologias digitais, eles focam em compartilhar os dados dos
usuários com a equipe de desenvolvimento do produto. O objetivo é ajudar o time
a entender o público-alvo e propor uma estratégia de design centrada no usuário,
certificando-se de que a equipe tenha informações suficientes para tomar decisões
de produto baseadas em dados, em vez de suposições” (BARBOSA et al., 2021, p. 13).

Design de elementos da experiência dos usuários (conhecido como UX/UI


Designer)
“Pessoas neste papel são normalmente responsáveis por considerar como o produto
funciona e como o usuário o percebe (UX Design), além dos aspectos estéticos da
interface do produto (User Interface Design - UI Design). Assim, esses profissionais
também podem conduzir pesquisas com usuário (ou colaborar com o UX Researcher)
para fundamentar as escolhas de design, além de criar protótipos, realizar testes
com usuários e propor o design da interface - desde a paleta de cores e tipografia
até seus mecanismos interativos” (BARBOSA et al., 2021, p. 13).

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Redação do texto que o usuário encontra ao usar um produto ou serviço
(conhecido como UX Writing)
“Essas pessoas combinam um profundo entendimento dos conceitos e princípios
de UX com conhecimento e prática de redação para projetar uma estratégia de
comunicação adequada ao público-alvo. Essa estratégia serve como guia durante
o design para comunicar ao usuário como interagir com o produto, ajudando-o
a realizar seus objetivos de maneira eficiente e satisfatória - desde a mensagem
de erro que aparece quando você digita um e-mail inválido até a mensagem de
comemoração que você recebe quando atinge um marco em um aplicativo, por
exemplo” (BARBOSA et al., 2021, p. 13).

Um exemplo a ser dado para mostrar a função de cada um desses profissionais no


processo de design: imagine que você vai projetar um novo processo de cadastro
no INSS. No início do processo você vai ter a equipe que trabalha com pesquisa
em design (UX Researcher). Essa equipe fica responsável por realizar a pesquisa
com os usuários e os atores envolvidos no processo (stakeholders). É nesse processo
que se identificam as dificuldades, necessidades e desejos dos usuários, além
de conseguir fazer um perfil completo das pessoas que podem e devem utilizar
o sistema em questão. Depois com esses dados refinados e analisados, começa a
trabalhar a equipe de UX e UI Design. Essa equipe é responsável por transformar
todas as informações que foram levantadas e analisadas pela equipe de UX Research
em artefatos digitais (sejam interfaces para plataformas web, aplicativos e/ou tipos
de interfaces). O UX Designer vai começar a identificar as histórias dos usuários para
criar possíveis cenários de uso, fluxogramas e protótipos em baixa fidelidade. Na
sequência, começa o trabalho em conjunto com o UI Designer, que fica responsável
por toda a criação da interface desses produtos. Em paralelo ao trabalho do UX
Designer há o trabalho do UX Writing que vai ajudar a equipe a pensar nas melhores
estratégias textuais para menus, áreas, botões, e toda a estratégia de conteúdo
para a plataforma. Estão sendo abordados aqui os três papéis fundamentais nas
equipes, mas que podem ser executados por um ou mais profissionais a depender
da demanda necessária e os cronogramas dos projetos.

Portanto, pode-se compreender a Experiência do Usuário como uma área de


atuação ampla, diversa e com muitas oportunidades para tornar a vida das pessoas
que interagem com produtos digitais mais fácil e com mais bem-estar:

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"Estudar fenômenos de interação entre seres
humanos e sistemas computacionais nos permite
compreendê-los para melhorarmos a concepção,
construção e inserção dessas tecnologias na vida
das pessoas, sempre buscando uma boa experiência
de uso. Nesse sentido, deve-se aproveitar as
características humanas e o poder computacional
para o desenvolvimento dos sistemas interativos que
melhorem a vida das pessoas, trazendo bem-estar,
aumentando sua produtividade, satisfazendo suas
necessidades e desejos, e respeitando suas limitações
e valores” (BARBOSA et al., 2021, p. 14).

Por fim, é preciso destacar o que não é Experiência do Usuário:

"Para começo de conversa: UX Design não é direção


de arte. Também não é planejamento, não é gerência
de projetos, não é desenvolvimento de software. UX
faz o meio de campo entre todas essas disciplinas,
garantindo que todas elas estejam caminhando
juntas em direção a um mesmo objetivo. […] UX
também não é, definitivamente, uma disciplina exata.
Muitas vezes, as pessoas procuram se aproximar do
UX Design para conseguirem tomar decisões “sobre
qual tipo de menu usar no meu site” ou “como
melhorar a usabilidade para aumentar as conversões
do meu formulário de cadastro”. O UX Designer não é
um profeta que sabe como as pessoas pensam; essa
pessoa é uma pesquisadora que investiga o que levou
uma determinada pessoa a agir de determinada
forma e então propõe melhorias de design baseadas
nesses insights. A teoria que estrutura o trabalho
desse profissional é agnóstica de código, plataforma
ou tamanho de tela” (TEIXEIRA, 2014, p. 12).

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1.2 Evolução da Experiência do Usuário

Em entrevista concedida ao podcast Inside Intercom em 2016, o pesquisador e


escritor Jared Spool, que é referência na área de Experiência do Usuário, comentou
a respeito de como é possível analisar a trajetória da Experiência do Usuário nas
empresas, a partir do seu nível de maturidade:

O autor divide essa trajetória em cinco níveis de maturidade:

Nível 1: A idade das trevas de UX


Neste nível, a organização nunca pensou em UX, não fala em UX, quer seguir fazendo
o que já faz. Por exemplo, eles vendem gasolina, mas não pensam como as pessoas
usam, sobre como os distribuidores distribuem gasolina; apenas vendem gasolina, e
só nisso que pensam. Nesse ponto, pode-se pensar que, por não trabalhar com um
produto de alta tecnologia, a empresa não precisa de UX.

Jared Spool explica que isso tem mudado e deu o exemplo de uma empresa do
estado do Alabama, nos Estados Unidos, que fabrica medidores de água. Os
medidores são pequenos dispositivos que ficam em canos e medem a quantidade
de água que passa. Todas as casas têm um desses, pois a prefeitura cobra pelo
consumo e, por isso, o medidor deve ser preciso. Até alguns anos atrás, esse era um
dispositivo puramente mecânico e que nunca foi pensado a partir da perspectiva da
experiência do usuário. No exemplo dessa empresa, pessoas eram treinadas para
instalar e ler o medidor, e essa é toda a experiência que é pensada. Porém, estes
dispositivos agora são digitais: a experiência é realizada a partir de um software, um
dispositivo de leitura que usa um sistema de rádio para se comunicar com ele. Ou
seja, a pessoa que vai ler o medidor não precisa mais entrar nas casas. Do próprio
caminhão da empresa, a pessoa que faz a leitura já recebe a informação de quanto
aquela casa está usando. Ou seja, partiu de uma empresa praticamente analógica
para uma empresa que, de repente, se viu trabalhando no mercado de software e
sendo impactado pela escolha de não trabalhar a experiência do usuário.

