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Mary Douglas foi uma antropóloga social, nascida em 28 de novembro em meados do século

XX. Em suas análises estruturalistas havia um grande interesse por religião comparada.

Em seu livro "Pureza e Perigo: ensaio sobre as noções de poluição e tabu" discerne todo o
contexto cultural a respeito do conceito de impureza e pureza nas questões religiosas. Tal
como cita: "(...) em primeiro lugar, as religiões primitivas seriam inspiradas pelo medo;
estariam inextricavelmente misturas com as noções de impureza e de higiene".

Na obra, demonstra que os rituais de pureza e impureza dão unidade a experiência. Porém, o
conceito de impureza traz a desordem e por isso impede a reflexão dos indivíduos. E a pureza
traz a ordem, pois segrega fatores diferentes. Dado isso, a reflexão sobre a impureza traz
relação entre ordem e desordem, ser e não ser, a vida e a morte. Onde quer que tal ideia
esteja estruturada, a impureza revela análises de profundos temas.

No capítulo inicial denominado "A impureza ritual", Mary Douglas aborda como o conceito de
impuro é interpretado de acordo com cada cultura, a nossa ideia de impuro dessa maneira, é
fruto do cuidado que temos com a higiene (tais regras de higiene evoluem).

Os povos primitivos não sugerem uma separação entre o impuro e o sagrado, para ele a ideia
de sagrado é um pouco mais do que proibição, já para nós, itens sagrados devem ser
protegidos da impureza, temos uma ideia especializada do sagrado. O que acarreta a nós
valores morais, diferentemente dos primitivos. Distinguir sagrado de impuro marca um avanço
sobre a selvageria, ou seja, povos que conseguem ver essa distinção não são selvagens.

Mary Douglas faz citações de uma série de pensadores a respeito do tema em questão ao
longo de seu texto demonstrando o confuso diálogo entre Antropologia e Teologia, mas um
que se destaca é Robertson Smith. Autor que vê os costumes (que estão presos ao modo de
vida) como primitivos, irracionais; reconhece que a humanidade persiste nas regras irracionais
de impureza, por isso sugere mostrar a função ativa da sociedade e deixar um pouco de lado a
selvageria.

Outra questão que interessa a discussão de Smith é a desavença existente entre a fé e a razão,
era preciso encontrar uma nova concepção da religião. A partir de uma série de análises e
promoções profissionais dele, houve uma conciliação da Antropologia e teologia, mostrando a
ciência como suporte essencial da religião. Religião essa que é o poder que zela pelo bem estar
de todos.

Após dissertar sobre as principais ideias de Robertson Smith, Mary Douglas argumenta a
respeito das principais ideias de Durkheim e Frazer (autores que seguiram as análises de
Smith), em que Durkheim insiste na separação do sagrado do profano, enquanto que Frazer
argumenta o que Frazer rejeitou: a magia.

Em razão disso, Smith separou três estádios de desenvolvimento da cultura humana:

1. Magia

2. Religião

3. Ciência.

"A magia que ele considerava como ciência primitiva, era vencida pelas suas próprias
insuficiências e suplementada pela religião. Da tese (a magia) emergia a antítese (a religião), e
a síntese (a ciência moderna eficaz) substituía, ao mesmo tempo, a magia e a religião." Ou
seja, seria a ciência o resumo da religião mais a magia, sendo a magia contraposta a religião.

No terceiro capítulo, cujo título "As abominações do Levítico", a autora problematiza as


exigências das Escrituras que diferentes autores argumentavam os motivos, tal como
Maimônides, Professor Stein, Robertson Smith, Nathaniel Nicklem, R. Driver, P. P. Saydon,
entre outros, cada um tentando explicar o porquê de certos animais serem considerados
impuros. Dentre as explicações temos: as exigências buscava um ritual de santidade ou/e são
rígidas porque são irracionais.

A santidade aqui, possui três significados:

- Separação: decorre a separação de obedecer versus não obedecer as leis.

- Totalidade: a totalidade se revela em um caráter externo. O servente/ servido de Deus deve


ser perfeito esteticamente.

- Integridade: não ser pervertido, deve ser santo tal como Deus foi.

Diante desse breve resumo, é evidente que a estrutura social vigente separa o impuro da
pureza, em que as funções desses se delimitam na desordem, selvageria e ordem,
racionalidade respectivamente. O banheiro por exemplo é um símbolo de impureza para nós,
enquanto que a mesa é pura. Isso reflete o quanto que o simbolismo ordena a moral social.

No aspecto religioso abordado no texto, vemos o quanto há uma mistura entre comunidades
religiosas e comunidades políticas, possuímos na religião aspectos tanto eclesiásticos quanto
político: "Não faça isso, pois..."

De antemão temos as exigências das Escrituras discutidas no texto, sendo concluído por Mary
Douglas: os impuros apresentados seriam os que não atingem o padrão de modos de
locomoção.

Sobretudo, vemos um trabalho que obteve uma forte relação entre a parte e o todo, são
pessoas individuais que foram atingidas pela moral do todo, por isso "não podemos esperar
entender as ideias dos outros sobre o contágio, sagrado ou secular, antes de nos
confrontarmos com a nossas" como cita Mary Douglas.

