Você está na página 1de 1

COZINHA

B R U TA

Marcos Nogueira
3 de Out de 2017

Como fazer lámen em


casa: o caldo

Este é o segundo de quatro posts


dedicados ao lámen. Como você deve
ter percebido, demorei quase um
mês para retomar o assunto. Poderia
culpar a vida corrida, o excesso de
trabalho e o diabo a quatro, mas a
verdade é que estava fugindo da raia.
Este texto deve ser necessariamente
sobre o caldo – a parte mais
importante da receita –, e o caldo é
um assunto espinhoso.

Não que ele seja difícil de fazer.


Tenha um pouco de paciência e você
chegará a uma receita de execução
muito simples. Ou simplesmente role
para baixo, eu não me incomodo.

Os caldos são a espinha dorsal da


culinária acadêmica, aquela ensinada
em escolas de formação de
profissionais para restaurantes,
hotéis e outros serviços de
alimentação. Curiosamente, eles têm
a origem mais humilde possível: o
aproveitamento total do alimento em
tempos de escassez material. Matava-
se um frango e, antes de se pensar
em matar o próximo, era obrigatório
consumir a carne, a pele, as
cartilagens, os tendões, os miúdos e
os ossos. Muito disso virava comida
na forma de caldo.

A culinária profissional sistematizou


esse aproveitamento. Consulte a
literatura técnica das duas principais
escolas de cozinha – no sentido
amplo: a francesa/italiana/europeia e
a chinesa/japonesa/asiática – e você
encontrará dezenas de recitas de
caldos, fundos e assemelhados.

A leitura desses livros dá vontade de


desistir antes de começar. As receitas,
sem entrar no mérito da
complexidade, pedem uma
quantidade de ingredientes – ossos,
carnes, legumes, temperos – que só
cabe num caldeirão de 100 litros. A
coisa toda deve cozinhar por muitas
horas, quiçá por um dia inteiro ou
mais. O cozinheiro precisa escumar,
clarificar, coar. Arrumar espaço para
guardar o sopão e limpar a sujeira
resultante. Não raro, a receita indica
como ingrediente um ou mais caldos-
base que deveriam estar prontos em
algum canto da cozinha.

É de despirocar. Mas agora vem a


notícia boa: você não precisa fazer
nada disso.

As receitas clássicas de caldos – sejam


eles franceses, sejam japoneses –
presumem o âmbito de uma cozinha
de restaurante. Faz todo sentido
nesse contexto. A casa compra x
quilos de frango e y quilos de
legumes variados. Separa coxas e
sobrecoxas, fileta os peitos, usa
algumas aparas em molhos, seleciona
os vegetais mais bonitos e os corta
em formas geométricas uniformes.
Resta uma montanha de peles, ossos,
aparas, pontas, folhas e legumes
feiosos inteiros. Jogar no lixo? Nem a
pau: tudo isso vira caldo.

Em casa, o caminho é voltar algumas


casas até a origem camponesa do
caldo. Fez uma paleta de leitão?
Congele o osso. Assou um frango?
Caso a nonna não tenha passado o
almoço roendo a carcaça, guarde no
congelador o dorso do galináceo.
Faça o mesmo com pontas de
cenoura, cebolas, aipo, alho-poró...

É certo que, fora de um restaurante,


você precisará comprar alguns
ingredientes para o uso exclusivo no
caldo. Caso você não tenha ossos no
congelador, compre asinhas de
frango, que são baratas. Se a receita
puder esperar um dia ou dois, asse
uma costelinha de porco (como esta
receita) e separe os ossos antes de
servir. Eu, particularmente, vou às
compras por pés: mocotó, pé de
porco, pé de frango. Essas peças são
ótimas fontes de colágeno – proteína
que, cozida longamente, se
transforma em gelatina e enriquece o
caldo. Pele de porco também
funciona.

Quanto ao método, vamos no mais


simples: basta colocar tudo em uma
panela de pressão e cozinhar por
duas horas ou um pouco mais. A
altíssima temperatura da água vai
extrair com eficácia todos os sabores
e aromas. Trabalhar com ossos –
melhor se eles forem tostados no
forno – traz a vantagem de não
produzir gordura. E você não precisa
filtrar o caldo, é só retirar os sólidos
maiores com uma escumadeira.
Deixe a apresentação impecável para
os restaurantes.

Antes de passar para o caldo do


lámen, algo muito importante: não
use sal nesta etapa.