Nível 2: Projetos pontuais de UX


Quando a empresa do Alabama citada como exemplo por Spool se viu diante dessa
situação, eles saíram da “era das trevas” e perceberam que precisam pensar sobre
experiência do usuário, mesmo sem saber nada sobre isso. É nessa fase que a
empresa contrata alguém para trabalhar na experiência do usuário por um tempo
e, assim que acredita que o processo foi concluído, demite a pessoa, ou contrata
um gerente que trabalha em bons projetos de UX e que consegue resolver alguns
problemas da organização, mas logo a empresa se cansa e demite aquela pessoa.
Nesse ponto, não existe uma fase combinada de UX.

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Nível 3: Investimentos sérios em UX
Nessa etapa, a empresa percebe que precisa levar a sério a Experiência do Usuário e
criar uma equipe de design. Logo, percebe a necessidade de contratar um gerente de
design. A partir dessa experiência, os times internos da empresa conseguem fazer de
maneira mais estratégica o que antes era feito por empresas externas. Dessa forma,
acabam fazendo o serviço por um preço mais baixo. Spool chama isso de “design
como serviço”: é a equipe de UX Design como um serviço dentro da organização. Por
muito tempo, acreditou-se, tanto no mercado quanto na academia, que essa era a
evolução definitiva. Entretanto, Spool diz que, ao estudar as empresas, não é isso
que acontece: essa etapa é, na verdade, um ponto médio.

Nível 4: UX Designers infiltrados nos times


O próximo estágio ocorre quando uma equipe percebe que o design é realmente
crítico para o sucesso e fica frustrada ao contratar profissionais de design para
peças pontuais à medida que avançam. Em vez disso, eles contratam pessoas da
equipe para realmente serem incorporadas ao projeto. A diferença é que as pessoas
incorporadas só trabalham em um determinado projeto. Eles pensam em vários
lançamentos deste produto.

Normalmente, o design como serviço trabalha apenas na versão atual do projeto


e é incorporado apenas em partes dele. Existem partes inteiras sobre as quais os
designers não têm controle, mas os designers agora têm influência sobre isso. Para
algumas pessoas, essa é a consolidação do design na empresa – no entanto, não é.
Pode haver algo depois disso: uma etapa em que os designers não são os únicos a
projetar. Todos na equipe agora se consideram uma pessoa de UX.

No podcast, Spool afirma que gosta de usar a Netflix como exemplo para refletir sobre
isso: existem pessoas na empresa que são encarregadas de garantir que os bits saiam
do servidor o mais rápido possível. Essas pessoas se preocupam com a capacidade
de resposta, largura e confiabilidade de banda – normalmente são engenheiros e
engenheiras cujo trabalho é fazer com que os servidores e a rede funcionem o mais
rápido possível. Convencionalmente, eles nunca seriam considerados pessoas da
área de experiência do usuário, afinal, essas pessoas não têm nada a ver com UX,
eles trabalham no back-end. Mas, quando você está assistindo a seu filme favorito e
o botão giratório aparece na tela, seu filme para e nada acontece, de repente esses
engenheiros e engenheiras se tornam pessoas de experiência do usuário. Eles são
as pessoas de UX mais importantes da equipe naquele momento.

Nível 5: UX integrada aos serviços


O último estágio é o que é chamado de “organização baseada em design”, etapa
em que todos se veem como uma pessoa da equipe de UX. Os engenheiros de
desempenho, os gerentes de produto, os advogados que elaboram os contratos
de licença, todos têm alguma influência sobre a experiência do usuário e estão

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trabalhando ativamente para fornecer a melhor experiência do usuário possível. É
nesse momento que surge o ponto de maturidade máximo de UX, em que a empresa
realmente usa o design para sustentar o produto.

O ponto de inflexão de UX ocorre no momento em que a organização deixa de ter a


abordagem convencional de envio de um produto em que ele é tecnicamente capaz
de fazer o que se quer e atende ao modelo de negócios.

Isso acontece o tempo todo. A Motorola e a Nokia comandavam o mercado de


celulares, mas, de repente, a Apple – empresa de fora do ramo de telefonia – assume
o controle do mercado. Tudo é baseado na experiência do usuário.

Portanto, segundo Jared Spool, a Experiência do Usuário é o elemento máximo para


a diferenciação de um produto.

Hierarquia da diferenciação de um produto

Experiência
do Usuário

Qualidade

Preço

Tecnologia

Hierarquia da diferenciação de um produto.


Fonte: Inside Intercom: Jared Spool on UX Design (2016). Elaboração: CEPED/UFSC (2022).

Acompanhando o ponto de vista de Spool, pode-se dizer que a evolução da tecnologia


foi fundamental para esse processo. Nas décadas de 1960 e 1970, o que se podia
acompanhar era o desenvolvimento de softwares e sistemas focados no uso dos
próprios desenvolvedores. Um exemplo clássico é a linguagem de programação
Grail, desenvolvida por Alan Key, que já explorava os processos da utilização de
mesa digitalizadora para conectar os “blocos de programação”.

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Anos 1980

Linguagem de programação Grail.


Fonte: Freepik (2022).

Na década de 1980, surgiu o desenvolvimento de interfaces para os computadores


pessoais. A primeira delas foi desenvolvida pela equipe da Xerox.

Anos 2000

Interface da Xerox em 1981. iPhone em 2007.


Fonte: Wikipédia (2021). Fonte: Freepik (2022).

Já nos anos 2000, acontece a expansão das interfaces para dispositivos


móveis e, em 2007, com o lançamento do iPhone, ocorre uma revolução
no mercado.

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Anos 2010

Interface do streaming Netflix em 2014.


Fonte: Pixabay

Foi na década de 2010 que o chamado “design como serviço” se expandiu. Esse
termo diz respeito ao processo de conseguir personalizar as experiências de forma
mais elaborada, como é o caso da interface do Netflix, apresentada por Spool como
um caso de sucesso.

Cabe destacar uma associação entre níveis de maturidade comentados por Jared
Spool e o relato sobre a história da experiência do usuário no Brasil feita por Van
Amstel (2018), que apresenta uma breve linha do tempo de como foi a evolução do
termo no país.

