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SELEÇÃO DE UM SISTEMA FLEXÍVEL DE MANUFATURA

UTILIZANDO ANÁLISE MULTI-CRITÉRIO

Danilo Maccari
Vera Lúcia D. do Valle Pereira, Dra.
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção - UFSC
C.Postal 476 - CEP 88.010-970 - Florianópolis - SC - E-mail: danilo@eps.ufsc.br

Abstract:

A decision support framework is developed to aid the decision-maker in selecting the


most appropriate technology and design when planning a flexible manufacturing system. The
freamework can be used in the preinvestiment stage of planning process, after the decison in
principle has been made to build a FMS. To select a FMS, both qualitative and quantitative
criteria are used to narrow the set of alternative system configuration to few more attractive.
Objectives and subjectives features are gave by actors presents in the decision process, that
will contribute to build a representative hierarchy structure of all points of view presents in
the selection.

Keywords: Flexible Manufacturing System, Multi-Criteria Decision Aid, Decision Support


System.

1. Introdução

Muitas empresas têm como objetivo manter ou ganhar competitividade no mercado


pela exploração das vantagens de modernas tecnologias de manufatura. Uma destas
tecnologias que tem se tornado popular nas últimas décadas são os Sistemas Flexíveis de
Manufatura (FMS). A principal meta de implementação de um FMS é fazer do processo de
produção convencional um processo tão versátil e flexível em termos de, entre outras coisas,
habilidade de produzir uma variedade de produtos com diferente graus de complexidade,
produção com baixos lead-times, fácil troca de lotes e volumes de produção, e flexibilidade de
programação. Alta flexibilidade, em geral, capacita a empresa se ajustar mais facilmente às
reações do mercado e às mudanças nas necessidades dos clientes, enquanto mantêm alta a
qualidade padrão de seus produtos. Então, priorizar a implementação de FMS ’s requer antes
de tudo uma cuidadosa análise de viabilidade, considerando os impactos de fatores sociais,
tecnológicos, gerenciais e econômicos. Recentes estudos têm mostrado que o mais importante
destes fatores é relacionado ao projeto, aspectos sociais e gerenciais de implementação de um
FMS. Assim, o problema de seleção de um FMS é uma questão tipicamente abordada pelos
mais altos níveis gerenciais da empresa .
Em muitas situações, um grande número de configurações de FMS é avaliada. Dada a
natureza estratégica do investimento de um FMS, a questão é avaliar quais destas
configurações é a mais apropriada. Várias abordagens são utilizadas para tal finalidade,
algumas delas utilizando modelos analíticos. BUZACOTT e YAO (1986) ressaltam que
“enquanto modelos de simulação fornecem os melhores resultados para específicos sistemas
de projeto, modelos analíticos são superiores em termos de informações ”.
O presente artigo pertence aos modelos analíticos. É apresentado aqui uma estrutura
suporte de decisão que pode auxiliar o decisor (tipicamente pertencente aos mais altos níveis
gerenciais) no estágio de preinvestimento do mais adequado projeto de FMS. A contribuição
básica deste artigo é fornecer uma estrutura suporte que auxilie às altas gerências a entender
os aspectos dinâmicos de um processo de decisão, por um lado, e especificamente auxiliá-los
na seleção da mais apropriada configuração de FMS a partir de um conjunto inicial de
alternativas. Portanto, o decisor deve fazer uso deste sistema suporte em conjunto com outros
tipos de análises, tais como estudos de viabilidade financeira e impactos organizacionais
(como treinamentos adicionais de trabalhadores) para conversão ao FMS.
O presente sistema suporte à decisão (SSD) consiste na redução de um grande número
de configurações à poucas mais atrativas remanescentes através, da metodologia MCDA
(Auxílio à Decisão Multicritério), que considera os juízos de valores dos decisores envolvidos
no processo.

2. Estrutura SSD

A metodologia descrita neste trabalho insere-se dentro de um contexto de apoio


multicritério à tomada de decisão, propondo-se a alcançar o processo de avaliação das
configurações de FMS segundo este caminho. Assim este processo de avaliação deve
considerar os objetivos do(s) decisor(es) bem como as caracter ísticas das alternativas de
FMS envolvidas em questão.
Para tanto, dentro do processo de estruturação do problema, as características das
alternativas e os objetivos dos decisores unem-se no que BANA e COSTA (1992) chama de
“ponto de vista ”. Portanto, um ponto de vista representa todo a aspecto da realidade decisional
que os atores entendem como importante para a construção do modelo de avaliação das
alternativas.

