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Fotografia de Natureza,

Arquitetura e Interiores
A Fotografia como Registro, Memória e Manipulação da Realidade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Patricia Maria Borges

Revisão Textual:
Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento
A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

• A Imagem Fotográfica como Registro Objetivo do Mundo Real;


• A Fotografia como Memória e Testemunho;
• A Fotografia como Manipulação da Realidade.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conceituar as diferentes interpretações do conceito de imagens técnicas ao longo da
história das artes;
• Compreender as primeiras interpretações da imagem fotográfica como “espelho da
realidade”, a partir da sua relação com o código espacial da perspectiva renascentista;
• Evidenciar a originalidade da imagem fotográfica em relação à pintura;
• Discutir sobre o caráter testemunhal da fotografia como recurso visual de apoio das notícias;
• Discutir as possibilidades de o recorte fotográfico ser considerado um trabalho de
manipulação da realidade registrada pelas imagens fotográficas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

A Imagem Fotográfica como


Registro Objetivo do Mundo Real
Em que medida a fotografia nos fornece uma imagem da realidade? Como com-
preender a imagem fotográfica como um registro objetivo do mundo real? Com
relação ao conceito de imagem técnica, quais as características que diferem a ima-
gem fotográfica das pinturas?

A invenção da fotografia em 1839, por Nièpce-Daguerre, vem acompanhada


de uma profunda crise da verdade e da perda da credibilidade que atingia o univer-
so das representações artísticas, em função de que a produção das obras de arte
dependia exclusivamente das mãos e da subjetividade do homem.

A nova invenção que chegara em Londres e Paris estabeleceu-se em meio a um


amplo processo de industrialização e crescente desenvolvimento das ciências, da
economia monetária e da revolução das comunicações. Neste cenário, a fotografia
irá contribuir para despertar um verdadeiro entusiasmo àqueles que reconhecem
na mecanização da máquina o poder de sua eficácia na representação da realidade.

Com a chegada da fotografia, o cenário das técnicas de produção das imagens


obedece a novos procedimentos. Se anteriormente à fotografia, a fabricação das
imagens era restrita às habilidades manuais dos pintores e a essência da repre-
sentação gráfica era considerada uma imitação; com as imagens fotográficas,
cuja fixação ocorre a partir de impressões luminosas, a reprodução das imagens
pode ser associada ao registro da realidade.

A premissa que orientará essa discussão entende que foi no Renascimento que
se concebeu toda a sistematização de estudos sobre os problemas ópticos neces-
sários para a produção de imagens técnicas, destinadas a reproduzir o mundo
visível da forma mais real e mimética (imitação) possível. É também no Renasci-
mento que se delineou a concepção de imagem técnica, como aquela marcada
pela objetividade (no sentido de imitar a natureza) e que serviu de fundamento
para o modelo da imagem fotográfica. Em seu tratado, De Pictura, Leon Alberti
Battista (1404-1472) escreveu pela primeira vez sobre as construções em pers-
pectiva e expôs as noções ópticas e geométricas que fundamentaram os ideais
da iconografia renascentista:
A imagem “objetiva” é a imagem que vem de fora (“da natureza”), aquela
que se pode apreender com máquinas e instrumentos derivados da in-
vestigação científica, e sua principal virtude é estar imune à subjetividade
humana, às imagens anteriores, que deformam e adulteram a realidade
visível. (MACHADO, 1997, pp. 226-227)

Ao longo da história das artes encontramos uma diversidade de técnicas de


produção de imagens sempre relacionadas a necessidade de utilização de algum
tipo de material para a sua produção, como é o caso da xilogravura (técnica de

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reprodução de imagens por meio de madeira entalhada); da litografia (onde se
utiliza imagens sob uma placa metálica de alumínio para reprodução de dese-
nhos sobre papéis); ou mesmo da pintura, que já pressupõe toda uma técnica
de preparação da tela e a mistura de pigmentos para a produção das tintas, que
posteriormente serão aplicadas sobre a superfície da tela. As questões técni-
cas constituiriam, neste sentido, fatores determinantes do resultado estético das
obras. Não é por acaso que a própria definição do termo grego para designar
“arte” é téchne; que pode ser entendida como as técnicas e meios para se criar
ou produzir algo.

