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Comb Filter - Há Males que Vêm para o Bem

Enrico de Paoli
Publicado em 01/06/2005 - 00h00

Se eu tivesse que citar uma das maiores causas de som ruim, certamente, diria
COMB FILTER. Um termo famoso, mas pouco entendido. E, apesar de ser
completamente técnico e matemático, suas conseqüências na prática degradam
mesmo a nossa música. Ou não! Vamos primeiro entender o que o Comb Filter é,
e depois (acreditem ou não) vamos usá-lo para o nosso benefício.
O Comb Filter ocorre quando dois sons iguais são tocados simultaneamente,
porém, com atraso de um para o outro. E isso acontece em qualquer ramo da
música:

1) Em uma sala de mixagem ouvimos o som direto das caixas somado com o som
refletido na superfície do console. Obviamente, o som refletido sempre chegará
aos nossos ouvidos com um mínimo de atraso em relação ao som direto;
2) Em um sistema de PA é comum ver duas caixas de som dando cobertura para
um mesmo ponto na platéia. Novamente, é claro que, por essas duas caixas não
ocuparem um mesmo espaço no universo, uma sempre vai estar chegando aos
nossos ouvidos milésimos de segundos antes da outra;
3) Em uma microfonação, usando-se mais de um microfone, o som de uma
determinada área do instrumento sempre estará chegando em um dos
microfones antes de chegar no outro.

A princípio, este atraso pode ser chamado de "delay". Mas ele é tão rápido, que
não chega a ser um "delay" do tipo eco. Ele é tão rápido, que nosso cérebro nem
o detecta como repetição. Ouvimos um único som, mas bem diferente se
estivéssemos ouvindo apenas o som original.
Um pouquinho de matemática... (tentei ao máximo ficar só na filosofia... :))
Partamos do básico... O som viaja a uma velocidade de 340 metros por segundo.
O termo Hertz significa ciclo por segundo, ou seja: cada vez que um alto falante
emite um som, ele parte de seu ponto de descanso para a frente causando uma
movimentação positiva de ar; em seguida, ele volta para trás passando novamente
por seu ponto de descanso e indo àquela mesma distância para trás,
movimentando o ar negativamente e, finalmente, voltando ao seu ponto de
partida. Esta viagem se chama um ciclo, 360 graus. Então, uma frequência de
1000 Hertz, ou 1000 ciclos por segundo, faz com que o alto-falante se movimente
1000 vezes em um segundo, conforme acima, para gerar aquele famoso som de
"1k" (um mil hertz) que tanto conhecemos.
Se ligarmos dois alto falantes em fase invertida um do outro, cada vez que um for
para a frente, o outro vai para trás, fazendo com que a resultante da
movimentação de ar seja cancelada. Isto se chama cancelamento de fase e é
facilmente perceptível nas frequências baixas.
É claro que ninguém vai ligar caixas invertidas propositadamente para criar
inversão de fase. Espero. Mas vamos às limitações físicas de posicionamento de
caixas ou microfones...
Em primeiro lugar, vamos descobrir o tamanho de uma frequência de 1000 Hertz.
Se o som viaja a 340 metros por segundo, e neste mesmo segundo esta frequência
consegue concluir seu ciclo mil vezes, então, um ciclo apenas seria concluído em
340 metros divididos por mil ciclos = 0,34 metros (34 centímetros). Fica claro
também que metade deste ciclo ocuparia 17 centímetros. Portanto, acabamos de
descobrir que se posicionarmos, propositadamente ou não, as duas caixas com 17
centímetros de distância e emitirmos nelas a frequência de 1000 hertz, não
ouviremos nada. (Sim, ouviremos alguma coisa vinda de reflexões, mas não sinais
diretos, pois estarão cancelados).
Vale lembrar ainda que, se em um segundo, o som viaja 340 metros, ele precisa
de apenas 1 milissegundo para viajar 34 centímetros e 0,5 ms para percorrer 17
cm. Ou seja, essa situação pode ser recriada eletronicamente adicionando um
sinal direto a um outro com um delay de meio milissegundo.
Bem, sinceramente, acredito que pouca gente tenha o estranho hábito de ouvir
qualquer música que contenha apenas um sinal limpo senoidal com 1000 hertz.
Portanto, se tocarmos um programa com todas as frequências, em duas caixas
distanciadas de 17cm ou passando uma delas por um delay de 0.5ms, teremos da
mesma forma um cancelamento em 1000 hertz, e, conseqüentemente, 3000
hertz, 5000 hertz e assim sucessivamente. Os picos estarão nas frequências de
2000, 4000, 6000 Hz etc. Estarão se cancelando hamônicos ímpares e se
somando os pares, referentes a 1000 hertz.
Este fenômeno é conhecido como Comb Filter (filtro pente). Este nome foi dado
por que, se visto em um analisador de espectro o resultado, a imagem se
assemelha a um pente de cabelos, com frequências se somando e outras se
cancelando sucessivamente.
Tentamos minimizar o Comb Filter ao máximo. Mas em determinadas situações
podemos obter resultados muito bons usando-o como efeito. Por exemplo: se
aplicarmos um delay de 1ms somado a um canal de guitarra no mesmo volume
do original, teremos nosso primeiro cancelamento em 2000 hertz e, então, em
6000, 10000, etc. Em 4000 hertz, 8000, 12000, teremos um pico ou soma. Se
variarmos o volume do delay, não chegaremos a ter um cancelamento nos
'notches' (buracos) ou uma dobra nos picos, mas apenas uma variação no volume
dos harmônicos. Outro efeito seria splitar (dividir) o sinal da guitarra e do delay
em dois pares e inverter a fase de um dos delays, assim invertendo as frequências
somadas e canceladas. Desta forma pode-se abrir o pan e fazer uma guitarra
mono virar bem estéreo! Fique à vontade para experimentar tempos de delays
variando até atingir um resultado que combine com o timbre da guitarra e da
música.
Outra aplicação muito conhecida é o flanger. Neste efeito, um sinal tem seu tempo
de atraso ciclicamente variado, de maneira muito lenta. Este sinal é, então,
somado ao sinal original sem atraso, produzindo assim cancelamentos que
oscilam acima e abaixo no espectro, ou seja, um pente que desliza para cima e
para baixo na freqüência.
Bons COMBs!

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