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Atenção: esta sopa não está sendo feita para ser comida, embora não haja
nenhuma razão para não fazê-lo. Seguramente ela ficará saborosa, não há nada que
possa nos fazer suspeitar do contrário. O que se pretende é que o cozimento sirva
como uma espécie de instrumento para estimular nossas reflexões sobre a vida, o
amor e a morte.
Olhemos, então, com atenção para a sopa que está se fazendo. É bem possível
que o Universo no qual surgimos seja uma espécie de caldeirão borbulhante como
este à nossa frente e que cada um de nós seja como um dos vegetais dentro da
sopa. Já é bastante comum ouvirmos falar da concepção de que o Universo inteiro é
um único ser vivo e não que ele apenas contenha seres vivos, uns aqui, outros acolá
(os biólogos, os químicos e os físicos mais atrevidos de hoje em dia são muito
inclinados a pensar assim). Se o Universo for mesmo isso, o que é o conhecimento,
como ele acontece?
Eu sou, digamos, como um vegetal dentro da sopa geral. Estou imerso desde
sempre e participo junto com todos os outros dessa dança fervilhante. Isso vale
também para meus ancestrais e os ancestrais dos ancestrais, que podem ser
minúsculas moléculas orgânicas ou mesmo inorgânicas (aliás, é essa diferença que
os estudiosos do assunto andam pondo em questão).
Não há como manter-se fixo onde tudo fervilha e flui. Podemos tentar
permanecer, com todas as forças de que dispomos, numa única posição. Congelar o
ego, defender ardorosamente um único ponto de vista. Tentar manter o mesmo
aroma, a mesma cor e o mesmo sabor. Entretanto, quando fazemos isso nós
encruamos. É aquele inhame que não cozinha, fica duro.
Olhemos de novo para o caldeirão onde o cozimento segue o seu curso. Essa
transmutação incessante que borbulha diante de nós vai revelando algo que já
poderíamos ter suspeitado antes: conhecimento é, então, amor. Amor é a energia
que entrelaça e vincula todas as coisas. Que faz tudo permanecer dentro do
caldeirão, dançando e transmutando.
Para intercambiar cores, aromas e sabores é preciso estar aberto, receptivo,
disponível atento, flexível. É preciso sintonizar, concordar, conceder, confiar,
consentir. Desvestir para revestir. Decompor para recompor. Tudo isso são
atributos do amor.
Taunay Daniel