Quando fazemos alusão a qualquer tipo de imagem produzida pelas mãos do


homem, implicitamente consideramos os procedimentos técnicos da produção
dessas manifestações visuais, mas, também, as características e as dimensões
estéticas, resultantes do emprego de determinadas técnicas.

Figura 1 – “O artista em seu estúdio”, de Rembrandt, 1626-28


Fonte: Wikimedia Commons

Sobre os procedimentos técnicos na pintura: o artista executa na tela o esboço


da forma que pretende representar e, em seguida, utiliza os pincéis para cobrir
as formas com tinta. A imagem finalizada é resultante da materialidade registra-
da pela consistência das tintas sobre a tela, mas o aspecto estético da imagem
é determinado de acordo com o tipo de pincel utilizado e a força aplicada sobre
ele. Neste caso, a menos que se repita por incansáveis vezes o mesmo gesto, di-
ficilmente o artista conseguirá reproduzir em suas telas o mesmo padrão estético.
Na trajetória do desenvolvimento dos meios técnicos de produção das imagens,
nos deparamos com as pinturas egípcias e bizantinas, por exemplo, onde nota-se a
falta de preocupação em retratar as formas humanas de maneira realista. Nos perío-
dos artísticos anteriores ao Renascimento, que vão desde a arte da antiguidade (arte
egípcia) até a Idade Média (arte bizantina), observa-se a criação de um rígido siste-
ma de medidas, concebido a partir do traçado de formas geométricas (denominado

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

de teoria das proporções). Esse sistema foi criado para enquadrar o desenho das
figuras humanas dentro de uma estrutura geométrica comum, de modo que a re-
presentação do desenho das pessoas adquirisse um aspecto bastante rígido e com
formas muito padronizadas, como na imagem a seguir:

Figura 2 – Papiro egípcio


Fonte: iStock/Getty Images

Para desenhar as figuras humanas, o artista egípcio iniciava o trabalho desenhando uma
Explor

rede finamente malhada de quadrados iguais, um sistema de quadriculados (semelhantes


ao sistema de quadrados utilizado para ampliar desenhos) sobre a qual a forma humana
deveria se acomodar. Todas as dimensões do comprimento do corpo humano eram expressas
em unidades de quadrados, assim, o comprimento do pé valia de três a três unidades e meia,
o comprimento da barriga da perna equivalia a cinquenta e cinco unidades; o comprimento
do passo (medido da ponta de um pé à ponta do outro) deveria ser de 10,5 unidades.
Para mais informações sobre a teoria das proporções, consultar o livro: PANOFSKY, Erwin.
Significado nas artes visuais. São Paulo: perspectiva, 2017. (Coleção Debates).

Com relação à fotografia, o conceito de imagem técnica, de certa forma, ofus-


cou e substituiu o trabalho da concepção das imagens por parte de um sujeito
criador para voltar-se apenas ao papel determinante da máquina como repro-
dutora de imagens. Nesse caso, ao substituir a mão do homem, a intervenção
da máquina acabou por estabelecer uma cisão em relação ao tipo de imagens que
eram produzidas em tempos anteriores.

Em nenhum outro momento da história das realizações técnicas de produção de


imagens, a mão do homem tinha sido substituída por um dispositivo mecânico de
impressão e fixação das imagens, como aconteceu com a chegada da fotografia.
O advento da fotografia trouxe a possibilidade de se realizar imagens puramente
automáticas e tecnológicas, que em todos os sentidos destinava-se a valorizar mais
o intelecto e a semelhança com o real decorrente de sua base científica.

No entanto, a origem do sistema óptico da fotografia só foi possível graças ao


sistema de representação espacial desenvolvido a partir do século XIV, quando a
cultura ocidental herdou o sistema da perspectiva linear renascentista como um
meio de divisão racional do espaço em torno de um ponto de fuga.

