Você está na página 1de 15

O PROCESSO ORÇAMENTAL:

da preparação à execução
2022/2023

M. MATILDE LAVOURAS
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Faculdade de Direito
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

8. O processo orçamental

A feitura do orçamento encontra-se subordinada, para além das regras e princípios


já por nós mencionados, a um outro conjunto normativo, mais ou menos disperso, que
regulamenta o processo de elaboração, discussão, aprovação e execução. Sendo uma Lei,
mas uma lei que se reveste de muitas especificidades, o modelo a seguir e os passos a
observar em todas as fases refletem bem essas características. Para além desses aspetos
pragmáticos há que considerar outros que, verdadeiramente, ocorrem de forma
ininterrupta ao longo do tempo e que condicionam, de modo indefetível o seu conteúdo1.

Quanto aos aspetos formais, assuem especial relevo as disposições relativas à


distribuição de poderes entre instituições e organismos e que podem variar ao longo das
várias fases do processo orçamental, na concretização de um princípio de supra-infra-
ordenação entre o poder executivo e o poder legislativo, mas a dinâmica orçamental é
também condicionada pelas decorrências de normas externas que vinculas o Estado
português. De forma genérica podemos dizer que se divide em três fases: fase
preparatória, fase de execução e fase de fiscalização.

8.1. O processo orçamental previsto na Lei de Enquadramento Orçamental

8.1.1. A fase preparatória

A primeira fase do processo orçamental2 inicia-se com o procedimento tendente a


aprovar a atualização anual do Programa de Estabilidade3 e da Proposta de Lei das

1
Estamos a referir-nos sobretudo àquelas situações que condicionam, quer direta quer indiretamente, o
conteúdo orçamental e que referiremos ao longo do texto.
2
Esta é a designação dada pela epígrafe do Título III da Lei de Enquadramento Orçamental aprovada em
anexo à Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.
3
O Programa de Estabilidade 2022-2026 para Portugal foi aprovado no Conselho de Ministros de 11 de
abril de 2021 e apresentado posteriormente à Assembleia da República e enviado à Comissão Europeia. O
Programa de Estabilidade pode ser consultado em https://www.portugal.gov.pt/download-
ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDI3MQEAVqL7uwUAAAA%3d e a
recomendação do Conselho de 18 de junho de 2021 sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento em
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32021H0729(22)&from=EN. Os
estados-membros que não façam parte da zona euro ficam obrigados a apresentar o seu Programa de
Convergência.

1
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

Grandes Opções do Plano4. A exigência da apresentação dos dois documentos num


período temporal que antecede, em muito, a apresentação da proposta de Lei do
Orçamento do Estado decorre não só do art.º 32.º da Lei de Enquadramento Orçamental
(LEO) mas também do art.º 3.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho, de 7 de
abril de 1997.

Ficam assim definidos: (a) o objetivo orçamental a médio prazo e (b) a trajetória
de ajustamento a adotar para que sejam cumpridos os objetivos traçados no Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC), devendo ainda ser tomadas em consideração as
eventuais recomendações e conclusões resultantes da fase preparatória e a primeira fase
do Semestre Europeu5, nomeadamente as relativas à política económica da zona euro e
ao emprego.

O Programa de Estabilidade é depois enviado pelo Governo até 15 de abril para a


Assembleia da República que o deve apreciar – art.º 33.º da LEO ̶ retornando ao Governo
para revisão final. Segue-se o envio ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia até final
de abril – n.º 6 do art.º 33.º da LEO e art.º 4.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 devendo,
também, ser tornado público. Apesar de não existirem datas para o início desta fase, temos
que ter em consideração que a revisão anual do Programa de Estabilidade para o Conselho
Europeu e para a Comissão deve ser feito preferencialmente até meados do mês de abril
e no limite até 30 de abril ̶ cfr. art 4.º do Regulamento (CE) n.º 1466/97 e art.º 4.º do
Regulamento n.º 473/2013 ̶ e que a Assembleia da República dispõe de 10 dias para o
apreciar. Assim, o processo orçamental tem que ser obrigatoriamente iniciado antes do
dia 1 de abril.

