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ESTADO,

SOCIEDADE E
MOVIMENTOS
SOCIAIS

Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
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Presidente da Mantenedora
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NEAD - Núcleo de Educação a Distância


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Projeto Gráfico
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José Jhonny Coelho
Arte Capa
C397CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Arthur Cantareli Silva
Distância; GIMENES, Éder Rodrigo.
Estado, Sociedade e Movimentos Sociais. Éder Rodrigo Gimenes. Editoração
Thayla Daiany Guimarães Cripaldi
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2021. Qualidade Textual
184p. Produção de Materiais
“Graduação - EaD”.
1. Estado 2. Sociedade . 3. Movimentos Sociais 4. EaD. I. Título.

ISBN 978-85-459-1145-6
CDD - 22 ed. 362
CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
transformamos também a sociedade na qual estamos
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe
de professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
CURRÍCULO

Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina


(UFSC), com Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Segundo Líder do grupo de pesquisa “Cultura Política,
Comportamento e Democracia” (UEM/CNPq), pesquisador do grupo de
pesquisa “Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais” (NPMS - UFSC/
CNPq) e do “Núcleo de Pesquisas em Participação Política” (NUPPOL - UEM).
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Políticas
Públicas da UEM, docente no Centro Universitário Cesumar (CESUMAR), com
atuação na graduação e pós-graduação Lato sensu, em aulas presenciais e
à distância. É graduado em Ciências Contábeis e em Ciências Sociais pela
UEM e especialista em Gestão Pública pelo Instituto Superior de Educação
do Paraná (INSEP) e em Contabilidade e Controle de Gestão pela UEM. Tem
experiência na organização e análise de dados quantitativos e desenvolve
pesquisas relacionadas a comportamento político e opinião pública,
atuando principalmente nos seguintes temas: atitudes e valores políticos,
comportamento político, participação política e partidarismo. Desenvolve
ainda cursos e atividades de extensão relacionados à metodologia
quantitativa de análise de dados. Autor de “Eleitores e partidos políticos na
América Latina” e organizador de “Participação política e democracia no Brasil
contemporâneo”.

CV: http://lattes.cnpq.br/1358973527170925
APRESENTAÇÃO

ESTADO, SOCIEDADE E MOVIMENTOS SOCIAIS

SEJA BEM-VINDO(A)!
Seja bem-vindo(a) ao estudo sobre Estado, sociedade e movimentos sociais!
Este material didático foi elaborado com o objetivo de promover o conhecimento, a in-
terpretação, a análise, a reflexão e a construção de um posicionamento crítico e passível
de ser convertido em ações e atuação de sua parte, acadêmico(a)!
Ao longo das cinco unidades deste material, trataremos dos três grandes eixos temáti-
cos que dão nome a esta disciplina e, mais do que conceituá-los ou pensarmos sobre
cada um em separado, verificamos como o Estado, a sociedade e os movimentos sociais
se relacionaram ao longo da história e dialogam na contemporaneidade.
Nesse sentido, nosso primeiro capítulo é dedicado à figura do Estado, de modo que
apresentamos diferentes concepções clássicas sobre a finalidade e a formação dos Es-
tados e demonstramos como, ao longo dos séculos, sua concepção foi moldada por
aspectos políticos, sociais e econômicos.
O segundo capítulo versa sobre um dos maiores eventos históricos da história da hu-
manidade, cujos reflexos são sentidos e influenciam o pensamento político, social e
econômico até os dias atuais: a Revolução Industrial. Contudo, nosso debate está além
daquele que trata do contexto e dos efeitos da revolução, pois enfocamos, também, a
posição crítica de Karl Marx acerca da divisão social do trabalho à época (século XVIII) e
como naquele período já havia organização dos trabalhadores por conta de sua insatis-
fação com as condições laborais.
Em nosso terceiro capítulo, abordamos os efeitos da Revolução Industrial sobre os pro-
cessos de urbanização e de conformação das sociedades europeias, com reflexos sobre
tradições, cultura e comportamentos dos cidadãos. Ademais, transpomos nosso olhar para
o Brasil ao discorrermos sobre como se deu a urbanização em nosso país, primeiramente
em função da vinda da família real (no início do século XIX) e, em seguida, na décadas pos-
teriores ao fim do regime de escravidão (fim do século XIX e início do Século XX).
O quarto capítulo trata das relações entre Estado, sociedade e movimentos sociais no
Brasil desde o início do século passado até o regime militar (meados da década de 1980).
Nesse capítulo, tratamos da organização da classe operária na primeira metade daquele
século, da conformação das leis trabalhistas atreladas à noção de cidadania, da relevân-
cia dos movimentos sociais à conquista de direitos e do impacto do período autoritário
sobre os movimentos sociais.
Por fim, o quinto capítulo diz respeito ao Brasil atual, em seu mais longo período demo-
crático e permeado por uma constituição cidadã que atende a anseios e pressões po-
pulares, pela relevância das entidades sociais e do papel das políticas públicas e, ainda,
pelas inovações da participação institucional com relação à garantia de direitos sociais
e à transparência e maior envolvimento popular nas deliberações sobre recursos e ser-
viços públicos.
APRESENTAÇÃO

Ao fim da leitura e da discussão deste material didático, a expectativa é de que


questões relacionadas ao funcionamento do Estado e a como as políticas públicas
são construídas e aplicadas estejam mais claras. Para além desse desejo, espero que
este livro evidencie a importância da atuação de gestores de entidades do Terceiro
Setor, de gestores públicos, de assistentes sociais, de cidadãos (individualmente) e
de coletivos, grupos, associações e movimentos sociais, pois, como evidenciado em
vários pontos deste material, a articulação, a organização e a participação dos diver-
sos atores sociais é essencial à atuação social por parte do Estado.
Espero que este material traga mais do que conhecimento acadêmico, mas que es-
timule-os à cidadania! Caminhemos juntos rumo ao conhecimento!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

O ESTADO

15 Introdução

16 Conceito de Estado

19 O Estado como Contrato Social

24 Os Estados Nacionais

28 O Estado Liberal

33 Considerações Finais

39 Referências

41 Gabarito

UNIDADE II

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

45 Introdução

46 Contexto Histórico da Revolução Industrial

49 A Divisão Social do Trabalho

53 Resistência e Organização Operária

59 Considerações Finais

65 Referências

66 Gabarito
10
SUMÁRIO

UNIDADE III

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

69 Introdução

70 Efeitos da Revolução Industrial sobre as Conformações Sociais

74 Urbanização no Brasil

83 Considerações Finais

91 Referências

92 Gabarito

UNIDADE IV

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL

95 Introdução

96 Organização da Classe Operária

103 Cidadania Regulada e Leis Trabalhistas

107 Conquistas Sociais no Primeiro Período Democrático

110 Estado, Sociedade e Movimentos Sociais no Período Militar

115 Considerações Finais

122 Referências

124 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE V

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO


BRASIL

127 Introdução

128 Redemocratização e a Constituição Cidadã

132 Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e


Movimentos Sociais

141 Participação Individual e Repertórios de Ação Política

150 Participação Institucional

160 Considerações Finais

167 Referências

174 Gabarito

175 CONCLUSÃO
Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

I
UNIDADE
O ESTADO

Objetivos de Aprendizagem
■■ Conceituar o Estado a partir da perspectiva política clássica em
Maquiavel;
■■ Apresentar a concepção de Estado a partir da cessão de liberdades
pelos indivíduos em favor de um ente que regule as relações sociais;
■■ Discutir a relação entre comércio e governo e a origem dos Estados
nacionais e descrever aspectos referentes à relevância da economia
para a conformação dos Estados nacionais;
■■ Expor as bases de desenvolvimento do Estado liberal.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Conceito de Estado
■■ O Estado como contrato social
■■ Os Estados nacionais
■■ O Estado liberal
15

INTRODUÇÃO

Qual a origem do Estado? Como se constituíram as relações entre o governo e a


sociedade? Em que contexto os movimentos sociais se tornaram atores relevan-
tes ao processo de governança?
Questões como estas permeiam a construção deste material e serão expli-
citadas ao longo dos capítulos. Nesta primeira unidade, discutiremos sobre
teorias que tratam do surgimento e da consolidação do Estado sob a perspec-
tiva da Filosofia, da Ciência Política e da Economia. Essa discussão é base para
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o desenvolvimento do conhecimento ao longo deste conteúdo e os autores clás-


sicos aqui apresentados seguem relevantes até a contemporaneidade.
O que são clássicos e por que ler esses textos? Esta é uma pergunta de res-
posta simples, mas que merece atenção: os clássicos são autores que produziram
teorias explicativas ao período em que viveram de maneira autêntica e que ser-
vem como modelo para reflexão da realidade até hoje.
Segundo Norberto Bobbio (2000), clássicos são autores que produziram teo-
rias que permanecem atuais, de modo que a cada época é perceptível a necessidade
de relê-los e, relendo-os, de reinterpretá-los, ou seja, mais importante do que
ler um clássico considerando-o como registro histórico é lê-lo sob a perspectiva
de que é possível a reflexão acerca de temas e objetos para análises, pesquisas,
hipóteses e investigações.
É esta a posição contemplada neste material, de modo geral, e neste capítulo
em específico, no qual apresentamos as bases político-filosóficas e econômicas
da constituição e da consolidação dos Estados nacionais, de modo que a base
aqui exposta será retomada ao longo dos capítulos seguintes para tratarmos de
aspectos relacionados ao desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade
e sobre como a organização dos indivíduos por meio de movimentos sociais se
deu ao longo dos séculos.
Bons estudos!

Introdução
16 UNIDADE I
POLÍTICA

GOVERNO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
CONCEITO DE ESTADO

As discussões acerca do conceito de Estado decorrem desde muito antes da


Era Moderna, como pontuam Montaño e Duriguetto (2011, p. 19):
O Estado, e as análises sobre ele, não tem origem na era moderna. Efe-
tivamente, desde a antiga Grécia existem preocupações e estudos sobre
o Estado e os governos, e suas relações entre si e com o povo. A vida na
pólis grega, assim como na res publica romana, despertaram o interesse
e a reflexão de filósofos e autoridades políticas. Em idêntico sentido, a
pulverização das cidades-Estado na Itália também determinou a preo-
cupação com a unificação delas.

A discussão acerca da unificação da Itália está presente em “O Príncipe” (1512),


de Nicolau Maquiavel, considerado um pai da Filosofia Política Moderna e
um dos mais importantes fundadores da Ciência Política. Secretário diplomá-
tico da República de Florença no início do século XVI, o pensador dedicou
suas obras à questão do Estado, mas, como destaca Sadek (2006, p. 17), “não o
melhor Estado, aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o
Estado real, capaz de impor a ordem”.
Na referida obra, o autor expôs argumentos que podem ser sintetiza-
dos na importância da manutenção do poder como chave explicativa para a
política, ou seja, a ação política do governante deveria ter como objetivo a
manutenção de sua condição/posição de poder. Nesse sentido, a obra, que foi
produzida como conjunto de conselhos ao soberano, rompeu com os manu-
ais bem intencionados da época ao expor argumentos pautados em utilização
de recursos conforme as necessidades.

O ESTADO
17

Maquiavel escreveu “O Príncipe” em um período marcado por crises


políticas que culminaram em alterações nos grupos governantes em Florença
e, em consequência das reestruturações do poder, acabou destituído de sua
função pública, no primeiro momento, e exilado em uma propriedade de
sua família, posteriormente.
Em tal condição, o autor refletiu sobre como seria mais importante escre-
ver acerca da verdade efetiva dos fatos, ao invés de suas aparências ou de pensar
sobre o “dever ser” (posição filosófica). Para ele, o mundo não deveria ser pen-
sado como lugar ideal, mas caberia ao homem buscar a verdade real a fim de
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que fosse possível transformar a realidade. No caso do príncipe, essa busca seria
pautada pelo conhecimento do uso do poder e de como mantê-lo, para o que
precisaria aprender a utilizar os recursos disponíveis para a satisfação de seus
interesses e necessidades. Esta sabedoria era o que Maquiavel pretendia expor
ao Príncipe através de seus conselhos e regras.
Segundo o autor, o Príncipe precisaria de virtù e de fortuna. A virtù corres-
ponderia ao poder, à glória e à honra pelas quais o homem deveria lutar, sendo
que não se referia exatamente à força bruta e violência, mas também à sabedoria
para o uso da força e a tornar público aos súditos sua capacidade de manter seus
domínios e, se não pudesse ser amado, ser ao menos respeitado ou temido pelos
cidadãos. Por outro lado, a fortuna estaria relacionada à visão que o Príncipe
deveria transmitir aos seus súditos, de homem viril e corajoso. Nesses termos,
a aparência era mais importante do que o ser. Em resumo: o Príncipe deveria
governar com violência e astúcia.
Dentre os conselhos ao Príncipe, Maquiavel pontuou situações que ilustram
a importância da manutenção do poder, como o cuidado que o soberano deveria
ter em parecer bom, mesmo que não o fosse, e a preocupação em demonstrar
à sociedade que seu objetivo seria realizar a justiça e promover o bem comum,
ainda que sua atuação efetiva se desse com vistas à conservação de seu status quo.
Outro exemplo diz respeito à ação do soberano após a conquista de
um Estado: para o autor, a preocupação deveria consistir em combinar a
manutenção das leis e a vida em liberdade, o que decorreria de ações como
arruinar o Estado a ser ocupado, depois habitá-lo pessoalmente, por fim,
fazê-los viver sob suas leis.

Conceito de Estado
18 UNIDADE I

Em “O Príncipe”, Maquiavel afirma que em todas as sociedades haveria duas


forças opostas: o desejo dos “grandes”, que querem dominar o povo, e o
desejo do povo de não ser dominado. Em diálogo com esse pressuposto,
autores como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels escreveram
sobre como minorias organizadas dominam grandes agrupamentos de pes-
soas. Tais autores são considerados clássicos da teoria das elites, o elitismo.
Fonte: o autor

Embora pareça cruel e que leituras de sua obra tenha originado o termo “maquia-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
vélico” com conotação negativa, é importante destacar que a concepção de
Estado como campo de conservação do poder decorre tanto de leituras filosófi-
cas quanto das experiências pessoais do autor, que, após denunciado e privado
do exercício profissional, discorreu sobre como o caráter humano é caracteri-
zado por ingratidão, falsidade, hipocrisia e ganância. Assim, para governar, o
Príncipe deveria ter em mente que os homens são perversos e dispostos a seguir
suas más intenções caso tenham oportunidade, de modo que a manutenção do
poder só ocorreria caso o soberano combinasse virtù e fortuna, violência e astú-
cia, respeito e temor por parte dos cidadãos.
Esta concepção de Estado diverge daquela de outras correntes de pensadores, mas
segue relevante à interpretação sobre como a permanência de um indivíduo ou grupo
no poder se coloca permanentemente como objetivo àqueles que ocupam tal posição.

Em seu discurso intitulado “A política como vocação”, Max Weber (2011) afir-
mou que o Estado era organização representativa de determinada forma de
manifestação da política, a qual seria concebida a partir de uma relação de
dominação que corresponderia à maneira como se dava a racionalidade na
sociedade moderna. Nesse sentido, o Estado seria o ente político possuidor
do monopólio do uso legítimo da ação coercitiva. Tal padrão de domina-
ção se estabeleceria por intermédio da legitimidade pertinente à relação de
mando e subserviência reconhecida pelo Estado e pelos cidadãos.
Fonte: o autor

O ESTADO
19
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O ESTADO COMO CONTRATO SOCIAL

Nos séculos posteriores a Maquiavel e à sua noção de Estado, temos muitos


autores que, especialmente ao longo dos séculos XVI e XVII, contribuíram ao
desenvolvimento da Teoria Política e seguem relevantes até os dias atuais, seja
por inovações conceituais ou pela atualidade das temáticas abordadas. Dentre
as discussões desses pensadores, é relevante aos objetivos deste material didá-
tico o debate em torno da formação do Estado Moderno sob a perspectiva dos
contratualistas. Nesse sentido, nos concentremos nesta seção em torno das pers-
pectivas de Thomas Hobbes, de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau no que
diz respeito ao estabelecimento de um contrato entre os indivíduos para a vida
em coletividade, o que teria originado o Estado.
O inglês Thomas Hobbes nasceu no fim do século XVI e viveu o período
de Guerra Civil inglesa entre 1642 e 1651, durante o qual foi exilado em Paris e
escreveu sua obra “Leviatã” (1651). Naquele período histórico, as visões sobre a
natureza humana se baseavam nas doutrinas religiosas, de modo que o autor se
destaca dentre os pensadores que buscaram explicações no pensamento racional.

O Estado como Contrato Social


20 UNIDADE I

Para ele, em seu estado de natureza (condição abstrata da humanidade,


antes da introdução de estruturas e normas sociais), os homens seriam agentes
racionais que buscariam a maximização de seu poder e agiriam conforme seus
interesses próprios, uma vez que agir de outra maneira colocaria em risco sua
autopreservação. De modo sucinto, a interpretação de Hobbes era de que, no
estado de natureza, a condição do homem seria a condição de guerra contra todos.
A obra “Leviatã” argumenta em favor da autoridade real. Para seu autor, o
estado de natureza seria comparável à guerra e só poderia ser evitado caso todos
os indivíduos entregassem suas armas a um terceiro – o soberano – por meio de

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um contrato social que garantisse que todos os demais também o fizessem. O
que levaria os indivíduos racionais a entregarem sua liberdade ao soberano seria
o fato de que a vida no estado de natureza implicaria em preocupação constante
com a própria sobrevivência, pois em um contexto onde todos os atos são justi-
ficáveis, não havia direitos que protegessem os indivíduos.
Sem nenhuma autoridade comum para resolver as disputas ou proteger os
fracos, caberia a cada um decidir o que precisasse e o que deveria fazer para
sobreviver. No estado de natureza, os homens seriam, então naturalmente livres
e independentes, sem deveres para com os demais. Para Hobbes, sempre haveria
escassez de bens e os indivíduos seriam vulneráveis, uma vez que alguns entra-
riam em conflitos visando comida e abrigo, enquanto outros buscariam glória
e poder. Esse seria um contexto de constante temor e ataques, o que configura-
ria o fim da liberdade descontrolada dos homens. A superação desse estado de
natureza se daria pela existência de um poder e autoridade consentido: o Leviatã.
O Leviatã, em referência a um monstro bíblico do livro de Jó, deveria ser o
Estado, uma espécie de homem artificial, de maior estatura e força que os homens
naturais, projetado para protegê-los e defendê-los, inclusive de seus semelhantes.
A soberania também lhe seria artificial, pois não emanaria de si, mas do contrato
social firmado pelos indivíduos em seu favor. Esse contrato social, que conce-
deria autoridade indivisível ao soberano, seria um mal necessário para evitar o
destino cruel dos homens diante da não contenção de seus impulsos destrutivos.
Contudo, cabe destacar que o contrato social seria estabelecido entre os indiví-
duos, sendo o soberano um ente externo, à parte do contrato.

