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Vaga-lumes e pokémons
Quando a mãe nos via muito tempo trancados no quarto, ela já esmurrava a porta:
Não vão para a rua hoje? O que aconteceu? Olha que vão virar mofo, ácaro, cupim...
Deflagrava uma campanha terrorista para que eu e os três irmãos tomássemos ar. Não sei se ela
tinha medo do que estávamos arquitetando, quietinhos, ou se realmente vinha de uma preocupação
sincera. Naquela época, filhos na rua significavam saúde, filhos confinados em casa indicavam sinal de
depressão.
Mas existia uma sentença mágica que nos impelia a abrir imediatamente o esconderijo e girar a
chave na fechadura: quando ela dizia que estava anoitecendo e perderíamos a chance de caçar vaga-
lumes.
Migrávamos do silêncio para o alvoroço. Gritávamos, brigávamos para cruzar o capacho primeiro e
partir em busca dos tesouros nos quintais do mundo.
Levávamos potes de vidro com um buraco na tampa e ziguezagueávamos pelos
bairros Petrópolis e Chácara das Pedras com os olhos em alerta. Bastava identificar o brilho
peculiar, que cercávamos o inseto e colocávamos em um vidro para estudarmos as suas emissões
luminosas. Era o equivalente a capturar estrelas. Depois de uma hora observando o facho luminoso dos
besouros e procurando entender aquela estranha eletricidade, devolvíamos os bichinhos aos canteiros e
árvores.
Quando vejo turmas perseguindo pokémons nas praças, com o visor dos celulares na frente dos
olhos, eu não identifico o novo jogo como alienação. Não irei chamá-los de zumbis digitais, não
reclamarei de que eles desprezam a realidade e só pensam em jogar, não farei cara de cegonho quando
explicarem que estão no pokéstop e que usam pokébola para capturar os monstros ou que sonham em
prender o Pikachu e chocar ovos.
Como pai, fico imensamente feliz, repetindo a atitude de minha mãe há três décadas.
Finalmente os adolescentes estão saindo do quarto, caminhando, fazendo exercícios,
conhecendo espaços públicos, decorando o nome de ruas, começando amizades com quem também
gosta do game, entrando em museus e prédios históricos que jamais conheceriam por sua
espontânea vontade.
E ainda desfrutam do lucro ecológico, diferente da minha infância, de não torturar vaga-lumes.
Disponível em: http://carpinejar.blogspot.com/2016/08/vaga-lumes-e-
pokemons.html
ANDRADE, Carlos Drummond. Caso de recenseamento. In: Para gostar de ler. v. 2. Crônicas. São Paulo: Ática, 1995. p. 30-
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Vidas secas
O mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. Mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo.
Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e, como em
redor não havia comida, seguiam viagem para o Sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol
chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. ed. Rio de Janeiro: Record,
1996.
No sertão do Nordeste vivia antigamente um homem cheio de conversas, meio caçador e meio
vaqueiro, alto, magro, já velho, chamado Alexandre. Tinha um olho torto e falava cuspindo a gente,
espumando como um sapo-cururu, mas isto não impedia que os moradores da redondeza, até
pessoas de consideração, fossem ouvir as histórias fanhosas que ele contava.
Tinha uma casa pequena, meia dúzia de vacas no curral, um chiqueiro de cabras e roça de milho
na vazante do rio. Além disso possuía uma espingarda e a mulher. A espingarda lazarina, a melhor
espingarda do mundo, não mentia fogo e alcançava longe, alcançava tanto quanto a vista do dono;
a mulher, Cesária, fazia renda e adivinhava os pensamentos do marido. Em domingos e dias santos
a casa se enchia de visitas — e Alexandre, sentado no banco do alpendre, fumando um cigarro
de palha muito grande, discorria sobre acontecimentos da mocidade, às vezes se enganchava e
apelava para a memória de Cesária. Cesária tinha sempre uma resposta na ponta da língua. Sabia de
cor todas as aventuras do marido [...]
A namorada
Havia um muro alto entre nossas Casas. Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail
O pai era uma onça
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.
Disponível em: Manoel de Barros. In: Tratado geral das grandezas do ínfimo. Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 17. Acesso em: 30 mar. 2022.
8. O tema do poema é
(A) namoro de antigamente.
(B) bilhetes entre vizinhos.
(C) recado de amigos.
(D) ilusão amorosa.
Menina, menina
Como ficará o rio, menina
quando seu barco partir?
Tudo ficará tão frio, menina,
quando seu barco partir.
Você partindo, menina,
como num voo de pássaro, vai acabar ficando, menina,
na vida deste espaço.
Se eu tivesse dinheiro, menina,
Se eu tivesse idade, segurava você aqui, menina.
Ou deixava esta cidade.
Como vou ficar, menina,
quando seu barco partir? vou chorar ou sorrir, menina,
quando seu barco partir?