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A JORNADA DO LUTO TRAUMÁTICO E SEUS PERCALÇOS

Maria Silvia Costa Pessoa

Introdução

A verdadeira dor é invisível. Se você falar a respeito das suas angústias, está
com sorte, significa que não é nada tão importante, Porque, quando a dor
cai sobre você sem paliativo, a primeira coisa que lhe arranca é 7a palavra.
Rosa Montero, 2019, p. 21.

Este capítulo tem como objetivo expandir nosso olhar para o luto traumático e o
processo de ressignificação das perdas, à luz da psicologia analítica. Tem como foco
discutir sobre os diferentes aspectos que envolvem a psicodinâmica simbólica do luto
traumático. Com base nos eixos luto-trauma e ego-Self, busca-se refletir sobre os
percalços que implicam a jornada do luto traumático e a importância de o profissional
que atende indivíduos enlutados procurar respaldo psíquico e conhecimentos
específicos, para atuar de forma segura e eficiente.
Os profissionais que trabalham com o luto enfrentam muitas situações de
extremo sofrimento, lutos impactantes que geram traumas e afetam a vida do enlutado e
das pessoas que o cercam. São afetados também com situações de devastação da guerra,
desastres, tragédias naturais e comunitárias e pandemias globais.
Cada profissional precisa familiarizar-se com sua visão de morte e de vida e
lidar com suas perdas, para poder abordar com maior liberdade a perda do outro. Nossas
próprias ansiedades são despertadas, quando adentramos o campo da morte e do luto,
pois inevitavelmente experimentamos os seus impactos. Sim, somos todos humanos e
vulneráveis, e, solitariamente, algum dia em nossa vida, enfrentaremos perdas
importantes, assim como a nossa própria morte.
Segundo Parkes (1998), o luto pela morte de um ente querido se configura num
trauma relevante, pois acarreta algum impacto na vida daqueles que ficam.
No confronto com a morte, o indivíduo é arrebatado do mundo conhecido,
familiar, presumível e relativamente seguro. O sentimento de pesar o conduz à perda, à
falta, de modo que o mundo que agora se apresenta não lhe faz sentido. Dessa forma,
ele se encontra “sem mundo definido”, ele se vê entre o mundo que é e o mundo que
deveria ser. Em situações de perda, o mundo presumido é rompido, esperanças e sonhos
são modificados, quando não são destruídos. Logo, é necessário rever a interpretação
sobre o mundo depois da perda, incorporando-a (Doka, 2002; Janoff-Bulman, 1992).
O momento da notícia de uma morte é caracterizado por um estado de
entorpecimento, dificultando sua proximidade com a nova realidade. Tal dificuldade é
acentuada, quando as perdas ocorrem em situações de vulnerabilidade, de maneira
repentina e/ou trágica.
Nem toda situação experimentada como estressante e dolorosa será traumática,
porém, como enfatizam Parkes e Prigerson (2010), o luto por tragédias e
acontecimentos violentos e desastrosos aumenta a probabilidade do luto traumático. A
esse respeito, Franco (2021, p. 50) escreve:
Os eventos de mudança na vida com maior demanda de adaptação são
aqueles que requerem que as pessoas revejam seus conceitos sobre o mundo;
apresentam implicações duradouras, e não transitórias; acontecem em um
tempo curto, em que não há possibilidade de preparação.