O ESTADO
21

John Locke viveu ao longo do século XVII e foi contemporâneo de Hobbes


durante partes de suas vidas. Locke destacou-se como o primeiro pensador a
articular os princípios liberais de governo, quais sejam: preservação dos direitos
à liberdade, vida e propriedade, a busca pelo bem público e a punição aos que
violassem os direitos do homem. Em sua obra “Dois tratados sobre o Governo
civil” (publicada originalmente após 1689), o autor afirmou que os indivíduos
aceitariam o contrato social e se submeteriam a um governo por esperar que ele
regulasse acordos e conflitos com neutralidade.
Diferentemente de Hobbes, Locke entendia que, no estado de natureza, os
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indivíduos conviveriam em relativa harmonia por boa parte do tempo, agindo com
razão e tolerância e de modo que os conflitos não seriam necessariamente comuns.
Contudo, com o aumento da densidade populacional, a escassez de recursos e o
surgimento do dinheiro, teriam surgido desigualdades econômicas, que levaram
a mais conflitos, o que gerou a dependência, pelas sociedades, de leis e juízes.
Outra diferença entre os autores é que Locke argumentava que seriam as leis
que protegeriam os indivíduos, não o poder soberano. Nesse sentido, o governo
teria garantido o monopólio da violência e das condenações, em um Estado
de direito onde a legitimidade do governo seria pautada pela separação entre
os poderes Executivo e Legislativo: o primeiro manteria o funcionamento do
governo, enquanto o segundo, superior e com maior poder, estabeleceria as leis
para o funcionamento desse governo. As leis, aliás, seriam centrais ao governo
por garantirem as liberdades, de modo que não seriam regras restritivas, mas
que preservariam e aumentariam essa liberdade, sendo que viver sem leis seria
o mesmo que viver sob um estado anárquico, de incertezas, onde as liberdades
pudessem não se efetivar.
Ademais, o autor era favorável a um governo com papel limitado, ao qual
o povo não fosse plenamente subordinado e que não fosse centralizado em um
único indivíduo. O governo deveria proteger a propriedade privada, manter a paz,
garantir mercadorias comuns para todos e proteger os cidadãos contra invasões
estrangeiras. Em outras palavras, o governo deveria ajustar ou complementar o
que faltava no estado de natureza para conferir liberdade e prosperidade às pes-
soas. As leis deveriam ser formuladas e impostas com o objetivo do bem público.

O Estado como Contrato Social


22 UNIDADE I

Por fim, cabe destacar que Locke se preocupava com a legitimidade do


governo, tanto que afirmou que haveria situações em que o povo teria o direito
de se revoltar buscando recuperar o poder concedido ao governo, como naque-
las em que seus representantes legítimos não pudessem participar da assembleia,
quando o Estado de direito deixasse de existir ou caso o governo ameaçasse os
direitos do povo.
O terceiro autor contratualista recorrentemente considerado em diálogo com
Hobbes e Locke é Jean-Jacques Rousseau. Nascido em Genebra, Suíça, no século
XVIII, pouco após a morte de Locke e em contexto diverso daquele dos autores

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ingleses (da guerra civil e da Revolução Gloriosa, para Locke), Rousseau postu-
lou sobre o contrato social a partir de bases filosóficas e de experiências pessoais
e históricas distintas. Para esse autor, mais relevante do que a produção e discus-
são científicas era a reflexão sobre que tipo de conhecimento era produzido na
época, o que fez dele um crítico dos pensadores de sua época.
Rousseau entendia que o homem não era mais virtuoso, mas que ainda seria
possível encontrar aqueles menos corrompidos, inclusive pelas ciências e pelas
artes, que poderiam assumir papel importante de impedir o avanço da corrup-
ção dos indivíduos. De modo geral, sua teoria era de que a política deveria ser
exercida pelo povo, de forma soberana.
Sua argumentação sobre a formação do Estado encontra-se em duas obras.
Em “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”
(1755), o autor desenvolveu uma história hipotética da humanidade, na qual
afirmou que a trajetória dos homens ao longo dos séculos sofreu uma alteração
em sua condição de liberdade quando do surgimento da propriedade privada.
Segundo Rousseau, a história da humanidade seria a história da desigualdade,
que se iniciou quando os demais membros de uma sociedade legitimaram a afir-
mação daquele que chamou um pedaço de terras de seu. Em outras palavras, a
desigualdade seria fruto tanto da apropriação de uma propriedade por alguém
quanto da aceitação dos demais. Haveria, aí, um pacto ou um contrato.

O ESTADO
23

A partir dessa história hipotética, Rousseau discutiu em “Do contrato social”


(1762) sobre as condições para que fosse estabelecido um pacto legítimo, no qual
os homens, após terem perdido sua liberdade natural, tivessem garantida sua
liberdade civil, o que decorreria da existência de igualdade entre os indivíduos.
Em outras palavras, a concepção do autor era de que todos os homens deveriam
igualmente alienar-se de todos os seus direitos em favor da coletividade, sendo que
o Estado seria responsável, então, por determinar o funcionamento da política.
E quem seria o Estado para Rousseau? O Estado seria o conjunto de indi-
víduos, responsável pela elaboração de leis e cumpridores dessas mesmas leis,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o que significa que a liberdade do povo estaria relacionada à sua obediência às


normas por cada cidadão, parte integrante do poder soberano. Isso significaria
que o corpo administrativo do Estado seria subordinado ao soberano (povo).
Nesse sentido, o autor alertava que a garantia de existência de legitimidade
da ação política era incompatível com a representação política, uma vez que
esta implicaria em delegação de atribuições, responsabilidades e expressões de
vontades. Para o autor, a partir do momento em que uma sociedade elegesse
representantes, a liberdade findaria, pois a vontade geral não se manifestaria por
meio da vontade dos representantes.
Para além das distinções entre as abordagens teóricas desses autores, um
aspecto tangencia os pensamentos de ambos e consiste na base de argumenta-
ção sobre a formação do Estado: a cessão de liberdade individual em favor de um
ente superior que regule as relações individuais e garanta condições de sobre-
vivência em sociedade. A ideia de contrato social como forma de organização
política pautada pela relação entre liberdades e restrições (direitos e deveres)
segue respeitada pelas coletividades até a atualidade.

Para Rousseau, a representação seria incompatível com o exercício da von-


tade geral, pois retiraria dos cidadãos sua liberdade. Pensando nas democra-
cias atuais, seria possível outra forma de governo?

O Estado como Contrato Social


24 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTADOS NACIONAIS

Para além das perspectivas política e filosófica sobre a formação do Estado, é


importante considerarmos, também, como aspectos econômicos contribuíram
para tal processo. Nesse sentido, esta seção discute como o desenvolvimento
das relações comerciais e de trabalho influenciaram a conformação dos Estados
nacionais modernos.
A Europa é considerada como berço do desenvolvimento sob diversos aspec-
tos, como humanístico e científico, de modo que também no que se refere ao
estabelecimento de relações econômicas temos naquele continente a referência
histórica. Os processos de evolução das formas de relacionamento humano na
região foram permeados por diversas etapas, com conflitos e consensos, sendo
que os Estados nacionais decorreram de acordos, alianças ou revoluções, pau-
tados em alguma medida pelos aspectos destacados nas seções anteriores deste
material: a busca pela manutenção do poder e o estabelecimento de um con-
trato social entre os cidadãos.
Nos diferentes períodos da história, os Estados nacionais europeus assumi-
ram características distintas, como mecanismos de governo democráticos ou
autoritários, momentos de crises e de estabilidade e de rupturas e consolidações.
Nesse cenário, destacamos o feudalismo, a expansão das relações comerciais, o
surgimento da burguesia e as relações estabelecidas pelo Estado com a nobreza e
a classe social surgente como destaques à organização e estruturação dos Estados
nacionais ao longo dos séculos (CORTÁZAR; MUÑOZ, 2014).

O ESTADO
25

As sociedades feudais se caracterizavam por agrupamentos altamente estra-


tificados, com suseranos e vassalos ocupando posições claras em uma relação de
lealdade mediada pela terra, uma vez que tal bem constituía a principal fonte de
riqueza no mundo rural, de onde provinha a produção agrícola em decorrên-
cia do trabalho servil. Aos suseranos cabia a condição de donos de terras, para
os quais os vassalos trabalhavam e a quem repassavam parcela de sua produ-
ção como pagamento pela utilização da terra para subsistência e pela proteção
ou segurança que recebiam por estarem em terras de um nobre. Nesse período,
poder político e poder econômico estavam intimamente relacionados, assim
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como aos suseranos cabiam também outras funções, como o exercício da jus-
tiça em seus domínios (BLOCH, 1987).
Um aspecto importante a ser destacado sobre o feudalismo é a ausência de
mobilidade social, ou seja, a impossibilidade aos vassalos de ascenderem à con-
dição de senhores de terras. Tal problema se justificava em virtude de que as
terras eram distribuídas por heranças, o que conduziu, ao longo do tempo, à
fragmentação dos feudos, que se tornaram menores e ofereceram aos vassalos,
por consequência, cada vez menos proteção, o que gerou alguma insatisfação
entre esses. Além disso, a hereditariedade como fator preponderante à distribui-
ção de terras também gerava sentimentos negativos por parte daqueles que não
pertenciam à nobreza, situação que se agravou quando da consideração do pri-
mogênito como herdeiro legítimo das terras.
Em contrapartida, nesse mesmo período, houve expansão territorial e comercial
dos países europeus motivados por questões religiosas, quando Estados ociden-
tais se organizaram para combater aqueles orientais em função de libertar a Terra
Santa de infiéis, empreendimentos bélicos que receberam a alcunha de “Cruzadas”.
Segundo Cortázar e Muñoz (2014), considerando a circulação dos cavaleiros por
grandes faixas de terras ao longo da costa do Mar Mediterrâneo, com o tempo pas-
saram a existir estruturas que posteriormente constituíram as cidades, mas que,
naquele momento, representavam espaços para aglomerações humanas.
Nos caminhos onde os cavaleiros passavam constituíram-se rotas e espaços
onde se organizaram as primeiras grandes feiras, nas quais havia circulação de
pessoas e realização de transações comerciais. Essas aglomerações constituíram-
-se em proto-cidades que se tornariam burgos.

Os Estados Nacionais
26 UNIDADE I

Se, por um lado, as Cruzadas representaram retardo no processo de desen-


volvimento das relações humanas, especialmente por conta da moral religiosa
que pautou o empreendimento, sob os aspectos cultural e econômico foi um
fenômeno responsável por avanços significativos.
As Cruzadas representam um marco no processo de alteração do paradigma
que definia a relação entre o homem e a produção. Com o estabelecimento do
comércio, os senhores feudais perceberam a possibilidade de aumento do acú-
mulo de riquezas em virtude da expansão da gama de cidadãos com os quais
poderiam negociar, o que demandou o crescimento da produção nos feudos,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
antes voltada à subsistência e, em menor medida, às trocas. Essa elevação baseou-
-se na intensificação do trabalho dos vassalos, que foram pressionados para
gerar mais excedentes aos suseranos e tiveram, desde então, mais um motivo
para se sentirem insatisfeitos (CORTÁZAR; MUÑOZ, 2014).
Dentre os insatisfeitos, muitos vassalos migraram para os burgos surgentes à
época, uma vez que, por um lado, estavam descontentes com a elevação da carga
de trabalho e a impossibilidade de ascensão social nos feudos e, por outro lado,
almejavam oportunidades de crescimento econômico por meio do comércio.
Foi nesse contexto que se consolidou a mudança de paradigma anunciada
anteriormente neste texto: o sistema de produção feudal, baseado na troca e para
fins de subsistência, passou a ser substituído pelo sistema de produção pautado
pelo máximo excedente possível, com vistas à comercialização nos burgos; ao
mesmo tempo, o homem rural deixou de ser referência diante da emergência do
homem moderno (SMITH, 1983). Contudo, esse processo, discutido por autores
como Dobb (1975), não foi simples e harmônico, mas caracterizado por muitos
conflitos, como também destacara Adam Smith (1983).
Segundo o autor clássico do pensamento econômico, o feudalismo não con-
templava os objetivos das relações estabelecidas pelo comércio e os senhores
feudais perderam seu poder político diante do surgimento de um novo grupo
econômico ascendente: a burguesia (SMITH, 1983).
Considerado o contexto de fragmentação do poder político na Europa,
os Estados nacionais teriam sido estruturados com o intuito de promover a

O ESTADO
27

centralização deste poder. Segundo Strayer (1986), tal estruturação ocorreu de


maneira lenta e se fez possível a partir do momento em que percebeu-se a neces-
sidade de organização da sociedade para a promoção do desenvolvimento, do
acesso à riqueza e para garantir que os direitos individuais não se sobrepusessem
àqueles coletivos. Nesse sentido, o argumento do economista dialoga diretamente
com a noção de contrato social anteriormente abordada.
Ainda, segundo o autor, a estruturação dos Estados nacionais teria sido um
processo positivo, no sentido de que teria havido participação e aceitação popu-
lares (STRAYER, 1986). Marx (1983), contudo, discordou dessa concepção ao
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

afirmar que não se tratou de um processo positivo, já que os Estados teriam sido
constituídos para atender aos interesses de grupos dirigentes, os quais concentra-
riam, por conseguinte, tanto o poder econômico quanto o poder político. Segundo
esse último autor, a formação dos Estados nacionais perpetuariam, então, a manu-
tenção da concentração do poder, já que esses Estados atuariam em favor dos
detentores dos meios de produção. Percebe-se aqui a relação entre a perspectiva
de Marx e o argumento apresentado por Maquiavel em “O Príncipe”, qual seja:
o Estado se caracterizaria pela concentração e manutenção do poder instituído.
Com a consolidação dos Estados nacionais, aspectos políticos como a cons-
tituição de burocracia (corpo técnico e procedimentos) e o respeito às leis e
instituições foram estabelecidos. Ademais, a relação entre paz (como ausên-
cia de uso da violência pelos cidadãos “comuns”) e liberdade definida pelo
contrato social se materializou. Nesse período, ocorreram alterações impor-
tantes relacionadas aos grupos sociais, uma vez que em paralelo à ascensão
da burguesia por conta do desenvolvimento do comércio e dos burgos e à sua
aproximação com o poder real ocorreu a migração da nobreza feudal para a
área urbana, o que culminou na transmissão de valores e comportamentos à
sociedade em formação.
Entretanto, a relevância do processo de urbanização à relação entre Estado
e sociedade será abordada em unidade posterior deste material. Por ora, nos
deteremos à concepção de Estado liberal desenvolvida a partir do binômio
política-economia.

Os Estados Nacionais
28 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O ESTADO LIBERAL

O surgimento de Estados nacionais pautados pela forte relação dos governos com
a burguesia inaugurou um período histórico e econômico no qual a manutenção
do Estado atrelou-se ao desempenho das relações comerciais. Nesse sentido, os
Estados nacionais deveriam se preocupar não apenas com a garantia de conser-
vação dos direitos de propriedade daqueles que ocupavam posições de poder,
mas, também, com o desenvolvimento relacionado a aspectos como condições
de produção manufatureira, tributos, moeda e geração de riquezas.
Essa nova forma de organização do Estado, que convencionou-se denominar
como mercantilismo, correspondeu ao primeiro momento em que as economias
nacionais extrapolaram seus limites territoriais, o que conduziu à circulação de
pessoas, de mercadorias, de moedas, de costumes, de valores e de tradições, um
fenômeno que pode ser considerado como esboço do processo de globalização
que ocorreria no século XX, primeiramente a partir da perspectiva econômica
e, em um segundo momento, com relação ao multiculturalismo, geopolítica e
demais formas de relacionamento entre Estados e povos.
Assim, o mercantilismo representou um período e uma maneira de orga-
nização política e econômica que marcou a transição entre o feudalismo e a
estruturação do capitalismo, cuja principal característica era a intervenção do
Estado na economia (LIMA; PEDRO, 2005). Retomando os aspectos anteriores

O ESTADO
29

tratados, lembre-mo-nos que as relações comerciais se estabeleceram a partir


dos burgueses, que se fortaleceram enquanto grupo social, ao ponto do Estado
associar-se a eles para governar e responsabilizar-se, então, pela manutenção de
seu poder econômico, aliado ao político (em que nos lembra tanto a teoria sobre
a relação entre Estado e poder em Maquiavel quanto o contrato social).
E como ocorria a atuação do Estado à época do mercantilismo? Segundo
Lima e Pedro (2005), basicamente essa intervenção na economia se dava por
meio do metalismo, da busca pela balança comercial favorável, pelo protecio-
nismo e pelo colonialismo.
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O metalismo diz respeito à acumulação de outro e prata no interior do


Estado nacional, pois esses metais representavam riqueza que deveriam ser
investidas na agricultura, na manufatura e no comércio, de modo a estimular
as exportações. Como o objetivo era o acúmulo de metais, as importações não
eram indicadas, já que representariam dispêndio de riqueza (monetária) pelo
Estado. Por outro lado, as investidas pelo aumento de metais foi uma das causas
da exploração territorial dos Estados nacionais, através de guerras e conquistas
e, principalmente, por meio do colonialismo.
Nesse sentido, a preocupação em exportar mais do que exportar definia a
política de manutenção da balança comercial favorável. Um dos indicadores
de desenvolvimento econômico do Estado era a comparação do seu desenvol-
vimento econômico com o de outros, ou seja, dada a circularidade da moeda
entre as nações, o crescimento da riqueza de um Estado estava relacionado ao
empobrecimento de outro(s).
Essas ações pautavam o protecionismo, que tratava da determinação de altas
taxas alfandegárias, as quais tornavam muito caras as mercadorias estrangeiras,
a ponto de ser mais vantajosa a aquisição de um produto nacional, o que garan-
tia ao Estado que a moeda circularia no interior na nação (ANDERSON, 1985).
Outro aspecto relevante do período mercantilista foi o estímulo à industrializa-
ção. Ainda que pouco desenvolvida, tal ação possibilitava o comércio da produção
a preços mais elevados do que aqueles pelos quais as matérias-primas e gêneros
agrícolas eram comercializados, o que garantiria mais lucros e maior acúmulo de
riquezas no país. Também essa característica está relacionada ao colonialismo.

O Estado Liberal
30 UNIDADE I

A busca por matérias-primas com menor custo e diferenciadas, a exploração


de territórios em busca de metais preciosos e a expansão da área de domínio para
desenvolvimento do comércio foram as principais causas do colonialismo, polí-
tica de expansão de Estados nacionais europeus que culminaram, dentre outros
fatos históricos, na descoberta do território hoje correspondente aos Estados
Unidos da América em 1942 e do Brasil em 1500.
Por um lado, essas colônias representavam a possibilidade de exploração da
fauna e da flora diferenciados do cenário europeu, o que poderia garantir bons
lucros. Por outro, a exuberância da população indígena, o clima distinto daquele

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do velho continente e a abundância de terras a ser desbravadas e ocupadas tam-
bém representavam pontos favoráveis à permanência nos territórios descobertos.
Por fim, a descoberta da existência de ouro, a possibilidade de escravização dos
nativos indígenas e, posteriormente, também de africanos contribuíram para a
expansão econômica dos Estados nacionais europeus à época.
Cabe destacar que ainda que o mercantilismo tenha sido essencial ao desen-
volvimento do nacionalismo, especialmente na Inglaterra e na França (DEYON,
1982), foi também aspecto propulsor da Revolução Industrial no primeiro país
mencionado, conforme discutiremos na próxima unidade de estudo.
Nesse momento, é importante pontuar que as práticas mercantilistas surtiram
efeito para a expansão econômica dos Estados nacionais, mas também refleti-
ram em limitações, uma vez que os produtos de que as populações necessitavam
nem sempre podiam ser adquiridos no interior das nações, o que levou à aber-
tura comercial em virtude da necessidade de atender a determinadas demandas.

Nos dias atuais, negociações e acordos internacionais são frequentes por


conta da globalização da economia. Assim, podemos verificar que parte dos
Estados nacionais modernos adotam políticas protecionistas, ainda que o
façam especificamente para alguns ramos de atividades ou para determi-
nados produtos.