Recebido o Programa de Estabilidade pela Comissão e pelo Conselho, inicia-se


uma fase externa integrada no Semestre Europeu6 e que inclui a avaliação, no prazo

4
A designação “Lei das Grandes Opções do Plano” (GOP) diz respeito ao conjunto formado pela Lei das
Grandes Opções em Matéria de Planeamento e pela Programação Orçamental Plurianual. a
5
Sobre as fases do Semestre Europeu veja-se: http://www.consilium.europa.eu/pt/policies/european-
semester/how-european-semester-works/
6
O Semestre Europeu foi introduzido em 2010 e permite aos estados-membros coordenarem as políticas
económicas e tomar medidas para enfrentarem os desafios económicos que se colocam à União Europeia.
Tem como objetivo tomar medidas para: (a) garantir a solidez das finanças públicas; (b) evitar
desequilíbrios macroeconómicos excessivos na UE; (c) apoiar reformas estruturais, a fim de criar mais
emprego e crescimento e (d) estimular o investimento.

2
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

máximo de três meses, das medidas propostas no documento por diversas entidades:
Comissão e Comité Económico e Financeiro ̶ cfr. art.º 5.º do Regulamento (CE) n.º
1466/97. Esta apreciação visa determinar se os objetivos traçados no Programa de
Estabilidade e as variáveis de natureza económica em que os mesmos se baseiam são
corretos e adequados, bem como se as medidas propostas permitem cumprir a trajetória
de ajustamento para que seja alcançado o objetivo orçamental de médio prazo (OMP)7.
Concluída esta análise é divulgada a opinião sobre a validade do programa e, nos casos
em que seja tido por necessário, é emitido pela Comissão um parecer com recomendações
para que o estado-membro proceda ao ajustamento do Programa – cfr. n.º 2 do art.º 5.º
do Regulamento (CE) n.º 1466/97, do Conselho, de 7 de julho de 1997.

8.1.2. A elaboração da proposta de Lei do Orçamento do Estado

Terminada esta etapa preparatória, inicia-se uma outra que culminará com a
elaboração da Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE). O Governo, através dos
seus ministérios vai recolher junto das entidades dos serviços abrangidos pelo perímetro
de consolidação orçamental8 as várias propostas de orçamento para, depois de analisadas,
serem adequadamente refletidas na PLOE a elaborar pelo Ministério das Finanças e
aprovar em Conselho de Ministros especificamente reunido para o efeito9.

Este procedimento deve estar concluído a tempo de permitir a estrega da proposta


de Lei do Orçamento na Assembleia da República até ao dia 10 do mês de outubro do ano

7
Recorde-se que o OMP é apreciado por referência ao saldo estrutural, isto é, ao saldo orçamental tal como
definido no art.º 126.º do TFUE e no Protocolo 12 (saldo efetivo), corrigido das variações cíclicas e líquido
das medidas extraordinárias e temporárias e com os ajustamentos referidos no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento
(CE) n.º 1466/97.

8
Art.º 2.º da LEO.
9
A previsão das receitas e das despesas são tarefas eminentemente técnicas e diferenciadas. Cabe quase de
modo exclusivo ao Ministério das Finanças a tarefa de determinação do seu valor, enquanto que no caso
das despesas há uma maior dispersão da previsão pelos diversos ministérios e, dentro destes, pelos serviços,
embora culmine numa negociação ou articulação gerida pelo Ministério das Finanças a quem cabe agregar
e compatibilizar as várias propostas. A previsão dos montantes a inscrever no orçamento decorre da
aplicação de modelos econométricos complexos, adotados em substituição do penúltimo ano (simples ou
corrigido), do rendimento médio ou do modelo de avaliação direta (ano zero) e que serão escolhidos de
acordo com os objetivos da previsão. Sobre os modelos tradicionais veja-se J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, Lições
de Finanças Públicas, 5.ª ed., refundida e atualizada, Coimbra Editora, 1996, 108-111.

3
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

anterior àquele a que o orçamento disser respeito, como decorre do n.º 1 do art.º 36.º da
LEO. Prazo diverso é de aplicar quando ocorra uma das situações previstas no art.º 39.º
da LEO e que analisaremos mais adiante.

No cumprimento das obrigações decorrentes do Direito da União Europeia a


referida proposta de Lei deve ser enviada também à Comissão para que esta sobre ela se
possa pronunciar no quadro da denominada supervisão multilateral – art.º 4.º, n.º 2 –
sendo ainda remetida ao Eurogrupo para que seja tornada pública nos termos do art.º 6.º
do Regulamento n.º 473/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de
2013.