"Para começar, Experiência do Usuário no Brasil não


surgiu no mercado. Embora o termo tenha sido cunhado
por Donald Norman enquanto ele trabalhava na Apple
no começo dos anos 1990, no Brasil o termo começou
a ser utilizado na metade dos anos 2000. Isso não
significa que não havia práticas voltadas à experiência
do usuário antes disso” (VAN AMSTEL, 2018).

Veja como foi a evolução da área de UX no Brasil.

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Anos 1990
Nos anos 1990, foram os pesquisadores de universidades que começaram a
criar grupos e laboratórios de pesquisa voltados a processos que priorizavam os
usuários em produtos e sistemas interativos. É o caso de Maria Cecília Baranauskas,
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Clarisse de Souza e Anamaria
de Moraes, na PUC-Rio; Walter Cybis, na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC); Luiz Merkle, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); e Lúcia
Filgueiras, na Universidade de São Paulo (USP).

É possível dizer que, antes da década de 1990, o Brasil estava no nível 1, ou seja, na
“idade das trevas” do UX.

Anos 2000
Por conta da bolha da internet, UX começa a aparecer amplamente no mercado
e sua evolução foi acontecendo muito rapidamente. Alguns projetos começam a
chamar atenção do mercado, como as versões mais interativas de sites como o
portal Globo.com, desenvolvido pela equipe comandada por Felipe Memória, e as
evoluções do design de interface da UOL. Memória foi também responsável pelo
primeiro grande sucesso de vendas de livro da área, com a obra Design para internet:
projetando a experiência perfeita, lançado em 2005.

Isso significa que, antes de 2005, o país já havia atingido o segundo nível proposto
por Spool, e as empresas já possuíam o entendimento de que o mercado colocava
o UX como algo importante.

Entre 2005 e 2006, houve uma consolidação do investimento sério em equipes de


UX no Brasil: exemplos disso são a equipe liderada por Felipe Memória na Globo e
a criação de núcleos multidisciplinares de Experiência do Usuário em Institutos de
Inovação, como o Centro de Estudos Avançados do Recife (CESAR), com a primeira
equipe formada por Mabuse (designer), Filipe Levi (cientista da computação) e Paulo
Melo (psicólogo).

Em 2006, a PUC-Minas ofertou a primeira especialização focada em Design de


Interação. O curso contava com os professores Caio César, Marcos Kutova e Daniel
Alenquer e uma geração de profissionais extremamente ativos foi formada em Belo
Horizonte por conta desta especialização.

Em 2007, Carolina Leslie e Guilhermo Reis criaram o Primeiro Encontro sobre


Arquitetura da Informação. Foi neste evento que Sílvia Melo apresentou o blog de AI,
criado pela equipe da Agência Click, para relatar os projetos utilizando arquitetura
da informação.

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Profissionais desenvolvendo projetos.
Fonte: Freepik (2022).

Entre 2007 e 2013, percebe-se uma evolução das equipes de UX nas empresas, e
o Brasil entra na quarta fase mencionada por Jared Spool, em que se encontram
UX designers infiltrados em outros setores. O tema já está consolidado no mercado
brasileiro.

Cabe destacar que foi em 2013 que ocorreu o Interaction South America, evento
que reuniu 1.200 pessoas em Recife (PE) – uma cidade fora do eixo Rio-São Paulo-
Belo Horizonte, onde a maioria das oportunidades em UX se concentravam – com a
intenção de trocar experiências sobre Experiência do Usuário

A partir de 2013, intensifica-se o entendimento de que a UX deve estar integrada aos


serviços e muitas empresas fazem investimentos neste segmento. Um dos casos de
sucesso é o Nubank, banco digital fundado em 2013 que focou muito de seu modelo
de negócio em oferecer uma nova experiência de uso para serviços financeiros.
Apesar da evolução do mercado e dos avanços na inserção, adaptação e melhoria
das equipes de UX nas organizações, o mesmo não acontece com tanta rapidez nos
serviços públicos.

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Antes de finalizar, gostaria de contar como foi a evolução da
informática nos anos 1980 e como isso influenciou minha escolha
em trabalhar com Design e, posteriormente, com Experiência do
Usuário. Eu percorri muitas agências bancárias com minha mãe
no fim dos anos 1980 e, principalmente, no começo dos anos 1990,
em Recife. Era a saída de casa perfeita: eu sabia que ia demorar
bastante, e íamos comer alguma coisa na sequência. E posso
explicar por que eu sempre achava que esse passeio iria demorar.

Entre os anos de 1970 e 1980, os bancos já estavam no processo


de informatização dos seus serviços e, no fim da década de 1980,
possuíam o setor de Processamento de Dados. Ou seja, o cliente
ia até o caixa – que só estava equipado com calculadora, lápis,
caneta e recibos –, realizava a transação necessária e recebia um
comprovante. Se minha mãe quisesse, por exemplo, depositar
algo na conta do meu pai, receberia o comprovante, mas a
operação bancária ainda não teria sido realizada, pois era só
no fim do expediente que as transações realizadas no dia eram
levadas para o processamento de dados e de fato inseridas no
sistema. O processamento de dados foi desenvolvido apenas
para os programadores do banco conseguirem realizar suas
tarefas. Como era feito? Pouco importa. No momento, o que
importa é que o sistema tinha uma função (ou várias) que era
desempenhada pela mesma equipe que o desenvolveu.

Com o avanço da computação e o barateamento dos computadores


pessoais na década de 1980, os bancos começaram a investir no
chamado “processo de informatização”. Em um longo processo,
os caixas renovaram suas ferramentas de trabalho e os bancos
fizeram um investimento pesado em treinamento, afinal, naquela
época muitos não sabiam utilizar o computador e muito menos o
software para executar a tarefa que faziam de maneira analógica.

Acredito que investiram entre três a seis meses de treinamento,


mas a dificuldade na utilização da ferramenta era perceptível:
as filas não melhoraram, os atendimentos não estavam mais
rápidos. Está claro para mim que a informatização era um
processo que vinha do núcleo de Tecnologia da Informação e
não passava pelos usuários chave que iriam executar aqueles
processos, ou seja, os próprios caixas do banco.

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21
O que estava disponível na época era um sistema desenvolvido
pelos programadores, mas que não olhava para as pessoas que
realmente iriam realizar as funções do software. Essas pessoas
eram apenas treinadas para usar o sistema, sem nunca terem sido
consultadas sobre suas necessidades. Era um processo guiado, e a
interface não tenha sido pensada especificamente para quem iria
utilizá-la. O treinamento tentou mitigar esse problema, fornecendo
as informações necessárias para a pessoa manusear a ferramenta
adequadamente, mas, apesar disso, o processo ainda não era ideal.
Eu via muitos caixas com os manuais na mão, tentando encontrar
a informação que resolvia o problema naquele momento. Para
alguns problemas mais difíceis, eles precisavam chamar o pessoal
do processamento de dados para resolver e conseguir destravar a
fila que já se criava com aquela situação.