O ESTADO
31

Nesse sentido, o teórico clássico da Economia Adam Smith (1983) criticou


características do mercantilismo e apontou a perspectiva liberal como forma
de organização política e econômica aos Estados nacionais. Dentre os pontos
negativos ao mercantilismo expostos pelo autor destacamos o fato de que a pre-
ocupação com a acumulação de riquezas impedia negociações vantajosas aos
Estados (já que o metalismo, combinado com o protecionismo, se pautava por
evitar a remessa de metais ao exterior e muitas trocas não se concretizavam por
tal limitação) e ainda que a livre concorrência seria benéfica ao comércio e pode-
ria surtir efeitos sobre todos os estratos sociais, ao passo que o mercantilismo
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tinha preocupação clara e definida relacionada à burguesia.


Segundo o economista, o liberalismo determinou a filosofia e as políticas
econômicas ao conceder ênfase ao mercado para se auto-regular, ou seja, as rela-
ções entre oferta e procura e a estabilidade da economia seriam determinados
pelos agentes econômicos e por suas negociações, cabendo ao Estado a mínima
intervenção possível nesse processo (SMITH, 1983).
Acanda (2006) afirma que o liberalismo foi e é uma expressão ideológica da
burguesia e que pode ser considerado como a primeira grande ideologia revolu-
cionária da época moderna, pois expressou a recusa às formas políticas despóticas
da sociedade feudal e tomou o indivíduo como ponto de partida, diferentemente
de todas as ideologias anteriores, que haviam se fundado a partir de princípios
de caráter transcendente.
Sob a perspectiva política, o liberalismo seria uma ideologia ou filosofia
pautada pela crença nos princípios de defesa da vida, da liberdade e da proprie-
dade. Segundo Bonavides (2004), as bases do Estado liberal surgiram a partir de
pensadores modernos que refutaram as teses monarco-absolutistas que prega-
vam o direito divino dos reis. Autores como John Locke discutiram os anseios
de indivíduos ricos na Inglaterra do século XVII, que exigiam garantias con-
tra os abusos de poder por parte do Estado contra seus patrimônios. Em outras
palavras, o Estado liberal surgiu a partir da luta das camadas mais intelectuali-
zadas e economicamente ascendentes (a burguesia) contra o princípio do poder
absoluto e divino dos reis.

O Estado Liberal
32 UNIDADE I

Nesse contexto, as características básicas do Estado liberal seriam liber-


dade individual combinada com Estado voltado à manutenção da ordem e,
consequentemente, à reprodução da realidade social, com a manutenção das
condições de classes.
Assim, o Estado liberal teria nascido como protetor das liberdades indivi-
duais e fadado a desempenhar na sociedade a função mais modesta possível, de
modo que verificamos em Locke o cerne da noção de “Estado mínimo”, cujas
funções se restringem à manutenção da ordem interna e da segurança pessoal.
As decisões mais importantes seriam delegadas aos indivíduos ou ao próprio

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mercado, que goza de liberdade econômica, conduzido pelos cidadãos mais inte-
lectualizados e economicamente ascendentes que iniciaram a discussão. Cada
indivíduo seria livre para agir conforme seu entendimento, pois a liberdade indi-
vidual é um valor político essencial, ou seja, é o homem quem decide para quem
trabalhar, onde viver, o que comprar etc.
Ademais, uma relevante característica desse modelo de Estado é a interpre-
tação da justiça: o julgamento moral dos indivíduos para conceder o que lhes é
devido. Em outras palavras: justiça seria diferente de igualdade. Na concepção
liberal, os homens não nascem iguais em termos de condições sociais, sexo, etnia
etc., mas possuem as mesmas condições para se desenvolver, sendo que o que
diferencia seu desenvolvimento seriam suas qualidades (como talento, habilidade,
inteligência e esforço, por exemplo), de modo que cada um ocuparia na socie-
dade a posição social da qual fosse merecedor. Eis o princípio da meritocracia.

O ESTADO
33

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim desta primeira unidade de estudos, na qual abordamos distintas


concepções sobre o surgimento do Estado. Tendo em vista a importância de ler-
mos textos clássicos, iniciamos nossa discussão com o argumento de Maquiavel
sobre a preocupação que o Príncipe deveria destinar à manutenção do poder,
dada a centralidade da concentração do poder como principal característica do
Estado, segundo o autor florentino.
Na sequência, tomamos contato com três diferentes autores que buscaram
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explicar a construção do Estado a partir da abdicação dos direitos e das liber-


dades individuais em favor de um governo que respondesse pela coletividade e
garantisse segurança mínima à vida, alguma liberdade e à propriedade. Tais teo-
rias têm em comum um aspecto que deve ser destacado e que segue relevante ao
longo de todo este material: o Estado como construção humana!
Tais explicações constituem as bases para a interpretação sobre o desen-
volvimento das relações econômicas e comerciais ao longo dos séculos, que
contribuíram para a evolução dos arranjos sociais desde o feudalismo, passando
pelo mercantilismo, até discorrermos sobre o liberalismo. Foi nesse contexto que
surgiram e se fortaleceram os Estados nacionais.
Finalizamos esta unidade de estudos conhecendo o conceito de Estado
mínimo, o que nos fornece condições de avançarmos ao debate sobre um dos
maiores eventos históricos ocorridos nos últimos séculos: a Revolução Industrial.
Na nossa próxima seção, discutiremos sobre o contexto, seu desenvolvimento e
os desdobramentos dessa revolução.
Sem dúvida, este evento histórico central ao desenvolvimento das socieda-
des contemporâneas carece de grande atenção, uma vez que forneceu as bases
para o estabelecimento de processos sociais, econômicos, culturais e políticos
posteriores, sobre os quais nos deteremos em unidades de estudos posteriores.

Considerações Finais
34

1. Com relação ao autor clássico Nicolau Maquiavel, considerado um dos mais


relevantes autores da Filosofia Política e da Ciência Política, analise as afirma-
ções abaixo:
I) Escreveu “O Príncipe” e “Teoria Geral da Política”.
II) Suas obras tratam do Estado.
III) Viveu em um período de crises políticas em Florença.
IV) Foi exilado e impedido de exercer sua função pública.
Tendo em vista as afirmações acima, assinale a alternativa correta:
a) Apenas as afirmações I e III estão corretas.
b) As afirmações II, III e IV estão corretas.
c) As afirmações I, II e IV estão corretas.
d) Apenas as afirmações II e IV estão corretas.
e) Todas as afirmações estão corretas.
2. Considerando a linha teórica clássica definida como contratualista, analise as
afirmações abaixo.
I) Os autores desta linhagem entendiam que a natureza do homem é boa.
II) Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau são autores contra-
tualistas.
III) Os autores tinham concepções distintas sobre a motivação inicial para o
contrato.
IV) O Estado teria sido fundado a partir da aceitação, pelos cidadãos, do con-
trato social.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.
35

3. Com relação aos Estados nacionais, analise as afirmações abaixo e assinale Ver-
dadeiro (V) ou Falso (F):
(( ) Os Estados nacionais decorrem, em alguma medida, da estrutura do feu-
dalismo.
(( ) Os Estados nacionais foram constituídos a partir do modelo democrático.
(( ) Os Estados nacionais surgiram com vistas à centralização do poder entre
elites.
Assinale a alternativa correta:
a) V; V; F.
b) F; F; V.
c) V; F; V.
d) F; F; F.
e) V; V; V.
4. Analise as características abaixo e assinale aquela que não diz respeito ao mer-
cantilismo:
a) Surgiu após o feudalismo.
b) Intervenção expressiva na economia.
c) Tem forte relação com o capitalismo.
d) Preocupação com o bem-estar social.
e) É a base do Estado liberal.
5. O liberalismo se instituiu em consequência do mercantilismo. Segundo o eco-
nomista Adam Smith, qual é a principal limitação do mercantilismo, a ser supe-
rada pela implementação do Estado liberal?
a) A preocupação central em organizar a vida social nos burgos.
b) A relação estabelecida entre a nobreza, a burguesia e o Estado.
c) A regulação das relações econômicas e comerciais pelo Estado.
d) A falta de responsabilidade do Estado sobre a segurança dos cidadãos.
e) A expansão do comércio para além do protecionismo e do metalismo.
36

As relações entre História e Ciências Sociais

História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Filosofia e Serviço Social são campos
do conhecimento com estreitas relações entre si, o que é possível apreendermos ao pen-
sarmos sob a perspectiva da proximidade entre aspectos históricos e interpretações so-
bre a conformação, a organização e o funcionamento dos Estados e sociedades, de modo
geral, e de grupos e movimentos sociais ou mesmo de indivíduos, de modo específico.
Segundo Peter Burke, a História pode ser entendida como área preocupada com os
estudos de sociedades humanas no plural, das diferenças entre elas e das mudanças
ocorridas em cada uma ao longo do tempo, enquanto a Sociologia, aqui tomada como
sintetizadora de argumentos que se aplicam também à Ciência Política, “[...] pode ser
definida como o estudo da sociedade humana com ênfase em generalizações sobre sua
estrutura e desenvolvimento” (p. 14).
Por sua vez, em sua aula inaugural da cadeira de História Romana, Paul Veyne iniciou
sua fala afirmando estar convencido de que a História ou ao menos a História Socioló-
gica existe. O autor define a segunda como “[...] aquela que não se limita a narrar, nem
mesmo a compreender, mas que estrutura sua matéria recorrendo à conceituação das
Ciências Humanas, também chamadas Ciências Morais e Políticas” (1983 [1976], p. 5).
Conforme o autor, existem acontecimentos históricos, mas não explicações históricas,
de modo que as explicações decorreriam de interpretações dos fatos históricos e isto se
daria por meio das Ciências Sociais.
Na mesma aula, o autor reforçou a ideia de individualidade dos fatos, mas não neces-
sariamente dos indivíduos humanos ou das sociedades, o que significa que a ideia de
individualidade seria relativa. Desta maneira, os conceitos que permeiam as interpre-
tações, os diferentes níveis de generalização dos fatos históricos e a forma como cada
objeto é analisado interferem diretamente na análise. Transportando essa discussão
para os trabalhos desenvolvidos na área social, devemos refletir que o contexto e as
informações de que dispomos influenciam a percepção que desenvolvemos, inde-
pendente de nossa posição, seja como gestor público, gestor de uma entidade do
Terceiro Setor ou como agente atrelado ao desenvolvimento de políticas públicas
(assistente social), por exemplo.
Em se tratando de exemplos desta relação entre História e Ciências Sociais à pro-
dução de análises, destaco os livros de Cynthia Stokes Brown, “A grande história”,
e de Candice Goucher e Linda Walton, “História mundial: jornadas do passado ao
presente”, os quais apresentam discussões sobre fatos históricos permeados por co-
mentários e explicações sociológicas.
37

Ainda que Burke e Veyne se refiram majoritariamente à Sociologia em suas discussões


sobre a relação que estabelecem com a História, entendo que suas falas se estendem
também à Ciência Política, à Antropologia e, por vezes, a outros campos do conhe-
cimento como a Economia. Considerando tal interpretação, destaco, por exemplo, a
utilização de dados históricos referentes ao sistema econômico e produtivo alemão
por Karl Marx na obra “O capital” e a associação entre comportamento ascético e re-
ligiosidade na Modernidade trabalhada por Max Weber em “A ética protestante e o
espírito do capitalismo”.
Na área da Ciência Política, com suas distintas nuances e objetos analíticos também faz
uso de aspectos históricos em suas reflexões. Um clássico exemplo dessa área é a “So-
ciologia dos partidos políticos”, de 1911, de Robert Michels, obra que se dedica à expli-
cação do fenômeno da oligarquização do Partido Social Democrata alemão, cuja análise
é tomada como referencial para estudos de organizações partidárias e dos próprios sis-
temas partidários até os dias atuais, ainda que trate de apenas um partido e deste num
contexto específico de tempo e espaço.
Por fim, em se tratando da Antropologia, apenas para mencionar dois exemplos, o evo-
lucionismo de Lewis Morgan em “A sociedade antiga” e outras obras (que é encontrado
também nos demais autores da corrente) se utiliza de elementos históricos pontuais
para explicar a evolução das sociedades de modo geral, o que significa destacar um pro-
cesso inverso à preocupação histórica com o levantamento da totalidade de experiên-
cias para analisar um problema. Outro exemplo antropológico são os próprios manuais
e textos que se dedicam ao trabalho do profissional, os quais reforçam a ideia de que
cabe ao antropólogo olhar, ouvir, descrever, analisar, comparar e relativizar (para usar
um termo de Roberto DaMatta em “Relativizando: uma introdução à antropologia so-
cial”) em suas pesquisas, como evidenciam Roberto Cardoso de Oliveira em “O trabalho
do antropólogo” e François Laplantine em “A descrição etnográfica”.
Sobre esse último exemplo, destaco que a maneira como os indivíduos se colocam dian-
te das situações que necessitam analisar é primordial à qualidade de seu diagnóstico e
intervenção. Assim, leituras como estas citadas no parágrafo anterior podem contribuir
(muito!) com o trabalho desenvolvimento no âmbito social, seja ele por gestores de en-
tidades do Terceiro Setor, gestores públicos ou por assistentes sociais, especialmente.
Fonte: o autor
MATERIAL COMPLEMENTAR

Teoria Política Moderna: uma introdução


Isabel de Assis Ribeiro de Oliveira
Editora: Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sinopse: Neste livro, a autora apresenta sua leitura de clássicos da teoria
política moderna, com o objetivo de introduzir o estudante universitário -
mas não só ele - numa vertente importante de nossa cultura. Os autores aqui
considerados contribuíram de forma decisiva para a constituição da ordem
própria à modernidade, sob a qual ainda vivemos. É nesse campo de ideias
que foram concebidas, dentre outras, as figuras do cidadão e seus direitos,
das instituições governamentais de cunho representativo e dos princípios de legitimação do poder que
caracterizam os sistemas políticos da modernidade. É também nele que a luta política se delineia como
legítima forma de renovação social. Este livro oferece um primeiro tratamento do tema e incentiva no
leitor o desejo de aprofundar a pesquisa.
Comentário: O livro aborda interpretações sobre o pensamento político dos principais autores da
Teoria Política Moderna: Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Karl
Marx, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill.

Cruzada
Ano: 2005
Sinopse: Ainda em luto pela repentina morte de sua esposa, o ferreiro
Balian junta-se ao seu distante pai, Baron Godfrey, nas cruzadas a
caminho de Jerusalém. Após uma jornada muito difícil até à cidade
santa, o jovem valente entra no séquito do rei leproso Balduíno IV, que
deseja lutar contra os muçulmanos para seu próprio ganho político e
pessoal.
Comentário: Ainda que se trate de uma ficção, o filme retrata aspectos
relacionados ao período das Cruzadas, como a centralidade do poder
do Rei e a relação entre religião, o Estado e violência.

Biblioteca Digital Mundial


A Biblioteca Digital Mundial apresenta uma linha cronológica com 16.689 fatos da história da
humanidade desde 8.000 anos antes de Cristo, dispostos por aspectos políticos, religiosos,
filosóficos, artísticos, científicos, tecnológicos e econômicos.
Web: <https://www.wdl.org/pt/>
39
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______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.
41
GABARITO

1. Opção correta é a B.
2. Opção correta é a D.
3. Opção correta é a C.
4. Opção correta é a D.
5. Opção correta é a E.
Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

II
UNIDADE
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Apresentar aspectos referentes ao contexto em que ocorreu a
Revolução Industrial;
■■ Discorrer sobre a relação entre mão-de-obra e produção industrial
sob a perspectiva marxista;
■■ Expor os movimentos operários decorrentes da Revolução Industrial
como movimentos sociais organizados.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Contexto histórico da Revolução Industrial
■■ A divisão social do trabalho
■■ Resistência e organização operária
45

INTRODUÇÃO

Como e por que a Revolução Industrial se tornou um dos mais importantes


eventos da história mundial em todos os tempos? Quais as suas consequências
à organização do Estado, às relações sociais e de trabalho? E como esse evento
impactou a organização dos indivíduos até a contemporaneidade?
A base para refletirmos sobre essas questões estão presentes na unidade
anterior deste material didático, quando tratamos, sob diferentes perspectivas
teóricas e analíticas, da formação do Estado.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Neste capítulo, avançamos em nosso entendimento acerca da evolução do


Estado ao longo dos séculos, com ênfase na alteração da lógica do trabalho e das
relações trabalhistas por conta da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra
no século XVIII.
Para tanto, expomos informações que denotam as justificativas que
culminaram para que tal fenômeno ocorresse naquele país, em seus des-
dobramentos sobre as relações trabalhistas, com destaque à perspectiva de
Karl Marx sobre o binômio capital-trabalho, e ainda tratamos da organiza-
ção dos operários, insatisfeitos com as condições laborais que decorreram
da referida Revolução, com destaque a demandas que seguem na pauta dos
movimentos trabalhistas até os dias atuais.
Uma sugestão para a leitura desta unidade de estudos é de que cada aluno
realize o exercício de tentar se inserir naquele contexto histórico, ou seja, ima-
ginar-se como parte do operariado que esteve sujeito às condições de trabalho
antes e após a Revolução Industrial, com vistas à facilitar sua interpretação
sobre as motivações da insatisfação do proletariado, que culminaram em sua
articulação e refletem, em alguma medida, na maneira como as relações tra-
balhistas e os movimentos sociais, de modo geral, se desenvolveram ao longo
do tempo e ainda regulam, com dimensionamento de forças distintos em rela-
ção àquele período histórico, as tensões entre Estado, sociedade, movimentos
sociais e outros atores coletivos.
Boa leitura!