2.1. Constru ção da Arvore dos Pontos de Vista

Inicialmente, um problema complexo sempre se apresenta aos decisores de forma


caótica e desorganizada. A metodologia de apoio ao processo decisório apresentada neste
trabalho aceita a utilização destes ou de qualquer outro método para ajudar na estruturação do
problema de seleção do melhor FMS. Porém, para que seja possível fazer uso de um modelo
multicritério de avaliação através de uma função de agregação aditiva, o processo de
estruturação do problema deve evoluir para a construção de uma
Segundo a figura 1, o nível mais baixo de cada estrutrura arborescente é formado pelos
pontos de vista elementares (PVE) que representam meios para se alcançar os pontos de vista
hierarquicamente superiores. A partir destes pontos de vista elementares, agrupa-se os
mesmos para formar outros pontos de vista, agora mais fins do que meios, chamados
fundamentais (PVF). No presente caso, os pontos de vista formados pelo agrupamento de dois
pontos de vista elementares já alcançam o status de pontos de vista fundamental, como é o
caso do PVF Capacidade, que é formado pelos PVE ’s Capacidade Planejada e Capacidade
Reserva.
Supondo que inicialmente temos um conjunto de N alternativas viáveis de projetos de
FMS, o problema principal consiste em selecionar-se a melhor alternativa de FMS. Seis
pontos de vista fundamentais são considerados inicialmente, de acordo com o conhecimento e
experiência dos decisores envolvidos no processo: custos de investimento, capacidade,
flexibilidade, razão de utilização, custos unitários e risco econômico. Cada um destes pontos
de vista fundamentais é quebrado em componentes mais detalhados - os pontos de vista
elementares, que por sua vez, podem ainda serem quebrados em outros componentes. Por
exemplo, custos de software podem relacionar-se com programas NC, sistemas de controle,
comunicação, gerenciamento de ferramental e diagnóstico de softwares.
Segundo BANA e COSTA (1992), a construção de uma árvore de pontos de vista vai
melhorar a comunicação entre os atores, tornando mais compreensível o que está em causa na
situação decisional em questão. Alem disso, vai permitir clarificar convicções, assim como os
fundamentos destas convicções e permitindo buscar compromisso entre os interêsses e

META PVF PVE

Mecado
Risco
Econômico
Mudanças no produto

Custos Máquinas
Invest.
transportadores,

Capacidade Planejada
Capacidade.

Seleção Capacidade Reserva


FMS
Flexibilidade Complexidade de Componentes

Tamanho de lotes

Razão de Programação de produção


utilização
Variações nos tempos de processamento
nos tempos de operação
Custos de capital
Custos
Unitários
Custos de manutenção

Fig 1.: Árvore de pontos de vista

2.2. Constru ção dos descritores.

Um ponto de vista deve refletir os valores dos decisores, bem como certas
características das ações consideradas importantes para eles. Desta forma, faz-se necessário a
construção de uma função operacional sobre cada um dos pontos de vista fundamentais, de
modo a auxiliar a compreensão de um ambiente decisional complexo. Acrescenta ainda, que a
construção desta função operacional vai servir de base para a geração de alternativas e para a
comparação das conseqüências absolutas ou relativas destas alternativas.

Assim, BANA e COSTA (1992) define um descritor como sendo um conjunto de


níveis de impacto associado a um ponto de vista fundamental j denotado por Nj . Cada nível
de impacto k deste descritor é denotado por Nk,j, e corresponde a representação do impacto de
uma alternativa, de tal forma que a comparação de dois níveis quaisquer do descritor resulte
sempre em uma diferenciação clara aos olhos dos decisores.

Tomando o exemplo exposto acima, consideremos o PVF “Capacidade ”, que foi


operacionalizado através da contrução de um descritor para os seus pontos de vista
elementares - Capacidade Planejada e Capacidade Reserva,conforme tabela1:

Tabela 1: Descritores para o ponto de vista “Capacidade”.

Descritor para o PVE Capacidade Planejada Descritor para o PVE Capacidade Reserva

Nível Descrição Nível Descrição

N1 O FMS possui baixa capacidade N1 O FMS possui baixa


planejada capacidade reserva

N2 O FMS possui alta capacidade N2 O FMS possui alta


planejada. capacidade reserva

Os estados admissíveis para o PVF Capacidade pode ser visto na tab. 2.:

Tab 2: Estados admissíveis para o PVF Capacidade

Descritor para o PVF “Capacidade ”

Nível Nk,j Descrição

N1,1 Capacidade Reserva e Planejada altas;

N2,1 Capacidade Reserva alta e Planejada baixa;

N3,1 Capacidade Reserva baixa e Planejada alta;

N4,1 Capacidade Reserva e Planejada baixas.

