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Aula: 15

Temática: Ambigüidade: defeito ou


recurso expressivo?

Em aulas anteriores, vimos que a clareza é responsável pela


fácil e correta apreensão das idéias contidas em um tex-
to. Se quisermos ser bem compreendidos, se pretendemos
que nosso texto seja corretamente interpretado e valorizado, não devemos
deixar a cargo do leitor uma missão que não é dele: “adivinhar” o que que-
remos dizer. Um dos principais responsáveis pela falta de clareza em um
texto (ou um trecho) é a ambigüidade.

Quando o leitor vacila diante de mais de uma possibilidade de entendimen-


to do que foi dito, dizemos que, no texto, há ambigüidade.

Ás vezes, a ambigüidade pode ser causada pelo fato de um vocábulo apre-


sentar mais de um significado. A esse tipo de ambigüidade dá-se o nome
de ambigüidade polissêmica.

Observe a frase: Comprei uma capa na loja da esquina. Você


diria que a palavra “capa” deve ser entendida como “peça
de vestuário” ou como “proteção para um livro ou para outro
objeto qualquer”? A meu ver, não fui clara ao passar essa informação: é
possível afirmar, com certeza, a qual objeto a palavra “capa” se refere?

Veja outro caso: O moço esqueceu a carta sobre o balcão. Podemos atribuir
à palavra “carta” vários significados: correspondência, carta de baralho,
carta de motorista,... Tal tipo de ambigüidade pode ser evitado (ou pelo
menos amenizado) pela substituição do vocábulo por outro mais preciso
ou por um esclarecimento maior do contexto: O carteiro esqueceu a carta
sobre o balcão. Ou ainda: O motorista esqueceu a carta sobre o balcão.

Há casos, ainda, em que a ambigüidade decorre da construção da frase.


Temos, então, a ambigüidade estrutural.

Observe: Diretor de presídios diz que autorizou filmagem de


Marcola. Essa frase é o título de uma notícia. Ao lê-lo, fiquei
em dúvida: o diretor autorizou que alguém – um cinegrafista
de televisão, por exemplo – filmasse Marcola ou que Marcola filmasse
algo? Há, portanto, uma difícil distinção entre agente (aquele que pratica a
ação) e paciente (aquele sobre o qual recai a ação).

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Além dessa, há outras construções que podem prejudicar a clareza do
enunciado:

• uso inadequado da coordenação: Cauê e Andréia divorciaram-se.

• má colocação de palavras ou expressões: Suzane vai esperar julgamen-


to em casa.

• uso inadequado de pronomes relativos: Conheci o diretor e o museu a


que o convidado se referiu na palestra.

• não-distinção de pronome relativo e conjunção integrante: O jogador


falou com o torcedor que estava decepcionado.

• mau uso de possessivos: Marcelo encontrou Jussara e lhe disse que


sua prima havia sido hospitalizada.

• mau uso de formas nominais: O jornalista encontrou o deputado entran-


do no escritório.

A falta de clareza pode também levar o leitor a interpretações engraçadas,


ridículas e/ou absurdas. Num texto de um boletim da Associação Paulista
de Medicina, aparece a seguinte recomendação: Preferir os alimentos que
indicam que não têm colesterol no rótulo . O que você acha: o alimento
não tem colesterol ou o rótulo não tem colesterol?

Você pode estar pensando que eu enlouqueci: é lógico que rótulo não tem
colesterol! Afinal, pelo nosso conhecimento de mundo, sabemos que ró-
tulos não têm colesterol, que há, isto sim, alimentos que aumentam o
colesterol de nosso organismo, pessoas que têm colesterol. Entretanto,
não é disso que estamos falando, mas sim de frases ambíguas, e a frase
do boletim da Associação Paulista de Medicina é ambígua. O que deve
ficar claro é o seguinte: mesmo que eu saiba o que o redator da frase quis
dizer, ela está ambígua e, portanto, posso entendê-la como quiser – inclu-
sive como absurda! Creio que você não quer que aconteça isso com seus
textos, não é?

Neste momento, várias dúvidas devem estar surgindo! A


ambigüidade é sempre um defeito? E se eu quiser que meu
texto fique mesmo ambíguo? Os poetas não são mestres da
ambigüidade? Os redatores das agências de propaganda não estão sem-
pre “cometendo” ambigüidades?


O Estado de S.Paulo. 27/5/2006, p.1

Apud Mauro Ferreira. Op.Cit., p.110.
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E eu devo lembrá-los, então, do que vimos em nossa aula acerca da ade-
quação da linguagem. Num poema, numa peça publicitária – até num títu-
lo de notícia ou numa manchete de jornal! – a ambigüidade é um recurso
estilístico utilizado pelo autor para alcançar seu objetivo.

O jornal O Estado de S.Paulo publicou, no caderno de Eco-


nomia, uma reportagem acerca da retração do consumo de
cachaça no país, o qual vem diminuindo num ritmo de 2%
a 3% ao ano. Nela, aparecem uma pequena tabela e um infográfico que
registram, respectivamente, a evolução das vendas do produto e a “par-
ticipação de mercado das principais marcas em 2006”; a essas informa-
ções foi dado o seguinte título: “Ressaca no mercado”. O autor do título
explorou, de forma bastante criativa, a polissemia da palavra “ressaca”:
“indisposição após uma bebedeira” e “refluxo”.

Então, gostaria de deixar bastante claro para vocês que o


objetivo do texto, seu receptor, as circunstâncias em que
é escrito constituem fatores determinantes da linguagem a
ser utilizada.


O Estado de S.Paulo. 17/9/2006, p.B12.
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