Introdução
46 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
CONTEXTO HISTÓRICO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A Revolução Industrial consistiu em um grande processo de transformações


econômicas e sociais desencadeadas no século XVIII na Inglaterra, cujos efeitos
se expandiram aos demais Estados posteriormente, primeiramente no hemis-
fério Norte e posteriormente, em alguma medida, por todo o globo. Segundo
Paiva e Cunha (2008), tal fenômeno fez da Inglaterra a maior potência econô-
mica ao longo do século XIX e decorreu entre cerca de 1760 até as primeiras
duas décadas do século seguinte.
Um aspecto anterior à Revolução Industrial, abordado na primeira unidade
deste material, é a expansão crescente do comércio, principalmente após a instau-
ração do mercantilismo, os avanços colonialistas e a constituição do liberalismo.
Tal processo histórico se caracterizou pelo acúmulo de capital que, por um lado,
representou elevado aumento da riqueza da elite econômica e, por outro lado,
permitiu a esse grupo pensar sobre maneiras para aperfeiçoar as técnicas de pro-
dução de modo a otimizar recursos (incluída, com destaque, a mão de obra) para
gerar mais capital. Segundo Thompson (1987), somente a partir da alteração do
processo de produção foi possível o acúmulo de capital, pois o arrendamento de
terras e a atividade artesanal não permitiam tal intento.
Segundo Hobsbawn (2001), a ocorrência do fenômeno em debate na Inglaterra
se deu pela confluência de fatores de diversas ordens. De modo geral, a Europa
passava por um período de crescimento demográfico, o que significava a eleva-
ção da mão de obra passível de inserção no trabalho, e de ausência de barreiras
alfandegárias, o que permitia o livre comércio entre os Estados.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
47

Em se tratando especificamente da Inglaterra, o período foi marcado pelo fim


da monarquia absolutista e pelo surgimento do parlamentarismo, bem como pelo
fortalecimento da burguesia. Ademais, havia grande disponibilidade de matérias-
-primas no país, grandes jazidas de carvão (fonte de energia a ser utilizada para o
funcionamento das máquinas) e mão de obra a baixo custo, em virtude do êxodo
rural e a nação gozava de hegemonia naval e de posição geográfica estratégica, o
que lhe favoreceu tanto o recebimento de matérias-primas importadas quanto o
escoamento de sua produção para exportação, além de possuir colônias na África
e na Ásia. Esse conjunto de fatores alinhou-se à influência das ideias iluministas e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do progresso científico e técnico que permearam avanços intelectuais e estiveram


presentes, em alguma medida, na conformação dos valores da Revolução Francesa.
De maneira sucinta, poderíamos afirmar que a Revolução Industrial repre-
sentou a alteração do modo de produção, de artesanal para industrial, baseado
na utilização de máquinas em detrimento do trabalho manual. Tal processo
de mecanização implicou em transformações não apenas no mundo do traba-
lho, mas também no desenvolvimento das relações sociais e na organização das
sociedades, uma vez que a organização corporativa dos artesãos foi substituída
pela relação entre patrões e empregados, definidos por Karl Marx (1983) como
burguesia e proletariado, respectivamente. Tais grupos foram denominados por
Marx e Engels em “Manifesto do Partido Comunista” (1998) como classes sociais.
O período destaca-se pela invenção da máquina de fiar, do tear mecânico
e da máquina a vapor, bem como por alterações que tornaram mais eficientes
as atividades agrícolas. Desse processo decorreu o aumento do êxodo rural em
virtude de que as atividades manuais sofreram redução da necessidade de mão
de ,obra na área rural. Por outro lado, intensificou-se a urbanização, ao mesmo
tempo em que se desenvolveram as indústrias por conta da criação de maquiná-
rios, da mecanização dos processos produtivos e do aperfeiçoamento das técnicas
de produção, estendidas, em um segundo momento, do setor têxtil e da agricul-
tura à metalurgia e aos transportes. Tal combinação de fatores levou à formação
da classe operária, cuja relação com os patrões, o mundo do trabalho e a vida em
sociedade serão explorados na terceira seção desta unidade de estudos.
Dentre as consequências deste processo, destaca-se, em termos nacionais, a
discrepância entre os Estados que vivenciaram de maneiras distintas a Revolução

Contexto Histórico da Revolução Industrial


48 UNIDADE II

Segundo Hobsbawn (2001), entre meados do século XIX e o início do século


XX ocorreu a Segunda Revolução Industrial, caracterizada pela produção de
novos bens – como automóveis, televisores, rádios e aviões – e a valorização
do “moderno” em detrimento do tradicional, com alterações que influencia-
ram até mesmo a cultura das sociedades. Após a Segunda Guerra Mundial,
as transformações sofridas pela economia mundial teriam culminado na
Terceira Revolução Industrial, pautada por avanços em termos de integra-
ção entre ciência e produção (revolução tecnocientífica) e pela globalização
econômica e geopolítica dos Estados nacionais.
Fonte: o autor

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Industrial, uma vez que aqueles onde a industrialização sofreu evoluções ao longo
do século XIX ocupam até os dias atuais posições de poder econômico e político,
ao passo que países em condições subalternas à época daquela revolução, espe-
cialmente as colônias, passaram por processos de industrialização tardia e, não
raramente, persistem como fornecedores de matérias-primas e produtos agrí-
colas às grandes potências econômicas mundiais.
No que diz respeito ao mundo do trabalho, a Revolução Industrial implicou na
divisão e na especialização das atividades laborais, na redução das manufaturas por
conta de sua substituição pela maquinofatura, na constituição de uma elite indus-
trial por conta do crescimento e fortalecimento do poder econômico e políticos dos
burgueses, na dinamização dos processos produtivos (com redução dos custos de
produção e aumento do rendimento dos trabalhadores) e na oposição do proletariado
à burguesia através de sua organização em sindicatos e por meio de lutas operárias.
Por um lado, a Revolução Industrial estimulou o desenvolvimento do comér-
cio e da concorrência, promoveu o aumento da produtividade e do mercado
consumidor e avanços científicos e tecnológicos relacionados aos sistemas de
comunicação e de transportes. Contudo, os impactos ambientais de tal evolução
foram também expressivos, de modo que já entre os séculos XVIII e XIX cons-
tatava-se a exploração dos recursos naturais de maneira enfática.
No que tange às cidades, estas se tornaram centros industriais, mas seu cres-
cimento ocorreu com desordem e segregação, o que culminou na elevação das
desigualdades sociais. A relação entre industrialização e processo de urbaniza-
ção, porém, será tratada na próxima unidade deste material de estudos.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
49
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

O processo de produção em larga escala fomentado pela Revolução Industrial pro-


piciou a expansão da riqueza dos proprietários dos meios de produção e elevou
o distanciamento entre esse grupo e os trabalhadores, geradores de tal riqueza.
Segundo Karl Marx (1983), a circulação de mercadorias seria o ponto de
partida do capital, a partir do momento em que a preocupação e o objetivo dos
detentores dos meios de produção deixou de ser a comercialização daquilo que
geravam e passou ao acúmulo dos recursos financeiros envolvidos no processo
de produção e circulação de mercadorias.
Conforme o autor, a circulação ou a troca de mercadorias não cria valor,
mas tal geração ocorreria pela agregação decorrente do acréscimo de trabalho
empregado ao produto. Por exemplo: se compro couro e costuro um sapato, o
couro continua a ter o mesmo valor, mas o trabalho aplicado à sua transforma-
ção em sapato é agregado ao valor pelo qual pode ser comercializado.
Assim, o trabalho seria uma mercadoria que, quando incorporada ou agregada
a outras mercadorias (como o couro, no exemplo acima) seria capaz de produ-
zir maior valor ao produto. No contexto da Revolução Industrial, seria, então, a
mão de obra empregada no processo industrial que traria maior valor às merca-
dorias produzidas, o que significaria o protagonismo do proletariado no período.
Nesse sentido, Marx (1983) destacou que o trabalho, enquanto processo
de consumo da força laboral do proletariado pelos capitalistas, se caracterizava
por dois fenômenos. O primeiro diria respeito ao fato de que os trabalhadores

A Divisão Social do Trabalho


50 UNIDADE II

encontravam-se sob o controle dos proprietários dos meios de produção, a


quem pertencia seu trabalho e que vistoriavam se as atividades eram desen-
volvidas de maneira apropriada, ou seja, com aplicação adequada dos meios
de produção, sem desperdício de matérias-primas e mau uso do maquiná-
rio, de modo a consumir apenas os recursos imprescindíveis à execução do
trabalho. O segundo fenômeno é a propriedade do produto, também do capi-
talista, em detrimento daquele que realmente produziu a mercadoria e que,
por ela, receberia apenas um valor ínfimo que lhe garantisse a subsistência.
Eis a síntese do conceito de mais valia.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Conforme Marx (1983), ao longo de um dia de trabalho, um trabalhador
produziria o valor referente ao pagamento que recebe por sua força de trabalho
e, no restante das horas de laboro, operaria além do limite de trabalho necessário,
uma vez que o valor recebido pelos operários como salário diria respeito apenas
ao montante de recursos financeiros que lhes garantisse condições mínimas de
subsistência, como um teto para dormir e alimentação para repor as energias,
ou seja, o salário corresponderia ao suficiente para que o trabalhador mantivesse
sua força para desempenhar sua função.
A segunda parte da jornada de trabalho, em que o operário trabalha excessiva-
mente com relação ao que receberá como remuneração, não representa valor algum
a ele, sendo chamado por Marx de tempo de trabalho excedente. A mais valia corres-
ponderia à produção ou ao trabalho realizado pelo operário em seu tempo excedente
de atividade, ou seja, a mais valia corresponderia à diferença entre o quanto o tra-
balhador produz em termos de mercadorias e o quanto recebe por seu trabalho.
Assim, aos burgueses seria interessante elevar a jornada de trabalho ao máximo
possível, tanto para expropriar a capacidade produtiva de seus empregados quanto
para utilizar integralmente, se possível, o maquinário existente. Contudo, havia
um ponto relevante a ser considerado: a existência de um limite de carga horá-
ria diária que o trabalhador poderia cumprir, tanto por conta de aspectos físicos
(como necessidade de descansar e repor as energias antes de um novo dia de tra-
balho) quanto morais (tempo para satisfazer necessidades espirituais e/ou sociais,
por exemplo). Por outro lado, como qualquer comprador de uma mercadoria,
o capitalista procuraria extrair ao máximo o resultado do bem que adquiriu, ou
seja, buscaria explorar a força de trabalho dos operários até onde fosse possível.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
51

A busca por cursos superiores relacionados a carreiras cada vez mais seg-
mentadas reflete, em alguma medida, o processo de especialização e desen-
volvimento de habilidades e aptidões.

Diante desse contexto, o trabalhador seria encarado como força de trabalho,


mercadoria a ser explorada para a autovalorização do capital, de modo que não
se colocavam questões relacionadas à educação, desenvolvimento intelectual,
convívio social, descanso dominical, livre exercício da espiritualidade ou sono
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

reparador. Segundo Marx (1983), como importaria apenas a exploração máxima


da mão de obra, os industriais optavam por aumentar as jornadas de trabalho
até onde possível, o que acarretava na redução do tempo de vida dos trabalha-
dores, de modo que conduziriam à exaustão prematura e ao aniquilamento da
força de trabalho em um regime laboral semelhante ao escravismo.
Sobre o processo de produção exploratório decorrente especialmente do
período industrial, cabem, ainda, três considerações. A primeira diz respeito à
divisão social do trabalho desenvolvida com o advento da Revolução Industrial.
Enquanto no processo manufatureiro os trabalhadores participam da elaboração
das mercadorias e trabalham de maneira cooperativa, após a industrialização
ocorreu a especialização das funções e tarefas desenvolvidas pelos operários, de
modo que cada um passou a exercer atividades específicas dentro do processo
produtivo, o que retirou dos trabalhadores o sentimento de pertencer àquilo
que produziam mas, por outro lado, otimizou a utilização de máquinas, pois o
número de operadores treinados para cada máquina era baixo e estes aprimora-
vam sua capacidade de manuseio do maquinário com a recorrência da utilização,
o que, com o passar do tempo, contribuiu de maneira crescente à geração de mais
valia. Além disso, quanto maior a especificidade da tarefa desenvolvida, menor
o conhecimento do trabalhador sobre a totalidade do processo de produção, o
que implica na redução de sua racionalidade com relação a tal processo e em
seu subjugamento frente às máquinas.
O segundo aspecto a ser destacado está relacionado a uma afirmação des-
tacada no início desta seção: no período industrial não é a máquina que se
configura como fonte direta de capital aos burgueses, mas a mais valia decorrente

A Divisão Social do Trabalho


52 UNIDADE II

Apesar da presença cada vez mais de mulheres no mercado de trabalho,


salvo exceções, as diferenças salariais latentes indicam que não superamos
plenamente a cultura de trabalho do século XVIII.

da utilização da força de trabalho excedente do proletariado. Nesse sentido,


diante da possibilidade de exploração dos maquinários por maior tempo do
que aquele em que os trabalhadores poderiam operá-los – já que os indivíduos
necessitam descansar e algumas máquinas poderiam funcionar até mesmo inin-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
terruptamente –, fez-se necessária a expansão do conjunto de indivíduos aptos
ao trabalho, o que significou a inclusão de mulheres e crianças no ambiente
fabril (BRESCIANI, 1986).
Tal alteração beneficiou os proprietários dos meios de produção de duas
maneiras: pela máxima utilização da capacidade produtiva do maquinário, que
tendia à obsolescência com o decorrer dos anos, e pela possibilidade combinada de
aumento do volume de força de trabalho empregada em combinação com a redu-
ção do valor pago pela atividade laboral dos operários, uma vez que o salário pago
correspondia ao mínimo necessário para manutenção de sua condição de sobrevi-
vência e, com a inserção dos demais membros da família no mercado de trabalho,
houve a possibilidade de diminuição do valor pago aos homens anteriormente.
Por fim, há que se considerar que a evolução do comércio e a especialização
das atividades, em combinação com a mais valia, retiraram dos trabalhadores a
possibilidade de consumo das mercadorias e produtos dos quais participavam
do processo produtivo.
Esse conjunto de fatores confluiu à geração de descontentamento entre os
operários, que passaram a se organizar em busca de melhorias em suas condi-
ções laborais, como discutiremos na próxima seção deste estudo.
Antes de avançarmos ao último tópico desta unidade, cabe uma considera-
ção acerca da maneira como Marx (1983) analisava a burguesia: por um lado,
o autor reconhecia a importância da classe à superação dos valores aristocrá-
ticos, mas, por outro lado, entendia que a burguesia era responsável, também,
pela ampliação das desigualdades sociais, já que sua ascensão conduziu à maior
exploração do proletariado.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
53
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

RESISTÊNCIA E ORGANIZAÇÃO OPERÁRIA

Após o advento da Revolução Industrial, os modos de vida da burguesia e do


proletariado passaram a ser cada vez mais discrepantes. Enquanto tinha-se, por
um lado, os burgueses em constante ascensão, detentores não apenas dos meios
de produção, mas também do capital necessário a outros feitos, entre a popula-
ção, por outro lado, eram recorrentes conjuntos de trabalhadores preocupados
com a garantia de condições materiais mínimas de subsistência.
Conforme destacado no tópico anterior, dentre os desdobramentos da refe-
rida revolução emergiram diversas motivações para o descontentamento do
proletariado, como:
■ A ausência de sentimento de participação no processo de produção em
virtude de ter contato apenas com etapas específicas da transformação
da matéria-prima e demais suprimentos em mercadoria;
■ A insatisfação por não ter condições de adquirir as mercadorias das quais
participava da produção, por conta do valor cobrado pelos produtos indus-
trializados e do baixo rendimento salarial percebido;
■ A expansão do corpo de trabalhadores às mulheres e crianças, incorpo-
rando atores tidos como privados ao espaço público, com redução do
salário dos homens.

Resistência e Organização Operária


54 UNIDADE II

Enquanto os burgueses ascenderam economicamente de maneira crescente, entre


os trabalhadores as condições de vida e de trabalho tornaram-se cada vez mais
espúrias. Foi nesse contexto que Friedrich Engels escreveu “A situação das classes
trabalhadoras na Inglaterra” (1845). Nascido na Alemanha, filho de um rico indus-
trial, formou-se filósofo social e político, sendo que desde seu período de formação
possuía ideias relacionadas à preocupação com a situação de vida dos trabalhado-
res das indústrias, o que foi acentuado quando se tornou diretor de uma indústria
do pai em Manchester e pode acompanhar o cotidiano laboral dos operários.
Apesar de sua amizade e parceria intelectual com Karl Marx, com quem

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
escreveu em coautoria a obra “Manifesto do Partido Comunista”, nos ateremos
neste estudo a considerações sobre o livro de Engels anteriormente mencionado.
Na parte final desta unidade trataremos do referido manifesto.
Em “A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra”, o autor analisou a
situação dos trabalhadores das indústrias e comparou sua condição àquela de
animais. Apesar de uma parcela dos operários acreditarem que seria possível
a eles a ascensão social à burguesia (embebidos pela ideologia de que con-
forme aumentasse seu volume de trabalho poderiam ganhar mais), a maioria
dos proletários não demorou a perceber que sua condição de exploração e a
manutenção da pobreza não tenderiam a ser alteradas, de modo que dentre
os efeitos dessa percepção advieram a insatisfação, a desilusão, o alcoolismo, a
demência e o suicídio, por exemplo.
Dentre as manifestações decorrentes dessa percepção destacaram-se as
revoltas armadas, as rebeliões, as greves e o surgimento dos sindicatos - trade
unions -, com a finalidade de proteção e segurança dos operários por meio da
melhoria de suas condições laborais e da conscientização e fortalecimento da
luta pela causa operária.
Nesse sentido, tanto Engels (1986) quanto Marx (1983) afirmam que a orga-
nização dos trabalhadores em favor da melhoria de suas condições de trabalho,
pela redução da exploração a que são submetidos nas indústrias e pela altera-
ção da lógica de acumulação capitalista pautada pela mais valia se caracterizou
pela conscientização do proletariado acerca de seu papel no arranjo social dos
Estados nacionais enquanto agentes responsáveis pelo funcionamento do sistema

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
55

econômico e comercial. Em outras palavras, a classe operária tomou consciência e


buscou o enfrentamento de seus exploradores e opressores, a burguesia capitalista.
Segundo Montaño e Duriguetto (2011), a consciência de classes se manifes-
taria diante da existência de classes e de lutas, de modo que a separação em três
categorias teria apenas finalidade analítica. Para Marx (1977, p. 24), “não é a cons-
ciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente,
determina a sua consciência”, o que significa que a consciência seria determinada
pela realidade social e condição intrínseca à possibilidade de sua modificação.
Ainda que desde meados do século XVIII já houvesse associações trabalhistas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

organizadas pelos tecelões, após serem transformados em trabalhadores assa-


lariados nas manufaturas, aquele grupo fundou pequenos clubes, cujo objetivo
era reivindicar melhoria nos rendimentos salariais. Foi após a reestruturação das
relações de trabalho após a Revolução Industrial que os operários criaram gran-
des associações organizadas para enfrentar a exploração burguesa: os sindicatos.
Em contrapartida à organização do proletariado, a burguesia tinha a seu
favor os meios de produção, as propriedades e o poder do Estado, uma vez que,
conforme pontuado em diversos momentos ao longo da história, os poderes eco-
nômico e político encontravam-se interligados naquela (e àquela) classe social.
Ademais, cabe a ressalva de que o processo de embate do proletariado com
a burguesia não se construiu sem resistência por parte do grupo dominante e de
outros atores conservadores. Segundo Engels (1986), setores da sociedade inglesa
que percebiam no corporativismo uma ameaça à estrutura social se aliaram para
tentar coibir a organização, a articulação e a união dos operários.
Nesse contexto, ainda conforme o autor, a Inglaterra esteve exposta a uma
guerra social, em que a revolta e pressão operária por melhoria das condições
de vida e de trabalho enfrentavam a opressão e a exploração burguesas. Os tra-
balhadores buscaram diversas maneiras de expressar seu descontentamento,
algumas delas criminosas, como saques, roubos e destruição de máquinas, o que
culminou no aumento do número de prisões, por parte do Estado, e em forte
repressão pelos detentores dos meios de produção.
Entretanto, a organização dos operários, por meio de sindicatos, aventou a pos-
sibilidade de estabelecimentos de diálogos e negociações, ainda que mínimos, de

Resistência e Organização Operária


56 UNIDADE II

modo que a proliferação das atividades sindicais e o fortalecimento dos movimentos


operários ao longo das primeiras décadas do século XIX corroboraram para a con-
quista do direito à livre associação pelos trabalhadores no período (ENGELS, 1986).
Todas essas condições de exploração, próprias do novo sistema econô-
mico, vão gerar resistências entre os explorados. Esse processo de luta
passará por longas experiências. As greves e os sindicatos, por exemplo,
não aparecerão num estalo de dedos. Antes, a classe operária passará
por um longo processo de aprendizado até encontrar as formas mais
eficientes de luta e concluir que sua união é fundamental para se con-
trapor ao poder do patronato. Uma das principais formas de luta foi

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o Luddismo, também conhecido como o movimento dos quebradores
de máquinas. Inexperiente, a jovem classe operária viu nas máquinas
o seu principal inimigo. Afinal, aparentemente a máquina é que era
responsável pelo desemprego dos trabalhadores especializados, pela
inserção da mulher e do menor nas fábricas em condições degradantes
etc. O termo Luddismo deriva do nome do operário têxtil Ned Ludd,
que trabalhava numa pequena oficina em Nottingham, cidade próxima
de Londres. Segundo pesquisas, esse operário destruiu totalmente os
teares mecânicos da fábrica num sinal de revolta contra os efeitos da
Revolução Industrial (BORGES, 2006, p. 3-4).

