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Paulo Viegas de Carvalho

Qual é o valor atual de um pagamento aleatório que ocorrerá num momento


aleatório futuro? Em particular, qual é o valor de um pagamento contingente
futuro (i.e., ocorre se verificados determinados eventos)?

A teoria dos seguros pode ser encarada como a teoria dos pagamentos
contingentes:
 A companhia de seguros faz pagamentos aos beneficiários condicionada à ocorrência
de um dado evento (o sinistro)

 O tomador do seguro faz pagamentos regulares (prémio) à seguradora condicionado à


ocorrência de outros eventos (estar vivo; ter dinheiro suficiente; …)

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Teoria das probabilidades: modelização matemática das contingências

Valor tempo do dinheiro: existência de diferentes períodos de tempo

Risco: possibilidade de perda financeira

Perda: equivalente monetário correspondente ao sinistro sofrido pela pessoa


segura

Seguradora: vende seguros

Prémio: valor pago (no início da operação ou da anuidade) pelo tomador do


seguro em troca da garantia concedida pela seguradora ao beneficiário

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Seguro
 Mecanismo para reduzir o efeito financeiro adverso gerado por eventos aleatórios que
impedem a concretização de expectativas realistas

 Transferência do risco de perda monetária da pessoa segura para a seguradora em troca


de um prémio.

Entidades que podem estar envolvidas num contrato de seguros:


 Empresa de seguros: entidade legalmente autorizada a exercer a atividade seguradora
 Tomador do seguro: contratualmente responsável pelo pagamento do prémio
 Segurado: pessoa ou entidade no interesse da qual é celebrado o contrato
 Pessoa segura: pessoa cuja vida, saúde ou integridade física é segurada
 Beneficiário: pessoa singular ou coletiva a favor de quem são feitos pagamentos pela
seguradora, nomeadamente em caso de ocorrência de sinistro ou operação de
capitalização.
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O cálculo atuarial incorpora um conjunto de métodos de análise,
nomeadamente os de probabilidades e estatística, matemática, finanças
e economia.

Esta área do conhecimento registou alterações significativas nas


últimas décadas, beneficiando do desenvolvimento na capacidade de
processamento dos computadores e da evolução da teoria financeira
moderna.

O seu desenvolvimento tem sido estimulado pela crescente procura


por cobertura de seguros a longo prazo (e.g., seguro de vida).

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Uma questão central nos seguros é que haverá um pagamento pela
seguradora apenas se um determinado evento aleatório ocorrer num
determinado espaço de tempo.

A aleatoriedade inerente requer o uso da teoria de probabilidades.

A probabilidade pode ser definida como a possibilidade de ocorrência


do evento aleatório.

Por outras palavras, é a relação entre o número de vezes que o evento


se verifica e o número total de acontecimentos possíveis.

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A probabilidade é obtida através de

nº de casos observados
𝑝=
nº de casos totais possíveis

onde 𝑝 ≡ probabilidade do evento se realizar.

O complementar desta ocorrência é dado por 𝑞 ≡probabilidade do evento não


se realizar.

Dada a complementaridade existente


𝑝+𝑞 =1

Exemplo 1.1: Se a probabilidade dos alunos desta turma passar com 15 valores for de 90%,
qual é a probabilidade de não passarem com 15 valores?

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Matemática: considera um universo de casos conhecido a priori.

Exemplo 1.2: Qual é a probabilidade de sair um Rei num baralho de cartas? Qual é a
probabilidade de não sair um Rei num baralho de cartas?

Estatística: avalia um conjunto de observações num dado período de tempo, de


modo a obter-se um padrão de referência (e.g., nº de acidentes na construção
civil, nº de acidentes rodoviários, intensidade da chuva em determinado local).

Exemplo 1.3: Em determinada localidade, chove em média em 100 dias por ano. Qual é a
probabilidade de chover em certo dia do ano corrente? Qual é a probabilidade de não
chover em certo dia do ano corrente?

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Prémio a pagar pelos segurados às seguradoras do ramo vida
determinado a partir de tábuas específicas (F/M), que refletem a
esperança média de vida.

Tábuas de mortalidade em Portugal: divulgadas pelo INE (últimas


tábuas: 2013-2015).

Aplicação do conceito de probabilidade em função da vida humana

 Funções Biométricas

 Funções de Comutação

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São funções atuariais representativas da idade, do nº de pessoas vivas,
do nº de pessoas mortas e das respetivas probabilidades.