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Explor
Perspectiva: é um campo de estudo da geometria, em especial, da geometria plana.
Suas aplicações estendem-se para: arte, arquitetura, design, engenharia, etc. Trata-se de
uma ciência que abarca os métodos de representação dos objetos em seus tamanhos e
posições “corretas”, tal qual a visão humana supostamente os compreenderia, a partir de
um observador.
Fonte: https://goo.gl/Cw9SBQ

Do ponto de vista pictórico, a utilização da perspectiva renascentista sistematiza-


da por Leo Batista Alberti em seu De Pictura, de 1443 (esta obra analisa o estilo
de pintura e os elementos pictóricos da composição, cores e perspectiva), permitiu
representar os objetos tridimensionais no espaço bidimensional e estabeleceu a uti-
lização de procedimentos matematicamente calculados na orientação das imagens
no quadro.

Figura 3 – Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, pintada entre 1509 e 1511


Fonte: iStock/Getty Images

“Escola de Atenas” é uma das mais famosas pinturas renascentistas, na qual o


pintor Rafael utiliza-se dos conceitos matemáticos na divisão do espaço (modelo de
representação da perspectiva linear) e assim posiciona todos os elementos repre-
sentados na tela: as colunas, as paredes, as várias personalidades do mundo da ma-
temática e dos pensadores gregos. Observe que as linhas arquitetônicas convergem
para um ponto de fuga no centro do quadro, onde também estão posicionadas as
figuras de maior importância – os dois grandes filósofos do mundo clássico: Platão
e Aristóteles. Este tipo de sistema de construção da cena, em que se emprega o
cálculo matemático na divisão e organização do espaço e se posiciona as figuras
intencionalmente e em ordens hierárquicas no interior do quadro, é que garante
objetividade à representação.

Estas novas imagens técnicas que surgem pela primeira vez no século XIV, em
meio aos ideais renascentistas de uma crescente valorização da racionalidade,

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

são dadas total credibilidade como fonte de objetividade e conhecimento do mun-


do. Sobre a objetividade das imagens, o pesquisador e professor Arlindo Macha-
do comenta que:
É nessa época que os artistas começam, por assim dizer, a rejeitar as suas
imagens anteriores, a encará-las como enganosas e desviantes, ao mesmo
tempo em que se ancoram no conhecimento científico como forma de
garantir a credibilidade, a verossimilhança, o valor mesmo da produção
imagética como forma de conhecimento. (MACHADO, 1997, p.224)

É a partir do Renascimento que os procedimentos de elaboração das imagens


começam a incorporar cada vez mais as noções de simetria e cientificidade, o
que, em essência, seriam os preceitos para descrever as novas imagens técnicas –
funcionalidade e objetividade. E o emprego da perspectiva linear (ou perspectiva
artificialis ou perspectiva de um ponto de fuga), se impõe como um procedi-
mento pictórico marcado pela objetividade. “Para o homem do Renascimento, a
perspectiva artificialis significou o descobrimento de um sistema de represen-
tação “objetivo”, “científico” e, portanto, absolutamente fiel ao espaço real visto
pelo homem” (...) (cf. MACHADO, 2015, p.75).

A primeira representação de paisagem surgiu no Renascimento e se estabeleceu como um


Explor

gênero no século XVI. Todos os estudos da época renascentista que foram direcionados aos
componentes de composição pictórica, como a perspectiva, o estudo de cores e matizes, a
simetria, entre outros; contribuíram para que a pintura de paisagem organizasse na tela os
diversos elementos da natureza - o campo, o mar, as montanhas e florestas.

É neste período renascentista que as imagens que surgem nos quadros se tor-
nam cada vez mais elaboradas e calculadas matematicamente e criam-se uma série
de máquinas e procedimentos de representação destinados a garantir a objetivida-
de do mundo representado.

A tavoletta de Brunelleschi (1377-1446), por exemplo, consistia num dispo-


sitivo em que se estabelecia com precisão ao observador, o posicionamento dos
objetos dentro da paisagem. Brunelleschi pintou a vista do batistério San Giovanni
(Florença) num painel medindo 40 cm de cada lado. Entre a imagem do painel e
o olho do observador, era colocado um vidro translúcido que refletia a imagem da
superfície pintada. O observador podia contemplar a imagem refletida num espe-
lho colocado diante da superfície pintada, através de um orifício aberto no meio
da tábua. Esta era a configuração da “pirâmide visual”, cujo ponto de referência
era o vértice da pirâmide e o vidro correspondia ao quadro onde eram projetadas
as imagens da cena retratada dentro da pirâmide. Com o esboço da imagem e
as informações visuais da cena, bastava apenas transferir a imagem para a tela e
cobri-la com cores para dar acabamento à obra.