Dentre o repertório de ações empreendidas pelos trabalhadores organizados


destacou-se a realização de greves por melhorias salariais, de condições labo-
rais e pela redução da jornada de trabalho. Segundo Engels (1986), ainda que
alguns trabalhadores tenham renunciado às manifestações em virtude da oferta
de vantagens pela burguesia industrial, o movimento trabalhista se fortaleceu
ao longo do tempo, especialmente quando os operários viram em si cidadãos
com o mesmo objetivo, minando um dos principais trunfos dos industriais à
contratação de mão de obra barata e submissa: a concorrência por postos de
trabalho a baixos salários.
Sobre as greves, Borges (2008, p. 5) afirma que
Quando desempregados ou para tratarem de assuntos relativos ao tra-
balho, os operários costumavam reunir-se ali. Faire grève (fazer greve)
significava, portanto, reunir-se na praça da greve. A greve foi o recurso
de luta de maior eficácia nesse período, tanto na Inglaterra, como nos
demais países em que o capitalismo foi introduzido. Esse recurso se
espalhou pelo mundo, sendo encarado de diversas formas.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
57

Muitas pautas sobre a exploração da mão de obra e mais valia são reivindi-
cações de movimentos sindicais até os dias atuais, ainda que não seja utili-
zada a terminologia empregada por Karl Marx.

No decorrer dos séculos seguintes, os sindicatos adquiriram cada vez mais


destaque como forma de organização dos trabalhadores na luta por direitos.
Primeiramente, em outros países europeus e posteriormente em boa parte dos
Estados nacionais, tais organizações pautaram discussões sobre as condições de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

trabalho e negociam questões salariais até os dias atuais.


Contudo, para além dos sindicatos, no “Manifesto do Partido Comunista”, Marx
e Engels (1998) discorreram sobre outra modalidade de organização social do
proletariado com vistas ao encaminhamento de demandas e à publicização e
luta por melhorias de suas condições de trabalho e de vida: os partidos políticos.
Segundo Montaño e Duriguetto (2011, p. 123), “a organização do proletariado
no partido político independente ocupou uma posição central nas elaborações
teóricas e na atividade política de Marx e Engels”.
Ainda conforme a interpretação da obra clássica pelos referidos autores
contemporâneos:
O partido constitui o instrumento de organização do proletariado que
exprime seus interesses comuns mais universais. É, portanto, o partido
político a instância universalizante, aglutinadora, que pode dissipar a
“concorrência” entre os trabalhadores e setores oprimidos, sua dimen-
são econômica e defensiva, dotando a luta dos trabalhadores de uma
dimensão essencialmente política e universalizante, e reunindo todas as
as lutas particulares numa luta maior, por uma sociedade verdadeira-
mente emancipada, e que devolva ao trabalho a sua dimensão ontoló-
gica de práxis humano-genérica, que garante a “liberdade” do ser social
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 123).

No “Manifesto do Partido Comunista” há um conjunto de princípios que estrutura-


riam as ações programáticas e as lutas partidárias, como a união dos trabalhadores,
o caráter público do partido, o foco de combate permanente da propriedade
privada dos meios de produção, a preocupação com a formação política e a pro-
pagação dos ideários e a internacionalização da luta de classes.

Resistência e Organização Operária


58 UNIDADE II

É importante destacar que os sindicatos e os partidos políticos não configu-


raram formas conflitantes de ação política do proletariado. Em muitos países,
os sindicatos foram e continuam sendo “porta de entrada” ao campo da política
partidária e eleitoral, sendo o Brasil um exemplo de país no qual muitos dirigen-
tes sindicais alçaram carreiras políticas, calcados especialmente na visibilidade
decorrente da função de negociação coletiva que cabe às instituições represen-
tativas dos trabalhadores.
Contudo, ainda não é o momento de tratarmos do sindicalismo no Brasil.
Este é um dos assuntos abordados na próxima unidade deste material de estudos,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
na qual nos concentraremos nos processos de urbanização que acompanharam
e foram, ao mesmo tempo, causa e consequência da Revolução Industrial na
Europa, com desdobramentos na formação da sociedade brasileira desde o iní-
cio do século XIX.

Os partidos socialistas existentes à época se reuniram por meio da Asso-


ciação Internacional dos Trabalhadores (AIT, 1864-1876), conhecida como
“A Primeira Internacional”, organizados por meio da liderança de Marx e
Engels, cujos escritos eram distribuídos pela AIT e foi marcado por disso-
nâncias entre correntes do movimento operário. Próximo à virada de século
e após o falecimento de Marx, Engels organizou “A segunda Internacional”
(1889-1914), caracterizada pelo crescimento do movimento operário, espe-
cialmente por conta da crise do capitalismo. No contexto da Revolução Rus-
sa, os bolcheviques fundaram a “A Terceira Internacional” ou “Internacional
Comunista” (1919-1943), que teve orientação soviética, e, 1938, Trotski orga-
nizou a “Quarta Internacional”, que, a despeito de divisões internas, perma-
nece articulada até os dias atuais
Fonte: Montaño; Duriguetto (2011).

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim desta segunda unidade de estudos temos conhecimento sobre a conforma-


ção dos Estados ao longo dos séculos e também sobre como um evento articulado
pelos detentores de capital do século XVIII na Inglaterra alterou radicalmente as
relações econômicas, comerciais, sociais e trabalhistas até os dias atuais.
Iniciamos nossa discussão com a abordagem do contexto histórico de
desenvolvimento da Revolução Industrial e compreendemos suas principais
características, de modo que, na sequência, foi possível o diálogo com a teoria
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

marxista e sua abordagem sobre a relação capital-trabalho.


Por fim, abordamos a configuração do movimento operário no contexto
industrial, cujas bases decorrentes da referida revolução seguem pautando os
debates, as organizações operárias e os movimentos sociais relacionados ao
mundo do trabalho até hoje. Vide as greves e as pautas de reivindicações dos
movimentos sindicais!
Finalizamos esta segunda unidade de estudos com um patamar sobre como
se estruturaram aspectos econômicos, comerciais, políticos e sociais no interior
do Estado ao longo dos séculos, com destaque aos estudos clássicos que abor-
daram desde a formação do Estado até os conflitos e organizações sociais e de
trabalhadores após a Revolução Industrial. Assim, percorremos um trajeto his-
tórico desde de (por volta) do século XI até meados do século XVIII.
Em nossas próximas unidades, avançamos rumo à contemporaneidade ao
discutirmos os impactos da reestruturação dos Estados sob a perspectiva da
urbanização das relações sociais. Além disso, adentraremos especificamente na
discussão sobre o Brasil, dada a relevância do fenômeno da urbanização à con-
formação de nosso Estado e das relações do mesmo com a sociedade e com os
movimentos sociais.

Considerações Finais
60

1. A Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra devido à confluência de uma série


de fatores. Assinale a alternativa correta com relação a tais fatores:
a) Havia abundância de jazidas de carvão, recurso energético ao funcionamen-
to das máquinas.
b) O êxodo rural contribuiu para a ampliação da população em condições de
trabalho fabril.
c) O país dispunha de rotas comerciais e de navegação para escoamento da
produção.
d) A Inglaterra detinha o poder sobre colônias das quais podia extrair maté-
rias-primas.
e) Todas as alternativas anteriores expressam fatores que influenciaram a Re-
volução Industrial.
2. Em se tratando do contexto geral em que ocorreu a Revolução Industrial,
analise as afirmações abaixo:
I. A Revolução Industrial ocorreu entre os séculos XVIII e XIX.
II. Karl Marx e Friedrich Engels escreveram sobre essa Revolução.
III. A alteração das relações de trabalho se deu pacificamente.
IV. O sindicalismo é uma das causas da Revolução Industrial.

Assinale a alternativa correta:


a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas I está correta.
d) Apenas II, III e IV estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas está correta.
61

3. Quais são as consequências para o trabalhador da divisão social do trabalho?


4. Considerando o processo de especialização do trabalho, analise as característi-
cas abaixo e assinale a alternativa que não está relacionada ao fenômeno:
a) Domínio de todas as etapas do processo produtivo.
b) Aumento considerável da capacidade produtiva.
c) Redução do valor pago pela força de trabalho.
d) O trabalhador responde apenas por uma parcela da produção.
e) Redução da racionalidade envolvida no processo industrial.
5. Quais são as consequências para o conjunto do proletariado quando da in-
trodução do trabalho feminino e infantil? E especificamente para os homens?
62

A Revolução Francesa

A historiografia clássica considera a Revolução Francesa o marco da passagem da Idade Mo-


derna para a Contemporânea. Mas por que essa revolução é considerada tão importante?
Os pensamentos políticos do nosso tempo estão intimamente ligados aos pensamentos
que geraram e foram gerados pela Revolução Francesa. Traços iluministas, como a crença na
ciência, estão presentes na mentalidade das sociedades capitalistas ocidentais ainda hoje.
[...]
Ao final da década de 1770 a França, que ainda num regime feudal e sob o reinado de
Luis XVI, havia sido atingida por uma forte crise econômica. Houve um aumento no preço
dos alimentos e uma queda do poder aquisitivo da população, o resultado foi uma crise
produtiva e fome para a maioria da população. A coroa precisava arrecadar mais e não
podia aumentar os tributos sobre o povo, sua única saída era tributar a nobreza e o clero.
A reforma fiscal seria discutida com a convocação dos Estados Gerais, que era a reunião dos
três estamentos: a nobreza, o clero e o povo ou primeiro, segundo e terceiro estado, que
contavam com, respectivamente, 300, 300 e 600 representantes aproximadamente. Mes-
mo possuindo um número maior de representantes, o povo estava em desvantagem, por-
que os votos eram calculados por estado e os dois primeiros estamentos votavam juntos.
O povo reivindicou, por uma votação por cabeça, pelo número de representantes e não
por estado, o que julgavam ser mais justo, uma vez que a população francesa era forma-
da em sua maioria por integrantes do terceiro estado (96%). Como essa proposta não foi
aceita, o terceiro estado se nomeou Assembléia Nacional, com o objetivo de representar
toda a população. Não encontrando alternativa, Luis XVI ordenou que o clero e a nobre-
za se unissem à Assembléia, que se tornou Constituinte.
Considerada uma das datas mais importantes da revolução pelos historiadores, no dia 14
de julho de 1789 ocorreu a famosa Queda da Bastilha. Nesse episódio, o povo de Paris inva-
diu a Bastilha que havia sido uma prisão, mas que na ocasião da invasão, já não funcionava
tanto como tal. O ataque do povo ficou famoso não tanto por uma conquista concreta, mas
pela representação da união do povo se insurgindo contra esse símbolo do Antigo Regime.
[...]
CRONOLOGIA
1788
AGOSTO:
08- Convocação dos Estados Gerais para 1789, por Luís XVI.
DEZEMBRO:
27-Resultado do conselho sobre a reunião dos Estados Gerais.
O Terceiro Estado terá tantos deputados quantos forem os membros dos outros dois somados.
63

1789
JANEIRO:
Defendendo o sufrágio universal com eleições diretas, além de instrução gratuita e obri-
gatória Robespierre é eleito, pelo Terceiro Estado, deputado para os Estados Gerais em
Paris.
JUNHO:
17- O Terceiro Estado, considerando a representação de 98% da população, se auto pro-
clama Assembléia Nacional.
JULHO:
12- Rebeliões em Paris.
14-Tomada da Bastilha, formação de uma municipalidade e de uma
guarda burguesa em Paris. Sublevação de camponeses, ataque a castelos e queima de
documentos feudais. Considerada o início da revolução.

1790
MARÇO:
15- Abolição dos direitos senhoriais. Autorização da venda das propriedades nacionais
em leilões públicos. As terras seriam divididas em pequenas partes que poderiam ser
pagas em até 12 anos.

1791
DEZEMBRO:
12-18- Intervenções de Robespierre contra a guerra.

1793
JANEIRO
21- Luís XVI é guilhotinado.

1794
JULHO:
28- Execução de Robespierre, Saint-Just, Couthon e outros 19 do grupo. Chega ao fim o
terror. A convenção retoma os poderes e é promulgada uma nova Constituição (do ano
III) que suprime o sufrágio universal, entre outras medidas.
Fonte: Santos e Marques (2017, online).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Manifesto comunista
Karl Marx e Friedrich Engels
Editora: Boitempo Editorial
Sinopse: Manifesto comunista, publicado em 1848, é um dos textos mais
influentes do mundo. Expõe o programa da Liga dos Comunistas, que
encomendou o texto, e, contando com uma análise da luta de classes,
tanto a partir de uma perspectiva histórica, quanto contemporânea, trata
do período em que se estabelecia o capitalismo e, consequentemente, a
burguesia como classe dominante, na Europa do século XIX.
Comentário: Há inúmeras edições desta obra ao longo do tempo, com alterações de termos e
palavras por conta das traduções, além de apêndices com textos de debatedores, como é o caso da
obra aqui destacada.

Tempos modernos
Ano: 1936
Sinopse: Esta obra-prima cômica encontra o icónico Vagabundo
empregado em uma fábrica, onde as máquinas inevitável e
completamente o dominam e vários percalços o levam para a prisão.
Entre suas passagens pela prisão, ele conhece e faz amizade com
uma garota órfã. Ambos, juntos e separados, tentam lidar com as
dificuldades da vida moderna, o Vagabundo trabalhando como garçom
e, eventualmente, um artista.

O jovem Karl Marx


Ano: 2017
Sinopse: Aos 26 anos, Karl Marx embarca para o exílio junto com sua
esposa, Jenny. Na Paris de 1844, ele conhece Friedrich Engels, filho de
um industrialista que investigou o nascimento da classe trabalhadora
britânica. Dândi, Engels oferece ao jovem Marx a peça que faltava para
completar a sua nova visão de mundo. Entre a censura e a repressão, os
tumultos e as repressões políticas, eles lideram o movimento operário
em meio a era moderna.

Xadrez Verbal
O canal de vídeos “Xadrez Verbal” conta com diversas playlists sobre os mais diversos temas, como
futebol, cinema, política internacional e brasileira e sobre história. Em “História Mundial” há cerca
de 30 vídeos sobre fenômenos relevantes.
<https://www.youtube.com/user/xadrezverbal>
65
REFERÊNCIAS

BORGES, Altamiro. Origem e papel dos sindicatos. Curso Centralizado de Forma-


ção Política da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
Disponível em http://www.contag.org.br/imagens/Origemepapeldossindicatos-Al-
tamiroBorges.pdf. Acesso em 23 out. 2017.
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Lógica e dissonância - Sociedade de trabalho: lei,
ciência, disciplina e resistência operária. Revista Brasileira de História, São Paulo,
v. 6, n. 11, set. 1985/fev. 1986. p. 7-44.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Global, 1986.
HOBSBAWN, Eric. A era das Revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. v. 1. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
______. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes,
1977.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cor-
tez, 1998.
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social.
3. ed. 1a reimp. São Paulo: Cortez, 2011.
PAIVA, Carlos Águedo Nagel; CUNHA, André Moreira. Noções de economia. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.
SANTOS, Felipe dos; MARQUES, Sirlane. Graco Babeuf: um ponto de vista sobre a
Revolução Francesa. Disponível em <http://www.historia.uff.br/nec/graco-babeu-
f-um-ponto-de-vista-sobre-revolucao-francesa>. Acesso em 23 dez. 2017.
THOMPSON. Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1987.
GABARITO

1. Opção correta é a E.
2. Opção correta é a A.
3. Com a divisão do trabalho, o trabalhador fica alienado do restante das atividades
do processo de produção, de modo que sua especialização lhe permite partici-
par apenas de uma tarefa/atividade, se tornando um trabalhador parcelar. Além
disso, o valor da força de trabalho (massa salarial) é reduzido, especialmente se
considerada a elevação da quantidade de mercadorias que seu trabalho ajuda
a produzir.
4. Opção correta é a A.
5. Quando mulheres e crianças foram inseridas no mercado de trabalho foi possível
reduzir o valor pago ao trabalhador, já que o mesmo valor passou a ser pago a
toda a família que se inseriu no mercado de trabalho.A lógica da mulher receber
menos, ainda que desempenhasse a mesma função que um homem, decorria da
tradição de que o homem seria o provedor do lar, de modo que em seu salário
estaria “embutido” o valor que deveria suprir também as necessidades básicas
de sua esposa. O salário da mulher não comportaria tal dimensão, o que signi-
fica que a inserção das mulheres contribuiu para a redução do salário pago aos
homens.
Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

III
PROCESSOS DE

UNIDADE
URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Discutir sobre desdobramentos da Revolução Industrial sobre a
urbanização e a organização das sociedades;
■■ Expor a influência do processo de urbanização sobre a cultura e o
comportamento dos indivíduos e apresentar aspectos históricos
sobre o processo de urbanização no Brasil e seus desdobramentos
sobre a sociedade nacional.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Efeitos da Revolução Industrial sobre as conformações sociais
■■ Urbanização no Brasil
69

INTRODUÇÃO

Nas unidades anteriores deste estudo discutimos sobre a conformação econômica


e política do Estado e tratamos da Revolução Industrial enquanto fenômeno his-
tórico que alterou a organização e o funcionamento das sociedades. Contudo, até
o momento, nossa preocupação esteve voltada à organização do mundo do tra-
balho, de modo que nesta unidade nos concentramos sobre os impactos sociais
da referida Revolução.
Nesse sentido, é proposto neste estudo que o olhar lançado sobre a Revolução
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Industrial tenha seu prisma alterado do contexto histórico que gerou suas causas
às suas consequências, ou seja, de modo a tratar o referido fato histórico como
ignição de um novo processo político, social e econômico. Diante de tal contexto,
e em conformidade com aspectos mencionados pontualmente nas unidades ante-
riores, nosso destaque recai sobre a urbanização das sociedades. Inicialmente,
abordamos a mudança no perfil habitacional das populações sob a perspectiva
da modernidade, com ênfase nas alterações que a urbanização provocou tanto na
vida dos cidadãos quanto na organização das cidades, ou seja, mudanças indivi-
duais e coletivas. Ainda nesta unidade, discorremos sobre a reestruturação dos
comportamentos, da cultura e das tradições nessas sociedades em processo de
urbanização, por meio da reflexão sobre aspectos que culminaram em novos
papéis e práticas sociais.
Por fim, a segunda seção desta unidade de estudos é dedicada à análise sobre
a construção histórica do processo de urbanização no Brasil. Para tanto, des-
tacamos elementos desde a chegada da família real no início do século XIX e
da constituição da República e avançamos até o século passado, com ênfase na
relação entre o fim da escravidão e a reconfiguração da sociedade e da econo-
mia nacionais diante da alteração no padrão de relações de trabalho instituída.
Boa reflexão!