Com o passar do tempo, o processo de informatização foi


concluído: todos os caixas, gerentes e atendentes de todas as
naturezas dos bancos já estavam habituados com computadores e
os sistemas iam melhorando pouco a pouco, a partir dos feedbacks
de quem os usava. Nesse momento, o banco acreditava que a
melhor solução seria fazer um ambiente de autoatendimento.
Isso mesmo, autoatendimento: disponibilizar uma máquina
para que as pessoas, sem treinamento prévio, pudessem realizar
transações bancárias sozinhas.

Em 1983, em Campinas, município no interior de São Paulo, foi


instalado o primeiro caixa eletrônico do Brasil. Muito se fez
para melhorar a experiência que os caixas e atendentes dos
bancos já tinham, e, realmente, as interfaces dos pontos de
autoatendimento me pareceram bastante promissoras. No
entanto, acredito que, naquele momento, um elemento não foi
bem calculado. Entre o sistema e a função que ele desempenha,
existe uma interface que será utilizada por pessoas – pessoas
sem treinamento prévio, com muitas necessidades, desejos,
habilidades e, inclusive, frustrações anteriores com o ambiente
bancário. Não estou generalizando em dizer que todos são iguais:
aqueles que particularmente presenciei me fizeram acreditar
que poderia ser assim em todo lugar.

Essa experiência me fez olhar com mais cuidado sobre como


as pessoas usavam a tecnologia. Naquele período, eu estava
entrando na adolescência e percebi que muitos do círculo
familiar ainda não usavam bem os computadores, nem os

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22
aparelhos celulares que começaram a surgir na mesma época.
Como descrevem Oliveira, Limeira e Santa Rosa (2014, p. 3), os
serviços passaram por um processo “homogeneizador, que
culmina em um novo estágio econômico, denominado […] de
"economia da experiência”. Essa economia da experiência que
vi acontecer bem na minha frente foi o motivo de hoje ser tão
atento e querer saber o tempo todo (em alguns momentos até de
maneira insistente) porque as pessoas não estavam conseguindo
usar algum produto, serviço ou artefato digital.

Inovação em produtos, serviços e artefatos digitais.


Fonte: Freepik (2022).

Pinheiro e Alt (2011) trazem uma reflexão que reforça o entendimento que é possível
ter sobre o processo de inovação. Os autores comentam que a tecnologia muitas
vezes tem o importante papel de impulsionar uma inovação, mas “[…] ela sozinha não
sustenta uma oferta. Não é porque as coisas são novas e tecnicamente avançadas
que as pessoas as utilizam, encaixam em suas vidas e recomendam” (PINHEIRO;
ALT, 2011, p. 23). Para criar boas experiências que as pessoas vão gostar, admirar
e compartilhar, é preciso conseguir vislumbrar novas possibilidades e fazer as
perguntas corretas para chegar nessa inovação. De acordo com os autores, muitos
gestores estão com o olhar errado quando se trata de inovação:

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23
"Gestores de produtos estão sempre com pressa. Eles
são recompensados por colocar novas ofertas nas
prateleiras, e, na correria, pouco entendem ou param
para refletir sobre as necessidades e os desejos das
pessoas. Focam mais em estudar atributos presentes
nos produtos dos competidores e tentar superá-los
em seus próximos lançamentos do que em encontrar
janelas de relevância no relacionamento com o
consumidor. […] Por esse motivo não corremos o tempo
todo atrás de inovação. Corremos atrás de transformar
serviços existentes em preferidos. A inovação será
sempre uma consequência direta de alcançarmos esse
propósito. Para que um serviço tenha a chance de ser
inovador, ele deve antes alcançar premissas básicas de
uso e confiabilidade” (PINHEIRO; ALT, 2011, p. 153-154).

Os autores apresentam também a pirâmide de tarefas e experiências, reproduzida


na imagem a seguir:
EXPERIÊNCIAS

SIGNIFICATIVO
TEM UM
SIGNIFICADO PESSOAL

AGRADÁVEL
UMA EXPERIÊNCIA DIGNA DE
SER COMPARTILHADA

CONVENIENTE O ABISMO

SUPER FÁCIL DE UTILIZAR E POUCAS EMPRESAS


FUNCIONA COMO IMAGINEI CRUZAM ESSA LINHA

UTILIZÁVEL
PODE SER USADO SEM
DIFICULDADES

CONFIÁVEL
DISPONÍVEL E CONSISTENTE

FUNCIONAL (ÚTIL)
FUNCIONA COMO PLANEJADO

TAREFA

Pirâmide de tarefas e experiência.


Fonte: Pinheiro; Alt (2011, p. 155). Elaboração: CEPED/UFSC (2022).

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24
"Ao usar a pirâmide de tarefas e experiências como
referência, fica fácil de entender por que ainda se
tem muito a caminhar no Brasil no que diz respeito
a construir uma reputação sólida de ofertas no setor
de serviços. Por aqui, poucos serviços ultrapassam
a linha da conveniência e, no setor público, alguns
sequer entrariam na pirâmide. Mas uma coisa é certa.
No mundo todo empresas gastam milhões de dólares
por ano em projetos que visam melhorar a entrega da
experiência para o consumidor final. Mesmo assim,
em sua maioria, entregam experiências meramente
funcionais que, quando muito, não sustentam bons
resultados e muito menos posicionam suas marcas
como preferidas na cabeça do consumidor […]. As
empresas mais bem-sucedidas em diminuir esse ruído
e entregar experiências extraordinárias são as que
estão mais preocupadas em desenhar e sustentar
um relacionamento próximo, sincero, transparente
e empático com seus clientes e fornecedores. Dessa
forma, elas diminuem o risco de projetar ofertar fúteis
e de baixo valor agregado e aumentam o impacto de
cada centavo investido em projetos, sejam esses de
melhorias de situações existentes ou busca de novos
modelos de negócio” (PINHEIRO; ALT, 2011, p. 155-158).

No próximo tópico, você vai ver uma análise sobre como os elementos da Experiência
do Usuário ajudam nessa jornada.

1.3 Elementos da Experiência do Usuário

A partir do momento em que se entende o conceito da Experiência do Usuário,


passa-se a ter a necessidade de esquematizar esse conhecimento em processos
para conseguir sistematizar o uso em projetos de design. Foi com essa precisão que
Jesse James Garrett criou o livro Os Elementos da Experiência do Usuário, que teve sua
primeira versão em 2000 e uma segunda edição em 2011. O tempo decorrido entre
as duas versões permitiu que o entendimento do termo ganhasse maturidade, mas
a essência dos elementos criados por Garrett se manteve.

