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Privilégio branco
Marta Rodrigues
Bragança, 2022
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Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Bragança
Privilégio branco
Bragança, 2022
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“White privilege is like an invisible weightless knapsack of special provisions, maps,
passports, codebooks, visas, clothes, tools, and blank checks.”
(Peggy McIntosh)
“White privilege doesn’t mean your life hasn’t been hard; it means your skin tone isn’t
one of the things making it harder.”
(Unknow)
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Contextualização
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Dicionário Online Priberam de Português
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Privilégio branco
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Notei especialmente da parte dos homens aquilo a que chamamos de fragilidade
branca; o mais pequeno stresse racial é intolerável – a mera sugestão de que ser-se branco
tem um significado é muitas vezes o suficiente para desencadear uma panóplia de reações
defensivas. Estas incluem emoções como a raiva, o medo e a culpa, e comportamentos
como a altercação, o silêncio e o voltar costas à situação causadora do stresse. Estas ações
destinam-se a restituir o equilíbrio branco, afastando o questionamento, repondo o
conforto e mantendo a nossa dominação dentro da hierarquia racial (Diangelo, 2020,
p.142). Partilho ainda a mesma opinião de Robin Diangelo (2020), quando falo com
pessoas brancas sobre racismo, as suas reações são tão previsíveis que, por vezes, me
parece que estamos todos a recitar falas de um guião partilhado. Quando fiz esta pergunta
a amigos, já previa algumas das respostas. Falar com pessoas brancas sobre racismo e
privilégio é ouvir coisas como “mas eles também são racistas connosco”, “queria ver se
fossemos nós no país deles”, “eu não sou privilegiado em nada, ninguém me deu nada”.
Desenhámos fronteiras entre o «nós» e «eles». Outro dos aspetos mais referidos foi a falta
de contacto com pessoas de outras etnias, quer no meio social em que se está inserido,
quer nos media. Uma das formas mais poderosas de disseminar a supremacia branca é
através das representações nos media, que têm um enorme impacto no modo como vemos
o mundo. Os que escrevem e realizam os filmes são os nossos narrados culturais; as
histórias que contam moldam as nossas mundividências. Uma vez que a maioria das
pessoas brancas vive em isolamento racial das pessoas não-brancas (e das pessoas negras
em particular) e tem muito poucas relações inter-raciais genuínas, ela é extremamente
influenciada pelas mensagens raciais presentes nos filmes (Diangelo, 2020, p. 59). A
segregação social é ainda fator de destaque; os bairros degradados são maioritariamente
habitados por afrodescendentes, negros e ciganos, e basta olhar para os indicadores
socioeconómicos para perceber porquê: a população de origem PALOP negra ocupa as
camadas mais baixas da sociedade. Mas vai além disso: o facto de a pobreza ter cor resulta
de uma desigualdade histórica e estrutural que tem na base a discriminação racial que é
passada de geração em geração (Marques, 2018, p. 69).
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no meio de homens; que não devo consumir qualquer bebida alcoólica porque é feio. Sou
branca e este privilégio reconheci recentemente. Não tinha grande noção até chegar à
faculdade de que possuía qualquer privilégio. Acreditava até que o meu percurso foi feito
sem qualquer tipo de ajuda ou vantagem, porque não tive grandes benefícios e cheguei cá
com muita luta minha e da minha mãe, o meu maior apoio. Vivi a maior parte da minha
vida encantada com a noção do mérito: a maravilhosa ideia de que este meu deslizar pela
vida rumo ao conforto, ao sucesso e à segurança era produto do meu esforço, do meu
trabalho, da minha inteligência. Entendia a meritocracia como o grande eldorado da
civilização: uma sociedade onde cada um tem aquilo pelo qual trabalha (Marecos, 2020).
Nunca tinha feito sequer uma reflexão sobre esse assunto porque nunca me tinha
confrontado com essa necessidade – nem na escola, nem no trabalho, nem na rua, nem na
televisão. Nenhum dos fatores à minha volta suscita pensamento, raciocínio, observação.