2.3. Constru ção das matrizes de ju ízo de valor e obtenção das escalas de

Tendo encerrado a fase de construção de todos os descritores necessários envolvendo


todos os pontos de vista, pode-se evoluir no processo de tomada de decisão solicitando ao
decisor que apresente seus juízos de valor relacionados às diferença de atratividade existente
entre os níveis de impacto dos descritores. Desta forma é possível obter uma escala de
preferências locais sobre cada um dos pontos de vista onde foi necessário a construção dos
descritores, gerando uma escala de valores que possibilitem a avaliação dos pontos de vista.

N4 N3 N2 N1 Escala Macbeth
N4 k13 k14 k15 100
N3 k24 k25 y3
N2 k35 y2
N1 0
PVF "Capacidade

100
80
Valor

60
40
20
0
N1 N2 N3 N4
Nível de impacto

Fig. 2: Matriz de juízo de valor e escala para o PVF “Capacidade”

Cada elemento do matriz de níveis de impacto kij encontram-se dentro de uma faixa de
valores que representam os níveis de preferência de um nível de impacto sobre outro,
i representam o ranking dos níveis de impacto segundo a
Metodologia Macbeth, estando em ordem crescente.

2.4. Determina ção das taxas de substitui ção

De modo que fosse possível realizar uma avaliação global dos possíveis FMS segundo
todos os pontos de vista envolvidos, é possível construir uma matriz de juízos de valor para a
determinação das taxas de substituição entre todos os pontos de vista fundamentais. O
procedimentos de determinação das taxas de substituição entre estes pontos de vista foi
iniciado através da seguinte pergunta:

Considerando duas configura ções fict ícias de FMS, uma delas possuindo atratividade
m áxima no PVF4 - Flexibilidade, e atratividade mínima em todos os outros pontos de vista, e
outra allternativa de FMS possuindo atratividade m áxima no PVF3 - Capacidade e
atratividade m ínima em todos os outros demais pontos de vista, qual o n ível de prefer ência da
primeira sobre a segunda, segundo uma escala de valores simb ólicos?

pedindo ao decisor é uma declaração de qual das duas


hipóteses lhe é mais atrativa, indicando o nível de preferência de uma sobre a outra. Este tipo
de comparação e realizado par a par entre todos os pontos de vista, onde os níveis de
preferência são representados por valores simbólicos que variam de um à seis:

• (1) - diferença de atratividade muito fraca;


• (2) - diferença de atratividade fraca;
• (3) - diferença de atratividade moderada;
• (4) - diferença de atratividade forte;
• (5) - diferença de atratividade muito forte;
• (6) - diferença de atratividade extrema.

Tabela 3: Matriz de juízos de valor para a determinação das taxas de substituição entre os PVF’s.

PVF3 PVF5 PVF6 PVF4 PVF1 PVF2 A0 Tx. de substit.


PVF3 a12 a13 a14 a15 a16 a17 x3
PVF5 a23 a24 a25 a26 a27 x5
PVF6 a34 a35 a36 a37 x6
PVF4 a45 a46 a47 x4
PVF1 a56 a57 x1
PVF2 a67 x2
A0 0

i=6

∑ xi = 1,0
i =1
∀ aij ∈Ν : 1 ≤ aij ≤ 6 ;

Considerou-se a alternativa fictícia A0 como possuindo nível mínimo de atratividade


em todos os pontos de vista (nível neutro).
Para cada ponto de vista onde foram construídos os descritores, o decisor identifica o
nível de impacto que melhor descreve o FMS e a partir da determinação deste nível de
impacto determina-se, através da escala de valores cardinais, quantos pontos o FMS obteve
neste ponto de vista. De posse dos valores das taxas de substituição, é possível estabelecer as
ponderações entre todos pontos de vista envolvidos no processo, apresentado na figura 3:

Seleção FMS

PVF1 PVF2 PVF3 PVF4 PVF5 PVF6


x1 x2 x3 x4 x5 x6

Fig. 3: Representação das ponderações para cada ponto de vista

Para cada configuração de FMS sob avaliação, é realizado a verificação de sobre qual
nível de impacto cada configuração recai, estabelecendo então um conjunto de valores que
contribuirão para a avaliação global das alternativas.