Entre as importantes vivências dolorosas humanas enfrentadas, no decorrer do


desenvolvimento psicológico, o impacto da morte trágica e das perdas complexas
apresenta-se intensamente desafiador. É o trauma, fenômeno sentido como grandioso,
intrusivo, repentino, extemporâneo e infindável. Não é raro escutarmos os seguintes
termos, para expressar a dor de uma perda trágica: inconcebível, insuportável,
devastador, indescritível.
No luto traumático, há uma força que ameaça a integração do ego, a qual
Donald Kalsched (2013) denomina afeto arquetípico, o qual é desencadeado no trauma.
Quando não tratada e conscientizada, pode perdurar e se constelar, sombriamente,
tempos depois do trauma instalado. É a sombra do luto que se expressa no pesar da
perda, dificultando o processo de ressignificação e tornando caótica a vida da pessoa
enlutada.
Portanto, o luto, de modo geral, é um processo natural que envolve a luta para
alcançar uma compreensão abrangente das mudanças que o indivíduo precisa enfrentar,
de sorte a encontrar um sentido para suas perdas, para a vida e para morte. Não se trata
de uma entrega impotente aos fatos, todavia, de um posicionamento intencional,
consciente, o qual permita uma conexão com algo maior.
Jung, ao enfrentar uma doença grave, afirma: “Foi só depois da minha doença
que compreendi o quanto é importante aceitar o destino. Porque assim há um eu que não
recua quando surge o incompreensível.” (Jung, 1975, p. 259).
Jung (1996) considera a experiência fundamental para o processo de
individuação, tanto a experiência de sofrimento profundo quanto a capacidade humana
de adaptação e renovação, porque ambas geram transformação. Para os alquimistas, é na
noite permeada pela presença da morte que o homem sente momento certo de se
apresentar por inteiro e passar pelos seus umbrais.
É assim que a opus alquímica se completa, com a misteriosa experiência da
morte, a difícil vivência de um fim e um trabalhoso renascimento.

O luto traumático
A vivência da morte é arquetípica, uma experiência humana desafiadora e, em
muitos casos, longa e devastadora. Perante uma situação de perda significativa e
traumática, o indivíduo é convocado a confrontar a dor e a lidar com o impacto da
morte, concreta e simbólica, em sua vida.
Trauma, do grego “ferida”, pode ser entendido como uma vivência forte,
marcante, de valor afetivo significativo para o indivíduo, em seu mundo interno e
externo. Em seu sentido metafórico e existencial, o trauma está associado a um evento
extremamente ameaçador para o ego e seu equilíbrio psíquico, o qual pode lançar mão
de inúmeras defesas, tanto criativas como defensivas, no intuito de restabelecer o
equilíbrio e a segurança (Piere, 2002).
O indivíduo é tragado pela memória traumática carregada de afeto. O trauma,
por sua própria natureza instintiva, domina a capacidade do cérebro de processar e
organizar informações, impedindo o surgimento de novo sentido para a situação vivida
(Silva, 2019).
Kalsched (2013), ao discorrer sobre o trauma e a dinâmica psíquica defensiva,
traça um paralelo com a queda do anjo Dis, da obra épica O Inferno de Dante.
Encontrado nas profundezas do Inferno, ele personifica as defesas dissociativas
arquetípicas da psique, devorando as almas inocentes presas no submundo. Dis, do latim
“dividir”, reporta ao fenômeno clínico da cisão, da dissociação. O poema traz o
personagem Dante, desnorteado no reino do submundo, até que, em certo momento, é
guiado por seu companheiro Virgil. Eles percorrem reinos traiçoeiros, marcados por
sofrimento sem fim. A única saída é encontrar-se com o monstro do mundo ctônico e
realizar a passagem para cima e para fora. Essa não é uma tarefa simples, exige ousadia
e coragem, pois é necessário subir pela perna e virilha de Dis (diabo), a fim de evitar ser
esmagado por ele.
Dante encontrou o apoio de Virgil e, assim, conseguiu suportar o horror da
situação traumática e ir até o fim. Somente quando os opostos morte e vida deixam de
se opor e passam a se complementar, a função transcendente pode ser acionada e uma
nova configuração psíquica alcançada.
Enquanto as polaridades bem-mal e morte-vida estiverem ativadas pelo anseio
egóico de permanecer num estado idealizado, caracterizado pela unilateralidade, o
trauma será repetidamente revivido e todas as tentativas de elaboração serão
fracassadas. As experiências do trauma alteram a capacidade do indivíduo enlutado de
desenvolver estratégias de enfrentamento emocional. As reações traumáticas se
apresentam, sinalizando a desorganização interna e incluem ansiedade, inquietação e
reações fisiológicas diversas (Van der Kolk, 2020).
Considera-se um luto complicado, quando o tempo decorrido da perda se mostra
prolongado e as reações perante ela comprometem demasiadamente a vida da pessoa
enlutada, impedindo-a de seguir com a vida sem a pessoa querida, de fazer escolhas
com autonomia e de receber ajuda da rede de apoio disponível.
Os mamíferos são os únicos animais que precisam de outros mamíferos para
regular seus estados emocionais e corporais, de sorte a sobreviver (Holifield, 2020). É
importante que, na caminhada do luto, o enlutado se sinta acolhido, validado, aceito e
respeitado pelas pessoas a sua volta, pois, dessa forma, o trauma perde sua força e o
processo de luto segue seu fluxo.
A história da pessoa que está vivenciando um luto traumático precisa ser
contada, falada, narrada. Cada perda tem a sua história, e sua narrativa é uma maneira
de ressignificá-la. É importante também que o profissional proporcione ao indivíduo
enlutado uma escuta atenta e livre de julgamentos, pois somente ele sabe o luto que está
vivendo.
São muitos os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento de um luto
traumático ou complicado (Câmara, , 2023). Seguem alguns:
• As circunstâncias da perda: repentina, violenta, prematura.
• A causa da morte: tipo da morte, como foi noticiada para a pessoa,
mortes estigmatizadas socialmente (suicídio, doenças contagiosas,
assassinatos, desaparecimento).
• Circunstâncias: momento da notícia, reconhecimento do corpo,
exposição à mídia.
• Segredos relativos à pessoa morta.
• Falta de rituais, falta de suporte, falta do corpo.
• Múltiplas perdas.
• Sentimentos: invisibilidade, impotência, injustiça, solidão,
incompreensão.
• Estado de vulnerabilidade: antes, durante e após a perda.
• Vínculo mantido com o falecido.