8.1.3. Da entrega da proposta de Lei do Orçamento do Estado na Assembleia


da República à sua entrada em vigor

Com a entrega da PLOE na Assembleia da República inicia-se, como referimos,


uma nova fase, agora da exclusiva competência deste órgão. Apesar de estarmos perante
uma proposta de Lei o Regimento da Assembleia da República (Reg. A.R.) estabelece
disposições específicas sobre a discussão, votação e aprovação da mesma, no capítulo
VII10, devendo ser aprovado o prazo máximo de 50 dias após a entrega – art.º 38.º, n.º 2
LEO. Nesta fase podem os grupos parlamentares apresentar as propostas de alteração que
julgarem adequadas e submetê-las à aprovação nos termos gerais11.

Com exceção das matérias constantes da proposta de lei do orçamento sujeitas a


um regime especial nos termos no n.º 4 do art.º 168.º da CRP, isto é, as matérias referidas
nas als. a) a f), h), n) e o) do art.º 164.º, bem como da al. o) do art.º 165.º da CRP, as
normas da Lei do Orçamento são aprovadas na especialidade em sede de comissão

10
Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 de agosto, em especial arts. 220.º a 212.º.
11
Não vigora em Portugal um regime jurídico de limitação dos poderes dos grupos parlamentares para
proporem e fazerem aprovar alterações à proposta de Lei do Orçamento de Estado que vemos noutros
países, como sejam a Espanha, a França ou a Alemanha. Em face do atual quadro constitucional e legal
vigente no que à distribuição da competência de poderes entre legislativo e executivo em matéria
orçamental entendemos que esta é a única posição a sufragar. Ademais, a criação de limitações às propostas
de alteração submetidas a discussão e aprovação colocaria em causa o princípio subjacente à aprovação do
orçamento por esvaziar ou limitar consideravelmente os poderes do órgão representativo a quem cabe
aprovar o Orçamento. Contudo, estes poderes de iniciativa estão indiretamente limitados pelas designadas
despesas obrigatórias, bem como pela Lei das Grandes Opções. Esta possibilidade permite que possam
ocorrer situações em que as propostas de alteração desvirtuem consideravelmente a proposta apresentada.

4
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

parlamentar competente – n.º 4 do art.º 38.º da LEO. A Assembleia da República pode


solicitar a realização de audiências ou a convocação de comissões especializadas ou de
entidades não submetidas ao poder de direção do governo e cujo depoimento seja
considerado importante para a tomada de decisão, sendo ainda ouvido o Tribunal de
Contas.

Aprovada a PLOE, esta segue para ratificação por parte do Presidente da


República e, caso seja promulgada, segue-se a sua publicação em Diário da República12.

Após aprovação, o orçamento é também enviado para cumprimento dos


mecanismos de supervisão multilateral da União Europeia, que sobre ele se pronunciará,
podendo ser emitidas recomendações.

O regime-regra que acabamos de analisar sinteticamente pode sofrer alguns


desvios decorrentes quer de condicionantes relativas aos órgãos que detêm a competência
exclusiva para apresentação da PLOE ou para a sua aprovação, quer aqueloutros
relacionados com as vicissitudes de um processo democrático de aprovação/rejeição de
uma Proposta de Lei.

Pertencem ao primeiro grupo de situações as elencadas taxativamente no art.º 39.º,


n.º 1 da LEO e que têm como consequência a alteração do prazo para entrega da PLOE
na Assembleia da República estabelecido no n.º 1 do art.º 36.º da LEO e do prazo para
envio às instituições da União Europeia da mesma. Estão em causa situações em que (a)
a tomada de posse do novo Governo ocorra entre 15 de julho e 30 de setembro, (b) o
Governo em funções se encontre demitido a 1 de outubro ou em que (c) o termo da
legislatura ocorra entre 15 de outubro e 31 de dezembro. Em todos esses casos, o novo
Governo dispõe de um prazo de 90 dias a contar da data da tomada de posse para proceder
à entrega da PLOE na Assembleia da República e para a enviar à Comissão Europeia –
art.º 39.º, n.º 2 da LEO.

Situação diversa da acabada de referir é a que se verifica nos casos, também eles
taxativos, mencionados no art.º 58.º da LEO e em que há a prorrogação da vigência da
Lei do Orçamento anterior, com exceção (a) das autorizações legislativas contidas no

12
Sendo uma Lei, embora com características muito específicas, é ainda possível a fiscalização abstrata
e/ou concreta das normas orçamentais.

5
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

articulado que, de acordo com a Constituição ou os termos em que foram concedidas,


devam caducar no final do ano económico a que respeitava a lei, (b) da autorização para
a cobrança das receitas cujos regimes se destinavam a vigorar apenas até ao final do ano
económico a que respeitava a lei e (c) da autorização para a realização das despesas
relativas a programas que devam extinguir -se até ao final do ano económico a que
respeitava aquela lei – cfr. n.º 3 do art.º 58.º da LEO.

