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S e Por trés hséFulos, a grande lavogra escravista, enquanto fator es-

4vel e orgânico do sistema colonial concentrou a renda nas maos


de poucos. Expulsos das áreas de grande lavoura, agregados e pe:
quenos rerideiros vegetaram em áreas mais pobres — cultivando
Guillermo Palacios
para seu consumo — ou, gradativamente, migrando para os cen- .% CPDA, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
tros urbanos. Produziam para seu consumo, vendiam pequen\os
gxcedgntes, sem gerar uma organização econômica significativa®. f
Assun, o sistema colonial, eficiente enquanto organização p\rol FS AGRICULTURA CAMPONESA
dutiva, era estéril na constituição de relações sociais mais estrutu- É E PLANTATIONS ESCRAVISTAS
rada_s. A desmoralização do trabalho manual acarretada pela es- NO NORDESTE ORIENTAL
cravidão dificultou a organização entre forros e livres sem proprie- |H DURANTE O SÉCULO XVI!!
dadg, obrigando-os, o mais das vezes, a viver fora da economig or- |
Banizada, sobrevivendo na economia de subsistência e à m:
da completa cidadania. .. Esta comunicação tem por objeto discutir algumas questões re-
i lativas à emergência da agricultura camponesa no Nordeste Orien-
SLMBEÇSÁNYMÍMYWO/%(GT ). ilodéva tal do Brasil ao longo do século XVIII!. Entendo por Nordeste Orien-
tal os territórios da Capitania Geral de Pernambuco direta ou indi-
| g;ewm do Fyuuodo ) K Í retamente vinculados à economia mundial da época por intermé-

; Judo : EDUSP/Jonlatemsa Ofnalsp) dio do sistema colonial ou por outras formas de articulação. Enten-
do por agricultura camponesa a praticada por homens e mulheres —
que chamarei de cultivadores pobres livres, instalados fora dos pe-
' Hualie YQ ú rimetros das plantations agucareiras, com emprego de forga de tra-
balho familiar, centrada na produção de subsisténcia mas com
entradas significativas nos circuitos mercantis internos e externos
ra
através do cultivo de géneros coloniais. Nesta acepção, agricultu
camponesa inclui dentro de si a “agricultura de subsisténcia”, mas
| não se restringe a ela. Por outro lado, a peculiaridade de estar si-
i ê tuada fora do território formal dos engenhos e fazendas escravistas
i Í The permite ostentar, até o final do perfodo, significativos traços de
E í autonomia e independência.
; Como todos sabemos, os “livres” e “pobres” constituem segmen-
tos espremidos entre os dois extremos fundamentais da formação
escravista. Essa aparente falta de substância sistêmica os faz objeto
de referências quase sempre oblíquas e indefinidas, se tanto, numa

y
Sylvia arv
de Carvalho Franco.>. Homens Livres na O rdem Escravocrata. 2.º ed.
Sao Paulo: Atica. 1975; Eni de Mesquita Samara. O papel do agreglzdoemz
regido de Itu. São Paulo: Museu Paulista. 1977. 1 Este assunto é objeto de análise detalhado na minha tese de doutora-
* Cf.- Douglas Libby. “ Transformação e Trabalho i do, na qual o presente trabalho está baseado. Cf. Palacios, Campesinato
em uma E
aeom cuitia,
i à história dos cultivadores
& escravidão no Brasil, 1700-1817. Uma contribuição
|
São Paulo: Brasiliense. 1988, p. 361. University, 1992.
livres pobres da Capitania Geral de Pernambuco. Princeton
i

