Você está na página 1de 4

ISSN: 1984-6290

Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024


DOI: 10-18264/REP

Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de
formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para
providenciarmos o reparo.

A utilização das abordagens da Educação Física escolar no cotidiano


pedagógico do professor

Daniel Teixeira Maldonado


Graduando em Educação Física da USJT

Leonardo Augusto d´Almeida Barros


Professor especialista em Educação Física escolar, pós-graduando em Educação

Profa. Dra. Ana Martha de Almeida Limongelli


Professora da Graduação em Educação Física da USJT

Introdução
Em 1851, a Educação Física foi incluída como matéria no currículo escolar. Em 1854, a ginástica passou a ser disciplina obrigatória no ensino
primário; a dança, no ensino secundário. Mas foi a partir de 1920 que os estados começaram a incluir a Educação Física nas suas reformas
educacionais e frequentemente usaram o nome de ginástica para esta prática (Betti, 1991, citado por Darido, 2003).

No último século, houve diversas propostas metodológicas de Educação Física e todas essas tendências ainda hoje influenciam o profissional
na sua formação (Darido, 2003).

A partir de 1930, a Educação Física escolar brasileira passou a ser marcada pelo modelo higienista e pelo modelo militarista. Ambas as
concepções tinham suas práticas pedagógicas formalizadas por meio da seleção dos indivíduos perfeitos e exclusão dos considerados
incapacitados. Entendiam a Educação Física como uma disciplina essencialmente prática, não necessitando de nenhuma fundamentação
teórica para lhe dar suporte. (Darido, 2004; Coletivo de Autores, 1992, citado por Darido, 2003).

Após as Grandes Guerras, apareceu um novo modelo de escola, denominado Escola Nova, cujo objetivo era promover o desenvolvimento
integral da criança. Nessa fase ocorre a substituição do conceito anatomofisiológico para o conceito biossócio-filosófico da Educação Física
(Darido, 2003).

Entre 1969 e 1974, a Educação Física escolar estruturou-se predominantemente sob o modelo esportivista. Este retomou as práticas
pedagógicas de segregação e exclusão, acrescidas da tentativa de alienar a juventude brasileira (Betti, 1991, citado por Darido, 2003; Castellani
Filho, 1993, citado por Darido, 2003).

Na década de 1980, o modelo esportivista começou a ser muito criticado pelos meios acadêmicos, e a Educação Física passou por um período
de valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência. Nesse momento rompeu-se, ao menos em nível de discurso, a valorização
excessiva do desempenho como objetivo único da escola (Darido, 2003).

Esse novo momento da Educação Física escolar provoca a eclosão de estudos sobre a prática pedagógica, dando origem às abordagens de
ensino da Educação Física escolar. Segundo Darido (2003), as abordagens são: construtivista-interacionista, desenvolvimentista,
psicomotricidade, jogos cooperativos, abordagem da saúde renovada, abordagem sistêmica, abordagem crítico-superadora, abordagem crítico-
emancipatória.

A abordagem construtivista-interacionista tem como objetivo principal promover a construção do conhecimento do sujeito com o mundo,
fazendo com que todos os alunos entendam as atividades propostas pelo professor (Freire, 1989). A abordagem desenvolvimentista tem como
objetivo principal trabalhar o desenvolvimento das habilidades básicas (Tani et al, 1988). A psicomotricidade tem como objetivo principal
construir a personalidade dos alunos a partir do seu esquema corporal (Le Bouch, 1983). Os jogos cooperativos têm como objetivo principal
desenvolver a cooperação entre todos os alunos. (Broto, 1995). A abordagem da saúde renovada tem como objetivo principal uma proposta de
combater problemas orgânicos pela falta de atividade física, em que a atividade física na infância pode auxiliar à cultura de hábitos saudáveis
ao longo de toda a vida (Guedes e Guedes, 1996).
A abordagem sistêmica, que tem como característica a apropriação de questões filosóficas e sociológicas como uma forma de repensar as
questões importantes no currículo de Educação Física, possibilita ao aluno o acesso à cultura física, usufruindo, compreendendo, reproduzindo
e modificando as formas culturais das atividades físicas e analisando corpo e movimento, como: o aluno, ao correr, não deve ter um correr
apenas pelo movimento, mas sim a consciência de como correr, os benefícios que esse correr irá trazer a ele (Betti, 1991).

A abordagem crítico-superadora, baseada no marxismo e no neomarxismo, tem como objetivo possibilitar ao aluno analisar e interpretar a
realidade compreendendo que toda produção humana tem relação com o momento histórico, emitindo um juízo que depende de pessoa para
pessoa (Coletivo de Autores, 1992).