O luto traumático e seus percalços

O luto é o custo do amor, e o amor é, na minha visão, a chave para entender
e ajudar pessoas enlutadas a atravessarem o vale escuro do luto.
(Parkes, 2021, p. 5).

Maria, uma jovem de 30 anos, arquiteta, procurou terapia há três. Na época, ela
estava enfrentando várias dificuldades em sua vida profissional, familiar e pessoal. Sua
saúde física e emocional também se encontrava bastante comprometida. Apresentava
problemas respiratórios, dermatológicos, ansiedade e distúrbio do sono. Acordava no
meio da noite, com sonhos e pesadelos que traziam as imagens de seus pais em
sofrimento. Logo na primeira sessão, Maria, muito emocionada, relata que, num período
de seis meses, perdera seu pai e sua mãe, ambos com câncer. Sua mãe foi a primeira a
adoecer e ficou lutando contra a doença por um longo e penoso período. Na época,
Maria estava estudando fora do país e, quando esboçava seu desejo de voltar, seu pai, o
qual cuidava de sua mãe, lhe dizia para ficar e não desistir do curso. Por diversas vezes,
nas sessões, ela repetiu a frase que ouvia de seu pai: “Você tem que ficar até o final.”
O que de início era um sonho, fazer uma pós-graduação na Europa, tornou-se um
peso, um pesadelo. Queria estar ao lado de sua mãe e junto à sua família, contudo, não
queria decepcionar seu pai.
O complexo paterno positivo estava fortemente presente em sua dinâmica
psíquica e permeou suas escolhas profissionais, mas o sentimento de não ser uma filha
suficientemente boa para ele a acompanhava. Seu pai era engenheiro e ela fez
arquitetura, na mesma universidade, porém, num prédio ao lado onde pai havia
estudado. Quando resolveu estudar fora, fez o exame de proficiência e passou. Na
época, seu pai comentou: “Não sabia que era tão fácil.”
Conforme a saúde de sua mãe piorava, a aflição de Maria aumentava e,
defensivamente, ela se dedicava ao seu projeto. O ego se escorava na persona
profissional, negligenciando a demanda do Self.
Certo dia, quando estava participando de um congresso num país vizinho,
recebeu um telefonema de seu irmão, dizendo que o estado da saúde de sua mãe havia
piorado. Ela se dirigiu ao aeroporto e embarcou para o Brasil. Essa viagem foi marcada
pela dor, medo, tristeza, solidão e amor.
Maria teve um tempo para cuidar e ficar ao lado de sua mãe. Nesse ínterim, seu
pai foi diagnosticado com um câncer muito agressivo e morreu em pouco tempo. Sua
mãe foi a óbito meses depois.
No percurso analítico de Maria, percebemos o quanto a força que move o
processo de individuação estava entrelaçada ao seu processo de luto. Os sonhos e suas
imagens simbólicas a capacitaram a refletir e valorizar suas experiências. Na medida em
que os conteúdos que emergiam do inconsciente eram trabalhados e integrados à
consciência, novas possibilidades surgiam.
Neimeyer (2001), ao discorrer sobre o trabalho com pessoas enlutadas, destaca a
importância da reconstrução do significado, a qual, segundo o autor, é a principal tarefa
no enfrentamento de uma perda significativa.
De acordo com a Aniela Jaffé (1983), analista junguiana, a busca pelo
significado nos direciona ao mundo mítico interno, numa tentativa de encontrar uma