34 | VeraLicia Amaral Ferlini | 35


Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIIl
documentação histórica que reflete a perspectiva dos interesses exceçc“?es, em tor-
riamente dita, o centro se firma, salvo contadas
predominantes no escravismo. Isto é especialmente constatável nos a perspe ctiva evidente
Eo da relagao senhor-escravo. Esta é também
registros referidos ao mundo agrário. Para poder detectar a pre-
sença de segmentos camponeses nos espaços institucional e docu-
mental, ou textualmente, dominados pelas plantations, e vislum- em Egacte;gsdças gsmfl;uraxsz
‘tura_de subsisténcia, se convertem
brar, ao menos em termos gerais, alguns rasgos de organização so-
alheias à passagem do tempo e o transcorrer da h;_s_tç_r;a._
epro-
cial e articulação econômica dos pobres livres rurais, as imagens Este trabalho busca questionar algumas dessas aWaçoes
contidas nos documentos tem de ser reinterpretadas e complemen- à lgz dald;z]c?-
por explicações alternativas, ou cor]nplementares,
al á ele
tadas com exercícios indutivos, fundamentados às vezes em regis-
mentação referente à histéria agréria dc? Nordestg Orient
tros relativamente explicitos que permitem reconstituir fragmen- um conjun to de hipóte ses relacio-
está formulado, implicitamente,
tos, às vezes, porém— infelizmente com mais frequência do que a mia region al e as pecm_l handad e_s
nadas com a natureza da econo
boa metodologfa poderia recomendar — em simples indícios e si- mund'xal, e, n?fls
dos seus canais de articulagdo com o mercadci
nais que têm de ser costurados-com auxilio da dedução. São exerci- con?h' tuiçãu da quegta o agrária ll;\la râã_?ã.
especulativamente, com a
cios imprescindíveis para superar a barreira levantada pelo con- al do século Z
A proposição central é a seguinte: :antes do
junto das representações elaboradas e instrumentalizadas pelas eli- ltura escrav istaal ternam -se ;a ocu
agricultura camponesa e agricu
de uma
tes dirigentes da sociedade colonial, e que freqiientemente encon-
‘pagao dos espagos mais produtivos da regido, em função
fatores .ex.terãºs
traram abrigo em obras clássicas da historiografia brasileira, con- série de combinações especificamente regionais c_le
originadas
vertendo visões particulares — de classe — em narrativas gerais e einternos, mas com claro predomínio de deter@mtes
arquetípicas.A elaboração de uma contra-narrativa referente à his- Ambas — agricu ltura campo nãsa
16 núcleo do mercado mundial.
tória agrária do Nordeste Oriental, parte, pois, desde o início, de igual mente Con'f ormad as 1;1e elxs
e agricultura escravista — estdo
bases de grande fragilidade. Por isso, o que segue deve ser consi- sem paralelo
“mesmas forças centrífugas. Ao amparo de uma crise
os'cu'lhvado/res
derado, data venia, como um conjunto de proposições hipotéticas
na oferta de força de trabalho escrava para a região,
de alto teor interpretativo, um corpo de conjeturas apoiadas, na
pobres livres crescem e se expan dem até ocupar , nas últimas déca-
medida do possível, em descuidos e cochilos da documentação. articu lados por impul sos prove nientes ãe
das do século XVIII,
çao agrícola
* Manchester e Liverpool, a linha de frente da prodl%
canal de articu lação do Brasil com o mer-
nordestina é o mais forte
A historiografia dedicada à analise das estruturas agrárias no ado ial:o algodão.
to ser
Brasil, desde Caio Prado Jr. até os historiadores mais recentes, pas- ÉBCÍZ ;l;;l:;ãb *camívnesa no Nordeste Oriental Éieve portan
sando por praticantes da sociologia histórica, tem criado um pa- dos. engenhols,
considerada como um capítulo, não apenas da crise
radigma da agricultura colonial — que se estende até pelo menos indust rial. E é nesse -senu êo que ela
mas da histéria da revolução
à segunda metade do século XIX — como tendo sido uma ativida- ida pela corren te reacl omfna das con-
chega ao fim: freada e revert
de dominada pela escravidão. Lembremos por exemplo o famoso deter o avang o darev olugd o fiaxf\ce sa e
tra-reformas f{ue procuram
o as re! ;rm;s_
tripé enunciado por Alice Canabrava: escravidão, monocultura, dos-seus-efeitos sob o mundo colonialc Cf)@batend do
s
grande propriedade. Mais recentemente, vertentes marxistas mo- econômicas praticadas pelos impérios ibéricos desde meado
dernas acrescentaram ao engenho escravista o atributo de “domi- do colome:l u.ucla g.m
século. Nesse contexto, a partir de 1785, o!ãgta
economicas das
nante” e “determinante” das relações sociais como um todo, con- intermitente processo de repressão as atividades
, de fato 2 sua autonomia, Y;.'
solidando uma visão — já implícita nas obras de Caio Prado e ou- comunidades de cultivadores pobres
tros pioneiros — que converte a história geral da sociedade e da severas campanhasd ¢ e,
luntéria ou coincidentemente reforcado P01i
seus dis-
economia coloniais em derivações reduzidas da história das plan- recrutamento militar especificamente dirigidas contra os
co real das flores tas tropicais —
tations e fazendas escravistas. Em termos de história agrária pro- tritos, e coroado em 1799 com o confis
|
AAgricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIl
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É
çío litoral. Esse conjunto de medidas tem efeitos claramente expro- ÍÍ cária agricultura de alimentos já é significativo. Seus membr
os são
p_tiadures e “limpa” a área para preparar a recuperagéo das planta- ¥| identificados como os “habitantes das freguesias damata
”, “a gen-
tions.. A partir desse momento, o escravismo pode finalmente ser
B
te mais indigente de Pernambuco”?.
ao lon-
concebido como a forma dominante de organizagéo social e econd- A desativagao de incontéveis estabelecimentos escravistas
por execu-
go das primeiras décadas do século XVIII, vitimados
mica da agricultura no Nordeste Oriental. Embora os mecanismos
de expropriação sejam diversos, este trabalho enfatiza o papel jo- Í
É ções judiciais, confiscos ou simplesmente incapacitados de produ-
gado na montagem desse processo pela expansão do algodão nas É
É
zir pela perda dos escravos, criou espagos de penetração à agricul
de 1720 aproximadamente; é
-
comunidades de cultivadores pobres livres. | tura camponesa. A partir da década
s
i "possível fazer um paralelo entre os registros do êxodo de escravo
e da diminuição a níveis ínfimos da produç ão açucare ira e do au-
O contexto da emergéncia da agricultura camponesa i mento da produção de alimentos e de tabaco. À total ausência de
H informações sobre a conversão de engenhos e canaviais em planta-
A economia formal do Nordeste Oriental sofreu uma crise inter- ÍÍ ções de tabaco ou de mandioca sugere fortemente a presença de
mitente de longa duração entre a tiltima década do século XVII e as outras forças produtoras, que só podem ser, historicamente falan-
primeiras do XIX. Como é sabido, a crise foi detonada pela captura do, cultivadores pobres e livres?. Assim, a crise do escravismo coin-
É do Nordeste Oriental. Na
%ng]esa e francesa dos mercados mundiais de agticar, e agravada cide com um processo de campesinização
por dois fatores internos: 1) as repercussées de longo prazo da der-
r'otfl)ol{fico-mfl tar sofrida pela parcela mais representativa da oli-
|E metade do século existem. testemunhos de. presenca significativa
de comunidades de pobres livres cultivadores de tabaco, mandio-.
e
uia agraria regional — os senhores-de-engenho— durante a cã é outros alimentos, em áreas relativamente centrais do Nordest
chamada “Guerra dos Mascates”, quando enfrentaram o dominio Í Oriental, supostamente domina das por plantati ons, como Goiana,
É Alagoas.
dos interesses comerciais ligados ao mercado mundial e desafia- ¥ Cabo, Serinhaem e, um pouco mais distante, a comarca das
ram o proprio Estado colonial, e 2) o descobrimento das minas e o l identifi car enorme s espagos de terras
Simultaneamente, é possive
os
seu impacto sobre os pregos da méo-de-obra escrava. F devolutas em áreas de grande fertilidade e préximas dos mercad
parte de uma
Ao longo — e & sombra — dessa crise, que, de fato, interrom- exportadores, passiveis de ocupação e exploração por
peu o crescimento do escravismo na região, desenvolveu-se um nu- crescente população de pobres livres*.
meroso segmento de cultivadores pobres e livres, primitivamente |
agricultoresde subsisténcia provenientes de terras da periferia da Í!
regido das plantations. As origens desses grupos devem ser procu- |[ 2 Manuel dos Santos. “Narrativa Histérica das Calamidades de Pernam-
do
radas nos mecanismos de exclusão praticados pela politica econô- buco sucedidas desde o ano de 1707 até o de 1715 com a noticia 82
t. 53,2.2 parte, v.
Jevante dos Povos de suas Capitanias”, em RIHGB,
mica do Estado portugués como instancias de defesa da grande (1890), p. 58.
propriedade e do escravismo, e nas especificidades e limitações da e El-Rey.
Cf. por exemplo, Carta dos Oficiais da Camara de Olinda
demanda do mercado mundial nos séculos iniciais da colorúzaçâo. 14.3.171 8, em Docurme ntos Históric os, v. 99, p- 26; Idem. Olinda,
Olinda,
Serne].hantemente, oseu crescimento deve ser entendido como um 14.10.1724, p. 212-3. Não há informações especificas sobre o impactodes-
processo de conversão de plantadores de gêneros de subsistência e da crise nos lavradores escravistas. Mas, a tradicional fragilidade ão
praticantes de outras artes dé; sobrevivência, em cultivadores de. se segmento deve té-los colocadona linha de frente da descapitalizaç
ter-
e, possivelmente, do éxodo para as minas, embora alguns possam
artigos mercantis. Emboraã sem registros demográficos confiáveis,
se convertido em plantadores de fumo ou de mandioca.
fudo indica que, no início do século XVIII, quando a “Guerra dos Secreta-
Ver Documentagio Histórica Pernambucana. Sesmarias. Recife,
Mascates” oferece a primeira oportunidade de se lançar o olhar da ria de Educagdo e Cultura/Biblio teca Publica, s/e., 1954/19 59. 3 vols.,
— sabi-
crônica em direção aos distritos rurais do Interior distante, o acú- especialmente v. II. Dados sobre o crescimento populacional -
mulo de população pobre e livre que subsiste na base de uma pre- damente aproximados — podem ser encontr ados em Santos, “Calami