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Explor
Para visualizar a “Tavoletta” de Brunelleschi acesse o link: https://goo.gl/j71qaG

Dentre essa e outras máquinas e aparelhos, concluiu-se que a maneira mais sim-
ples de se obter essa mesma perspectiva era a utilização da câmera obscura, que
permitia que os raios luminosos entrassem pelo orifício e convergissem para um
único ponto, reproduzindo a imagem em perspectiva na parede da câmera oposta
ao orifício. No momento em que a informação luminosa penetraria na caixa, seria
codificada mediante a convenção de um sistema pictórico.

Câmera Obscura: Câmera Obscura é um tipo de aparelho óptico baseado no princípio de


Explor

mesmo nome, o qual esteve na base da invenção da fotografia no início do século XIX. Ela
consiste numa caixa (ou também sala) com um orifício no canto, a luz de um lugar externo
passa pelo mesmo e atinge uma superfície interna, onde é reproduzida a imagem invertida.

Fonte: https://goo.gl/8oTfwA

Figura 4 – Exemplo do processo de fixação das imagens no interior da parede da câmera obscura
Fonte: Wikimedia Commons

Você Sabia? Importante!

É possível confeccionar sua própria câmera obscura com materiais de fácil acesso.
Você vai precisar dos seguintes materiais: uma lata de leite em pó, um pedaço de
papel vegetal, tesoura, um prego, martelo, cola e uma vela. Há diversos vídeos no
Youtube que ensina como fazer uma câmara escura, outra sugestão é você acessar o
link: https://goo.gl/Xc5C2x

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

Foi nessa época que a utilização da câmera obscura passou a ser vista como
um dispositivo de objetividade e reprodução fiel das imagens do mundo real, e à
imagem fotográfica, por incorporar o código da perspectiva renascentista, foi con-
cebido o estatuto de reprodução fidedigna da realidade:
A fotografia não é apenas uma imagem (como a pintura é uma imagem),
uma interpretação do real; ela também é um traço, algo diferente gravado
pelo real, como uma pegada ou uma máscara mortuária. Enquanto a pin-
tura, mesmo aquela que conhece os padrões fotográficos de analogia, não
é nada mais que uma declarada interpretação, uma fotografia se restringe
ao registro de uma emanação (ondas de luz refletidas por objetos) – um
vestígio material de seu objeto em uma forma que nenhuma pintura pode
reconstituir (SUSAN SONTAG apud MACHADO, 2015, p. 41):

Podemos compreender que a grande novidade da fotografia com relação às


artes do passado se volta para a ideia de objetividade e visão realista que se
impõe à imagem fotográfica, pelo fato de se constituir num instrumento de ma-
terialização dos objetos ao refletir e colocar em evidência alguma coisa que em
algum momento “existiu” ou que “esteve ali”. Foi a primeira vez que as imagens
do mundo exterior foram formadas automaticamente sem a mediação de um ser
humano, e sim de um objeto – a câmera. Por esta razão e por muitos outros mo-
tivos, a história das produções artísticas seguiu paralela à noção de subjetividade
e reprodução objetiva da realidade.

A chegada e aceitação da fotografia após a década de 1860 proporcionaram


uma verdadeira revolução no universo cultural e artístico. A partir da imagem
fotográfica, o mundo, até então reconhecido através da tradição oral, escrita e
também pelas manifestações artísticas, se tornou mais familiar e acessível às pes-
soas. Os fotógrafos passaram a documentar fatos sociais, imagens de paisagens
urbanas e rurais, retratos da família, os hábitos e os costumes das pessoas, a
arquitetura das cidades; possibilitando que o homem tivesse contato e conheci-
mento sobre outras realidades, mesmo que através de uma realidade constituída
de detalhes e fragmentos (KOSSOY, 2014, pp.30-32).

A Fotografia como Memória e Testemunho


Uma imagem fotografada é também uma narrativa sobre a qual se pode con-
tar uma história: quando queremos reviver o passado, há melhor maneira que se
voltar às imagens fotográficas? A aceitação da fotografia, a partir de 1860, tem
contribuído para a preservação da memória visual de muitos cenários e eventos
do mundo.
Como vimos anteriormente, uma das novidades da fotografia em relação às
imagens do passado foi permitir o conhecimento do mundo através da representa-
ção das imagens objetivas, servindo como registro da história dos povos e para a
compreensão sobre os eventos do passado.