Introdução
70 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EFEITOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL SOBRE AS
CONFORMAÇÕES SOCIAIS

A Revolução Industrial segue destacada como grande fenômeno da história mun-


dial não apenas pelas alterações que proporcionou no modo de organização do
trabalho e na natureza das relações econômicas e comerciais, mas, também, por
seus reflexos sociais, políticos e demográficos.
Conforme anteriormente pontuado em unidade de estudo deste material
didático, a população insatisfeita com a vida nos feudos migrara para os burgos
em busca de melhores oportunidades de crescimento, sendo que uma parcela
desses cidadãos obteve êxito e formou a classe social emergente denominada bur-
guesia, que, posteriormente, estabeleceu-se no poder em diálogo com a nobreza
e foi protagonista da Revolução Industrial.
Após a revolução, as cidades se tornaram referência de possibilidade de ascen-
são social, o que atraiu muitos trabalhadores do campo e provocou expressivo
êxodo rural. Por outro lado, o fortalecimento do investimento na produção de
mercadorias e a política mercantilista pautada pela importação de matérias-pri-
mas levaram à redução do volume de trabalho na área rural. Esses dois fatores,
combinados, foram responsáveis pela urbanização, primeiramente na Inglaterra,
depois em outros Estados europeus.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


71

O direito à cidade segue reivindicado pela população. As manifestações de


rua de 2013 no Brasil, por exemplo, foram pautadas por tarifas de transporte
público a acesso a espaços e políticas públicas.

A distribuição dos indivíduos nas cidades implicou em conformações distin-


tas em termos de localização e acesso à estrutura e apoio por parte do Estado:
enquanto os burgueses se concentravam em regiões centrais e tinham acesso
aos espaços públicos e à assistência do Estado, os trabalhadores se aglomera-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

vam em locais periféricos e desconexos do poder público. Esse afastamento,


combinado com a reivindicação por melhores condições de trabalho e salariais,
contribuía para sua insatisfação.
Antes de destacarmos os demais efeitos da Revolução Industrial sobre a urba-
nização, cabe mencionarmos que a expansão do uso de maquinários influenciou,
também, a vida daqueles que permaneceram no campo, uma vez que a demanda
por matérias-primas para a produção em larga escala foi acompanhada pela
necessidade de utilização de máquinas. Além disso, com vistas à elevação da
capacidade de produção e maior percepção de capital, o caminho adotado pelos
agricultores foi o da monocultura, com especialização em uma atividade produ-
tiva aos moldes da divisão social do trabalho nas indústrias.
Por um lado, a urbanização contribuiu para a melhoria da qualidade de vida
dos indivíduos, de modo geral. Ainda que os trabalhadores tivessem condições
de vida precárias, estas ofereciam mais possibilidades de trabalho e consumo
do que na área rural. Essa melhoria de qualidade de vida surtiu efeitos sobre a
constituição da população, pois contribuiu tanto para a redução dos índices de
mortalidade quanto para a elevação da taxa de natalidade.
Contudo, como explorado na unidade de estudos anterior, essa melhoria de
qualidade de vida foi acompanhada de falsas impressões de possibilidade ampliada
de consumo e de prosperidade e de ascensão social, às quais os operários não
atingiam por conta do processo de expropriação de sua força de trabalho, mesmo
com a intensificação do ritmo de trabalho a jornadas extenuantes. Segundo Fausto
(2010), as luzes das fábricas sobrepuseram-se sobre a natural, de modo que não
havia mais limites ao horário de labuta.

Efeitos da Revolução Industrial sobre as Conformações Sociais


72 UNIDADE III

Ademais, a redução da mortalidade e o aumento da natalidade surtiram


efeitos positivos sobre a industrialização crescente, por conta do aumento
de mão de obra disponível e da possibilidade de reposição ou recrutamento
para expansão, e também sobre o comércio, já que implicou na ampliação do
mercado consumidor.
Nesse contexto, é inegável o desenvolvimento das cidades, especialmente
com relação ao seu rápido crescimento e à expansão do modelo de vida urbana.
Entretanto, os arranjos sociais urbanos foram constituídos com vistas a bene-
ficiar um conjunto específico de cidadãos, os burgueses, uma vez que as leis

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
foram elaboradas por aqueles que prevaleceriam delas em seu cotidiano. Em
outras palavras, retomando a discussão presente nos tópicos iniciais deste
material de estudo, as elites políticas e econômicas, preocupadas com a con-
centração de seu poder e status, estabeleceram um contrato social no qual seus
direitos estariam garantidos.
Mas os arranjos urbanos cresceram sem que a preocupação com sua orga-
nização se estendesse da área central às periferias, onde se concentraram os
trabalhadores. Devido à ausência de infraestrutura básica, como esgoto, e por
se localizarem próximas às fábricas - o que facilitava o deslocamento dos ope-
rários ao trabalho -, as periferias eram sinônimo de ausência de condições de
habitação e focos de proliferação de doenças de diversos tipos, desde aquelas
decorrentes da falta de higiene básica até as decorrentes de problemas respirató-
rio ou auditivo, por conta de fuligens e de ruídos das fábricas ou linhas de trens
que permeavam as periferias.
Com relação aos meios de transporte e de comunicação, estes sofreram
forte impacto da industrialização: a construção de estradas, o surgimento e o
desenvolvimento de ferrovias e a ampliação das rotas marítimas possibilitaram
o escoamento de maior volume de mercadorias e para destinos (mercados) com
os quais os Estados e industriais não tinham possibilidade de negociação.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


73

Em meio ao desenvolvimento dos meios de transporte, Hobsbawn (2001)


destacou o surgimento de um novo costume entre os burgueses: as viagens como
passeios. Se até então o termo “viagem” estava relacionado especificamente ao
trabalho, a burguesia pôde, desde a expansão dos meios de transporte, permi-
tir-se viajar a fim de descanso ou passeio. Por conta dos custos envolvidos nas
viagens, sua realização com fins recreativos esteve restrita aos burgueses, o que
engrossou o coro de insatisfações dos operários com relação às suas condições
de trabalho, uma vez que era a mais valia decorrente da exploração de sua força
de trabalho que financiava as viagens.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ainda com relação à burguesia, Hobsbawn (2000) afirma que essa classe
social defendia a modernização no campo econômico ao mesmo tempo em que
perpetuou a tradição em termos de valores e costumes nos séculos XVIII e XIX.
Enquanto, por um lado, a burguesia foi responsável por inovações nos modos de
produção e de organização das relações comerciais, por outro lado mantiveram-
-se aspectos como a relevância atribuída à família e a realização de casamentos
como alianças para fortalecimento de negócios e a divisão social dos papéis de
homens e mulheres: enquanto a eles cabia o provimento do lar e a vida e expo-
sição no âmbito público, às mulheres eram delegadas as funções de organização
da vida familiar, como a educação dos filhos e as atividades domésticas, ambas
no âmbito privado.

A divisão social no trabalho nos âmbitos público e privado tem efeitos sobre
a configuração das sociedades contemporâneas e regula as relações de gê-
nero e acesso à política no Brasil e no mundo.

Efeitos da Revolução Industrial sobre as Conformações Sociais


74 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
URBANIZAÇÃO NO BRASIL

A organização da vida no Brasil Colônia iniciou-se somente com a chegada da


Família Real Portuguesa em 1808. Até então, a preocupação era a manutenção das
condições de funcionamento da pseudo-sociedade colonial no sentido de garantir a
extração de matérias-primas e seu envio à metrópole. À época, a estrutura existente
em terras hoje brasileiras atendia de maneira precisa os preceitos do mercantilismo,
uma vez que a colônia não dispunha de comércio interno e nem de indústrias, bem
como não estabelecia relações comerciais com nenhum país, ao passo que atendia
plenamente à sua condição de atendimentos dos interesses econômicos de Portugal.
A vinda da Família Real alterou sobremaneira a organização da vida no
Brasil, pois, para além da transferência da monarquia da metrópole à colônia,
uma série de costumes, tradições e comportamentos.
Em se tratando do mundo do trabalho, a atividade central da colônia era a
monocultura do café, que garantiu estabilidade política e econômica ao longo
do Segundo Império (FAUSTO, 2010).
Contudo, as alterações sofridas no âmbito político e econômico no Brasil
foram expressivas ao longo do século XIX. Poucos anos após a chegada da
Família Real Portuguesa, foi declarada a Independência do Brasil com relação à
metrópole em 07 de setembro de 1822 e no fim desse mesmo século dois eventos
alteraram sobremaneira o desenvolvimento da sociedade brasileira: a abolição
da escravatura por meio da assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 e a
proclamação da República no Brasil em 15 de novembro de 1889.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


75

A abolição da escravidão atendeu a interesses capitalistas, uma vez que a


substituição da mão de obra vitalícia pela assalariada representou maior
possibilidade de exploração da mais valia.

Praticamente ao mesmo tempo, o Brasil alterou sua condição política de monarquia


a república e sua condição econômica do escravismo ao trabalho assalariado. As
interpretações sobre a sociedade nascente, a miscigenação e a reconfiguração das
relações de trabalho foram alvo de disputas políticas e ideológicas, bem como foco
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de distintos posicionamentos entre pesquisadores que se dedicaram ao período.


Ainda no fim do século XIX já havia interpretações de autores brasileiros
sobre o desenvolvimento das relações sociais entre as diferentes raças e seus efei-
tos sobre a conformação da população nacional. Naquele período, se destacou o
médico Raimundo Nina Rodrigues, que defendia que os negros eram uma raça
inferior aos brancos, o que seria, em termos científicos, um fenômeno perfeita-
mente natural, na medida em que decorreria do desenvolvimento desigual de
aspectos filogenéticos da humanidade em sua diversidade de divisões. Tal situ-
ação permearia o “problema do negro no Brasil”, decorrente da quantidade de
negros trazidos como escravos ao país durante o período colonial e da alteração
de sua condição na sociedade nacional por ocasião da abolição da escravatura.
O grande número de negros na sociedade brasileira e sua miscigenação com outros
povos (especialmente os brancos) contribuiria negativamente para o desenvolvimento
da sociedade nacional e do povo brasileiro, como explicitado em trechos como este:
A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis
serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de
que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem
os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos
fatores da nossa inferioridade como povo. [...] Abstraindo, por, da condição
de escravos em que os Negros foram introduzidos no Brasil, e apreciando
as suas qualidades de colonos como faríamos com os de qualquer outra
procedência; extremando as especulações teóricas sobre o futuro e o des-
tino das raças humanas, do exame concreto das consequências imediatas
das suas desigualdades atuais para o desenvolvimento do nosso país, consi-
deramos a supremacia imediata ou mediata da Raça Negra nociva à nossa
nacionalidade, prejudicial em todo o caso a sua influência não sofreada aos
progressos e à cultura do nosso povo (NINA RODRIGUES, 2010, p. 14-15).

Urbanização no Brasil
76 UNIDADE III

Para o autor, então, os brancos seriam superiores aos negros, cuja organização
psíquica fora tomada por empréstimo da “raça superior” quando da campanha
abolicionista, uma vez que os negros não eram civilizados e até poderiam evoluir,
mas de maneira lenta, de modo que não atingiriam o estado evolutivo dos brancos.
Em contraposição a tal argumentação, ao longo do século XX outras inter-
pretações surgiram, dentre as quais se destacam duas completamente antagônicas:
por um lado, a visão positiva e o mito da “democracia racial” defendidos por
Gilberto Freyre e, em contrapartida, a discussão sobre a relação entre raça e segre-
gação urbana após a abolição da escravidão, abordada por Florestan Fernandes.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Com formação sob influência do antropólogo norte-americano Franz Boas
e do movimento modernista da década de 1920 no Brasil, Gilberto Freyre escre-
veu “Casa grande & senzala”, originalmente publicado em 1933, tendo em vista o
esforço de romper com as ideias racistas sobre a população nacional, cujos códi-
gos de representação (signos, símbolos e ideias culturais) vigentes se pautavam
pela superioridade dos portugueses frente aos negros e aos índios e, além disso,
eram fortemente críticos à miscigenação. Nesse sentido, o autor se destacou
entre os intelectuais brasileiros da época ao sinalizar positivamente com relação
à miscigenação e temos nessa obra uma das mais importantes e mais conhecidas
interpretações sobre a formação da sociedade brasileira até hoje.

O Modernismo foi o principal movimento artístico brasileiro do século XX,


que rompeu com a tradição clássica e deu início à construção da identida-
de genuinamente brasileira em diferentes campos da cultura, tendo como
grande destaque a realização da Semana de Arte Moderna em 1922. Dentre
os artistas que simbolizam o movimento tem-se Heitor Villa-Lobos na músi-
ca, Mário de Andrade e Oswald de Andrade na literatura e Anita Malfatti e Di
Cavalcanti na pintura, por exemplo.
Fonte: o autor

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


77

O autor defendeu a ideia de que os portugueses eram um povo pré-disposto à


colonização, já que seriam híbridos com características formadoras tanto da
Europa quanto da África, adotaram o comportamento de sair da metrópole e
abandonar suas condições precárias para viver na colônia e gozaram de aclima-
tabilidade, já que foram capazes de se adaptar às condições desta terra mesmo
sem serem dela nativos, ao ponto de transmitirem sua experiência às gerações
seguintes. Por tais traços, Freyre afirmou que os portugueses triunfaram nos tró-
picos, onde outros colonizadores falharam:
Outra circunstância ou condição favoreceu o português, tanto quan-
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to a miscibilidade e a mobilidade, na conquista de terras e no do-


mínio de povos tropicais: a aclimatabilidade. Nas condições físicas
de solo e de temperatura, Portugal é antes África do que Europa.
[...] seu deslocamento [dos portugueses] para as regiões quentes
da América não traria as graves perturbações da adaptação nem as
profundas dificuldades de aclimatação experimentadas pelos co-
lonizadores vindos de países de clima frio. [...] De qualquer modo
o certo é que os portugueses triunfaram onde outros europeus fa-
lharam: de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna
constituída nos trópicos com característicos nacionais e qualidades
de permanência. Qualidades que no Brasil madrugaram, em vez de
se retardarem como nas possessões tropicais de ingleses, franceses e
holandeses (FREYRE, 2006, p. 73-74).

Contudo, essas predisposições só foram capazes de construir o sucesso da


colonização portuguesa no Brasil porque se deram em concomitância com a
miscigenação, o que teria sido, de fato, a grande vantagem e o fator propulsor
da colonização. Essa argumentação, de elogio aos mestiços e à convivência
entre distintos grupos, foi responsável pela ideia de que haveria nas terras
brasileiras uma “democracia social”, só em outro momento conhecida como
“democracia racial”. Ainda que esse termo não se referisse ao regime político
vigente no país à época, foi a maneira como se definiu a organização social
em que indivíduos de diferentes origens coabitariam numa mesma sociedade.

Urbanização no Brasil
78 UNIDADE III

[...] por todas aquelas felizes predisposições de raça, de mesologia e de


cultura a que nos referimos, [o português] não só conseguiu vencer as
condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de euro-
peus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para
a tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor. Pelo intercurso
com mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em vigorosa e
dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao cli-
ma tropical. A falta de gente, que o afligia, mais do que a qualquer outro
colonizador, forçando-o à imediata miscigenação – contra o que não o
indispunham, aliás, escrúpulos de raça, apenas preconceitos religiosos
– foi para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização
dos trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica,

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social (FREYRE, 2006, p. 74-75).

O mestiço, então, não seria visto como um ser degenerado, mas representaria a
síntese do povo brasileiro, por conta de sua relação com povos de origens diver-
sas. Diante dessa argumentação, Freyre argumentava que a sociedade brasileira
não sofria do racismo que se notava em outros países, como nos Estados Unidos
naquele momento, e que existia certa proximidade entre senhores e escravos,
o que estaria relacionado à herança mourisca dos colonizadores portugueses.
Por sua vez, Florestan Fernandes, um dos mais respeitados e importantes
sociólogos brasileiros de todos os tempos, se destacou especialmente por suas
posturas analíticas. Na década de 1960, em cuja metade instaurou-se a dita-
dura militar que perdurou até 1985, o autor publicou “A integração do negro na
sociedade de classes”, no mesmo ano de rompimento com a democracia vigente
(1964). Nesta obra, discutiu a discriminação no Brasil e afirmou que se tratava
de uma questão de classe social, mais do que de raça, o que significou enfocar
o surgimento da sociedade de classes como causa, especificamente a partir da
passagem da escravidão ao trabalho livre e a formação do capitalismo no país.
Segundo o autor, na nova sociedade, em processo de conformação, havia
indivíduos das distintas raças em todos os diferentes estratos sociais, ainda
que em proporções discrepantes, o que significaria que não era a raça que
separava ou segregava os brasileiros. A divisão do trabalho, então, conside-
rava as classes sociais, não as raças. No entanto, “coincidentemente” ou não
(se considerarmos as condições históricas de permanência e não socialização
dos negros no Brasil até aquele momento), os negros compunham a maioria
da população do estrato mais baixo.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


79

A nova sociedade brasileira, mesmo após a abolição, continuou com a mesma


mentalidade conservadora e escravocrata que detinha anteriormente, de modo
que os negros, ainda que livres, permaneceram capturados de sua condição de
sujeito e não puderam se integrar, de fato, à sociedade capitalista nascente, já
que, ainda que diante das mesmas condições que outras raças, a mão de obra
negra era sempre preterida frente à europeia.
Em suma, a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio desti-
no, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de
transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de ho-
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mem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e


do capitalismo (FERNANDES, 1978, p. 20).

A justificativa para tal escolha decorria do fato de que os negros haviam sido
libertos e enxergavam no trabalho o objetivo e a finalidade de sua liberdade,
já que entendiam poder escolher quando, em que, quanto trabalhar e quanto
receber, não mais sendo obrigados a cumprir infindáveis jornadas de trabalho
sem remuneração. Em contrapartida, os imigrantes europeus que chegaram
ao Brasil neste período traziam consigo o desejo de se firmarem e de prospe-
rarem e já tinham em sua bagagem o contato anterior com o capitalismo, de
modo que seu pensamento era de trabalhar o máximo possível para reunir
economias e se tornar dono de sua própria terra ou de seu próprio comércio.
Desta maneira, os seguintes trechos da obra de Fernandes (1978) são ilustra-
tivos da maneira totalmente distinta como os negros e os imigrantes entendiam
e se colocavam diante do trabalho:
Enquanto o estrangeiro via no trabalho assalariado um simples
meio para iniciar “vida nova na prática nova”, calculando libertar-
-se dessa condição o mais depressa possível, o negro e o mulato
convertiam-no em um fim em si e para si mesmo, como se nele
e por ele provassem a dignidade e a liberdade da pessoa humana
(FERNANDES, 1978, p. 29).
O negro e o mulato pretendiam as mesmas condições de vida e trata-
mento concedidos aos imigrantes, porém, obstinavam-se em repudiar
certas tarefas ou, o que era mais grave, o modo de dispor de seu tempo
e energias. Assim, a escravidão atingia o seu antigo agente de trabalho
no próprio âmago de sua capacidade de ajustar-se à ordem social asso-
ciada ao trabalho livre. Tornava-se difícil ou impossível, para o negro

Urbanização no Brasil
80 UNIDADE III

e o mulato, dissociar o contrato de trabalho de transações que envol-


viam, diretamente, a pessoa humana. Ao contrário do imigrante, que
percebia com clareza que somente vendia sua força de trabalho, em
dadas condições de prestação de serviços, eles ajustavam-se à relação
contratual como se estivessem em jogo direitos substantivos sobre a
própria pessoa (FERNANDES, 1978, p. 29-30).