A abordagem crítico-emancipatória visa analisar e questionar as características elitistas da Educação Física transpondo-as para as questões
sociais, a fim de superar as diferenças sociais, baseadas também na metodologia marxista (Kunz, 1994).

Darido (2003) comenta que, apesar de todas as mudanças sociopolíticas vivenciadas nas ultimas décadas, de um discurso que supervaloriza a
Educação, encontramos um cenário sombrio nas escolas nos dias de hoje, principalmente porque permanece distante, não influenciando a
prática pedagógica do professor. Freire e Scaglia (2003); Kunz (2003) confirmam esse distanciamento.

Método
O presente estudo caracteriza-se por uma pesquisa exploratória de dados existentes, extraídos de uma amostra não probabilística atípica
escolhida pelos autores a partir do problema da pesquisa, condições temporais, técnicas e de acesso às instituições educacionais para
desenvolvimento e conclusão do mesmo (Thomas e Nelson, 2002; Laville e Dionne, 1999).

Participou da pesquisa um professor de Educação Física da rede de ensino privado de uma escola de ensino fundamental (1ª a 4ª série),
localizada na região leste da cidade de São Paulo.

Foi realizado um contato inicial com a direção da escola e com o professor de Educação Física para apresentação e explicação do estudo. Após
a aceitação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo professor, iniciaram-se os procedimentos de coleta dos dados.
Foram gravadas todas as aulas de Educação Física ministradas ao longo de um mês durante o 1º semestre letivo para duas turmas: 3ª série A e
3ª série B, totalizando oito aulas. A gravação foi contínua, com duração de 30 minutos do tempo total da aula, intercalando entre as aulas os 30
minutos iniciais e os 30 minutos finais. Ao término dessa etapa, foi realizada entrevista semiestruturada, composta por questões abertas. Os
dados foram transcritos. Sua análise foi realizada com a técnica de análise de conteúdo, adotando o tema como unidade central de análise
(Laville e Dionne, 1999).

Resultados e discussão
A fala do professor nas aulas foi categorizada em uma unidade temática: objetivo principal. Esses resultados foram confrontados com a
fundamentação adotada nas abordagens de ensino da Educação Física, originando o Quadro 1.

Objetivo principal Abordagens de ensino da EF

Desenvolver habilidades básicas (20) Abordagem desenvolvimentista

Entendimento das atividades realizadas (17) Abordagem construtivista-interacionista.

Desenvolver a cooperação entre os alunos (1) Abordagem dos jogos cooperativos

Construir a personalidade a partir do esquema corporal Abordagem psicomotora

Apropriação de questões filosóficas e sociológicas Abordagem sistêmica

Obter hábitos saudáveis e realizar atividade física ao longo da vida Abordagem da saúde renovada

Possibilitar ao aluno analisar e interpretar a realidade (2) Abordagem crítico-superadora

Superar as diferenças sociais Abordagem crítico-emancipatória

Quadro 1: Fala do professor x Abordagens de ensino da Educação Física

Os principais objetivos identificados foram:

o desenvolvimento das habilidades motoras básicas (20). Este se encaixa na abordagem desenvolvimentista, uma vez que ela tem como
principal objetivo o desenvolvimento das habilidades motoras. Para tanto, ela prega que todos os alunos atinjam o padrão maduro das
habilidades básicas realizando os movimentos de acordo com esse padrão predeterminado (Tani et al, 1988);
o entendimento das atividades realizadas (17), o que se vincula à abordagem construtivista, que tem como objetivo principal que os
alunos resolvam diversas situações-problema. Isso pode ocorrer utilizando o movimento para a aprendizagem de outras disciplinas
(Freire, 1989);
a possibilidade de que o aluno analise e interprete a realidade (2), o que se encaixa na abordagem crítico-superadora, uma vez que o aluno
é estimulado a analisar, interpretar e criar novos significados sobre diversos conteúdos durante as aulas de Educação Física (Coletivo de
Autores, 1992);
desenvolvimento da cooperação entre os alunos (1) o que se relaciona à abordagem dos jogos cooperativos, uma vez que ela não prioriza
a competição, mas a participação ativa de todos os alunos envolvidos nas atividades (Broto, 1995).