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Diante de uma imagem fotográfica, conferimos a ela um poder testemunhal de
uma cena já vivida e ao mesmo tempo essas imagens suscitam uma série de emo-
ções: quando nos vemos retratados nas fotografias de álbuns de família, nos emo-
cionamos e damos conta de que realmente o tempo passou. Através das imagens
fotográficas reconstruímos nossa história de vida, e nossa imaginação reconstrói os
momentos do passado sempre ancorados em algum tipo de sentimento.

A fotografia se tornou com grande rapidez no modelo iconográfico de imagem


realista da sociedade do século XX, pois permitiu às pessoas testemunharem gran-
des acontecimentos até então noticiados pela voz dos rádios: guerras, incêndios,
greves, o rosto de figuras públicas e de trabalhadores rurais, e assim a notícia pas-
sou a ser documentada pela fotografia.

A fotografia abaixo pode ilustrar o caráter testemunhal como recurso visual de


apoio da notícia que ela passou a desempenhar no início do século XX. A imagem
mostra o dirigível Hinderburg (o maior zepelim do mundo) explodindo na cidade
de Lakehurst, próxima à Nova York, deixando trinta e cinco pessoas mortas. Foi
a primeira vez na história que a mesma imagem podia ser vista por milhares de
pessoas em todo o mundo.

Figura 5 – Uma das mais chocantes fotos do mundo, quando o fotógrafo


Sam Shere registrou o momento exato da explosão do dirigível Hinderburg
Fonte: Wikimedia Commons

Nesta foto, temos o instante revelado pela petrificação do momento da explosão


do dirigível. A relação entre o instantâneo e a foto será privilegiada como uma di-
mensão essencial da verdade instaurada da fotografia direcionada para o jornalismo.

No início do século XX, a partir do surgimento de películas cada vez mais sensí-
veis que propiciaram o registro e congelamento das ações de forma quase instan-
tânea, desenvolveu-se uma forma nova de fazer e comercializar a fotografia, o que
acabou por definir a característica da fotojornalismo.

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

O fotojornalismo vem do ramo da fotografia, onde a informação é clara e objetivada, através


Explor

das imagens. Pode também ser considerada uma especialização do jornalismo.

Na metade do século XIX, a fotografia garantiu a per-


feita junção entre as coisas vistas e as imagens, atributo
Fotografias de guerra de
anteriormente relegado ao papel de artistas, desenhistas Robert Capa.
e pintores. Este aspecto de credibilidade entre os fatos e a
foto reforçou ainda mais a crença da exatidão da imagem Fotojornalismo de Henri
Cartier-Bresson
fotográfica e contribuiu para a utilização da fotografia nos
diferentes ramos da ciência (KOSSOY, 2014, p.29).
Ao abolir qualquer subjetividade do documento, sem interpretação ou omissão
das formas que ela registra, a fotografia serviu de instrumento para a modernização
do conhecimento e do saber científico e se impôs rapidamente como uma impor-
tante ferramenta para a ciência moderna.

O caráter documental e a habilidade de registrar tudo o que realmente é visível vai garantir
Explor

também que a fotografia seja utilizada para fins de registro e reprodução do espaço
arquitetônico – desde seus monumentos e edifícios mais icônicos até um inventário através
da categorização e classificação de imagens de arquitetura.

A Fotografia como
Manipulação da Realidade
No tópico acima, discutimos sobre uma das grandes funções da fotografia, que
foi a de contribuir para registrar e documentar os acontecimentos. No entanto,
podemos nos perguntar: que realidade é esta que a fotografia mostra? Ou mes-
mo, podemos confiar na fotografia enquanto instrumento de registro de fatos
do passado, quando as imagens fotográficas são apenas formas retangulares
que recortam o visível? Em que medida o recorte e a seleção da cena fotogra-
fada podem ser considerados os primeiros indícios da manipulação da realidade
registrada pelas imagens fotográficas?