Mais que isso: os imigrantes demonstravam conhecer e estar adaptados à


lógica do capitalismo, algo que não foi possível aos negros por conta de sua
inserção abrupta nessa sociedade. Ademais, difundiu-se, em alguma medida,
a ideia de que a mão de obra estrangeira traria a modernização da economia

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capitalista nascente no Brasil.
Foram três, segundo o autor, as influências adversas à assimilação dos
negros em São Paulo, foco de seu estudo: [I] a expansão urbana tardia difi-
cultou a inserção dos negros na ordem social competitiva; [II] diferentemente
de cidades onde os libertos se dirigiram ao artesanato urbano, em São Paulo
houve competição com os imigrantes europeus, que absorveram as melhores
oportunidades de trabalho e ascenderam econômica e socialmente poste-
riormente, deixando os negros à margem do processo; e [III] São Paulo se
constituía no primeiro centro urbano burguês à época e a valorização do tra-
balho livre, da iniciativa individual e do liberalismo econômico para superar
o atraso do país não combinavam com os libertos, pouco afeitos a ocupações
degradantes e sem ânsia por sucesso e acumulação de riqueza.
Diante desse cenário, Fernandes escreveu que a sociedade brasileira só seria
democrática quando fosse superada essa sociopatia. Segundo ele, havia um dilema
social a ser resolvido: a abolição da escravatura foi precipitada, já que se deu sem
garantir aos negros direitos que os integrassem à sociedade, uma vez que o que
tornaria um indivíduo um cidadão seria seu pertencimento ao mundo do tra-
balho, o que permeia fortemente a condição de sujeito.
Os negros, libertos e sem oportunidade de ocupar os postos de trabalho des-
tinados aos imigrantes europeus, acumularam-se nas periferias ou retornaram
às zonas rurais, o que significa que, ainda que não houvesse mais desigualdades
formais ou legais entre negros e brancos, o que se viu na prática foi a segrega-
ção social desse povo, não exatamente por sua raça, mas pela posição subalterna
que ocupava na sociedade brasileira à época.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


81

Ainda que reconhecesse que uma sociedade democrática era melhor que
uma sociedade escravocrata, o autor defendia que seria preciso integrar os
negros, de fato, no sistema educacional e no mercado de trabalho e afirmava que
era papel da Sociologia e dos sociólogos discutir e promover uma educação das
camadas populares com vistas ao enfrentamento e à melhoria dessa condição.
Analisados em conjunto, os argumentos dos dois autores se apresentam
bem diferentes, por conta de suas interpretações sobre a formação da nossa
sociedade, as quais divergem bastante com relação à maneira como o negro
passou a ser tratado como sujeito de direitos, como cidadão.
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Basicamente, é importante destacar que a escolha dessas duas obras não foi
ao acaso. “Casa grande e senzala”, como mencionado anteriormente, foi muito
importante na produção acadêmica brasileira da época por romper com auto-
res e argumentos preconceituosos e críticos à ideia de miscigenação do povo
brasileiro, o que, na prática, já se consolidava naquela sociedade ainda em
formação. Nesse sentido, ainda que tenha problemas (alguns corrigidos por
Florestan Fernandes), a obra do Gilberto Freyre avançou no sentido de consi-
derar a miscigenação não mais como o problema da sociedade em formação e
destoou de autores que pregavam o branqueamento da população como solução.
Contudo, essa abordagem da democracia social/racial e de relações harmô-
nicas entre as raças, sabe-se, não necessariamente ocorreu da maneira como
Freyre expôs em sua obra. Nesse sentido, Fernandes avançou muito para a inter-
pretação das relações sociais e raciais no Brasil, especialmente por deslocar seu
olhar e seu argumento para um ponto pouco debatido até aquele momento:
a questão social. Para esse autor, não eram aspectos raciais, mas a maneira
como as classes sociais se estabeleceram no Brasil que definiam a organização
da nossa sociedade de maneira pouco democrática ou com desigualdades no
acesso a direitos e na inserção no mercado de trabalho.

Urbanização no Brasil
82 UNIDADE III

A miscigenação é bem vista no Brasil hoje? A sociedade acolhe igualmente


brancos, negros, índios e mestiços? Há indícios de preconceito na distribui-
ção dos postos de trabalho, conforme os distintos perfis ou padrões de pro-
fissionais nas áreas.

Nesta seção, abordamos aspectos sobre os processos de urbanização ao longo do

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tempo, lançando nosso olhar tanto em Estados consolidados europeus quanto
nos debruçando sobre as interpretações acerca da relação entre o desenvolvi-
mento das cidades e a conformação da população brasileira.
Tendo como foco o contexto nacional, nossas próximas unidades tratam
especificamente do desenvolvimento da relação entre Estado, sociedade e movi-
mentos sociais. Na sequência, trataremos das alterações nas relações de trabalho
no Brasil após o fim da escravidão e da relevância da organização operária e dos
movimentos sociais nas décadas iniciais da república, no primeiro democrático
e ao longo do regime militar.

PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerramos aqui nossa terceira unidade de estudos! Até este ponto, discutimos
um conjunto de autores e correntes de pensamento que conformaram as noções de
Estado, de desenvolvimento econômico combinado com poder político e apren-
demos sobre como a organização dos operários com vistas à superação de sua
condição de exploração foi um fenômeno relacionado a um contexto maior, de
urbanização e aumento da diferenciação entre burguesia e proletariado, carac-
terizada, dentre outros aspectos, pela segregação espacial na área urbana.
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Até este ponto, dialogamos com autores clássicos dos campos da História, da
Filosofia, da Ciência Política e da Sociologia, de modo a estabelecer as bases que
nos proporcionaram o entendimento sobre o contexto em que se desenvolveram
as relações entre Estado, sociedade e movimentos sociais nos últimos séculos.
Também, neste capítulo, tratamos exclusivamente da análise sobre o pro-
cesso de formação do Estado brasileiro, por meio de uma breve explanação sobre
fatos históricos relevantes à construção das relações entre raças e classes sociais
no país. Com destaque, tivemos contato com duas visões completamente dis-
tintas dos efeitos da inserção dos negros na sociedade nacional após a abolição
da escravatura: por um lado, temos Gilberto Freyre e sua interpretação positiva
e integradora do processo; por outro lado, Florestan Fernandes discorreu sobre
como o fim da escravidão pouco contribuiu para a superação da condição subal-
terna dos negros no Brasil.
O debate entre esses autores nos conduziu até o início do século XX, de modo
que, em nossas próximas unidades de estudo, avançaremos para entender como
o Estado, a sociedade e os movimentos sociais se articularam, dialogaram e esta-
beleceram conflitos ao longo do século XX e no início deste século XXI, no qual
o Terceiro Setor e as modalidades de participação institucional foram inseridos
no cenário das políticas públicas.

Considerações Finais
84

1. Discorra sobre os fatores que contribuíram para a insatisfação dos operários


com relação às condições de trabalho após a Revolução Industrial.
2. Em se tratando das formas de organização operária destacadas à época da Re-
volução Industrial, assinale aquela que não foi utilizada como repertório de
ação pelos trabalhadores:
a) Abandono do emprego.
b) Quebra de máquinas.
c) Sindicatos.
d) Greves.
e) Partidos políticos.
3. Liste as alterações ocorridas na vida dos cidadãos após o início do processo de
urbanização, especialmente na Inglaterra.
4. Uma série de eventos históricos conformaram o processo de urbanização bra-
sileiro. Qual evento histórico foi mais relevante à recomposição da sociedade
de classes no Brasil, segundo Florestan Fernandes?
a) A Revolução Industrial.
b) A chegada da Família Real Portuguesa.
c) A Independência do Brasil.
d) A proclamação da República.
e) A Lei Áurea.
85

5. Sobre as maneiras como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes construíram


seus argumentos acerca das relações raciais no Brasil, analise as afirmações
abaixo e assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F):
(( ) Freyre tratou da convivência harmônica entre indivíduos de diferentes
raças, ao que ficou conhecido como “mito da democracia racial”.
(( ) Fernandes considerou positivo o convívio dos negros com os imigrantes
europeus, que permitiu aos ex-escravos o aprendizado sobre outra cultura.
(( ) Para ambos os autores, a conformação do povo brasileiro se deu por meio
do estabelecimento de conflitos e da expropriação da cidadania dos negros.

Assinale a alternativa correta:


a) V; V; F.
b) V; F; F.
c) F; F; V.
d) F; F; F.
e) V; V; V.
86

Segregação racial e mercado de trabalho no Brasil contemporâneo

A dificuldade de inclusão dos negros na sociedade de classes brasileira persiste até a


atualidade. Em pesquisa que abordou a inserção da população afrodescendente em
postos de trabalho nos shoppings centers do município de Maringá (PR), a pesquisado-
ra Silmara Aparecida do Nascimento (2012), observou que os negros são excluídos ou
subjulgados no mercado de trabalho, conforme excertos extraídos das considerações
finais do estudo, a seguir.
“[...] no Brasil os processos históricos, políticos e sociais, advindos do período pós-es-
cravista, articulados com as pré-condições históricas favoráveis à formação do mito de
democracia racial, promoveram um sistema de segregação racial. Este, por sua vez, re-
produz uma rigorosa estrutura desigual de oportunidades sociais para negros e pardos
com relação a população não negra no país, minimizando as possibilidades de mobili-
dade ascendente individual destes e legitimando a estratificação social balizada pelo
sistema econômico vigente.
[...] os trabalhadores classificados como brancos prevalecem predominantemente nos
ramos de atividades considerados socialmente mais elevados, como administração pú-
blica, intermediação financeira, cargos de chefia e gerência, enquanto negros e pardos
permanecem expressivamente nos ramos da construção e nos serviços domésticos. Per-
cebe-se que há um cenário de mudanças no âmbito das distribuições e pesos relativos
dos diferentes grupos de cor ou raça na diversidade posições na ocupação, todavia, es-
tas modificações são antes marginais do que genuinamente estruturais de experiências
e vínculos de trabalhadores brancos, pretos e pardos com o mercado de trabalho no
país”.
Em Maringá constatamos que a busca por melhores empregos na disposição das ocu-
pações é, duplamente, penosa para população negra local. As dificuldades e os obs-
táculos que incidem sobre este grupo social, decorrem, em certa medida, das particu-
laridades da estrutura sócio espacial segregacionista do município, bem como dos já
legitimados impedimentos que a própria cor da pele impõe ao negro na sociedade.
Ou seja, o fato de grande parte da população negra maringaense residir nas regiões
mais periféricas da cidade confere a ela uma dupla segregação, à medida que viver
em um determinado conjunto habitacional acarreta significativos prejuízos no ato de
conseguir um emprego nas zonas comerciais centrais, por sofrerem da mesma forma
com relação a discriminações bairristas, por exemplo. Com efeito, as possibilidades e
oportunidades de acesso à cidade e as benesses que esta dispõe é duas vezes menor
para esta população, pois esta se circunscreve perifericamente, tanto no que diz res-
peito aos aspectos físicos estruturantes da cidade, quanto no campo social.
87

Ao refletirmos sobre a questão dos shoppings centers pesquisados no contexto urbano


social em Maringá, percebemos que o público frequentador, não apenas busca o con-
sumo de mercadorias diferenciadas nestes espaços privados e autossuficientes. Porém,
nutrem, também, a necessidade de uma homogeneidade social. Aspecto que fortale-
ce a estratificação social por meio da exclusão dos grupos racialmente e socialmente
subordinados ao acesso a estes ambientes. Assim, acrescentasse aos mecanismos de
exclusão intrínsecos à lógica dos shoppings centers em geral, os aspectos relacionados
à estrutura sócio espacial do município, a baixa representatividade desse grupo social
nos estabelecimentos estudados e, evidentemente, a lógica da ideologia racial existente
na sociedade brasileira. Como resultado desse processo, os dados obtidos em campo re-
velam, o baixo estímulo da população negra em procurar uma ocupação nesses centros
comerciais, e/ou ao menos utilizá-los como locais de consumo, lazer e distração.
[...]
O processo investigativo nos permitiu perceber que, nestes espaços [os shoppings cen-
ters], mais do que em qualquer outro lugar, a atmosfera que impera ainda é aquela que
procura manter a manutenção de uma espécie de conjunto de atribuições negativas aos
negros, elaborado há décadas atrás, com o objetivo de conservar o espaço de participa-
ção social do negro nos mesmos limites estreitos da antiga ordem social. Verifica-se que
as ideias racialistas que impregnaram o tecido social desde os primórdios do sistema
escravista, continuam a se reproduzir e se manifestar até os dias de hoje, contaminando
nossas instituições, nosso modo de ser, pensar e agir ante o negro brasileiro. Portanto,
podemos inferir que o lugar do negro nos estabelecimentos estudados se delimita ao
consumo simbólico de bens e mercadorias. Visto que, este é notado como indivíduo,
como ser social, à medida que consegue transpor o sortilégio da cor por meio do con-
sumo ostensivo, aspecto que minimiza sua condição de racialmente subordinado, mas
que não o resguarda de possíveis agressões racistas.
Em campo, apesar da realidade de cada shopping ser substancialmente diferente, hou-
ve uma considerável similitude nos resultados alcançados. No universo das questões
levantadas na pesquisa, alguns indicadores foram essenciais para compreendermos a
dinâmica da inserção do negro no mercado de trabalho em Maringá, dentre estes dis-
positivos de análise destaca-se, pois, a questão da “boa aparência”. Neste sentido, ob-
servamos que tanto a maioria dos funcionários entrevistados como dos empregadores
elegeram este fator como sendo uma espécie de critério mais relevante, para além das
“capacidades” (formação profissional) do candidato, no momento de se conseguir o em-
prego, ainda que este esteja implícito, ou seja, aconteça de modo subjetivo na hora da
contratação.
88

Constatamos que as “características estéticas” necessárias para se conseguir um empre-


go e/ou satisfazer as expectativas do público consumidor constituem-se, também, em
mais um rigoroso obstáculo para inserção da população negra maringaense nestes es-
paços, bem como para as relações de trabalho estabelecidas. Visto que, o quesito da
“boa aparência” seleciona na sociedade multirracial as pessoas que mais se aproximam
do padrão de beleza socialmente aceito, isto é, o branco. Logo, o negro é compulsoria-
mente impelido a se sujeitar ao ideal de branquitude e branqueamento imposto pela
ideologia racial existente, pois caso contrário lhe restará apenas o fado da exclusão e
do descaso. Deste modo, as informações alcançadas em campo (em ambas as etapas da
pesquisa) comprovam que o modo de se vestir, de se comportar, de arrumar o cabelo
deve estar sempre devidamente ajustado ao padrão designado pelo grupo racialmente
dominante. A “boa aparência” se configura, portanto, nos centros comerciais estudados,
como sinônimo de embranquecimento.
Assim, a resistência a uma participação mais efetiva da população negra nesses ambien-
tes se demonstrou significativa. Tal aspecto foi apontado, principalmente, consideran-
do a população total dos estabelecimentos abordados, pelo baixíssimo percentual de
trabalhadores negros e, sobretudo, de proprietários e gerentes assim identificados. O
que revela a existência de uma real segregação contra este grupo racial no que tange o
processo de inserção neste segmento de mercado em Maringá. Até nas ocupações so-
cialmente e hierarquicamente, destinadas aos negros na sociedade, como as atividades
relacionadas aos serviços domésticos e à culinária, verificamos a presença majoritária de
pessoas brancas, sendo, consequentemente, o percentual de negros e pardos, pratica-
mente inexpressivo, tendo em vista que, dos 398 funcionários registrados nas praças de
alimentação, dos dois shoppings, apenas 88 eram trabalhadores negros. [...]”
Fonte: Nascimento (2012, p. 146-151).
MATERIAL COMPLEMENTAR

O cortiço
Aluísio Azevedo
Editora: Melhoramentos
Sinopse: Rio de Janeiro, século XIX. Se esse cenário lhe traz à mente
reis, princesas e bondes, prepare-se para mergulhar em um retrato
diferente da sociedade brasileira naquela época, composto de inúmeros
personagens que, juntos, representam não apenas as mazelas sociais, mas
mostram até onde a vileza humana é capaz de chegar.
Comentário: A obra, que teve várias edições ao longo dos anos e foi
publicada por diferentes editoras, oferece um retrato sobre a vida nas
regiões periféricas e segregadas dos centros urbanos em formação no país.

Raízes do Brasil
Sérgio Buarque de Holanda
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Nunca será demasiado reafirmar que Raízes do Brasil inscreve-se
como uma das verdadeiras obras fundadoras da moderna historiografia
e ciências sociais brasileiras. Tanto no método de análise quanto no estilo
de escrita, tanto na sensibilidade para a escolha dos temas quanto na
erudição exposta de forma concisa, revela-se o historiador da cultura e
ensaísta crítico com talentos evidentes de grande escritor. A incapacidade
secular de separarmos vida pública e vida privada, entre outros temas
desta obra, ajuda a entender muito de seu atual interesse. E as novas gerações de historiadores
continuam encontrando, nela, uma fonte inspiradora de inesgotável vitalidade. Todas essas qualidades
reunidas fizeram deste livro, com razão, no dizer de Antonio Candido, “um clássico de nascença”.

Quanto vale ou é por quilo? Mais valem pobres na mão do


que pobres roubando
Ano: 2005
Sinopse: O filme faz uma comparação com tráfico de escravos do
século 17, ao mesmo que critica as ONGs e suas captações de recursos
junto ao governo e empresas privadas.
Comentário: “Crítica à ação das ONGs e à ‘responsabilidade social’
empresarial, ao comparar sua ‘solidariedade’ com a existente na fase da
libertação dos escravos” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 353).

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Carlota Joaquina: princesa do Brazil


Ano: 1995
Sinopse: Uma história satírica do Brasil no século 18, narrando as
aventuras de uma mulher sensual que manca e tem um bigode.
Carlota Joaquina foi infanta da Espanha, rainha consorte de Portugal,
Brasil e Algarves e Imperatriz Consorte do Brasil.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)


O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é um órgão vinculado ao Governo Federal
que coleta, organiza e disponibiliza dados sobre inúmeros indicadores nacionais de natureza
demográfica, econômica, social e política, por exemplo. Há séries temporais, em alguns casos,
desde meados do século XIX.
Web: <https://www.ibge.gov.br/>
91
REFERÊNCIAS

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São
Paulo: Ática, 1978.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: Formação da família brasileira sob o regi-
me da economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
HOBSBAWN, Eric. A era das Revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
______. A Era do Capital: 1848-1875.São Paulo: Paz e Terra, 2000.
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social.
3. ed. 1a reimp. São Paulo: Cortez, 2011.
NASCIMENTO, Silmara Aparecida do. Os negros no mercado de trabalho em Ma-
ringá: do preconceito à discriminação.157 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá, Maringá,
2012.
NINA RODRIGUES, Raimundo. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Scielo Books;
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. Disponível em https://static.scielo.org/
scielobooks/mmtct/pdf/rodrigues-9788579820106.pdf. Acesso em 12 set. 2017.
GABARITO

1. Os trabalhadores residiam em áreas periféricas, distantes dos equipamentos


públicos e próximos às fábricas, sujeitos a fuligens e ruídos decorrentes da pro-
dução e sem infraestrutura básica, como esgoto, fatores que provocavam o ado-
ecimento. Além disso, o aumento extenuante da carga de trabalho não gerou
possibilidade de consumo ou de ascensão social e os operários sequer tinham
condições de adquirir os bens cujo trabalho contribui para a fabricação.
2. Opção correta é a A.
3. Dentre as alterações destacam-se a segregação entre a burguesia e o proletaria-
do (os primeiros na região central, os demais na periferia, próximos às indústrias
e sem condições básicas de sobrevivência), o crescimento das cidades em com-
binação com o êxodo rural, a redução da mortalidade e a elevação da natalidade
e ainda o desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte.
4. Opção correta é a E.
5. Opção correta é a B.
Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

IV
MOVIMENTOS SOCIAIS

UNIDADE
E LUTAS POR DIREITOS
NO BRASIL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Apresentar aspectos históricos sobre a organização da classe operária
no Brasil;
■■ Discutir sobre o conceito de cidadania regulada e a importância da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
■■ Expor a relevância da organização dos movimentos sociais e o
atendimento de demandas entre 1945 e 1964;
■■ Discorrer sobre os refluxos no avanço dos movimentos sociais no
período militar.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Organização da classe operária
■■ Cidadania regulada e leis trabalhistas
■■ Conquistas sociais no primeiro período democrático
■■ Estado, sociedade e movimentos sociais no período militar
95

INTRODUÇÃO

Nesta unidade de estudo, assim como na próxima, nosso foco de análise, dis-
cussão e reflexão recai sobre o Brasil. Se até aqui aprendemos sobre as bases
políticas e econômicas de constituição e consolidação do Estado e a relevân-
cia da Revolução Industrial aos processos de trabalho e organização operária,
veremos, nesta unidade, que a classe trabalhadora foi protagonista da luta por
direitos no início do século XX.
Para tanto, as seções de estudos tratam da maneira como os trabalhadores
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

se organizaram em meio ao processo crescente de urbanização brasileiro, pauta-


dos não apenas pelas relações de trabalho, mas também pela ausência de acesso
a políticas públicas relacionadas à moradia e condições de sobrevivência, em um
primeiro momento, e o controle estabelecido pelo Estado na determinação de
quais conjuntos de trabalhadores seriam cidadãos de direitos, por meio de con-
ceitos cunhados como cidadania regulada e trabalhismo.
Ademais, destacamos o papel da população organizada ao longo da primeira
experiência democrática vivenciada no país e, por fim, a importância da resis-
tência e do desses grupos ao enfrentamento do regime autoritário instaurado
na segunda metade do século, findado após ampla mobilização coletiva entre
setores da sociedade organizados coletivamente, atores políticos individuais e
partidos políticos, por exemplo.
Em suma, esta unidade é permeada por discussões sobre como a sociedade
e os movimentos sociais e operários lutaram por direitos e demandas face a dis-
tintos desenhos políticos do Estado brasileiro: a Primeira República, o Estado
Novo, o primeiro período democrático e a ditadura militar.
Boa leitura!