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25
O objetivo do Garrett (2011) ao criar o gráfico reproduzido a seguir foi explicar, de
maneira didática, o processo de design de artefatos digitais envolvendo o conceito
da Experiência do Usuário, até então bastante novo. O foco era compreender que
o início de um novo projeto envolve bastante incertezas. Isso quer dizer que, no
princípio, surgem ideias abstratas acerca do projeto e, aos poucos, a partir da
maturidade que a equipe ganha com o passar do tempo, é possível criar soluções
concretas para os problemas trabalhados. A passagem do abstrato para o concreto
envolve algumas etapas, que Garrett chamou de elementos. Veja a imagem abaixo
para compreender os Elementos da Experiência do Usuário.

Concreto Maturidade

Design Visual

Design da Design da
Interface Navegação
Design da Informação

Design Arquitetura
de da
tempo

Interação Informação

Especificações Requisitos
Funcionais de Conteúdo

Necessidades do Usuário
Objetivos do Site
Abstrato Concepção

Elementos da Experiência do Usuário.


Fonte: Garrett (2000). Elaboração: CEPED/UFSC (2022).

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26
Cabe reforçar que esse modelo de diagrama é uma criação de 2000 e que alguns
termos já não são usados no mercado (Design Visual, por exemplo, foi substituído
por UI Design, Design de Interação por UX Design). Porém o entendimento dessas
etapas e fases desenvolvidas por Garrett é fundamental para aprender a metáfora
da criação de um artefato digital. Se você não tem muita experiência em criação de
artefatos digitais como websites, aplicativos ou software, é fortemente aconselhável
que aprenda cada uma das partes dos Elementos da Experiência do Usuário.
Caso você já tenha experiência, analise os Elementos como uma metáfora que o
campo do design criou nos anos 2000 para explicar o processo de criação de novos
produtos digitais. Você poderá se aprofundar em cada uma das etapas. A leitura
do infográfico se inicia sempre de baixo para cima, ou seja, a ordem das etapas é:
Estratégia, Escopo, Estrutura, Esqueleto e Superfície.

1 Estratégia

Garrett (2011) reforça que, nessa etapa inicial de um projeto, é importante entender
duas coisas:

• o que os usuários querem?; e

• quais os objetivos do artefato?

Para entender o que os usuários querem, é necessário um esforço da equipe para


realizar uma série de observações externas a partir de pesquisas com usuários,
entrevistas, análises de contexto e outros métodos que podem ser utilizados nessa
etapa. O entendimento do objetivo, por sua vez, acontece a partir de entrevistas,
análise de documentos de metas do negócio, das necessidades criativas e de outras
especificidades que sejam necessárias para entender o projeto.

2 Escopo

Na etapa de escopo, Garrett (2011) reforça a importância do conteúdo ao focar em


duas etapas:

• especificações funcionais; e

• requisitos de conteúdos.

Nas especificações funcionais, o foco está na descrição detalhada de funcionalidades


que o artefato digital deve incluir para ir ao centro das necessidades do usuário. Para
os requisitos de conteúdo, há toda uma definição dos elementos de comunicação
necessários ao artefato para que este consiga, também, suprir as necessidades
dos usuários.

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3 Estrutura

Na etapa de estrutura, Garrett (2011) foca em mais duas etapas:

• design de interação; e

• arquitetura de informação.

No design de interação, o foco está no desenvolvimento dos fluxos criados para


facilitar as tarefas do usuário, definindo como ele interage com as funcionalidades
propostas na etapa anterior. Na arquitetura de informação, o foco é o design
estrutural, que serve para facilitar o acesso fácil ao conteúdo por meio de
esquematização dos rótulos, menus e áreas de conteúdo do artefato.

4 Esqueleto

Na etapa de esqueleto, existem três elementos que devem ser trabalhados:

• design de interface

• navegação; e

• design da informação

O design da interface foca em como os elementos da interface facilitam a


interação do usuário com as funcionalidades. O design da navegação, por sua
vez, está preocupado com os elementos da interface com o objetivo de facilitar a
movimentação do usuário por meio da arquitetura da informação. E, por fim, o
design da informação está preocupado como a informação que será apresentada
para facilitar a compreensão, bem como toda a hierarquia das informações na tela.
Nessa etapa, a densidade informacional é bastante estudada, tentando facilitar ao
máximo os objetivos do usuário e tornar a experiência mais agradável, utilizando a
menor carga cognitiva possível para o concluir o objetivo.

5 Superfície

Na etapa de superfície, Garrett (2011) comenta sobre duas questões:

• como será o visual do produto final; e

• qual será sua estética?

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28
Nesta etapa, a preocupação é com o tratamento gráfico dos elementos da interface, assim
como dos elementos visuais, como textos, elementos gráficos das páginas, e os componentes
de navegação, como botões, ícones, imagens e todos os elementos de interação.

Você chegou ao fim desta unidade de estudo. Caso ainda tenha dúvidas, reveja o
conteúdo e se aprofunde nos temas propostos.

Até a próxima!

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29
Referências

BARBOSA, Simone; DA SILVA, Bruno; SILVEIRA, Milena; GASPARINI, Isabela; DARIN,


Ticianne; BARBOSA, Gabriel. Interação Humano-Computador e Experiência do
Usuário. [S.l.]: Autopublicação, 2021.

GARRETT, Jesse James. The Elements of User Experience: User-centered design for
the web and beyond. Berkeley, CA: New Riders, 2011.

GARRETT, Jesse James. Os Elementos da Experiência do Usuário. [S.l.], 2000.


Disponível em: http://www.jjg.net/elements/translations/elements_pt.pdf. Acesso
em: 16 fev. 2022.

GRILO, André. Experiência do usuário em interfaces digitais: compreendendo o


design nas tecnologias da informação. Natal: SEDIS-UFRN, 2019.

Inside Intercom: Jared Spool on UX Design. Entrevistado: Jared Spool. Entrevistador:


Des Traynor. [S.l.], Intercom, 13 out. 2016. Disponível em: https://www.intercom.
com/blog/podcasts/jared-spool-on-ux-design. Acesso em: 16 fev. 2022.

OLIVEIRA, Renato; LIMEIRA, Carlos; SANTA-ROSA, José Guilherme. A experiência do


usuário no processo evolutivo do design. In: Anais do 11º Congresso Brasileiro
de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Gramado, 2014. Disponível em:
https://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/a-experincia-do-usurio-no-
processo-evolutivo-do-design-12922. Acesso em: 17 fev. 2022.