É bem verdade que estamos cientes dos limites de um documento fotográfico


e entendemos que o que é mostrado na foto corresponde aquilo que o fotógrafo
quis enquadrar, mas também o que ele considerava ser a parte mais importan-
te da ocasião a ser revelada. É evidente que, na maioria dos casos, tal escolha
é uma operação bem pensada e nunca um recorte inocente. Machado (2015,
pp.90-91) cita o caso de um material etnográfico produzido pela Encyclopaedia
Cinematographica de Gottingen, no qual foram documentadas várias tomadas

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de uma festa de circuncisão numa tribo do Chade (país localizado no centro-norte
da África). Em meio a tantas opções do que mostrar numa cerimônia ritualística,
como por exemplo, a dança dos membros da comunidade ao redor dos inician-
tes, foi escolhido justamente retratar a expressão fisionômica dos garotos subme-
tidos à circuncisão, inclusive alguns planos mais próximos em que se detalhava a
poça de sangue no chão. Segundo o autor, a escolha do que mostrar nas imagens
do referido ritual demonstrava claramente uma posição ideológica orientada no
sentido de produzir uma leitura ocidental do material registrado. Nesse sentido,
entendemos que o recorte promovido na cena está bem longe de ser uma ques-
tão objetiva, mas sim a leitura subjetiva do fotógrafo e seleção intencional do
aspecto que ele desejou transmitir.
Mas é de fundamental importância perceber que nesses registros de aconteci-
mentos inusitados, o trabalho desses fotógrafos profissionais muitas vezes se vê
condicionado às determinações ideológicas de seus contratantes. Como exemplo,
o pesquisador e fotógrafo Boris Kossoy cita o que foi considerado um dos mais
antigos exemplos da história da fotografia sobre a documentação da Guerra da
Crimeia realizada pelo inglês Roger Fenton, em 1855:
Através de suas fotografias tem-se uma visão atenuada e parcial do evento
onde os efeitos e horrores da guerra não foram documentados – ao con-
trário das imagens captadas por Matthew B. Brady e seus colaboradores,
Timothy O’Sullivan e Alexander Gardner, durante a Guerra Civil nos Es-
tados Unidos. Na realidade, a expedição de Fenton foi financiada “com a
condição de que não fotografasse nunca os horrores da guerra, para não
assustar as famílias dos soldados” (KOSSOY, 2014, pp.126-127).

O episódio acima evidencia que longe de ser uma imagem inocente, as pos-
sibilidades de o fotógrafo interferir na imagem se realiza em muitos aspectos, o
que é algo comum desde a invenção da fotografia. As escolhas acontecem desde
o momento da seleção daquilo que o fotógrafo considere importante mostrar, até
a valorização de determinados elementos estéticos da composição, a alteração do
efeito realista da natureza e das coisas, até mesmo na omissão de detalhes, como
apresentado no exemplo da documentação da Guerra da Criméia.

A natureza da produção de uma imagem fotográfica mostra que uma foto é


passível de sofrer inúmeros recortes ao longo de sua materialização – desde a
fixação do ato de fotografar na película até os recortes feitos no momento de
selecionar porções de objetos e partes das pessoas - a própria força do recorte
aparece como um trabalho de manipulação durante a finalização do material
fotográfico para a sua exibição (KOSSOY, 2014, pp.120-130).
É certo que dependendo das proporções desse recorte a cena pode muitas vezes
perder o seu referencial e ganhar um novo sentido e, neste caso, a proximidade
com o objeto pode fragmentar de tal maneira o visível a tal ponto de a imagem
perder o efeito da perspectiva, uma convenção do código fotográfico herdada da
construção renascentista.

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

Edward Winston (1886-1958) foi um fotógrafo americano que preconizava que


se deveria evitar essas manipulações e trabalhava com o objetivo de interferir o mí-
nimo possível na realidade que o mundo tinha a oferecer. Para ele, o que importava
era visualizar de antemão a cena e conseguir uma imagem mais próxima do que
seu olho havia registrado, para que em nenhum momento a imagem fotográfica
mostrasse a realidade alterada.

Em 1932, Weston formou um grupo chamado de “f.64”, em referência à


abertura estreita de sua lente e que permitia uma imagem com profundidade
de campo e extremamente focada – esse nome viria de encontro a proposta de
preconizar a exatidão total da reprodução da realidade e manter o caráter de
autenticidade da imagem.