São aplicadas na determinação de rendas vitalícias, seguros de vida,


reservas matemáticas e planos de pensões.

Podemos encontrá-las nas tábuas de mortalidade e de comutação


(incorporam taxa de desconto).

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Considere-se
𝑋 ≡ V.A. tempo de vida restante de uma pessoa com a idade 𝑥 (anos)
𝑙𝑥 ≡ nº de pessoas vivas com a idade 𝑥 (𝑥 = 0, 1, 2, … , 𝑤)
𝑑𝑥 ≡ nº de pessoas que morrem entre 𝑥 e 𝑥 + 1

Então: 𝑑𝑥 = 𝑙𝑥 − 𝑙𝑥+1
𝑙𝑥+1
e: 𝑝𝑥 = 𝑃 𝑋 > 1 =
𝑙𝑥

𝑙𝑥+1 𝑑𝑥
𝑞𝑥 = 𝑃 𝑋 < 1 = 1 − 𝑝𝑥 = 1 − =
𝑙𝑥 𝑙𝑥

onde 𝑝𝑥 ≡ probabilidade de uma pessoa de idade 𝑥 viver mais 1 ano e


𝑞𝑥 ≡ probabilidade de 1 pessoa de idade 𝑥 morrer até à idade 𝑥 + 1
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Para 𝑛 anos, tem-se

𝑛𝑝𝑥 ≡ probabilidade de uma pessoa de idade 𝑥 viver mais 𝑛 anos


𝑙𝑥+𝑛
𝑛𝑝𝑥 = 𝑃 𝑋 > 𝑛 = 𝑙𝑥

𝑛𝑞𝑥 ≡ probabilidade de 1 pessoa de idade 𝑥 morrer até à idade 𝑥 + 𝑛

𝑛𝑞𝑥 =𝑃 𝑋<𝑛

= 1 − 𝑛𝑝𝑥
𝑙𝑥+𝑛
=1−
𝑙𝑥

𝑛−1
𝑙𝑥 −𝑙𝑥+𝑛 𝑡=0 𝑑𝑥+𝑡
= =
𝑙𝑥 𝑙𝑥

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Exemplo 1.4: Qual é a probabilidade de um indivíduo (M) viver mais um ano quando tem 20
anos e quando tem 65 anos?

Usando as tábuas PM 60/64, tem-se

Exemplo 1.5: Qual é a probabilidade de uma jovem (F) com 20 anos morrer antes de atingir
72 anos?
Usando as tábuas PF 60/64, tem-se

Alternativamente, podíamos chegar ao mesmo resultado através do seguinte cálculo:

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Renda: conjunto de capitais a receber, ou desembolsar, em períodos
equidistantes no tempo.

Termo da Renda: cada um dos capitais (prestações) da Renda.

Período da Renda: Intervalo de tempo entre dois termos consecutivos


da Renda (anual, semestral, trimestral, mensal).

Renda Certa: Valor pago/recebido SEMPRE, independentemente de


contingências externas, mesmo a morte do contraente (numa renda
incerta, o vencimento está condicionado a um facto aleatório).

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Consoante o nº de termos, podemos ter:

 Rendas temporárias: nº de termos finito

 Rendas perpétuas: nº de termos infinito (elevado)

Consoante o momento em que o valor da renda fica disponível,


podemos ter

 Rendas antecipadas: 1ª prestação está disponível no momento de referência

 Rendas postecipadas: 1ª prestação disponível no fim do 1º período da renda

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Capitalização e atualização financeira de 1€ (𝑛 anos)

Renda unitária com 1 termo apenas

 Capitalização simples (sem reinvestimento de juros): 𝑉𝐹 = 1 ∙ 1 + 𝑛 ∙ 𝑖

 Capitalização composta (com reinvestimento de juros): 𝑉𝐹 = 1 ∙ 1 + 𝑖 𝑛

 Atualização de 𝑉𝐹 = 1 sem capitalização de juros: 𝑉𝐴 = 1 + 𝑛 ∙ 𝑖 −1

 Atualização de 𝑉𝐹 = 1 com capitalização de juros: 𝑉𝐴 = 1 + 𝑖 −𝑛

Atualização de renda unitária com 𝑛 termos iguais


𝑛
1 1 1
 Renda postecipada (c/ capitalização de juros): 𝑉𝐴 = 𝑎𝑛 = 𝑡 = 1−
1+𝑖 𝑛
𝑡=1 (1+𝑖) 𝑖

𝑛−1
1
 Renda antecipada (c/ capitalização de juros): 𝑉𝐴 = 𝑎𝑛 = (1 + 𝑖)𝑎𝑛 = 𝑡
𝑡=0 (1+𝑖)

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São funções financeiras e atuariais representativas do valor atual de uma
unidade de capital futura e que se referem aos produtos financeiros adquiridos
pelas pessoas vivas que constituíram rendas vitalícias ou seguros de vida a seu
favor ou a favor de outros beneficiários.