PEREIRA, Rogério. User Experience Design: Como criar produtos digitais com foco
nas pessoas. São Paulo: Casa do Código, 2018.

PINHEIRO, Tennyson; ALT, Luis. Design Thinking Brasil: empatia, colaboração e


experimentação para pessoas, negócios e sociedade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

TEIXEIRA, Fabrício. Introdução e boas práticas em UX. São Paulo: Casa do Código,
2014.

VAN AMSTEL, Frederick. A história da experiência do usuário no Brasil. Usabilidoido.


2018. Disponível em: https://www.usabilidoido.com.br/a_historia_da_experiencia_
do_usuario_no_brasil.html. Acesso em: 17 fev. 2022.

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30
Unidade 2: Design Centrado no Usuário
Objetivo de aprendizagem

Ao final desta unidade, você será capaz de compreender o conceito de Design Centrado no Usuário.

O Design Centrado no Usuário impacta na Interação Humano-Computador e,


para compreender melhor o assunto, serão apresentados os seguintes tópicos: a
importância do Design Centrado no Usuário, os princípios fundamentais do Design
Centrado no Usuário e os desafios do Design Centrado no Usuário.

2.1 Importância do Design Centrado no Usuário

Design Centrado no Usuário é uma abordagem para a Interação Humano-


Computador (IHC) que tem como princípio focar as escolhas de design nas
necessidades e problemas dos usuários reais dos artefatos e serviços. Assim como
preconizam Preece, Rogers e Sharp (2005),

“Uma abordagem centrada no usuário quer dizer que


usuários reais e suas metas, não apenas a tecnologia,
deveriam constituir a força condutora por trás do
desenvolvimento de um produto. Como consequência,
um sistema bem projetado deveria extrair o máximo
da habilidade e dos julgamentos dos humanos e ser
diretamente relevante para o trabalho em questão. Deveria
apoiar o usuário, e não limitar suas ações. Tudo isso implica
muito menos em técnica e mais filosofia” (p. 305).

O design centrado no usuário surgiu como reação às abordagens anteriores, que


estavam apresentando resultados insatisfatórios. Anteriormente, os desenvolvedores
conversavam com gerentes ou “usuários-cobaias”, isto é, pessoas que atuavam como
usuários no sistema. Basicamente, era um teatro para tentar convencer as pessoas
envolvidas de que os usuários estavam sendo ouvidos no desenvolvimento. Não estavam.

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31
Design Centrado no Usuário.
Fonte: Freepik (2022).

Envolver os usuários em todo o processo de desenvolvimento de um produto, além


de essencial, é uma maneira de assegurar que seus desejos e necessidades sejam
ouvidos e compreendidos pela equipe do projeto desde seu princípio. Preece, Rogers
e Sharp (2005) argumentam que, dessa forma, “desenvolvedores podem obter um
melhor entendimento das necessidades e dos objetivos dos usuários, o que leva a
um produto mais adequado e de maior utilidade” (p. 190).

No entanto, as autoras reforçam que dois outros aspectos, que nada têm a ver com
funcionalidade, são também importantes, caso se pretenda que o produto seja realmente
útil e utilizado: o gerenciamento de expectativa e o sentimento de apropriação.

Gerenciamento de Expectativas
“O gerenciamento de expectativa é o processo de certificar-se que as visões do usuário
e suas expectativas com relação ao novo produto sejam realistas. O propósito do
gerenciamento de expectativas consiste em assegurar que não haja surpresas para
os usuários quando o produto chegar em suas mãos. Se estes sentem terem sido
‘enganados’ por promessas não cumpridas, tendem a oferecer certa resistência ao
produto e talvez até a rejeitá-lo. O gerenciamento de expectativa será relevante se
você estiver trabalhando com uma organização na introdução de um novo sistema
de software ou no desenvolvimento de um novo brinquedo interativo. Em ambos os
casos, o marketing do novo produto deve ser cuidadoso, a fim de não desvirtuar o
produto.
Quantas vezes você observou um anúncio de algo que lhe pareceu realmente
interessante e útil e, no entanto, após ter adquirido o produto, descobriu que seu
marketing era um tanto exagerado? É possível que você tenha ficado um pouco triste
e desapontado. Bem, é esse tipo de sentimento que o gerenciamento de expectativa
busca evitar.

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32
É melhor exceder as expectativas do usuário do que ficar aquém delas. Isso não
implica, contudo, que somente mais características sejam acrescentadas, mas que
o produto ofereça suporte ao trabalho dos usuários com mais eficácia do que o
esperado. Envolver os usuários durante o desenvolvimento ajuda no gerenciamento
de expectativa, uma vez que eles estarão aptos a verificar, desde um estágio bem
inicial, quais são as capacidades do produto e quais não são. Eles também entenderão
melhor como seus trabalhos serão afetados e o que podem esperar realizar com o
produto; a probabilidade de ficarem desapontados é menor. Os usuários podem
também observar as características desenvolverem-se e entender, ao menos em um
certo nível, por que as características do produto são da forma que são” (PREECE;
ROGERS; SHARP, 2005, p. 190).

Sentimento de apropriação
“Uma segunda razão para a participação do usuário diz respeito ao sentimento de
apropriação. Os usuários que estiverem envolvidos e perceberem ter contribuído para o
desenvolvimento de um produto provavelmente vão se sentir seus ‘donos’, mostrando-
se mais receptivos quando ele estiver pronto” (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 190).

Adotar uma abordagem centrada nos usuários implica descobrir muitas coisas
sobre como as pessoas pensam e realizam suas tarefas. Essas informações são
utilizadas para direcionar o design. Estudar e observar pessoas em seus ambientes
e contextos naturais, como o trabalho ou o ambiente de estudo, pode ajudar a
proporcionar inspirações que outras técnicas de coleta de dados não conseguiriam
adquirir facilmente. Essa abordagem é bastante comum nas equipes que envolvem
inovação em design, bem como nas equipes de design de interação. Nelas trabalham
os designers de interface, os UX designers, os pesquisadores e os UX writers.

Outro aspecto diz respeito ao envolvimento do usuário no processo de desenvolvimento


de um novo produto. Existem diversos graus de envolvimento: por exemplo, pode-
se envolver usuários utilizando o processo de observação ou análise de contexto,
em que o designer vai até o ambiente de trabalho do usuário para compreender
como ele realiza determinada atividade. Outra maneira de envolver os usuários nos
projetos é inseri-los ativamente no processo de criação, tornando-os co-designers do
produto em questão. Apesar dos usuários não serem, necessariamente, designers,
os benefícios da contribuição deles no processo de criação é enorme e se refletem
até mesmo na aceitação por parte de outros usuários do produto.