A partir dos dados sistematizados no Quadro 1, podemos considerar que o professor utilizou traços de diferentes abordagens de ensino da
Educação Física em suas aulas. Nota-se que a abordagem desenvolvimentista (20) predominou nas ações pedagógicas do professor, seguida
de perto pela abordagem construtivista-interacionista (17).
Esses dados indicam que o professor estruturou suas aulas utilizando orientações didático-pedagógicas das abordagens desenvolvimentista e
construtivista-interacionista, destacando as habilidades motoras básicas e a resolução de situações-problema como foco central do processo
de ensino-aprendizagem. Esses dados estão de acordo com Freire, 1989 e Tani et al, 1988.

A partir da entrevista realizada, fomos informados de que o professor licenciou-se em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes no
ano de 1988 e trabalha há 15 anos como professor de Educação Física do Ensino Fundamental - 1ª à 4ª série na escola em que a pesquisa foi
realizada. Ele relatou não ter realizado curso de atualização profissional ou programa de educação continuada e declarou desconhecer as
abordagens de ensino da Educação Física escolar. Sua fundamentação para as aulas estruturava-se na compreensão de que crianças de 7 a 10
anos devem brincar. Com isso, suas aulas de Educação Física têm o objetivo de levar a criança participar brincando e a estratégia de ensino
escolhida foi a recreação.

Provavelmente o não-conhecimento, por parte do professor, das abordagens de ensino da Educação Física escolar deve-se ao tempo de
formado e de não ter participado de nenhum curso de atualização profissional ou educação continuada, visto que, na época de sua formatura,
as abordagens da Educação Física escolar estavam começando a ser estudadas; consequentemente, ainda não haviam sido introduzidas nos
programas da Licenciatura em Educação Física.

Esse profissional demonstrou que, nas suas aulas, todos os alunos deveriam estar presentes apenas para brincar, e todas as atividades
aplicadas eram recreativas. Trabalhar as brincadeiras recreativas deve ser um dos objetivos nas aulas de Educação Física na escola, porém não
pode ser o único, pois existe uma diversidade enorme de objetivos e conceitos que podemos e devemos aplicar nas aulas, como foi explicado
pelas diferentes abordagens de ensino da Educação Física escolar.

Aquele professor utilizou traços de diferentes abordagens de Educação Física escolar em suas aulas, mesmo sem conhecê-las. Acreditamos
que isso possa ter ocorrido devido à apropriação de conhecimentos práticos que esse profissional obteve nos seus anos de experiência na
escola, o que indica que a construção teórica das abordagens de ensino da Educação Física escolar utilizou também os conhecimentos do
cotidiano.

Considerações finais
A partir dos resultados encontrados nesta pesquisa, podemos inferir que o professor pesquisado, mesmo sem conhecer as discussões teóricas
sobre as abordagens de ensino da Educação Física escolar, conseguiu estruturar e aplicar aulas nas quais os alunos se envolveram e
atenderam às solicitações trabalhadas. Seria aconselhável que as escolas mantivessem um programa de educação continuada para seus
professores, a fim de que eles possam avançar em seus conhecimentos e atualizar suas ações em aula, conseguindo integrar os
conhecimentos produzidos pela academia e os conhecimentos que constroem em seus cotidianos escolares e profissionais. Assim, a
discussão mais atualizada da Educação Física Escolar poderia realmente chegar ao cotidiano do professor, ao mesmo tempo que a área
acadêmica da Educação Física escolar poderia atualizar suas informações do cotidiano da escola. Com isso, ambas as pontas desse amplo
processo de formação do educador poderiam se beneficiar, estabelecendo uma relação clara, atuante e sincronizada, contribuindo com o
fenômeno de formação do ser humano/educando.

Gostaríamos de deixar claro que os resultados deste estudo não podem ser generalizados para todos os professores de Educação Física de
escolas do Ensino Fundamental, mas sugere a necessidade de investigar mais professores de Educação Física de diferentes instituições de
ensino utilizando o método descrito aqui. E, como abertura de novos estudos, sugerimos trabalhos sobre a formação continuada do professor e
os entraves para sua realização.

Referências
BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.

BROTO, F. O. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar. São Paulo: Cepeusp, 1995.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

DIONNE, J. e LAVILLE, C. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro. Teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989.

FREIRE, J. B. e SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.

KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijui: Unijuí, 1994.

KUNZ, E. (Org.). Didática da Educação Física 1. Ijuí: Unijuí, 2003.

LE BOUCH, J. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

TANI, G. et al. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 1988.

THOMAS, J. e NELSON, J. Métodos em pesquisa em atividade física. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Publicado em 11 de março de 2008.


Publicado em 11 de março de 2008

Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0)


 Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso  mailing

O que achou deste artigo?

    
Agradável Útil Motivador Inovador Preocupante

0 1 0 0 1

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

 Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.

Você também pode gostar