Mas deviam. Ensinam-nos que os negros são praticamente como algo exótico, que não
existem cá no país dos brancos costumes (Marques, 2018). Estão lá, muito longe da nossa
realidade. O momento em que cheguei à faculdade foi crucial para a minha perceção deste
privilégio. Os alunos do Instituto Politécnico de Bragança são completamente
heterogéneos. A minha turma é um perfeito exemplo disso – somos portugueses, cabo-
verdianos, são-tomenses, angolanos, guineenses, brasileiros, moçambicanos, chineses.
Todos eles contribuíram para o meu crescimento, essencialmente a este nível. Enquanto
aluna portuguesa, não posso negar que senti esse privilégio. Não tive qualquer dificuldade
em arranjar casa, mas tive dificuldade em ouvir o senhorio dizer que uma menina negra
queria alugar um quarto e que ele até a achou boa pessoa, mas não queria misturas.
Recentemente, cheguei a senti-lo por parte de professores, quase como se a minha ajuda
ou participação fosse mais válida; poderia até por ser representante de turma, mas não
creio, uma vez que os meus colegas africanos sentem exatamente o mesmo.
Não faria sentido não questionar os meus amigos negros quanto ao mesmo
assunto. Perguntei-lhes o que pensam sobre privilégio branco e uma situação em que o
tenham sentido. Ao homem questionei-o também do seu privilégio masculino. Gostaria
de o ter feito igualmente a cinco mulheres e a cinco homens, mas infelizmente o meu
núcleo de amigos não o permite. Consegui então respostas de três mulheres e um homem
e pretendo fazer uma análise do que aconteceria se fosse eu no lugar deles.
Todos eles reconhecem, sem qualquer espaço para dúvidas, o privilégio branco.
Vivem de frente para ele e passam quase diariamente por situações que provam que ele
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está vivo. Começando pelas mulheres – a primeira realça o facto das pessoas brancas 90%
das vezes não reconhecerem o seu privilégio e, como já referido anteriormente, o discurso
ser sempre praticamente o mesmo e cheio de comparações sem qualquer nexo, como “mas
os portugueses também sofrem na Suíça ou na França”. Há uma diferença gigantesca
entre racismo e xenofobia; uma imigrante negra, lida não só com a xenofobia como com
o racismo, ou seja, uma imigrante portuguesa e branca acaba por ser mais “aceite” do que
uma pessoa negra. E tudo porque é branca. Refere ainda o facto de as crianças negras
serem ensinadas desde cedo que quando entram em estabelecimentos comerciais, não
podem mexer nas suas mochilas e que têm de ter sempre as mãos “à vista”. Relata como
situação especifica o momento em que estava com um grupo de amigas, todas negras, a
entrar numa loja e duas mulheres brancas a sair. O alarme tocou, quem foi revistado foi
o grupo de mulheres negras a entrar e não quem realmente estava a sair da loja; a segunda
mulher diz que este privilégio se manifesta nas coisas mínimas do dia a dia, por exemplo
numa ida ao supermercado. Acredita também que as pessoas brancas acessão facilmente
aos melhores serviços de saúde e educação. Exemplifica com o momento em que foi
seguida pelo segurança, num supermercado, desde a entrada até ao momento em que se
dirigiu à caixa ou com o dia em que foi tomar a vacina e a funcionária mandou entrar toda
a gente, deixando para último os negros que se encontravam ali, mesmo estando eles em
primeiro lugar; a terceira narra uma apresentação de um trabalho escolar garantindo que
o mesmo estava bem estruturado, o único a receber feedback positivo do professor e
mesmo assim a nota final foi inferior a catorze valores. Diz ter sido tão grande absurdo
que gerou desconforto por parte de todos os alunos.
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funcionário, será para impingir qualquer venda e não por desconfiar de que posso estar a
roubar; nunca considerei que existisse qualquer injustiça na atribuição das minhas notas,
referindo já anteriormente que notei algumas vezes um tratamento diferente a nível
académico; sempre fui recebida com normalidade em qualquer monumento ou evento
cultural.
Referências bibliográficas
Marques, J. G. (2018). Racismo no País dos Brancos Costumes (1ª edição: abril
de 2018). [Costumes of Racism in the Land of the Whites]. Edições tinta-da-china, Lda.
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