resposta para aquilo que não tem resposta.
A pessoa que desenvolve um luto complicado pode mostrar queixas somáticas,
estados depressivos, baixa autoestima, alteração do humor, sentimento de culpa e
ruminação. O processo de luto complicado deve ser concebido como um processo
natural, porém, ele requer atenção e cuidado, por parte dos membros familiares, amigos
e de um profissional da saúde (Silva, 2019).
O autor propõe quatro tarefas a serem cumpridas pela pessoa que está
vivenciando um luto. São elas:
• Aceitar a realidade da perda;
• Elaborar a dor da perda;
• Ajustar-se ao ambiente sem a pessoa;
• Reposicionar-se emocionalmente e continuar a vida.
Retornando para a história de Maria, podemos observar a dificuldade de definir
o início do seu luto, haja vista que ela vivenciou muitas perdas concretas e simbólicas.
A morte do pai se sobrepôs ao luto antecipatório da mãe. Em um ano, ela se viu órfã,
sua criança interna, que há tempo já se encontrava amedrontada, se encontra agora
abandonada.
Seus sonhos, no começo da análise, denunciam a situação traumática do luto,
apresentando imagens das figuras paternas envoltas em carnes humanas em
decomposição e seus corpos sendo triturados em caminhão de lixo.
Os sonhos permitiram uma aproximação segura da situação traumática, sem
produzir reações de alarme e/ou respostas agudas e disfuncionais. Como arautos do
inconsciente, eles possibilitam a conscientização, elaboração e integração dos conteúdos
traumáticos, sem que o indivíduo revivesse o trauma.
As imagens dos primeiros sonhos nos remetem ao arquétipo da morte, a grande
mãe, a “mãe terrível”, também chamada de “dragão-mãe”, de “mãe-sarcófago”,
devoradora de carne humana. Esse arquétipo traz consigo os aspectos regressivos –
destruição, fixação, negação – e os aspectos progressivos – adaptação, criatividade,
movimento, mudanças. Em seu simbolismo, a morte é a mãe que guia o enlutado em
direção à luz. É preciso estender a mão para ela e deixar-se ser guiado.
As mortes traumáticas constelaram complexos, desencadeando um estado de
desorganização psíquica. Segue o relato de um sonho recorrente:

• Vejo muitos espíritos se aproximando de mim. Acordo gritando


“socorro”.

Esse sonho aponta para a necessidade de Maria acordar para a realidade. As


marcas do trauma e dos afetos intensos estavam expressam em seu corpo e, como na
jornada do herói, ela precisava enfrentar a primeira tarefa: aceitar a realidade da perda.
Essa etapa trabalhosa e sofrida foi pontuada por rituais que envolveram
organizar, recolher, separar e se desfazer dos pertences dos pais.
No decorrer do trabalho analítico, outros sonhos foram emergindo, com
temáticas e dinâmicas diferentes. Nesse momento da análise, eles revelavam um
conteúdo mais coeso e uma certa organização dramática. Continham um cenário,
personagens, início, desenvolvimento e fim. Porém, eles ainda eram ameaçadores.
• Estou no hospital e fico sabendo que o atestado de óbito da minha mãe
foi negado pelo médico. Aí ressuscitaram ela, e ela acorda e começa a
gritar que não queria ser acordada.
• Estou em casa e minha mãe está lá; falei pro meu pai que tinha largado a
pós, ele disse: “Fica até o final.”