Edward Weston faz parte de uma geração de fotógrafos que insere a arte da fotografia no
Explor

panorama dos movimentos artísticos contemporâneos. Nomes como, Anton Bragaglia,


Aleksandr Rodtchenko, Man Ray, Bill Brandt, e os brasileiros Geraldo de Barros e José
Oiticica Filho sempre mantiveram laços estreitos com artistas plásticos e, por esta razão,
desenvolveram um trabalho fotográfico bastante plástico.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que Edward Weston procurava evitar as


distorções das formas e manter a fidelidade às reproduções da realidade, algumas
de suas fotos consistiam em pequenos fragmentos de objetos, bem como detalhes
de partes do corpo humano, detalhes de folhas e troncos de árvores, de dunas e nu-
vens que fazem alusão às obras de artistas plásticos, tais como Mark Tobey (pintor
norte-americano, 1890 -1976) e Fautrier (pintor francês, 1898-1964).

Figura 6 – “Cabbage Leaf”, de Edward Weston, 1931 Figura 7 – “Onion Halved”, de Edward Weston, 1931
Fonte: wikiart.org Fonte: wikiart.org

O que as fotos de Weston nos mostram é que planos muito fechados, que abran-
gem uma pequena porção da cena e delimitam muito nosso campo de visão, con-
tribuem para a fragmentação do visível em um nível muito próximo ao microscó-
pio. Nesse tipo de enquadramento, o efeito da perspectiva é perdido e a ênfase da
imagem recai em partes muito delimitadas dos objetos, acabando por comprome-
ter demasiadamente o efeito de realismo da cena.

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CALLE, Ángel de La. Modotti: uma mulher do século XX. Tradução de Stella Maris Baygorrila.
São Paulo: Conrad, 2005.
Esta referência trata da biografia em quadrinhos da vida da atriz e fotógrafa Tina Modotti,
com quem Edward Weston foi casado. A história conta a vida excêntrica do casal a acompanha
a trajetória de vida dessa grande fotógrafa, estrela de Hollywood e militante comunista.

Você já pensou em tirar fotos tão próximas de objetos ou plantas, em que na foto somente
Explor

apareçam a textura de sua superfície e as formas tornam-se difíceis de reconhecer. Esse tipo
de fotografia deixa de ser objetiva e se aproxima mais do estilo abstrato.

Por mais que possamos compreender a fotografia como materialização da re-


produção de uma imagem técnica, produzida por um sistema de representação
visual, ela é também a expressão de uma visão particular e do ponto de vista do
autor. Por esta razão é que conseguimos estabelecer diferentes olhares entre as
diversas imagens fotográficas que vemos sobre um mesmo tema ou objeto.

Determinar o que deve ser visto na imagem, sejam apenas detalhes, fragmentos,
ou mesmo grandes planos de uma paisagem e ambientes, demonstra que as possi-
bilidades de criação são ilimitadas e que só dependem da criatividade e imaginação
do fotógrafo.

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UNIDADE A Fotografia como Registro,
Memória e Manipulação da Realidade

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Instituto Moreira Salles
O Instituto Moreira Salles é uma instituição cultural localizada na Av. Paulista que possui
um acervo de mais de 1800 imagens em papel que incluem fotografias, aquarelas,
gravuras e desenhos
https://ims.com.br

Livros
Da pintura
ALBERTI, Leon Battista. Da pintura. 4. ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2015.

Filmes
Blow-up
Michelangelo Antonioni.

Vídeos
Geraldo de Barros e a fotografia
Sugestão do vídeo “Geraldo de Barros e a fotografia”, abrange sobre o trabalho de
fotoformas do fotógrafo brasileiro
https://youtu.be/qA3cMWH_mTs

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Referências
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 5. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. São Paulo: Papirus, 1997.


(Coleção Campo Imagético).

MACHADO, Arlindo. A ilusão especular; uma teoria da fotografia. São Paulo:


Gustavo Gil, 2015.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. Tradução de


Rubens Figueiredo, Rosaura Echemberg, Claudia Strauch. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.

PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: perspectiva, 2017.
(Coleção Debates).

ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Tradu-


ção de Constancia Egrejas. São Paulo: Senac, 2009.

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