Durante este período transitório, o orçamento é executado por duodécimos da


despesa total de base orgânica. Excetuam-se as despesas referentes a prestações sociais
devidas a beneficiários dos sistemas de proteção social, a direitos dos trabalhadores, a
aplicações financeiras e encargos da dívida, a despesas associadas à execução de fundos
europeus, bem como a despesas destinadas ao pagamento de compromissos já assumidos
e autorizados relativos a projetos de investimento não cofinanciados ou a despesas
associadas a outros compromissos assumidos cujo perfil de pagamento não seja
compatível com o regime duodecimal – art.º 58.º, n.º 4 da LEO13.

Logo que entre em vigor o novo orçamento, é necessário imputar às contas do ano
económico, entretanto iniciado a 1 de janeiro, as operações de receita e de despesa que
tenham sido executadas ao abrigo do regime transitório. Nos casos em que as rubricas de
receita e despesa subsistam, basta a imputação e seu impacto o cálculo dos duodécimos
vencidos (no caso das despesas) e, nos demais casos, o Decreto-Lei de Execução do
Orçamento que, entretanto, tenha sido aprovado deve estabelecer os procedimentos a
adotar nos casos em que nestas deixem e constar dotações ou sejam modificadas
designações das rubricas existentes no Orçamento anterior e por conta das quais tenham
sido efetuadas despesas durante o período.

Regime diverso é de aplicar às alterações a introduzir na Lei do Orçamento em


momento posterior ao da sua entrada em vigor. É de realçar desde logo a limitação do
poder de iniciativa legislativa decorrente do n.º 2 do art.º 167.º da Constituição da

13
Não obstante a previsão da possibilidade de aprovação pelo Governo de um Decreto-Lei de
execução orçamental para regulamentar, na medida do estritamente necessário, este período
orçamental – designado (impropriamente) de orçamento transitório – entendemos que a exceção
deve ser aplicada às demais despesas obrigatórias.

6
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

República Portuguesa usualmente designada por lei travão. Os deputados, os grupos


parlamentares e os grupos de cidadãos eleitores e as Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas ficam impedidos de apresentar projetos de lei, propostas de lei ou
propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas
ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento. Idêntica proibição é
encontrada no n.º 3 do mesmo artigo, no que diz respeito à apresentação de iniciativas
referendárias.

Esta limitação não impede, verdadeiramente, a iniciativa mas limita o seu


conteúdo, uma vez que impõe que as referidas propostas, se tiverem como consequência
a diminuição da receita ou o aumento da despesa no ano em curso, apenas possam ser
aceites14 e submetidas a discussão se o seu período início de vigência se iniciar no ano
económico seguinte15. Esta limitação é também visível no regime legal relativo à
distribuição de poderes de iniciativa e aprovação de alterações orçamentais previstas nos
art.º 59.º e ss. da LEO.

8.2. As implicações decorrentes das normas de Direito da União Europeia

Como tivemos oportunidade de referir supra a tramitação processual que tem como
objetivo a aprovação da Lei do Orçamento sofre algumas limitações decorrentes do
Direito da União Europeia. Estes condicionalismos não dizem apenas respeito a
obrigações de informação16 uma fez que se podem refletir no conteúdo da própria
proposta de Lei ou mesmo da Lei.

De uma forma sucinta são de salientar as orientações gerais das políticas


económicas dos Estados-Membros efetuadas no âmbito do Semestre Europeu
recomendações feitas no quadro do Semestre Europeu, mas, sobretudo, das orientações

14
A apresentação de propostas ou projetos em violação do estabelecido nos números 2 e 3 do art.º 167.º da
CRP implica a não admissão dos mesmos, nos termos dos arts. 120.º, n.os 1 e 2 e do art.º 125.º do Regimento
da Assembleia da República.
15
Nos casos em que tal suceda haverá uma vinculação prévia que condiciona a elaboração da proposta de
Lei de orçamento de estado para o ano seguinte, aproximando este regime do que é aplicável às propostas
de alteração do projeto de orçamento apresentado aquando da discussão e aprovação pelo Parlamento.
16
São disso exemplo as obrigações de comunicação à Comissão (Eurostat) até 1 de abril e até 1 de outubro
de cada ano dos valores dos défices orçamentais programados e verificados – cfr. art.º 3.º do Regulamento
(CE) n.º 479/2009, do Conselho, de 25 de maio de 2009.