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í

Ê
os portos de Alagoas,
tidades de tabaco clandestino que deixam
, sem controle nem se-
O processo formativo Pernambuco e Paraiba, com direção à Africa
século, a vee-
legao®. Conforme nos aproximamos da metade do
í mente retérica das queixas convence finalmente a
o
Coroa de que
A agricultura camponesa surge intimamente vinculada, desde | por cente-
do fumo
0s seus inicios, a0 mercado mundial. A entrada dos cultivadores assunto é sério: a produção e comercialização
pobres livres na história — isto é, nos registros oficiais — processa- nas, talvez milhares de pequenos cultivadores, ;familiares-a0 longo_
se a partir da sua vinculação com o comércio internacional por in- do litoral nordes esorganiza o mercado do tabaco na Costa
termédio do cultivo e contrabando de tabaco, em primeiro lugar. "d’ Africa — pois, contrariando a norma, comercializa variedades
o de es-
Em menor medida, é possivel localizé-los cumprindo papéis rele- de primeira qualidade — e coloca em risco o próprio trafic
nte
vantes no abastecimento alimentar do porto do Recife e do com- cravos que, como se sabe, tinhano tabaco um importante refere
plexo inter-oceanicodo qual este é parte. nonetário”. ,
o regis-
Por “complexo inter-oceanico” entendo — pobremente — o con- Assim, o campesinato do Nordeste Oriental nasce para
própr ias ori-
junto da demanda de alimentos e outros insumos Passíveiá de se- tro histórico como um grupo social ilegítimo nas suas
a condi-
rerl_fxrprodu;idps pela economia regional — af incluída a agricultu- gens. Essa natureza duplamente marginal — pois junta
ialme nte perifé rica desses segme ntos a práticas
rá camponesa — proveniente do movimento das volumosas frotas ção social e espac
cristaliza-se
portuguesas que chamavam ao porto do Recife. Isto inclui o abas- ilegais no contexto dos códigos oficiais da época —
ção. Esta é uma
tecimento de frotas militares — as Naus da India —, frotas mercan- nos esquemas do capital que dinamiza essa produ
mento desse
tis, e frotas ou embarcações particulares engajadasao longo do sé- questão central para fixar os caminhos do desenvolvi
ou na orga-
o no traslado massivo de imigrantes para as minas do centro- tipo de agricultura, não apenas nos aspectos técnicos
esferas
$ul. Inclui também o abastecimento de navios negreiros em rota nização social que a acompanha, mas também em outras
— que com-
para os portos do sul da Colônia. Existem inúmeros registros dos — cultura e ideologia, para usar termos totalizantes
os gosta m de
problemas causados por essa demanda — de satisfação prioritária põem, a partir desse momento, o que os antropólog
entaç ão
numa área tributária do mercado mundial, como o Nordeste Orien- chamar de “lógica” camponesa. De fato, embora.a docum
penetrar no in-
tal — nos níveis de abastecimento não apenas do Recife, como de não contenha afirmações explícitas que. permitam
r dela o papelcru-
importantes vilas do interior, próximas dos centros produtores, e terior dessas formas produtivas, é possivel inferi
cial desempenhado pelos comissdrios volantes n rticulação da
inclusive em outras capitanias subsidiárias”. Mas, carecemos de
dos. exter-.
uma visão exacta. agricultura dos cultivadores pobres livres com os merca
A produção de tabaco por parte de famílias e comunidades de R aa t SR
cultivadores pobres livres está já em plena expansão quando Antonil em
¢ Algumas das queixas, mormente de comerciantes da Bahia, estdo
escreve Cultura e Opulência. Seguindo-lhe a pista, encontramos uma Vasco E C. de Menezes a Ouvidor Geral da Capitania de
buco. Pernam
cadeia ininterrupta de documentos reclamatórios que nos levam 1, em DH, v. 85, p. 68-9; idem a Mestre de Campo- Gover-
Bahia, 19.8.172
18.8.172 1, em loc.cit.; Idem a Go-
até a década de 1750, produzidos pelos representantes legítimos nador D. Francisco de Souza. Bahia,
Pernam buco, D. Manuel Rolim de Moura. Bahia, 18.8.172 2,
vernador de
dos interesses comerciais metropolitanos, contra as enormes quan-
em ibid, p. 117; Carta do Vice-Rei representando queixas dos negocian-
tes da Costa da Mina, Bahia, 20.4.1723, em ibid, p. 254.
niza-
O pagamento em ouro era também um instrumento de desorga o
dades”, “Informação Geral”, “Idéa da População”; veja-se também ção do mercado . Cf. Carta do Capitã o-Mor da Paraiba sobre comérci
Pereira
Wenceslao
Mappas Estatísticos de Pernambuco. Recife, 1763. de escravos. Paraiba, 6.3.1725, em ibid, v. 99, p. 221;
da Silva, “Parecer [...] para suspender a ruina dos trés principais géne-
8 Cf._Vasco Fernandes C. de Menezes a Oficiais da Cémara da Vila de Bahia, 12.2.1738, em
Goiana. Bahia, 6.2.1721. DH, v. 85, p. 97-8; Ibid a Manoel Rolim de ros do comércio do Brasil, açúcar, tabaco e solla”.
31, p. 28.
Moura, Governador de Pernambuco, Bahia, 26.2.1724. Idem, p. 117. “Inventério dos documentos relativos ao Brasil”, ABN,