Uma vez que o pagamento do capital futuro está condicionado à pessoa estar
viva na altura para o receber, o valor atual reflete a esperança matemática
desse acontecimento.

Tábua de comutação: aplicação de taxa de desconto sobre tábua de


mortalidade, simplificando o cálculo de várias operações relacionadas com
seguros.

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Se 𝑀 ≡ valor acumulado (ou futuro) de uma quantia monetária 𝑉 aplicada a uma taxa de
desconto anual 𝑖 durante 𝑛 anos
𝑀 = 𝑉(1 + 𝑖)𝑛

então, o respetivo valor atual será


𝑉 = 𝑀(1 + 𝑖)−𝑛

Considerando

𝑛𝐸𝑥 ≡ valor atual (esperado) de uma unidade monetária paga diferidamente pela seguradora
ao fim de 𝑛 anos, caso uma pessoa segura com idade 𝑥 esteja viva na altura,

tem-se: 𝑛𝐸𝑥 = 𝑛𝑝𝑥 (1 + 𝑖)−𝑛 × 1

𝑙𝑥+𝑛
= (1 + 𝑖)−𝑛
𝑙𝑥

Correspondentemente: 𝑙𝑥 𝑛𝐸𝑥 = (1 + 𝑖)−𝑛 × 𝑙𝑥+𝑛

Ou seja, o montante total pago por um grupo de indivíduos (𝑙𝑥 ) num seguro de capital
de 1 unidade monetária diferido em n anos é igual ao valor atual de 1 unidade
monetária a pagar pelos sobreviventes (𝑙𝑥+𝑛 ) ao fim de n anos.
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𝑛𝐸𝑥 , também representado por 𝐴𝑥:𝑛 , pode ser interpretado de duas
formas:

 é o valor que uma pessoa com idade 𝑥 deverá entregar à seguradora para esta
lhe garantir o pagamento de uma unidade de capital quando atingir a idade
𝑥+𝑛

 é uma unidade de capital atualizada, em termos demográficos e financeiros,


para um período de tempo 𝑛

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Exemplo 1.6: Determine a quantia que deverá entregar hoje a uma seguradora para garantir
o recebimento daqui a 20 anos de um valor de 5.000€. Admita que hoje tem 45 anos, que o nº
total (em milhares) de pessoas com 45 e 65 anos é, respetivamente, igual a 1.000 e 300 e que a
taxa de desconto é 5%.

Exemplo 1.7: Qual é o prémio puro a pagar a uma seguradora por uma senhora de 20 anos,
se esta quiser receber 5.000€ dentro de 20 anos? (usar tábuas; considerar 𝑖 = 6%)

Exemplo 1.8: Qual é o prémio puro a pagar a uma seguradora por uma senhora de 20 anos
se quiser receber 5.000€ dentro de 20 anos? (usar tábuas; considerar 𝑖 = 10%)

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Considere-se

𝐷𝑥 ≡ valor atual de uma unidade de capital para o nº de pessoas vivas


com a idade 𝑥 (função de sobrevivência)

Então (comutação de 1ª ordem)


𝐷𝑥 = (1 + 𝑖)−𝑥 𝑙𝑥

obtendo-se
𝐷𝑥+𝑛
𝑛𝐸𝑥 =
𝐷𝑥

e sendo o somatório de 𝐷𝑥 (comutação de 2ª ordem) obtido através de


𝑤

𝑁𝑥 = 𝐷𝑘 = 𝐷𝑥 + 𝐷𝑥+1 + ⋯ + 𝐷𝑤 = 𝐷𝑥 + 𝑁𝑥+1
𝑘=𝑥
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Considere-se

𝐶𝑥 ≡ Valor atual de uma unidade de capital das pessoas que


morreram (função de morte). ½ ano é o tempo considerado autónomo.