7
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

dirigidas especificamente a cada Estado-Membro e que devem ser tidas “na devida
conta”, sob pena de lhes poderem ser aplicadas sanções17.

8.3. O conteúdo da Lei do Orçamento

Importa ainda fazer uma breve referência à existência, ou não, de limitações


formais e materiais à Lei do Orçamento. Se do ponto de vista formal se exige, na
concretização do art.º 40.º da LEO, que a mesma seja composta por um articulado, pelos
mapas contabilísticos e pelas demonstrações orçamentais e financeiras, do ponto de vista
material a LEO define o conteúdo material mínimo, deixando ainda assim uma margem
de liberdade de conformação do conteúdo do mesmo.

Trata-se, em rigor, de um poder condicionado pela essencialidade das matérias


para a “execução da política orçamental e financeira” e que deve ser executado no estrito
cumprimento das normas constitucionais relativas à distribuição de competências entre a
Assembleia da República e o Governo18. Esta última limitação decorre diretamente dos
arts. introduzida expressamente em 2001 na LEO e que consta do atual art.º 41.º, n.º 2,
pretende reservar a Lei do Orçamento para matérias que têm apenas uma relação direta
com o Orçamento impedindo a introdução das designadas normas cavaleiras ou

17
A redação da norma contida no n.º 3 do art.º 2.º -A do Regulamento (CE) n.º 1466/97, de 7 de julho de
1997, na sua redação atual não é totalmente clara. Se por um lado no §1 do referido número e artigo se fala
em recomendações, no § 2 do mesmo número fala-se na possibilidade de aplicação de sanções quando
exista um incumprimento por parte do Estado-Membro das ditas recomendações. Compreende-se a solução
e a sua compatibilização com a definição de orientações tida como válida na Doutrina e na Jurisprudência
apenas se torna possível se tivermos em consideração que a obrigação de transparência, o acompanhamento
– ou supervisão – das políticas orçamentais dos Estados-Membros e a necessidade de responsabilização
pelas decisões tomadas delimitam objetivamente a possibilidade de aplicação de sanções. Perante uma
recomendação exige-se aos Estados-Membros uma obrigação de resultados, ainda que temperada por uma
obrigação de meios.
18
As competências dos órgãos de soberania são, nos termos do art.º 110., n.º 2 da CRP, estabelecidas pela
Constituição, ficando os referidos órgãos obrigados a observar, no exercício dessas mesmas funções, o
princípio da separação de poderes. Na ausência de norma que atribua especificamente a um órgão
competência para regular determinada matéria deve entender-se, na esteira do que é defendido no Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 461/87, publicado no Diário da República I série de 15 de janeiro de 1988,
que estamos perante competência legislativa concorrente.

8
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

cavaleiros orçamentais19. As razões da sua introdução na Lei do Orçamento são variadas


e também diversificada tem sido a posição da Doutrina e da Jurisprudência quanto à sua
admissibilidade e força jurídica20.

Entendemos que embora não exista do ponto de vista constitucional qualquer


limitação ao conteúdo material da Lei do Orçamento, o valor reforçado da Lei do
Orçamento não se estende às normas que digam respeito a matérias não orçamentais21.

As especificidades da Lei do Orçamento estendem-se ainda ao período de vigência


das suas normas que é, em regra, de um ano. Tal como acabamos de referir, esta limitação
é válida apenas para as normas que regulamentem matéria orçamental e para aquelas que,
não sendo normas em matéria orçamental, tenha sido expressamente previsto esse regime.
Regime especial é aplicável às autorizações legislativas em matéria fiscal