|
Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIII
41
40 | Guillermo Palacios
segmento, e sim ape-
nosº. A inferência se fundamenta no paralelismo dos registros que ração não implica no desaparecimento desse
economia camponesa
dão conta da expansão das atividades desses pequenos comer- nas numa nova situação de disponibilidadeda
— entendida como o conjunto do: rsos e esquemas produtivos
Ciantes/contrabandistas e do crescimento das exportações clan- or — para © mercado.
dgstin_as de tabaco, e se ;eforça com a simultaneidade existente en- acumulados ao longo da experiéncia anteri
ligados ao comércio in-
tfe o banimento das suas práticas comerciais e a desaparicão dos Essa articulação a mecanismos mercantis
XVIII prepara e
registros sobre culturas de tabaco nas áreas mencionadas, a partir ternacional durante a primeira metade do século
s livres como um siste ma produtivo
de 1759°. O anterior permite tecer algumas considerações. A pri- capacita a agricultura dos pobre
a outros empre endim entos , da econo-
meira diz respeito ao encaixe particular da agricultura camponesa passível de ser incorporado
ao; de fato uma altern ativa sistêmica,
na economia regional e nas suas extenses em diregdo ao mercado í Ihia colonial. Essa nova situag
primeiro Capi-
mundial. Nessa primeira fase de conformação de uma base produ- H (ai ser constatada — com o devido espanto — pelo
tiva de natureza mercantil — tinica dimens&o que o registro permi- | tão-Geral da fase pombalina, Luis Diogo Lôbo da
Silva.
I
te vislumbrar com certa clareza — o sistema cultivadores pobres/
comissarios volantes se beneficia não apenas da crise do escravis-
!
mo, como também da inadequagio do aparelho fiscal colonial, evi- Transição para um novo padrão
“dentemente desenhado para lidar com a economia agraria formal,
marquês
Í Em uma longa correspondência endereçada ao futuro
11
isto é, sobretudo — para o caso do Nordeste Oriental — com a pro-
sobre o extraordinário
dução escravista de açúcar. 5 de Pombal, em 1759, Lôbo da Silva advertia
~“Em segundo lugar, a desaparição de registros — e o silenciar das Í acúmulo de pobres livres nas zonas do litoral. A
falta de menções a
o do cultivo de
queixas — referentes à produgao e exportacao clandestina de taba- Í| qualquer atividade produtiva confirmava o colaps
representada pela
co a partir das primeiras medidas pombalinas dirigidas a recupe- tabaco, e significava a relativa disponíbilidade
rar o controle metropolitano sobre a economia agraria regional, faz
: força de trabalho de famílias camponesas que,
com o fechamento
É a agricultura de
supor que o sistema cultivadores pobres/ comissérios volantes en- Í do mercado externo, retrocediam novamente para
r pressões demo-
trou em colapso no final da década de 1750. A data coincide com a Í subsistência. Mas a advertência, além de sugeri
restauragdo do monopólio através da criação da Companhia Geral f gráficas sobre as áreas de plantation e a ocupa
ção de espaços aber-
ziam por aquela
de Comércio de Pernambuco e Parafba. Daí que seja possivel infe- Í tos por empreendimentos madeireiros que produ
também uma impor-
rir um perfodo de freio ou desaceleragio no processo de expanséo da época enorme devastação florestal, sinalizava
, e na sua percepção
agricultura camponesa — na medida em que o seu canal dindmico, tante mudança na ótica do poder observador
o contrabando para o mercado exportador, se fecha. Mas, a desacele-
Í da pobreza rural. No contexto do processo
de lenta conformação
s entraves jurídi-
de massas de trabalhadores “liberados” de antigo
outros muitos
! co-ideológicos em andamento em Pernambuco e em
ada em importan-
pontos do planeta, essa nova percepção, embas
* Para uma introdução às atividades dos comissérios volantes, veja-se
K. Maz(well, “Pombal and the nationalization of the lusobrazilian eco-
ÍÉ tes mudanças teóricas e metod ológi cas nas instân cias organizativas
súbita metamorfose
nomy”, HAHR, v. XLVIII, n.° 4 (Nov. 1968). do núcleo do mercado mundial, operava uma
até, que o câm-
Representagéo dos homens de negdcios da praga de Pernambuco a El- dos cultivadores pobres livres. É possível especular,
na perce pção do fenômeno — e
Rei. s/d, anexa a carta de Luiz Diogo Lôbo da Silva a Sebastido Carva- bio fundamental acontecera antes
Tho de Mello. Recife, 18.5.1757, em Arquivo do Conselho Ultramarino, v. 1 não em mutações do fenômeno em si"º.
14, fl: 7@; Alvará com forca de lei “proibindo passarem ao Brasil os
Comissarios volantes”. 6.12.1755; Alvará com forga de lei “contra os ——
lt:'r;:‘.u:Zquue_ í;e vinham verificando com relação & proibigao de passa-
e os comissariosReNO tes”. 7.3.1760. Coleçãoac das leys, decre - José de Carvalho e Mello. Recife,
1 Luiz Diogo Lôbo da Silva a Sebastdosião Gover
rasil volantes”. 7.3.
9.5.1759, in “Correspondência nadores de Pernambuco”,

Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVl | 43


4 | Guillermo Palacios
: trabalho camponesa, já
De fato, após terem sido conceituados ao longo da primeira É vos, desenhados para absorver a força de
al formal. Lôbo da
metade do século como incógnitos e desprezados produtores de capacitada para funcionarna economia coloni
| da incorporação
gêneros de subsistência, e eventualmente cultivadores ilegais de Silva está propondo,em 1759/que o planejamento
algodão — que esta-
Fabaco, os pobres livres comegaram a aparecer, a partir dos anos do Nordeste Oriental aociéscente mercado de
tecnológica en-
inaugurais .da segunda metade do século, rodeados por uma aura va na base de um profundo processo de inovação
É mente no desenho
que adquiria na representação do Estado o status de nova caracte- É tão perceptivelmente em andamento — se funda is-
rística fundamental: a ociosidade. Do binômio pobreza/agricultu- É de formas de organização produtiva alheias e distantes
do escrav
do traba lho que per-
ra de subsistência, que caracterizara as comunidades camgrr‘anesa; mo, e baseadas em sistemas de controle social
culti vador es pobre s ao
do comego do século, passava-se agora a uma reforrnulaãão aco- mitam incorporar a mão-de-obra livre dos
propo ndo a substi -
mercado de trabalho. Em outras palavras, está
|i
pladg aos novos ventos de reforma e retomada da expansão mer-
cantil que marcava a época: a pobreza era uma variável do-Gcio. ando que so-
tuição da escravidão pelo trabalho livre, está mostr
mercados /
Num nivel mais abstrato, isto significavaa refonmílàção Eonceituai
I mente assim o algodão regional será competitivo nos
iÉ as condi ções objetivas;
que acom'paxmava o desenvolvimento de novas fases do capitalis- mundiais, e está indicando, por último, que
o cresc iment o demogr éafi-|
mo. No nível regional, era o anúncio da incorporação das comuni- para essa passagem, fundamentalmente
culfiva-{
dades' camponesas do Nordeste Oriental ao exército de trabalho co, a mercantilização relativa dos sistemas produtivos dos
que Ylablhzaria o deslanche desse processo nos países do centro, e a difusão do plantio, já o permitem. p
ÍÊ dores pobres,
a articulação do Brasil à história da industrialização. i
B No ?xhaordinário documento de Lôbo da Silva, a percepção da
O algodão e a“ambição” camponesa

Kocxosldade” dos pobres livres estava inextricavelmerite acpo lada
à descoberta sobre “a abundancia de finissimo algodão quzf TO-
para per- -
duz"]elsta Capitania em toda sua extensão, e quase sem agricu.ltpura É O governo metropolitano demorou uma década e meia
Silva e aplica r as
[...]”". Aproposta dirigia-se, nesta fase inicial, a permitir o aprovei- É ceber a importância da descoberta de Lôbo da
de Comér cio de
tamento dessa “ociosidade” fisiocratica no apoio aos futuros E suas propostas. Nesse interim, a Companhia Geral
a regional, atra-
plantadf)res de algodao, fazendo com que a forga de trabalho dos Pernambuco e Paraíba dominou a economia agrári
É sem grande
gfit};ei hàreres fosse emprega.da nas tarefas de transformagéo do pro- Í vés da obtenção de patentes de monopólio, e tentou,
eira. Foi possi-
= scarocamento e fiação, evitando-se “a ocupação de tanta Í sucesso, revitalizar a moribunda produção agucar
nhia, baseada
avatura neste emprego, o que difficulta o poder-se dar em pre- velmente o fracasso da solução ortodoxa da Compa
de trabalho
ços, que podesse fazer conta, ao comercio””, Essas duas constatafões Í na recomposigio do contingente necessério de forca
acionais do açú-
;r:ª.'lãalt'n âuma pI:DEOS]ÇãO cuja natureza inovadora caracteriza o escrava, e a fraca recuperagéo dos mercados intern
ta por Lobo
nto de transição: trata-se de propor sistemas produtivos no- car, o que levou o Estado a optar pela alternativa propos
onamento, a Compa-
da Silva. Assim, nos últimos anos do seu funci
ciamento à
nhia foi encarregada de organizar esquemas de finan
antecipadas, que permi-
ACU, v. 14, , fls. fls. 63-5. . Sobre o desmatam: ento indiscrim
indiscri inado na é produgdo de algodão, através de compras
ltores sem
fo ecggínlx;gsor de l?lf_mambuco a Diogo de Mendonga Corte ];ea{l)I;::
tissem e encorajassem a difuséo do cultivo entre agricu
sobfe (;a‘s s‘mt,oe.m ibid, fl. 23. O vol. 14 tem abundantes informações
capital, porém ricos em força de trabalho®.
"” Lôbo da Silva, doc. cit. e e
que o Doutor Ouvidor
* Idem.n. Não foi localiz
lizado
ad nenhum registr
i o de plantio — ou transfor- 13 O deslanche da campanha está em “Discurso Camera a Nobreza e
de
mação — de algodão para mercados externos com emprego de fso;)çra Geral da Comarca das Alagoas [...] fez no acto
de trabalho escr.feÍ;;ª
NDA álti década do século XVIII. O gover-
antes da última Povo da Villa de Penedo e seu termo sobre a plantação de Algoddo.”
Penedo, 15.12.1776, em ACU, v. 15, fls. 86-9.