O trabalho com os sonhos ajudou Maria na segunda tarefa: elaborar a dor da


perda, permitindo que determinados sentimentos sombrios, como culpa, raiva, abandono
e ansiedade, fossem processados.
A morte serena da avó paterna, o encaminhamento cuidadoso dos pertences
pessoais dos pais, e os dois sonhos seguintes fortaleceram Maria, para executar a
terceira tarefa: ajustar-se ao ambiente sem as pessoas queridas.
Os sonhos trazem um ego mais assertivo, o qual traça seu próprio caminho e
deixa seus pais seguirem o deles. Traz a figura materna atenta e cuidadosa, acolhendo-a,
legitimando-a.

• É sábado e tinha corrida. Vejo-me correndo em direção contrária,


corrida ao contrário… quando vi, eles estavam muito longe…

• Vou fugir de casa e preciso de uma mala, aí minha mãe traz duas malas e
pergunta: “Que mala você quer?”

Nessa etapa do processo do luto, Maria está pronta para se colocar no encalco da
busca do sentido da perda. A quarta tarefa é “reposicionar-se emocionalmente e
continuar a vida”.
• Sonho que meu pai já morreu e minha mãe está viva, mas muito doente.
Não é um sonho ruim, pelo contrário, apesar das circunstâncias, há uma
atmosfera calma e tranquila.
• Estou com eles no show dos Beatles, estamos felizes, aí percebo alguma
confusão da minha mãe. Ela me pergunta: “Hoje é segunda-feira?”
Respondo que não e ela, então, fica tranquila.

Esses dois sonhos desvelam aspectos importantes em relação ao estilo de vida


dos seus e suas prioridades. A rigidez, o dever em detrimento do prazer, a preocupação
com o futuro, que os impedia de viver melhor o presente. Mostrou-lhe também os
aspectos que ela quer manter em sua vida, como amorosidade, honestidade, respeito e
lealdade a amigos e familiares.
Os sonhos ajudaram Maria a encontrar expressão para o que estava acontecendo,
em sua vida. Proporcionaram espaço para importantes reflexões, as quais a ajudaram a
tomar decisões, levando em conta sua alma e seu mundo interno. O trabalho com as
figuras parentais a ajudou a humanizar os arquétipos paterno e materno, libertando-a
para realizar suas escolhas com segurança e autonomia.

Considerações Finais

As experiências de trauma perturbam a capacidade de enfrentamento emocional


de um indivíduo, acarretando sensações de desorganização interna e alteração da
percepção da realidade. Defesas primitivas, como as ações de atacar, fugir e paralisar,
podem ser acionadas. Kalsched ( 2013) escreve:
O trauma não termina com a cessação da violação externa, mas prossegue
com o mesmo vigor no mundo interior da vítima do trauma, cujos sonhos
são, com frequência, assombrados por figuras interiores opressoras.
(Kalsched, 2013, p. 20)

Não superamos um luto, seja ele ou não traumático, mas sim caminhamos com
ele dia a dia, buscando criativamente estratégias para lidar com a falta, com o pesar,
com a saudade e com as feridas que ainda doem. É necessário lidar continuamente com
a tensão dos opostos, de maneira que eles possam interagir num ritmo oscilatório e
também harmonioso, ora direcionado para a perda, ora para a sua reparação, para a vida
(Stroeb; Schut, 1999).
Para Jung (1975), o mito do significado está relacionado ao mistério do mundo
do além, o qual contém o sentido da vida, e é por meio do “mitologizar” que
conferimos significado à nossa existência. Enfatiza Jaffé (1983,p.149):
Toda declaração sobre o significado, seja uma hipótese ou uma confissão de
fé, é um mito, um resultado, em parte da consciência e em parte do
inconsciente.
No trabalho com o luto traumático, é importante oferecer um espaço seguro e
acolhedor, caracterizado pela aceitação, validação, respeito. Desse modo, a pessoa que
sofreu uma perda traumática conseguirá tecer sua história, olhar suas perdas e encontrar
um lugar seguro para sua dor. E, assim, manterá vivos dentro de si aqueles que amamos
e que se foram.

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