19
A expressão utilizada encontra paralelo noutras latitudes sob a designação de cavaliers budgétaires ou
riders e pretende traduzir a ideia da introdução de disposições em matéria não orçamental no orçamento
por forma a gozarem da proteção vinculativa e da força jurídica decorrente da forma a observar pela Lei do
Orçamento. Por essa razão é por vezes utilizada a expressão de boleia orçamental. Apesar de ser uma
temática já antiga a verdade é que a discussão em torno das implicações decorrentes da sua utilização
mantém-se atualmente. Veja-se, por exemplo, ANA RAQUEL MONIZ, “Cavaleiros e Hierarquia: o Artigo 158º
da Lei do Orçamento do Estado para 2009”, Revista de Direito Público e Regulação; CEDIPRE, Coimbra,
2009, pp. 1-8; XAVIER MINY, “Les «cavaliers budgétaires» sont-ils éphémères? Une controverse qui
perdure”, Revue de Jurisprudence de Liège, Mons et Bruxelles (J.L.M.B.), Larcier, 2017, n.º 3, pp. 110-
117.
20
Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que nas matérias não orçamentais a lei do orçamento. deve
ser considerada uma “lei comum”, isto é, não se lhe aplicam as limitações decorrentes da LEO quanto à sua
vigência, não se lhes aplicam as regras relativas às alterações orçamentais nem gozam de força especial.
Posição similar tem sido assumida pelo Tribunal Constitucional português em vários Acórdãos,
nomeadamente no Acórdão n.º 141/2020, de 3 de março de 2020. També, o Conseil Constitucionnel e o
Cour des Competes franceses têm assumido posições similares à referida. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista,
Coimbra Editora, 2007, pp. 1112 e 1113. Décision n.º 2021-833 DC, de 28 de dezembro de 2021 do Conseil
Constitucionnel, COUR DES COMPTES, Projets de décrets contenant les budgets pour l’année 2017de la
Région wallonne, Rapport Approuvé en chambre française du 1 er décembre 2016.
21
Para maiores desenvolvimentos veja-se FERNANDO ROCHA ANDRADE, Textos de Finanças Públicas,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, pp. 118 e ss. e TIAGO DUARTE, A Lei por Detrás do
Orçamento, Almedina, Coimbra, 2007.

9
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

constantes da Lei do Orçamento podem ser utilizadas até ao final do ano económico para
o qual tenham sido concedidas22.

9. A execução orçamental

Com a entrada em vigor do orçamento ̶ em regra, no dia 1 de janeiro de cada ano


̶ inicia-se a sua execução, com a prática de atos relacionados com a liquidação e cobrança
de receitas e com a autorização, autorização de pagamento e pagamento das despesas.

A execução do orçamento pode ser materializada na prática de atos ou de contratos


e nessa pressuposição, a execução orçamental tem que obedecer aos princípios e às
normas que regulamentem os vários aspetos relativos a cada uma das situações. Para além
disso, a perfeição do ato de execução orçamental fica ainda dependente do cumprimento
das exigências legais em matéria financeira ou, como é habitualmente referido, ao
cumprimento dos princípios especificamente relacionados com a execução orçamental.
Estes princípios representam uma densificação do princípio da legalidade e que se
materializa principalmente no princípio da tipicidade orçamental, mas que não se reduz a
este, mas agrega contributos vários, nomeadamente os decorrentes do princípio da
economia, eficiência e eficácia já por nós referido.

O procedimento de execução orçamental é bastante diversificado e complexo e


nunca se materializa num único ato, mas antes numa sequência lógica e ordenada de atos.
O cumprimento dos procedimentos introduz um fator de racionalidade na gestão e é
essencial na fase do controlo. Embora existam alguns aspetos e princípios que se aplicam
quer à execução do orçamento da receita quer à execução do orçamento da despesa outros
há que são muito diversos. Por razões didáticas, analisaremos de forma breve e separada
uns e outros, mas com especial enfoque na execução da despesa.

9.1. A execução do orçamento da receita

A execução do orçamento da receita, embora diferenciada face a cada fonte de


receita no que ao procedimento específico diz respeito, obedece ao princípio da unidade

22
Este desvio face à regra contida no n.º 5 do art.º 165.º da CRP e que consta do n.º 4 do mesmo artigo
revela bem a força vinculativa reconhecida à Lei do Orçamento.

10
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

de tesouraria, ao princípio da segregação de funções de liquidação e cobrança e ao


princípio da tipicidade qualitativa23.

O princípio da unidade de tesouraria, previsto no art.º 54.º da LEO e no art.º 2.º


do Decreto-Lei n.º 191/99, de 5 de julho impõe que os dinheiros públicos recebidos sejam
encaminhados para a Tesouraria Central do Estado24, exceto nos casos em que se trate de
receitas da Segurança Social em que a competência para a centralização das cobranças
cabe ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Socia , I.P. ̶ art.º 56.º da LEO.
Excecionam-se, também, aqueles casos em que a entidade ou serviços tenham sido
dispensados do seu cumprimento pelo membro do Governo responsável pela área das
finanças, situação em que caberá à entidade ou serviço determinar, dentro da lei, as
especificidades relativas a assegurar a guarda das receitas e de acesso aos fundos
disponíveis.