XVIIl |
Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século
44 | Guillermo Palacios 45
décadas
A aceptabilidade da proposta entre as comunidades de cultiva- adquirir, como derradeira tábua de salvação, nas últimas
dores pobres livres foi extraordinária, superando todas as expecta- de passage m,~
da sua existência,(UmgAmodeuúdade.,que,rdiga—se
tivas e pegando de surpresa o conjunto do fragilizado sistema pro- estava paradoxalmente ancoradana incorporagéo dos sistemas pro-
dutivo regional. Em poucos anos, os plantios camponeses de algo- dutivos dos cultivadores livres e pobres a uma economia regional
dão no Litoral do Nordeste Oriental — isto é, nas áreas tradicional- caracterizada, embora cada vez menos nessas décadas, pelos
gran-
mente conhecidas como zonas de plantation — converteram-se nu-
des estabelecimentos.escravistas.
ma verdadeira praga, reduziram ao mínimo a produção mercantil De fato, os programas de apoio ao plantio de algoddo por parte
de gêneros de primeira necessidade, e provocaram o colapso do de cultivadores pobres livres — e pequenos produtores escravistas
antigo sistema de abastecimento alimentar, que constituía a infra- — foram acompanhados de instrumentos que procuravam implan-
estrutura do complexo agroexportador escravista centrado no por- tar sistemas de racionalização da agricultura camponesa. Assim,
to do Recife"!, A rápida reação dos camponeses ante um nov‘o};i\l- propuseram-se metodologias de controle e verificação das exten-
tivo legal que oferecia brechas para penetrar no metcado interna- s6es plantadas, com levantamentos minuciosos do niimero de
cional adquiriu então tons sombrios no discurso oficial, e a incor- cultivadores envolvidos, cálculos de produtividade, registros de
poração das comunidades de pobres livres ao seu plahri; comegou consumo doméstico e produção mercantil, modelos de ajuste entre
a ser_conhecida nos circulos dirigentes da Capifania Geral como “a dig‘ponibilid ade de forca de trabalho, produgao de alimentos e pro-
ambição do algodão”. : : : ) dução de algodao, além, é claro, de disposições tornando o plantio
: Não que os programas de difusão e estímulo ao plantio da fibra obrigatério para todos os que trabalhassem terras apropriadas. Al-
tivessem sido implantados sem salvaguardas contra possíveis efei- mejavam-se trés objetivos principais: expandir a cultur: ontrolar
tos adversos. Pelo contrário, a experiência de uma “ambição” simi- a relação entre oferta e demand a, para “se regular em 0s prezos
Jar relacionada com o cultivo.do tabaco por agricultores de alimen- ia a produç ão de subsist éncia para
delle”, e manter sob vigilanc
tosno Recéncavol i na primeira metade do século, e os sérios imento aliment ar’.
impedir problemas no abastec
p_roblemas de abastecimento de géneros de primeira necessidade à Ao lado dessas inovações no gerenciamento da produgd
o cam-
cidade da Bahia que se seguiram, dotaram as operagGes de apoio ponesa, criaram-se, dentro dos préprio s esquem as monop6 licos da
pela
ao e_:lgodio de várias medidas cautelares®. Estas medidas, e asP ri- CGCPP, mecanismos de comercializagdo que, salvo engano,
meiras providências adotadas pelo governo de Pemamb;xco pf;ra éo dos
primeira vez levavam em consideração a escala de produg
as
Teconstituir o sistema alimentar do complexo agroexportador após
cultivadores pobres livres, sistemas capacitados “para receber
o abalo provocado pela entrada da agricul'tú.ra camponesano n?er- s que os pobres lavrado res recolhd o
miudas e differentes parcela
cado exportador, merecem um exame mais cuidadoso, póis mos-; das suas plantagdes, e receben do-as semelh anteme nte dos outros,
tram os patamares de modernidade que o sistema colonial tentava a
que não tiverem comodidade e meios para fazerem a remessa
direcção da companhia””. Era, de fato, a tentativ a para colocar em
funcionamento um novo modelo de produção na agricultura do
meio após o
™ Notícias sobre
obre oo : sur| preendente sucesso do algodão
ã podem ses - Nordeste Oriental. Em 1778, escassamente um ano e
tradas em “Ouvidor das Alagoas a Governador de I’Izrnambucroe"n lc'ª(g;- deslanche das campanhas de fomento, extensas áreas do litoral das
to Calvo, 8.4.1778, em ACU, v. 15, fls. 227-8. : Alagoas estavam já tomadas pelo algodão. Por volta de 1780,
os
** Asprovidências estão detalhadas em m ”. “Auto de Veração situado s no vértice da zona
distritos de cultivadores pobres livres
â);oceder o Doutor Ouvidor Geral”. Penedo, 15.12,?[772,11:5 mA?ÍnIͺ:
= élss0 85-6. Sobre a Bahia veja-se Stuart B. Schwartz, “Colonial Brazil,
C. > .-1750:.Plantahon.? and Peripheries”, em Leslie Bethell
(ed.), The,
Cambridge History oj]'LaéhÉ Ámerica Cambridge, Cambridge Universit y 16 “Providencias que ficão para a Camara”. Penedo, 15.12.17
76, em ACU,
B ; Peaat
. V. n1 , e 10
Jos: oberto Amaral Lapa, Economiai Colonial.
ial. São
Sã v. 15, fls. 89-91.
17 Quvidor das Alagoas a Governador de Pernambuco, doc. cit.

| Guillermo Palacios Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIll | 47