O caldo do lámen

A culinária japonesa lança mão de


uma variedade enorme de caldos. Na
essência, eles não são extremamente
diferentes dos primos ocidentais –
afinal, trata-se de transportar para a
água os sabores de alimentos sólidos.
Um olhar mais atento, entretanto,
percebe uma série de peculiaridades.

O que torna os caldos japoneses


únicos é a busca pelo umami – o
chamado “quinto sabor”, ao lado do
doce, do amargo, do ácido e do
salgado. O tal umami (não vou perder
tempo em tentar descrevê-lo) aparece
na forma de soja fermentada (shoyu,
missô), algas (kombu), peixe seco
(katsuobushi) e cogumelos
desidratados. Alguns desses
componentes podem ser difíceis de
achar, mas shoyu e cogumelo seco –
não precisa ser japonês – se
encontram em qualquer venda de
esquina.

Alguns caldos japoneses são sutis e


delicados no sabor, mas esse não é o
caso do lámen. O caldo do lámen é
rústico, substancioso, parecido de
certo modo com os caldos franceses
e italianos. A receita que eu vou
apresentar não respeita todos os
rituais e processos da culinária
tradicional japonesa. Eu garanto,
porém, que é uma imitação bem
decente.

Os caldos de lámen têm como base


os ossos de porco e/ou de frango. Dá
para improvisar também com pato e
outras aves. Existe o caldo, digamos,
comum. E existe o tonkotsu, que é
muito mais encorpado e
substancioso.

Lembra-se da recomendação quanto


ao sal? Se você a ignorou, volte três
casinhas. O caldo de lámen, na sua
versão mais comum, é salgado logo
antes do serviço e de três formas
distintas, que definem o estilo da
sopa: shio (sal, a mais suave), shoyu
(molho de soja) e missô (a mais
intensa, minha favorita).

Vamos então à receita, que é o


pedaço mais fácil desta história toda.
Caso você não tenha acesso a
ingredientes japoneses, adapte a
gosto (no post anterior, indiquei duas
listas de compras: uma para o
paulistano, outra para quem mora
longe da comunidade japonesa). Não
é a mesma coisa, mas é bem melhor
do que passar vontade.

E aguarde o próximo post, que será


sobre os complementos do lámen,
também de fundamental
importância.

CALDO DE LÁMEN

Ingredientes

Ossos de frango e/ou de porco


1 barriga de porco com couro
1 cebola grande
1 maço de cebolinha verde
6 cogumelos shitake secos (ou outra
espécie)
1 folha de alga kombu
1 cabeça de alho
1 alho-poró

Modo de fazer

1. Toste os ossos no forno

2. Remova a pele da barriga do


porco. Reserve a carne, que será
usada na receita do tyashu.

3. Numa panela de pressão, coloque


a pele de porco, os ossos
tostados e todos os outros
ingredientes. A cebola e o alho
entram inteiros: a casca contribui
para a cor do caldo.

4. Cubra com água, tampe a panela


e ligue o fogo. Quando pegar
pressão, deixe cozinhar por duas
a três horas.

5. Espere a pressão ceder, abra a


panela e remova os sólidos com
uma escumadeira. Descarte-os,
pois eles já deixaram todo o
sabor e os nutrientes na água.
Use o caldo imediatamente ou
guarde-o sob refrigeração.

cozinhar

Curtir 0

Posts recentes

Cozinha Bruta em novo


endereço

!"#$%#&'(#$%#)*!+

Como fazer lámen em


casa: os complementos

!!#$%#&'(#$%#)*!+

Como fazer lámen em


casa: a massa

"!#$%#,-.#$%#)*!+

A melhor pizza de
frigideira possível

/#$%#,-.#$%#)*!+

Como fazer lámen em


casa: o caldo

"#$%#,-.#$%#)*!+

O gourmet e o ogro

)0#$%#1%.#$%#)*!+

Como fazer lámen em


casa

!!#$%#1%.#$%#)*!+

Sua avó não sabe assar


um lombo tão bom
assim

0#$%#1%.#$%#)*!+

O nhoque de batatas
perfeito e fácil (é feito
no micro-ondas, não c…

!0#$%#23'#$%#)*!+

Risoto + ossobuco: é o
amor!

!4#$%#5-6#$%#)*!+

Compartilhar

0 comentários

Deixe sua mensagem

Você também pode gostar