O princípio da segregação de funções, já por nós mencionado aquando da análise


dos princípios e regras orçamentais dispensa, nesta fase, uma densificação diversa
daquela que já foi feita.

No que ao princípio da tipicidade diz respeito exigem-se explicações mais


aprofundadas, sobretudo porque consideramos que este é um princípio central da
execução orçamental. A execução do orçamento da receita obedece ao princípio da
tipicidade na sua dimensão de tipicidade qualitativa. Decorre, assim, deste princípio a
limitação de serem arrecadadas, em sede de execução orçamental, apenas as receitas que
foram devidamente previstas no Orçamento Geral do Estado em vigor.

O cumprimento deste princípio não se basta com a enumeração de cada uma das
receitas a arrecadar, obrigando antes a que sejam cumpridas de modo adequado as regas
de inscrição e classificação orçamental, nomeadamente as que dizem respeito à

23
A diferenciação do procedimento que leva à liquidação e cobrança das receitas tributárias, das receitas
não tributárias, nomeadamente das receitas patrimoniais e das creditícias reveste-se de especificidades que
são objeto de estudo noutras unidades curriculares, nomeadamente no Direito Fiscal e nas Finanças Públicas
II, mas também em várias disciplinas de Direito Privado.
24
Esta função é atualmente exercida pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP,
E.P.E., que sucedeu nestas funções ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P.

11
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

classificação económica e funcional25. É também necessário que no processo de criação


da receita em causa tenha sido cumprido o procedimento e os demais requisitos
constitucionais e legais. E se tudo o que acabamos de referir deve ser considerado como
conditio sine qua non para que a receita possa ser liquidada ou cobrada num determinado
ano financeiro, idêntica limitação não é aplicável ao valor da receita. Permite-se que a
liquidação e cobrança de receitas vão para além do que estava previsto no orçamento26 -
cfr. n.º 2 do art.º 52.º da LEO. Tratamento diverso é dado às receitas creditícias em que o
valor inscrito no orçamento do Estado constitui o limite máximo a arrecadar.

9.2. A execução do orçamento da despesa

Os princípios que servem de base à execução do orçamento da receita são, de certa


forma, mimetizados quando estamos a falar em execução do orçamento da despesa.
Contudo, convém ter em consideração algumas especificidades que, nesta como noutras
situações, levam a que os princípios em causa sejam densificados de modo diverso.

Assim, são de ter em consideração o princípio da segregação de funções, neste


caso de autorização da despesa, de autorização de pagamento e pagamento - art.º 52 º, n.os
6 e 7 da LEO; o princípio da unidade de tesouraria, estabelecido no Regime da Tesouraria
do Estado – Decreto-Lei n.º191/99 e no art.º 54.º da LEO; o princípio da tipicidade
qualitativa e o princípio da tipicidade quantitativa art.º 52 º, n.os 3 a 5 da LEO; o princípio
da boa gestão financeira eficiência e eficácia - art.º 52.º, n º 3, al. c) da LEO e o princípio
da execução do orçamento por duodécimos – art.º 8.º do RAFE27.

25
A classificação económica da receita encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 26/2002, de 14 de fevereiro
e a classificação funcional no Decreto-Lei n.º 171/94 de 24 de junho.
26
Esta possibilidade leva-nos a questionar se basta que exista uma correta inscrição orçamental, ainda que
de montante zero, para que a receita possa ser arrecadada ou se a previsão do montante a arrecadar tem que
ser minimamente realista. De acordo com os princípios de direito financeiro, parece ser de aceitar a primeira
hipótese. Embora não tenhamos razões para discordar questionamo-nos se uma inscrição de receita em que
se prevê cobrar zero euros não é equivalente a uma não inscrição de receita.
27
Este princípio de execução orçamental deixou de figurar nos princípios de execução orçamental
constantes da LEO, mas, dado que o RAFE ainda não foi revogado, entendemos que a sua aplicação se
mantém. Com as alterações que têm vindo a ser introduzidas no processo de elaboração, sobretudo de
estruturação, e de execução do orçamento é de esperar que deixe de fazer sentido a sua aplicação como
regra, pese embora continue a ser essencial a limitação do volume de gastos nos primeiros meses do ano.

12
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

O princípio da segregação das funções, aqui lido em consideração à autorização


da despesa, autorização de pagamento e pagamento – art.º 52.º, n.os 6 e 7 da LEO, embora
na sua definição não divirja da já por nós avançada, é de referir a sua importância para o
cumprimento da cabimentação prévia e, também, para a garantia da boa execução
orçamental, como veremos mais adiante. Já o princípio da unidade de tesouraria não
assume aqui quaisquer especificidades.