Então (comutação de 1ª ordem)


1
− 𝑥+2
𝐶𝑥 = (1 + 𝑖) 𝑑𝑥

e o somatório de 𝐶𝑥 (comutação de 2ª ordem) será


𝑤

𝑀𝑥 = 𝐶𝑘 = 𝐶𝑥 + 𝐶𝑥+1 + ⋯ + 𝐶𝑤
𝑘=𝑥

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Prémio Puro

Este prémio, também designado de prémio técnico, é o prémio de risco, ou seja


é o valor estritamente necessário para compensar o risco da seguradora.

De uma maneira geral, este prémio é igual à frequência do risco multiplicada


pelo custo médio do sinistro: 𝑃𝑟é𝑚𝑖𝑜 𝑃𝑢𝑟𝑜 = 𝐹𝑟𝑒𝑞𝑢ê𝑛𝑐𝑖𝑎 × 𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝑚é𝑑𝑖𝑜

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Prémio Comercial (ou prémio líquido)
Este é o prémio que figura nas tarifas da sociedade, por isso sendo designado
de prémio comercial.

O prémio comercial é igual à soma do prémio puro com os encargos que


permitem cobrir as despesas de aquisição e de gestão do contrato:
𝑃𝑟é𝑚𝑖𝑜 𝐶𝑜𝑚𝑒𝑟𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝑃𝑟é𝑚𝑖𝑜 𝑃𝑢𝑟𝑜 + 𝐸𝑛𝑐𝑎𝑟𝑔𝑜𝑠

Os encargos na expressão anterior subdividem-se em diferentes naturezas:


 Despesas ou encargos de gestão (normalmente uma percentagem do valor da apólice).
Somadas ao prémio puro, dão origem ao prémio de inventário, calculado antes do
prémio comercial.

 Despesas ou encargos de aquisição e encargos de cobrança (as últimas são normalmente


uma percentagem do prémio comercial). Quando somadas ao prémio bruto, dão
origem ao prémio comercial.
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Prémio Total

O prémio total é igual à soma do prémio líquido ou comercial com as despesas


acessórias e os impostos e taxas:

𝑃𝑟é𝑚𝑖𝑜 𝑇𝑜𝑡𝑎𝑙 = 𝑃𝑟é𝑚𝑖𝑜 𝐶𝑜𝑚𝑒𝑟𝑐𝑖𝑎𝑙 + 𝐷𝑒𝑠𝑝𝑒𝑠𝑎𝑠 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠ó𝑟𝑖𝑎𝑠 + 𝐼𝑚𝑝𝑜𝑠𝑡𝑜𝑠 𝑒 𝑇𝑎𝑥𝑎𝑠

As despesas acessórias são também designadas de complementos de prémio,


despesas de apólice ou despesas de instalação. São frequentemente calculadas
em proporção do prémio comercial.

As taxas e impostos indiretos são receita do Estado e de outras entidades.


Variam em função da percentagem aplicada.

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Considerando as anteriores relações simplificadamente:
𝑃𝑃 ≡ Prémio Puro: corresponde à Esperança Matemática do risco considerado (valor atual)

𝑃𝐼 ≡ Prémio de Inventário: Prémio Puro + Encargos de Gestão

𝑃𝐶 ≡ Prémio Comercial: é o 𝑃𝐼 + Encargos de Aquisição e de Cobrança

𝑃𝐵 ≡ Prémio Bruto: 𝑃𝐶 + Encargos relacionados com a emissão do contrato (apólice, actas


adicionais, etc.)

𝑃𝑇 ≡ Prémio Total: 𝑃𝐵 + Carga Fiscal e outros; é o preço pago pelo tomador do seguro

𝑒𝑎 ≡ encargos de aquisição

𝑒𝑐 ≡ encargos de cobrança

então os encargos com os prémios relacionam-se da seguinte forma

𝑃𝐶 = 𝑃𝐼 + 𝑒𝑎 + 𝑒𝑐 ∙ 𝑃𝐶 ⟹
𝑃𝐼 + 𝑒𝑎
𝑃𝐶 =
1 − 𝑒𝑐
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Exemplo 1.9: Determine o Prémio Comercial de um seguro de vida com as seguintes
condições:
- Prémio Puro: 28.697,5€
- Valor da apólice: 250.000€
- Encargos de gestão: 0,2% sobre o capital seguro
- Encargos de aquisição: 1% sobre o capital seguro
- Encargos de cobrança: 1,5% sobre o prémio comercial

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