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33
Desenvolvimento de novos produtos.
Fonte: Freepik (2022).

Como é possível observar, muitas técnicas que envolvem os usuários de forma ativa
e produtiva para o design têm sido desenvolvidas como os processos do co-design
(PACHECO; TOLEDO, 2016), design de interação (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005) e
design participativo (VAN AMSTEL, 2014).

Os princípios do design centrado no usuário e do design participativo parecem


ser semelhantes, mas podem não ser tão parecidos em sua base filosófica: ambos
surgiram na década de 1980, porém em local e perspectiva diferentes (VAN AMSTEL,
2014). Na literatura de design e computação, esses dois conceitos são considerados
semelhantes, mas a diferença de base é a seguinte:

O design centrado no usuário surgiu nos Estados Unidos, no bojo


da popularização da computação pessoal. Até então, os sistemas
computacionais eram projetados para serem operados por
especialistas em computação e, quando um especialista em outro
assunto ia usar, tinha grande dificuldade (VAN AMSTEL, 2014).

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34
“O design participativo surge na Escandinávia, no
bojo da reivindicação por maior participação nas
tomadas de decisão acerca das condições de trabalho
feita pelos sindicatos de trabalhadores. A introdução
da informática em postos de trabalho preocupava
os trabalhadores pois podia tomar o conhecimento
de trabalhadores obsoletos, gerando desemprego.
Pesquisadores da computação propuseram, ao invés
de importar sistemas computacionais, desenvolvê-
los localmente. Se os trabalhadores participassem
do projeto desses sistemas, poderiam evitar de ser
considerados obsoletos” (VAN AMSTEL, 2014).

Pacheco e Toledo (2016) comentam que uma das diferenças entre as duas abordagens
é que, no Design Centrado no Usuário, “os designers e os pesquisadores trabalham
separadamente na observação do usuário, estudando e planejando”; já no design
participativo, “pesquisadores e designers trabalham juntos, podendo ser até a
mesma pessoa” (p. 13).

2.2 Princípios Fundamentais do Design Centrado no Usuário

Em 1985, Gould e Lewis (1985 apud PREECE; ROGERS; SHARP, 2005) postularam três
princípios que acreditavam que iriam produzir “um sistema computacional útil e
fácil de usar”.

1 Foco no usuário e nas tarefas desde o princípio


“Isso significa, a princípio, entender quem serão os usuários, estudando-se
diretamente suas características cognitivas, comportamentais, antropomórficas e
suas atitudes. Para tanto é preciso observá-los durante a realização de suas tarefas
normais, estudar a natureza dessas tarefas e envolvê-los no processo de design”
(PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

2 Avaliação empírica
“Logo no início do desenvolvimento, as reações e os desempenhos dos usuários
pretendidos para os cenários impressos, manuais etc., são observados e medidos. Mais
tarde, eles interagem com simulações e protótipos, e seu desempenho e suas reações
são observados, registrados e analisados” (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

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35
3 Design iterativo
“Quando são encontrados problemas nos testes com usuários, eles são consertados
e mais testes e observações são realizadas a fim de que se vejam os efeitos das
melhorias. Isso significa que o design e o desenvolvimento são iterativos, com ciclos
de ‘design, teste, avaliação, redesign’, repetidos quantas vezes forem necessárias.
Hoje reconhece-se a iteração amplamente como necessária. Quando Gould e Lewis
escreveram seu artigo (em 1985), no entanto, a natureza iterativa do design não
era aceita pela maioria dos desenvolvedores. Na verdade, eles comentam no seu
artigo o quão ‘óbvios’ são esses princípios e salientam que, quando começaram
a recomendá-los a designers, as reações mostravam que tais princípios eram
realmente óbvios. Todavia, quando perguntaram aos designers, em um simpósio de
fatores humanos, quais eram os principais passos no design de software, a maioria
não citou a maior parte dos princípios - na verdade, apenas 2% mencionaram todos
eles. Portanto, talvez eles tivessem um mérito ‘óbvio’, ainda que não fossem tão
fáceis de serem postos em prática” (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 305-306).

Esses três princípios são bastante parecidos com as características principais


do design de interação, principalmente sobre a natureza interativa do design e
a necessidade de criação de metas de usabilidade. No livro Design de interação,
Preece, Rogers e Sharp (2005), além de abordar a questão da interação humano-
computador, também comentam sobre outros princípios que podem expandir e
esclarecer a adoção de alguns desses fundamentos nas equipes de inovação em
design. Conheça-os a seguir:

As tarefas e metas do usuário são a força condutora por trás do desenvolvimento


“Em uma abordagem do design centrado no usuário, embora a tecnologia informe
as opções e escolhas do design, ela não deve ser a força condutora. Em vez de
dizer ‘Onde podemos aplicar essa nova tecnologia?’, diga ‘Que tecnologias estão
disponíveis para proporcionar um suporte melhor às metas dos usuários?’” (PREECE;
ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

Comportamento do usuário e contexto de uso são estudados, e o sistema é


projetado para fornecer suporte a eles. Isso implica mais do que apenas captar
as tarefas e as metas do usuário
“A maneira como as pessoas realizam suas tarefas também é algo significativo.
Entender o comportamento faz ressaltar prioridades, preferências e intenções
implícitas. Um argumento contra estudar o comportamento diz respeito a estarmos
procurando melhorar o trabalho, e não captar maus hábitos na automação. A
implicação disso é que expor os usuários aos usuários provavelmente inibe a
inovação e a criatividade […]. Além disso, se algo for projetado para fornecer suporte
a uma atividade, mas com pouco entendimento do trabalho real envolvido - e sabe-
se que os usuários não gostam de desviar-se dos hábitos adquiridos caso estejam

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operando um novo equipamento semelhante ao que já utilizavam […]” (PREECE;
ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

As características dos usuários são capturadas para o design atendê-las


“Quando as coisas dão errado com a tecnologia, geralmente dizem que é por erro do
ser humano. Entretanto, como seres humanos, somos propensos a cometer erros, e
temos certas limitações, tanto cognitivas como físicas. Os produtos projetados visam
fornecer suporte aos seres humanos e devem levar em consideração esses fatores
para limitar o número de erros que podem ser cometidos. Aspectos cognitivos
como atenção, memória e questões de percepção são alguns dos que os designers
precisam ficar atentos. Aspectos físicos incluem altura, mobilidade força. Algumas
características gerais, como a de que 1 homem em 12 apresenta alguma forma de
deficiência na observação de cores (daltonismo); no entanto, algumas características
podem estar mais associadas a um trabalho ou a uma tarefa em particular. Logo,
assim como com relação às características gerais, é preciso captar também as
específicas do grupo de usuário pretendido” (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

Os usuários são consultados durante o desenvolvimento, desde as primeiras


fases até as últimas, e sua contribuição é seriamente levada em conta
“[…] existem diversos níveis diferentes de envolvimento do usuário e diferentes
maneiras de se consultarem usuários. Independentemente de como o envolvimento
é organizado, é importante que eles sejam respeitados pelos designers” (PREECE;
ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

Todas as decisões de design são tomadas dentro do contexto do usuário, seu


trabalho e seu ambiente
“Isso não significa necessariamente que os usuários estejam ativamente envolvidos
em decisões de design. Algumas equipes de design estabeleceram uma sala específica
para projetos, no qual dados e registros informais de sessões de brainstorming estão
fixados nas paredes ou sobre as mesas” (PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 305).