Nordeste
das plantations em Pernambuco — como Pau d'Alho, Nossa Se- alguns aspectos gerais da agricultura camponesa do
nhoxía da Luz, São Lourenço da Mata, Tracunhaem, Na/zareth eLi- Isto porque a crise alimen tar for-
Oriental no final do século XVIIL
moeiro — convertiam-se no principal centro produtor do Nordeste er, minim ament e, as fontes desse
çou o Estado a procurar conhec
Oriental, e se estendiam rapidamente em direção à Capitania da institu cionali zar e normat izar um sis-
abastecimento, no intuito de
Paraíba"º. Cinco anos mais tarde, aproximadamente empl785 ins- até aquele s momen tos de subvers ão dos
tema que tinha prescindido,
talava-se nos ‘principais centros urbanos da região — sobremrío no en-
papéis tradicionais dos atores da economia regional, da interv
porto do Recife — uma intensa crise de abastecimento alimentar, cam-
ção do Estado. Se as medidas de racionalização da agricultura
que somente seria debelada na década de 1820. Provocada s do algodã o permi-
elz; ponesa experimentadas em torno dos plantio
rehradavdo mercado da mandioca produzida pelos cultivadgres es dos
tem ter uma idéia aproximada de uma série de externalidad
P.ºl?res livres, a crise, como não poderia deixar de ser, estava indi- comerc ializa ção dos cul-
sistemas produtivos e dos esquemas de
visivelmente ligada à produção camponesa de a!gon:íão' “A ruína sar o
restaur
a ada
H tivadores pobres livres, as contra-medidas destin
da plantação de mandioca nesta Capitania é da mesma àata ção.
ÉÉ equilíbrio perdido nos oferecem um outro ângulo de percep
introdução da cultura de algodão””, zação comunt tária, de iden-
o Permitem observar lampejos de organi
e
tidade coletiva, de estratégias de sobrevivéncia e reprodução,
l. Aliás,
mapea'r; embora precariamente, a sua localização espacia
A crise alimentar e a reação do Estado -
esse processo de mapeamento das fontes de produção de alimen
para que o Estado, amplia n-
tos do Nordeste Oriental serviu também
Acr—zse acabou com os intentos de racionalização e provocou uma e
do o seu saber, localizasse grandes bolsões de população livre,
reversão da iend_ência original de incorporação dos cultivadores contra eles®.
pudesse então organizar campanhas de recrutamento
~~As medidas de repressão ao cultivo comecaram em 1785, /86, com
%ãíªej.à economia feg]onal como produtores de gêneros coloniais.
u-se ao paradigma anterior, no qual a produção de exceden- pequenos
ordens as Camaras Municipais mandando * pender os
tes alimentares era o máximo de integração que os segmentos cam- es
que resisti ssem e quei-
plantios de algodao, prender os produtor
poneses poderiam esperar. Mas, a esse regresso devemos fon-tes persis tissem na emprei -
mar e erradicar os algodoais daqueles que
importantes de informação. De fato, as providências adotadas pelo ções levou o go-
tada®. O fracasso de repetidas remessas de instru
Est'ado colonial para enfrentar a desorganização do sistema de alp;as- restava
verno da Capitania a enveredar pelo último caminho que
tecimento alimentar do niicleo do complexo agroexportador, cons- do Estado, a
no exiguo arsenal dos dispositivos de autoridade
tituem, ao lado das medidas racionalizadoras acima mencim:\adas deu ao proble ma da crise
ameaca de militarização do conflito. Isto
momentos privilegiados para compor uma viséo aproximada dé eviden ciou a sua natureza
alimentar a sua verdadeira dimensão,
con-
de situação-limite, e colocou-ono nivel de uma emergéncia de
nga da socied ade for-
seqiiéncias politicas que afetavam a segura
BEEm à F Esta redefi nição da crise
ãgmlíéa da População da Capitania de Pernambuco [...], ABN, v. XL mal e a prépria autoridade do Estado.
ores
advinha de que a insisténcia dos cultivadores pobres e lavrad
1 o estava naba-
%g'gloémiszloz/é de N_Ie?o à Bamha. Recife, 21.9.1797, in CC 3 (1784- escravistas em comercializar exclusivamente algoda
A 3. E no minimo interessante observar como o imaginério
poder concebe a crise singularmente provocada pelos pequenos
pr?dutores de algodão, quando sabemos que um outro fator, ;Ile eso
Eaed% I'T'Ínos cçmparável,'também estava presente: a ativação, do fner— 20 Cf. Palacios, Campesinato e Escraviddo, v. 11, cap. II.
”. Recife,
n “Governador às Camaras de Goiana, Igarassi e Olinda
e lg emaclqnal (jo açúcar no final da década de 1780, como resulta-
'a desorganização causada pela revolução francesa, e a conseqiiente 422",“Carta
conversão ”das p! plantat 14.2.1785, em Governador de Pernambuco, Cartas de Serviço,
: ions do Nordes
rdeste Orien
i tal
em pescad
pescadas compra- do Recife, 16.2.17 86, em ibid, “Carta 423",
fl. 147; Governador a Câmara
fl 148.

48 Guillermo Palacios
Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIll | 49
algoddo
se de sérios. riscos de conflito social que começavam a ser detecta- Ao que parece, as medidas de represélia aos plantios de
outras coisas, das re-
dos entre a popqlação urbana da capital do complexo. tiveram efeitos desiguais, dependendo, entre
e o gover-
— Assim, em fevereiro de 1786, esgotadas as possibilidades de im- lacoes de poder estabelecidas entre as oligarquias locais
do mercado
por o poder do Estado apelando apenas à sua própria legitimida- no central da Capitania e, sobretudo, das conjunturas
o êxodo
de, o Governador José Cézar de Menezes autorizou o emprego de mundial. Mas, abundam na documentação relatos sobre
tropas do exército colonial no auxilio às Câmaras Municipais que pe-
“de famílias e povoados inteiros, fugindo das proibições e dasmais
alegassem “falta de meios” para reprimir eficientemente os culti-
nalidades, e transferindo seus pequenos algodoais para áreas
vos camponeses de algodao®. Diante de novo fracasso em abril, o l
distantes do Interior. Outros produtores resistiram nas áreas do
Go-vemo decretou uma intervengao de fatonos distritos do I:\ted(;r' 1795 pelo cres-
toral, momentaneamente reestimulados a partir de
es varie-
retirou da Jurisdição das Câmaras a competéncia para controlar .; cimento da demanda inglesa, até que o cultivo de melhor
agricultura dos pobres livres, e transferiu-a para os comandantes os,
dades no Agreste, e sobretudo no Sertão, retirou-lhes os mercad
de armas de cada freguesia da zona açucareira, os Capitães-Mor, difícil foi conven cê-
já nas primeiras décadas do novo século. Mais
ou para os capitães de ordenanças no caso dos distritos campone—, adores estamen -
los a retomar 4 sua antiga situação de simples cultiv
ses dos sertões colindantes com a zona da mata. As proibições do oca sem atentar pa-
tais de subsistência, e forçá-los a plantar mandi
plantio do algodão estavam acompanhadas por ordens que torna- ti-
ra as condições do mercado. Sobretudo porque esses segmentos
vam novamente obrigatério o plantio da mandioca e a fabricagdo de constit uição e cres-
nham desenvolvido ao longo do seu processo
cimento canais de resposta a estimulos mercantis que faziam com
de farinha, e por um plano dirigido aos proprietérios, lavradores,
rendeiros e foreiros dos engenhos?. A versão mais acabada do pla—, a
que repetidamente, assim que os preços da mandioca chegavam
no conferia aos senhores-de-engenho poderes para controlar, não e voltas-
Jeterminados niveis, reduzissem os espagos do algodão
apenas os plantios dos seus subordinados e dependentes, comé “de
sem ao fornecimento de alimentos®. Semelhantemente, tinham
todas aquelas propriedades q. ficarem contiguas aos d:ifos Enge- iva
construfdo mecanismos de autonomia e de solidariedadecolet
nhqs”ºª. Dessa maneira, no bojo da crise, ficava institucíona]iza%io das plantat ions como
que impediam a subordinag&o aos interesses
o_chr.eito dos grandes proprietários de terras e de escravos de su- de uma
resultado de um mero desenho de relagdes de poder ou
Eervlsio?'nar e controlar a vida social e econômica dos cultivadores dada pela forga.
demanda de legitimidade que não estivesse respal
pobres livres instalados nas áreas de plantation, embora agrupados explici tada num pe-
Esta condição de autonomia foi claramente |
em comunidades tecnicamente fora dos domínios formais dos es- contra pds planta dores
queno porém significativo incidente, que )