Tabela 4: Perfil de impacto das configurações de FMS


PVF1=x1 PVF2=x2 PVF3=x3 PVF4=x4 PVF5=x5 PVF6=x6 Avalia ção Global
j=6
alt 1 n11 n12 n13 n14 n15 n16
∑ nij * xj , i=1
j =1
j =6
alt 2 n21 n22 n23 n24 n25 n26
∑ nij * xj , i=2
j =1

...
j =6
alt N nn,1 nn,2 nn,3 nn,4 nn,5 nn,6
∑ nij * xj
j =1
,i=N

Assim são apresentados os resultados finais do processo de avaliação das alternativas


de FMS. Com a determinação do perfil de impacto das possíveis configurações de FMS,
encerra-se o trabalho de construção do modelo multicritério de apoio ao processo decisório.
Através do perfil de impacto é possível fazer uma avaliação de todas as configurações
segundo cada um dos pontos de vista. Além disso, uma vez que já foram obtidas todas as
taxas de substituição necessárias, também pode-se agregar estas avaliações parciais de forma
a se obter uma avaliação global das alternativas.

3. Processo de seleção segundo outras abordagens

Através da estrutura MCDA, é possível estabelecer um nível de referência para


configurações fictícias de FMS, onde todos os pontos de vista impactam em níveis de
preferência considerados “b ons ”segundo o julgamento do decisor, ou onde todos os pontos
de vista impactam em níveis de preferência considerados “neutros ”segundo o julgamento do
decisor. Conclui-se que se pode comparar quaisquer alternativas em questão com estas
alternativas fictícias, também chamadas de “robôs”, tendo-se então um nível de referência

THOMAS SAATY desenvolveu em 1980 o método AHP (Analytic Hierarchy


Process), que, tendo o mesmo propósito da abordagem anterior, estabelece comparações par-
a-par entre critérios (pontos de vista) contando com características objetivas e subjetivas,
segundo uma escala absoluta de valores. Segundo SAATY,durante o processo de
comparações, o menor entre dois elementos A e B é tomado como unitário, e o maior é
tomado como um múltiplo daquela unidade. Ao contrário da estrutura anterior, não existe um
nível de referência que permita afirmar com segurança se uma alternativa é “boa ” ou “ruim ”,
segundo o julgamento do decisor . Para a construção da ordem de preferência de critérios e
alternativas, é utilizado o conceito matemático de autovetores e autovalores, que induzem ao
surgimento de inconsistências durante o processo de comparações par-a-par. Comparações
paritárias são utilizadas porque o objetivo no AHP é derivar uma escala de valores relativos,
recaindo-se assim em redundância de comparações. Na metodologia MCDA, o processo de
ranking de pontos de vista é assistido pela fundamentação MACBETH, que evita que tais
inconsistências surjam durante o processo de comparações.
Embora apresentando deficiências, o método AHP consolidou-se como um dos mais
utilizados no mundo devido à sua simplicidade, fornecendo resultados satisfatórios às
empresas que necessitem de uma metodologia de apoio à decisão, com a restrição de não
haver grande margem de risco à decisão tomada.

4. Conclusão

Neste artigo foi descrita uma metodologia que auxilia as altas gerências a tomar uma
decisão estratégica de implantação de recursos tecnológicos, que consideram muitos critérios
de caráter organizacional, operacional, econômico e mesmo subjetivo. O processo tomada de
decisão através da abordagem MCDA mostrou-se capaz de atender rigorosamente aos
objetivos do decisor, uma vez que o modelo considera os aspectos subjetivos e objetivos dos
critérios em questão, identificando as necessidades particurares de cada caso. Embora seja
uma área de estudo recente, a globalização das indústrias e a crescente concorrência no
mercado obrigam-as a adotar medidas cautelosas de tomada de decisões estratégicas, como
implantar FMS ’s em suas linhas de produção.

5. Bibliografia

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Modèle Multicritère d’ Aide à la Decision. Tese de Doutorado. Universidade
Técnica de Lisboa, 1992

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analytical models. Managment Science, V. 32, pp 890-905, 1986.

3.CORREA, Emerson C. Construção de um modelo multicritério de apoio ao


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Engenharia de Produção. Florianópolis, 1996

4. ENSSLIN, Leonardo. Introdução à metodologia Multicritério de Apoio à


. Aspostila de curso. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção. Florianópolis, 1997

5. SAATY, Thomas L. Highlights and Critical points in the theory and application
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Vol. 74, pp 426-447, 1994

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Hierarchy Process) à Metodologia da Análise de Valor. Anais ENEGEP.
Realização ABEPRO. João Pessoa, 1994.

7. STAM, A., KUULA, M. Selecting a Flexible Manufacturing System Using Multiple


Criteria Analysis. Int. J. Prod. Res, 1991. v.29. No.4, pp.803-820.

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