2.3 Desafios do Design Centrado no Usuário

O objetivo primordial do Design Centrado no Usuário é otimizar as interações das


pessoas com produtos baseados em computadores e sistemas interativos, e que
o designer consiga fornecer suporte para as necessidades dos usuários, satisfaça
seus desejos e melhore as suas capacidades para proporcionar uma experiência
agradável, eficiente e eficaz.

Cabe afirmar que a atividade de entender essas necessidades e torná-las em


requisitos funcionais para os sistemas é fundamental para o designer. Para tornar

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essa prática factível, “não se pode esperar ir longe com essas intenções, até que
estejam claros quem são os usuários e o que eles querem alcançar […] precisamos
saber quem consultar para descobrir essas necessidades e os quesitos dos usuários”
(PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 191).

“Identificar usuários pode parecer uma atividade


bastante simples, mas na verdade há muitas
interpretações para o termo ‘usuário’. A definição mais
óbvia diz respeito àqueles indivíduos que interagem
diretamente com o produto a fim de realizar uma
tarefa. A maioria das pessoas concorda com essa
definição; entretanto, existem outras que podem
ser consideradas definições de ‘usuários’” (PREECE;
ROGERS; SHARP, 2005, p. 191).

Portanto, como as autoras afirmam, há três categorias para classificar os usuários:


primários, secundários e terciários. Primários são os usuários frequentes do sistema;
secundários os que o usam de maneira ocasional; e terciários são aqueles que são
afetados pela introdução do sistema ou que terão influência no seu desenvolvimento.

Um desafio que aparece nesse contexto é que há um conjunto grande de pessoas


que têm participação no desenvolvimento de um produto inovador bem-sucedido.
Em geral, essas pessoas são denominadas de stakeholders ou atores.

Grupo de pessoas no desenvolvimento de produto inovador.


Fonte: Freepik (2022).

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Os atores podem ser classificados como pessoas (ou organizações inteiras) que serão
afetadas pelo artefato criado, ou que tem influência, seja ela direta ou indireta, nas
necessidades envolvidas para o desenvolvimento de um artefato. Outro desafio,
segundo Preece, Rogers e Sharp (2005), ocorre em casos em que o cliente formal da
proposta do artefato é um dos últimos da lista dos que serão afetados com o artefato
criado; portanto, é preciso tomar bastante cuidado com alterações que diminuam
o poder, influência e controle de alguns atores envolvidos sem colocar nada em
perspectiva para eles. As autoras lembram também que o grupo de atores pode
incluir “a própria equipe de desenvolvimento e seus gestores, os usuários diretos, os
que irão receber os resultados do produto, as pessoas impactadas negativamente”
(PREECE; ROGERS; SHARP, 2005, p. 191).

Outro ponto que deve ser destacado é o desafio de entender as necessidades dos
usuários. Como interpretar o que são essas necessidades? Como elas influenciam o
processo ao longo do tempo? Para Preece, Rogers e Sharp (2005),

“Se você tivesse perguntado a alguém na rua, em fins dos anos


1990, do que ela ‘necessitava’, duvido que a resposta pudesse
incluir algo como uma televisão interativa, uma jaqueta com
fios para conectar-se à rede ou uma geladeira inteligente. Se
você apresentasse essas três possibilidades à mesma pessoa e
perguntasse se ela compraria um desses produtos caso estivessem
disponíveis, a respostas poderia ser diferente. Portanto, quando
falamos em identificar necessidades, não se trata apenas de
perguntar às pessoas ‘Do que você precisa?’ e providenciar isso,
uma vez que elas não sabem o que é possível. Pelo contrário,
precisamos chegar até elas compreendendo suas características
e capacidades, o que estão tentando alcançar, como fazem isso
atualmente e se atingiriam seus objetivos com mais eficiência
caso recebessem um outro tipo de suporte” (p. 192-193).

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Van Amstel (2021) pauta um tópico extremamente relevante, que é o chamado “usuarismo”:

“Usuarismo é uma ideologia que reduz pessoas a meros


usuários, sem história, sem corpo, sem voz e sem
direitos, mas com muitas necessidades que podem
ser supridas pela tecnologia. Para evitar o usuarismo,
é preciso se alinhar aos assim chamados usuários a
participar da ‘infraestruturação’ de seus projetos,
de acordo com seus propósitos. Para participar
desta maneira, designers-usuários precisam estar
preparados para cruzar as fronteiras das disciplinas
acadêmicas” (VAN AMSTEL, 2021).

Que bom que você chegou até aqui! Chegou a hora de você testar seus conhecimentos.
Então, acesse o exercício avaliativo que está disponível no ambiente virtual. Bons estudos!

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Referências

PACHECO, Heliana; TOLEDO, Guilherme. O paradigma da motivação intrínseca:


contribuições da metodologia de Design Social para a prática e ensino de codesign.
Revista de Design, Tecnologia e Sociedade, [S. l.], v. 2, n. 2, 2016. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/design-tecnologia-sociedade/article/view/13670.
Acesso em: 17 fev. 2022.

PREECE, Jennifer; ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen. Design de interação: Além da


interação homem-computador. Porto Alegre: Boookman, 2005.

VAN AMSTEL, Frederick. Design Centrado no Usuário e Design Participativo.


Usabilidoido, 2014. Disponível em: https://www.usabilidoido.com.br/design_
centrado_no_usuario_e_design_participativo.html. Acesso em: 17 fev. 2022.

VAN AMSTEL, Frederick. Indo além do Design Centrado no Usuário. Usabilidoido, 2021.
Disponível em: http://www.usabilidoido.com.br/indo_alem_do_design_centrado_no_
usuario.html. Acesso em: 17 fev. 2022.

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