|
tabelecimentos escravistas. ; : do na rica
de mandioca e algoddo a senhores-de-engenho, ocorri
freguesia agucareira do Cabo em junho de 1784. O conflito decor-
suas 7
# o
“Governador reu da negativa dos cultivadores livres de desmancharem as
À a Câmara
: de Olinda”. . Recif e, 22.2.1786, em ibid,
il "Cart
rogas de algodão para satisfazer necessidades de abastec imento ali- {
%% , fl. 150; idem a idem. Recife, 27.2.1786, em ibid, “Carta 431”. Éstª
última carta recomhend‘a que o emprego da força armada seja feito com mentar dos engenhos. O argumento era que o grupo, dedicad o como |
T
cautela e moderação, “de sorte q. sirva mais de exemplo e medo do -.
inteiramente a arruinar os seus Moradores”. e
* “Governador
e a Cap""
C Mor de Goiana”.a”. Recife,
Reci 11.4.1786, em ibid, “Car- mandioca teve
;a 446", f1. 156; Govfel"nador a Officiaes da Camara de Goiana”. Reci- 2 Por exemplo, nos anos de 1788 e 1789, até setembro, a
não faltou.
e, mesma dãta, em ibid, “Carta 447”, fl. 156r; os fundamentos do pla- preços remunerativos no mercado do Recife e o produto
de atraves sadores , a docume ntação oficial
2(3 ésotio emd Govgmad:z a Cap*" Mor de Itamaracá”. Recife, 8.8.1786, Descontando a especulação
a que as boas cotaçõe s conven ciam os pequeno s agricultores a
ernador a confirm
Cap"" Mor de Goiana”. Amb: ibid, “ ” a Ouvidor
<53, . 100 ABT i 509 plantar e vender. Cf., entre outros, “D.Thomas José de Melo
2
o o o da Paraíba”. Recife, 23.9.1788, em OG 3, fl. 148; “idem a Ouvido
r das
“Rellagéo de que faz menção a carta enfi em ibid, fl. 149; “idem a Ouvidor Geral”.
" i i Alagoas”. Recife, 23.9.1788,
Cartas, anexa À “Carta 5347, 0,108, 1 ecte 16111786, in Recife, mesma data, loc. cit.

50 | |
Guillermo Palacios
Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIII 51
estava a plantar algodão, propunha-se produzir apenas a mandio- ; produtores pobres do alcance do Estado, mas também dos merca-
ca necessária para a sua própria sobrevivência. Diante da negativa, dos dos principais mercados consumidores”, Outro, de orientação
o comandante de armas da freguesia, pedira autorização ao Gover- * contraditória, resultou num processo massivo de conversão de

FmA
nador para obrigar os camponeses “a desfazer as suas roscas”. O cultivadores independentes em moradores das propriec?ades escra-
Governador informou-se do mérito e passou um atestado de coe- vistas da região. Uns preservaram por mais algumas décadas a sua
são comunitária explícita, negando o pedido dos senhores: autonomia, mas perderam os mercados, entrando num longo pe-
ríodo de pauperizacão; outros mantiveram a proximidade dos cen-
“por não ser compatível com a boa razam que os referidos lavra- tros consumidores, mas perderam a liberdade. Ambos processos
dores sejão constrangidos a vender ou desmanchar as suas ros- “são centrais para entender os caminhos da consolidação do Estado
cas q. talvez conservem para suprir as suas necessidades, pº re- nacional na região, e as peculiaridades da transição ao traball?o li-
mediarem aquelas pessoas q. ou por preguiço ou desmazelo não vre no Nordeste Oriental ao longo da segunda metade ao século
quizerão plantar”?, XIX.

À guisa de conclusão

Parece claro que a crise provocada pela incorporação da agricul-


tura camponesa ao mercado exportador e a simultânea retirada dos
seus excedentes de alimentos do mercado interno foi fundamental
para determinar os rumos que desenharam os grandes rasgos da
problemática agrária do Nordeste Oriental a partir das últimas dé-
cadas do século XVIII. Desse momento em diante, todas as medi-
das dirigidas a esses segmentos de produtores levam implícita a
necessidade de ajustar os seus sistemas produtivos às necessida-
des das plantations e dos centros urbano-administrativos do com-
plexo agroexportador. Isto é, de encontrar mecanismos que permi-
tam fazê-los tributários das grandes propriedades escravistas, ali-
nhando-os verticalmente como produtores de insumos básicos, ou,
crescentemente, como força de trabalho complementar. Uma da&x,
resultantes deste processo, talvez a que melhor resuma o seu signi- |
ficado histórico, foi a estruturação de diversos movimentos de di- /
ferenciação desse segmento de cultivadores livres, de natureza ho- ;
rizontal e espacial. Um deles consubstanciou-se na formação de :
correntes migratórias em direção ao Interior, que distanciavam os ;

2 Esse “êxodo” camponés, que constitui um dos efeitos expropriatérios


de diversas medidas do Estado, pode ser constatado tanto na docu-
* “Governador a Comane. da Frega. do Cabo”. Recife, 11.06.1784, “Car- mentação referente à repressio do algodão, quanto, mais severamen-
ta 155” em Cartas, fls. 53-54. Existem vários outros casos de resistência te, na resisténcia ao recrutamento militar e na expulsio dos produto-
comunitária, mas o espaço concedido a esta comunicação não permite res de mandioca das 4reas de floresta do Nordeste Oriental, determi-
incluí-los. nada por Ordem Regia em 1799.

52 Guillermo Palacios Agricultura camponesa e plantations escravistas durante o século XVIIl | 53

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