Diversamente, a caracterização do princípio da tipicidade assume uma


vinculatividade alargada, uma vez que do mesmo decorrem quer limites qualitativos quer
limites quantitativos à despesa estadual. Uma despesa pública para poder ser realizada –
leia-se, autorizada, autorizado o seu pagamento e paga - tem que estar corretamente
prevista no orçamento e o seu valor não pode ultrapassar o valor do crédito ou dotação
orçamental ainda disponível para aquele tipo de despesa em concreto. Ou seja, também
aqui se exige o cumprimento das exigências relativas à correta inscrição orçamental –
princípio da tipicidade qualitativa, art.º 52.º, n.o 3, al. a) e b) primeira parte e parte final
da LEO – mas determina-se que o valor a gastar com cada tipo de despesa não ultrapasse
o limite do crédito ou dotação orçamental – princípio da tipicidade quantitativa, art.º 52.º,
n.os 3, al. b) segmento intermédio, 4 e 5 da LEO.

Por último, exige-se que a execução do orçamento cumpra ainda o princípio da


boa gestão financeira, consubstanciado no princípio da economia, eficiência e eficácia da
despesa, também conhecido pelo princípio dos 3 Es, como decorre do art.º 52.º, n.º 3 al.
c) da LEO. O primeiro E – a economia – diz respeito à necessidade de contenção da
despesa no valor mínimo possível. Contudo, não se trata de um mínimo que impõe em
todas as circunstâncias a opção pela opção com menor preço28. Trata-se de uma ideia que
tem que ser temperada pelas duas outras exigências: eficiência e eficácia. E o conceito de

28
A própria noção de preço mais elevado pode ser vista como o custo financeiro a suportar, devendo tomar
em consideração outros encargos não financeiros como o

impacto ambiental – custo ambiental – ou os impactos intergeracionais ou ainda outras externalidades


positivas e negativas. Se em relação a alguns destes custos há já modelos de mensuração e preciarização –
como sucede com os custos ambientais – noutros casos isso não acontece, fazendo com que o preço
apresentado não reflita verdadeiramente o custo do bem ou serviço em que se materializa a despesa pública.
Nesses casos as exigências podem ser levadas em consideração nos outros dois parâmetros: a eficiência e
a eficácia.

13
O PROCESSO ORÇAMENTAL: da preparação à execução

eficiência, em termos económicos, está intimamente ligada ao ótimo de Pareto


correspondendo, de forma simplificada, a uma situação em que não é possível uma
(re)alocação de recursos para melhorar a situação de um agente económico sem prejudicar
a de outro, isto é, a opção por uma outra forma de realização da despesa não permite
melhorar o nível de concretização da despesa com o mesmo dispêndio de meios nem
atingir o mesmo resultado com menor dispêndio de meios. Por último, a eficácia que
pretende determinar se e em que medida aquela despesa permitiu atingir adequadamente
o fim visado.

Embora atualmente sem expressa referência na Lei de Enquadramento


Orçamental, mas ainda com consagração no art.º 8.º do Regime da Administração
Financeira do Estado (RAFE) é de considerar o princípio da execução do orçamento por
duodécimos. Estão abrangidos por este princípio aqueles serviços ou aquelas despesas
relativamente aos(às) quais, em cada ano, tal venha a ser estabelecido no decreto-lei de
execução orçamental.

De acordo com este princípio os encargos apenas devem ser assumidos e os


pagamentos autorizados por importâncias não superiores aos duodécimos (1/12) vencidos
e ainda não utilizados. O valor da despesa mensal não pode, em regra, ultrapassar a
duodécima parte do crédito ou dotação orçamental. Só assim não será se o valor que se
pretende gastar não ultrapassar o valor dos duodécimos vencidos e ainda não utilizados.
Este princípio baseia-se no princípio da prudência e pretende evitar a acumulação de
pagamentos nos primeiros meses do ano, incentivando a uma distribuição equilibrada da
despesa ao longo do período orçamental29.

29
Na inexistência de uma regra genérica que obriga à execução do orçamento por duodécimos é necessário
perceber, em cada período financeiro, a que serviços ou despesas se aplica este regime de execução. Faz-
se notar que podem ser estabelecidas exceções que permitam a antecipação total ou parcial dos duodécimos
ainda não vencidos.

14

Você também pode gostar