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Segundo Mary Douglas (1966), o século XIX presenciou uma separação categórica que
enclausurou as religiões primitivas entre os muros do horror como se essas fossem baseadas
exclusivamente no medo. Eram em segundo plano, de maneira rasa, confundidas com suas
idéias de profanação e higiene. A origem dessas concepções seriam os grandes desastres, que
se abateram sobre aqueles que cruzavam linhas proibidas ou contaminaram-se com alguma
espécie de impureza, assim como a entrada no reino do terror por aqueles que tiveram a razão
obscurecida pelo contado com a sujeira.
Para a autora, poucos encontraram assim caminhos fecundos para descobrir ao certo o
segredo por trás daquelas culturas religiosas. Na verdade, a maioria, como Evans-Pritchard e
Audrey Richards, observaram que medo algum ali se encontrava; a indignação por algum
enfeitiçamento era o sentimento comum entre os Azande, os Deuses Nueres eram vistos de
maneira amistosa e os Bemba faziam seus rituais de iniciação com muita tranqüilidade. No
caso da higiene, ela mostrou-se mais sólida, portanto que utilizada como via central para o
conhecimento e com algum conhecimento. Ela é a lente que Douglas utiliza para enxergar
através dos olhos dos povos, segundo a noção sistêmica de que a sujeira ofende a ordem.

A ordem, afinal, exprime a nossa organização do mundo que pode manter-se ordenada mesmo
quando caótica e a sujeira é a objetivação do negativo assim como o negativo é a internação
do que consideramos sujo. O esforço para eliminar a sujeira é uma tentativa de impor ao
ambiente o arranjo ordenado que nos parece adequado. Não há nesse esforço algo
amedrontador, sim um intenso e destemido “movimento criativo, um esforço para relacionar
forma e função, fazer da experiência uma unidade”. Os rituais de pureza teriam o mesmo fim.
Por eles também “os padrões simbólicos seriam executados e publicamente manifestados”,
reforçando os laços sociais e dando consistência ao grupo.

Esses rituais reforçariam as idéias de poluição, que por si mesmas tem alto nível instrumental:
elas, além de expressarem preceitos consuetudinários da sociedade em que se inserem ,
influenciam comportamentos e castigam aqueles que transgridem sua essência. Tal castigo se
dá por sanções legais, através de mecanismos do Estado, por sanções civis, via agressão moral
ou física (em ambientes em que o Estado não possui o monopólio da força) e por retidão,
decorrente de atos de exortação do próprio transgressor. Os castigos divinos nas sociedades
religiosas, como as que Douglas se propõe a analisar, são também sanções que forçam os
indivíduos ao bom comportamento.

Douglas julga que inclusive “os valores morais são mantidos e certas regras sociais são
definidas por crenças em contágio perigoso”. O contágio possui alto grau simbólico e por isso é
tão interessante para se pensar a vida social. Por exemplo, existem sociedades em que o
contato sexual é perigoso para ambos os sexos, outras para apenas um deles. Essas noções
refletem hierarquias e simetrias. A questão da alimentação é um outro exemplo de poluição
corporal, dado ela exprimir absorções políticas. Mas, como já antecipado, os perigos
ultrapassam sem dificuldade o corpo individual para o social e fazem parte do universo de cada
cultura particular de diversas maneiras, tipo via linguagem: “algumas vezes, palavras
engatilham cataclismos, algumas vezes atos, algumas vezes condições físicas.”

Entender a dinâmica interna e externa dessas sociedades é fundamental antes de iniciar um


processo comparativo de análise, como Douglas achava importante. Logo, além do movimento
interno, da cultura com ela mesma, deveríamos observar como determinada cultura se
comporta entre as demais culturais vizinhas, como e o que ela intercambia com as mesmas,
como se dá a tensão nas suas margens etc. para depois tentarmos concluir qual a estrutura
comum ou não do mundo cultural com um todo. Ao contrário do preconceito inicial de uma
suposta estática que tal noção possa criar, Douglas enxerga movimento mesmo nas culturas
mais aparentemente estáticas. Segundo ela, “pode-se supor que o mesmo impulso para impor
ordem que lhes [culturas] dá existência está continuamente modificando-as e enriquecendo-
as.“

Douglas também se preocupa em destacar que mesmo que sua estratégia de compreensão
seja dar certa autonomia ao coletivo, ela não nega a autoridade do indivíduo no processo de
criação da cultura: “Pode parecer que numa cultura ricamente organizada [...] o indivíduo
esteja agarrado a férreas categorias de pensamento, as quais são pesadamente salvaguardas
por regras de escape ou por punições. Pode parecer impossível para tal pessoa libertar seu
pensamento das rotinas protegidas de sua cultura.” Nos julgamos sempre passivos
recebedores de aspectos culturais, todavia temos completa responsabilidade pelas mudanças
que eles sofrem ao longo de nossa vida.

Das diversas páginas que edificam o ambicioso livro de Mary Douglas, no qual ritualmente
brâmanes e judeus estão juntos em prol do entendimento de noções como pureza e perigo,
seria possível avançarmos também de maneira ambiciosa com Robert Merton e suas noções
de função manifesta e função latente. Antes de modernizar o clássico e ousar, vejamos um
pouco alguns autores que, pela problemática que abordam, unem-se à autora, aqui
inspiradora maior, no horizonte do conhecimento por nós religiosamente divinizado.

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