Introdução
96 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ORGANIZAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA

O processo de urbanização no Brasil esteve intimamente relacionado à industria-


lização da sociedade, ainda em conformação com a superação da escravidão e a
inserção no contexto capitalista e republicano. Conforme destacado em unidade
de estudos anterior, a integração dos negros na sociedade de classes nacional se
deu em concomitância à absorção da mão de obra europeia crescente no início
do século XX e, em se tratando do mercado de trabalho, da insatisfação da popu-
lação com as condições laborais e a discrepância entre a riqueza que geravam e as
condições materiais de que dispunham, em contraposição àquela da burguesia.
Ainda que a industrialização tenha atingido vários centros urbanos no Brasil,
os principais pontos de expansão foram São Paulo e Rio de Janeiro, a capital federal
naquele momento. Segundo Fausto (2010), contudo, já havia indústrias no Brasil
desde o fim do século anterior, as quais concentravam sua produção em tecidos
de baixa qualidade e com finalidade de atendimento ao mercado interno, ao passo
que no século seguinte o objetivo mercantil nacional passou a ser a exportação.
Em termos sociodemográficos, as primeiras décadas do século passado foram
caracterizadas, para além da expressiva expansão da população urbana nos cita-
dos grandes centros e das elevações dos números de indústrias e de assalariados,
também, e por consequência, pela emergência de problemas sociais decorrentes
não apenas desse crescimento, mas, também, da pluralidade da população, o que
gerou tensões por conta de aspectos laborais e relacionados às políticas públi-
cas que garantiriam condições mínimas de sobrevivência (CAMARGO, 1982).

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


97

Se no Rio de Janeiro havia recursos financeiros e mercado consumidor de


expressivo poder aquisitivo, em São Paulo se destacava a ascensão dos cafeicul-
tores, com destaque à exploração de mão de obra barata por conta da disputa
por postos de trabalho entre ex-escravos e imigrantes. No entanto, destaque-se
que a condição de disputa por vagas da indústria não era exclusiva da locali-
dade paulista, mas, por outro lado, em São Paulo ocorreram investimentos de
grande monta por parte dos fazendeiros, com destaque às ferrovias, que propor-
cionavam o escoamento da produção cafeeira e a expansão de possibilidades de
comunicação e circulação de mercadorias e pessoas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em contrapartida ao avanço das possibilidades de circulação de mercadorias


e da melhoria das condições de vida dos burgueses, empresários, cafeicultores e
industriais, a massa assalariada não foi beneficiada pelo processo de industrialização.
Assim, aos moldes do ocorrido na Inglaterra, conforme Marx (1983) denominou
mais-valia, também no Brasil a instauração do capitalismo foi acompanhada, por
um lado, de discrepâncias entre os rendimentos destinados aos trabalhadores e às
elites e, por outro lado, de insatisfação por parte dos primeiros (FERNANDES, 1978).
Nesse contexto, é possível inferir que a sociedade brasileira se organizou, ao
menos nas primeiras décadas do século XX, a partir das relações geradas no mundo
do trabalho, de modo que, ainda que não tenham atingido grandes conquistas
por conta da heterogeneidade de suas demandas e da perspectiva de atendimento
imediato aos seus anseios (FAUSTO, 2010), as organizações dos trabalhadores,
por meio de associações, se articularam como principais formas de resistência e
de mobilização por direitos sociais no Brasil naquele momento (KHOURY, 1981).
Ainda na segunda década do século XX emergiram movimentos grevis-
tas com reivindicações por melhores condições de trabalho e de remuneração,
bem como focados na regulamentação da carga horária laboral e na determina-
ção de leis referentes ao trabalho de mulheres e crianças. Se houve organização e
mobilização da classe operária, o mesmo se verificou por parte das elites políti-
cas e econômicas. Nesse sentido, a conformação do Brasil república e capitalista
atendeu a pressupostos de teóricos clássicos da Economia e da Política que afirma-
vam, como anteriormente destacado neste material de estudos, que o Estado fora
constituído para garantir a manutenção da condição de poder daqueles que dis-
punham de maiores recursos econômicos e, não raras vezes em conjunto, político.

Organização da Classe Operária


98 UNIDADE IV

O discurso de elite se pautava na importância do trabalho como fator pre-


ponderante à alteração da condição social dos indivíduos, caracterizado pelo
argumento meritocrático de que aqueles que se esforçassem e trabalhassem
o máximo possível ascenderiam socialmente. De maneira inversa, os cida-
dãos que se opusessem a tal ordem social eram tratados como vagabundos,
tratados como degenerados e responsabilizados por sua condição de pobreza
(KHOURY, 1981).
O trabalho regulava as relações sociais e a manutenção da ordem impli-
cava, portanto, na organização da distribuição da população conforme critérios

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
determinados pela elite no poder. Assim, desde o fim do século XIX a noção
de higienização da população brasileira foi conformada dessa necessidade de
separação entre “trabalhadores” e “vagabundos”, no afastamento daqueles que
gozavam de condições de entendimento de que a melhoria de suas condições
de vida seria determinada pelo seu trabalho (especialmente os imigrantes,
familiarizados, ainda que minimamente, à filosofia capitalista implantada na
Europa) daqueles que reivindicavam direitos e melhores condições de vida
(majoritariamente os negros, ainda pouco afeitos ao regime de trabalho capi-
talista e às imposições dos patrões, que lhes pareciam semelhantes àquelas que
vivenciaram na escravidão).

“No século XIX, com a transferência da família real para o Brasil, emergiu a
discussão sobre a prevalência do clima frio-temperado e da civilização eu-
ropéia sobre o clima tropical, responsável pelo relaxamento do organismo
e pela preguiça do brasileiro, [estereótipo reforçado quando da integração
de negros e imigrantes ao processo de industrialização e urbanização na-
cionais na virada do século XIX ao XX]. O brasileiro preguiçoso levou ao apa-
recimento da figura do malandro, que alcançaria determinadas conquistas
por meio de sua ginga e simpatia, como destaca Damatta (1983) ao tratar do
jeitinho brasileiro e do ‘você sabe com quem está falando?’ [...]”
Fonte: Gimenes (2011, p. 99).

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


99

Esse processo de higienização foi perpassado, no primeiro momento, pelo distan-


ciamento físico da população com menor condição social dos centros comerciais
e urbanos onde residiam e por onde circulavam as elites e a burguesia em dire-
ção às periferias, onde se constituíram favelas e cortiços.
Consolidadas essas estruturas urbanas segregadas e sem condições estru-
turais mínimas, como de saneamento básico e esgoto, os indivíduos que ali
residiam passaram a sofrer com o acometimento de doenças, o que, a despeito
de consequências à sua saúde, representava menor mão de obra disponível e
contribuía para a formação de uma imagem acerca da sociedade brasileira, ao
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que o Estado decidiu pela necessidade de intervenção de saúde pública por


meio da aplicação de vacinas.
Ainda que a vacinação da população para conter e/ou evitar doenças fosse
positiva, a maneira como o Estado impôs a vacinação aos residentes nas fave-
las e cortiços foi truculenta e dissociada de diálogos e de explicações acerca dos
benefícios à saúde dos indivíduos, o que levou a descontentamentos e, em 1904,
ao movimento social que ficaria conhecido como “Revolta da Vacina”.
Esse contexto de descontentamento social com relação às condições de vida
e trabalho persistiu ao longo das primeiras décadas do século XX, ao mesmo
tempo em que os grupos políticos e econômicos preponderantes no Brasil,
os cafeicultores do estado de São Paulo e os pecuaristas leiteiros do estado de
Minas Gerais, passaram a medir forças para controlar o país e decidir sobre
seus rumos conforme interesses distintos.
Tal cenário apontava a necessidade de avanços de ordem política, social,
econômica e cultural e as tensões se relacionavam com a dificuldade do Estado
em lidar com os novos atores – trabalhadores assalariados e classe média – que
não encontravam seu espaço na sociedade brasileira, bem como de organizar
disputas entre as elites dominantes na República do Café com Leite (paulis-
tas e mineiros) e ainda lidar com a insatisfação dos militares, insatisfeitos
com a condução política do país e que reivindicaram, dentre outras mudan-
ças, a instituição do voto secreto e a reforma da educação pública, por meio de
um movimento social denominado Tenentismo, ao longo da década de 1920
(CAMARGO, 1982).

Organização da Classe Operária


100 UNIDADE IV

A competição interna entre paulistas e mineiros pelo controle político


nacional culminou na fragilização de sua estrutura de poder (enquanto grupo),
ao que somou-se a dificuldade desse pacto oligárquico em lidar com as tensões
que advinham dos grupos emergentes que buscavam espaço e poder políticos.
Nesse contexto, emergiu na competição oligárquica um novo protagonista – um
grupo político organizado em torno da elite gaúcha – que, depois de uma fase
liberal de disputa, efetivou uma conspiração revolucionária junto a camadas da
sociedade e dos militares, a qual culminou na chegada do grupo político deno-
minado Aliança Liberal, sob liderança de Getúlio Vargas, ao poder em 1930.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ainda segundo Camargo (1982), as divisões ocorridas no interior das oligar-
quias estaduais, as mudanças geracionais dos líderes oligárquicos, as negociações
por alianças com províncias que queriam seu espaço político e a incorporação
da jovem oficialidade tenentista na política contribuíram à estratégia de cen-
tralização do sistema político e à ascensão de Vargas ao poder.
Sobre tal momento histórico, pesquisadores como Fausto (1970) e Weffort
(1978) argumentaram que a tomada de poder foi possível por conta do enfra-
quecimento dos velhos grupos dominantes (paulistas e mineiros) diante dos
problemas decorrentes da instauração da Primeira República, de modo que
tal contexto tornou possível a emergência de um líder popular e que era, ao
mesmo tempo, ligado a distintos grupos sem pertencer a eles, capaz de man-
ter o Estado como guardião da sociedade e de angariar apoio da classe média,
da elite burocrática, dos jovens militares e das massas trabalhadoras, a fim de
garantir sua legitimidade e o poder.
Contudo, haveria uma ressalva à denominação histórica do movimento que
recebeu a alcunha de “Revolução de 1930”: a vocação por um sistema político
centralizador já podia ser observada em 1910, quando eram visíveis a necessidade
de uma reforma constitucional e de uma legislação trabalhista e o interven-
cionismo e a modernização do Exército ocorriam de forma lenta, o que teria
culminado não em uma revolução, no sentido clássico do termo, mas em modi-
ficações significativas que partiram do interior das elites e transcenderam às
demais camadas sociais.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


101

Pensando em termos de modelos de articulação entre sociedade e Estado no


período, Diniz e Boschi (1991) destacam a relevância do corporativismo na constitui-
ção do espaço público no Brasil, enquanto modelo de mediação que se fundamenta
no monopólio de representação, formado por grupos ou categorias funcionais, cujo
objetivo consistiria em indicar os conflitos sociais entre capital e trabalho, regulá-
-los e controlá-los pelo Estado, através de suas políticas. Consequentemente, esses
representantes privilegiados expressariam seus interesses organizando-os nas estru-
turas estatais, visto que a base popular apresentava conflitos entre suas demandas
e essas seriam “organizadas” mediante a supervisão e tutela do Estado.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Sobre tal corporativismo e seu papel relevante à manutenção das desigual-


dades existentes no Brasil por meio da mediação da relação entre Estado e
sociedade, cabem três considerações. A primeira diz respeito ao monopólio da
representação pelo Estado, manifestado pelo enfraquecimento da esfera parti-
dária por meio do fechamento do Congresso, da destituição dos governadores
e da rearticulação da engenharia institucional do Estado, centrada no poder do
presidente e dos interventores por ele nomeados, a quem os demais membros
do poder público eram subordinados (SOUZA, 1976).
Sob tal aspecto, cabe destacar que o governo Vargas desenvolveu um processo
que Lamounier (1985) nomeou como “objetivismo tecnocrático”, que consistiu
em associar partidos políticos e eleições a perspectivas negativas, em concomi-
tância ao fortalecimento e defesa da burocracia (elite tecnocrata) para o governo
do país, sob o argumento de que, como os partidos representavam as velhas oli-
garquias, seria melhor ao país um governo técnico.
Em segundo lugar, cabe destacar que os grupos com direito à representação
no espaço público foram determinados a partir de sua emergência na sociedade
brasileira, com destaque a dois conjuntos: [1] a burguesia industrial urbana, com
interventores nomeados pelo presidente (identificados, porém independentes de
seus grupos de origem, por serem subordinados a Vargas); e [2] os técnicos e con-
cursados advindos da classe média, que ocuparam o Departamento Administrativo
do Serviço Público (DASP), suas sucursais em esferas menores de governo e também
os institutos, autarquias e conselhos técnicos, conferindo tecnocracia ao governo.

Organização da Classe Operária


102 UNIDADE IV

Os interventores substituíram os governadores, destituídos por Vargas, e


foram escolhidos dentre os membros com pouca expressão dentre as eli-
tes estaduais, a fim de manterem-se, em alguma medida, subordinados ao
Presidente.
O DASP foi responsável pelos primeiros cargos de carreira do Estado brasi-
leiro, com realização de concursos e ocupação de postos técnicos pela clas-
se média, até então insatisfeita com a política nacional.
Os institutos, autarquias e conselhos técnicos foram mecanismos pelos
quais a burguesia urbana e industrial nacional acessou o Estado e providen-
ciou o encaminhamento de interesses e demandas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Souza (1976).

A ambos os grupos o Estado concedeu espaço e voz para organização, articula-


ção e reivindicação. Desta maneira, tanto a burguesia industrial urbana quanto
a classe média obtiveram espaço para expressar seus interesses organizados
junto às estruturas estatais, ao passo que o Estado obteve controle (capacidade
de regulação) dos conflitos sociais emergentes (SOUZA, 1976).
Ademais, o terceiro ponto a ser destacado diz respeito aos trabalhadores,
grupo insatisfeito com o Estado desde o fim do século XIX e que demonstrava,
de maneira crescente ao longo das décadas iniciais do século XX, capacidade
de mobilização e de articulação por meio de movimentos sociais. Ainda que o
governo Vargas tenha mantido a filosofia que relacionava trabalho a ascensão
social e combate à “vadiagem”, houve uma alteração com relação às políti-
cas trabalhistas dos governos anteriores: a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e a instituição de leis trabalhistas.
Cabe destacar que tais mudanças tiveram como objetivo principal enfra-
quecer os movimentos trabalhistas e fazer com que esse grupo de indivíduos
se tornasse aliado do governo de Vargas. As relações trabalhistas e sua impor-
tância à relação entre Estado, sociedade e movimentos sociais no Brasil são
foco da próxima seção de estudos.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


103
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CIDADANIA REGULADA E LEIS TRABALHISTAS

Conforme destacado anteriormente nesta unidade de estudo, entre o fim do


século XIX e o início do século XX houve crescimento voluptuoso do número
de trabalhadores urbanos no Brasil. Também apontou-se no tópico anterior
que dentre a massa trabalhadora se proliferou o sentimento de insatisfação com
as condições de vida e laborais, de modo que tal questão se impôs com forte
importância ao governo Vargas.
Segundo Santos (1979), a repressão seria uma estratégia suicida, mas mos-
trou-se, ao mesmo tempo, inevitável naquele momento. Apesar de saberem que
não poderiam conter os trabalhadores de maneira permanente, as elites oligárqui-
cas ocupantes do poder viam na repressão dos movimentos uma saída possível.
Entretanto, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio já em 1930
representou um passo rumo à contenção das insatisfações da classe operária nacional.
Por um lado, Vargas promoveu uma série de concessões aos trabalhadores,
como o estabelecimento da garantia de limite de carga horária diária em oito
horas, o direito às férias e a regulamentação do trabalho feminino e infantil. Por
outro lado, amenizou o clima hostil e de mobilização dos operários, minou a
força das organizações trabalhistas e sindicatos e alterou a condição do proleta-
riado de contestadores e descontentes a apoiadores e admiradores do governo.
Não sem motivos, Vargas ficaria conhecido como “pai dos pobres”.

Cidadania Regulada e Leis Trabalhistas


104 UNIDADE IV

Apesar da legislação trabalhista ter sido pauta do governo Vargas na década


de 1930, somente em 1º de maio de 1943, durante a vigência do Estado Novo,
ocorreu a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conjunto
de leis que protege os direitos dos trabalhadores e trata de direitos como
descanso semanal remunerado e a obrigatoriedade do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), além dos direitos anteriormente conquistados
Fonte: Fausto (2010).

Diante desse cenário, o contexto político daquele momento era de Congresso

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
fechado, governadores destituídos, partidos tidos como irrelevantes e rearticula-
ção das estruturas do desenho institucional do Estado, com grupos emergentes
(classe média tecnocrata, burguesia industrial urbana e interventores subordina-
dos ao presidente) integrando os postos de poder e necessidade de manutenção
do apoio dos trabalhadores. Com relação ao último grupo, os sindicatos e asso-
ciações laborais representavam a oposição e coube ao governo conter tais forças.
A maneira encontrada para lidar com os sindicatos foi a instituição de um
processo político que Santos (1979, p. 75) definiu como de “cidadania regulada”:
[...] são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se en-
contram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e
definidas em leis. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamen-
tação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e me-
diante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões,
antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro
da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos
do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo
produtivo, tal como reconhecido por lei.

Em outras palavras, a carteira profissional passou a integrar a engenharia insti-


tucional que definia quem era cidadão, sendo que tal condição estava atrelada à
regulamentação e ao reconhecimento das profissões e ocupações pelo Estado. Isso
significou que cabia ao Estado delimitar quais grupos de trabalhadores seriam
considerados formalmente como tais e, por conseguinte, teriam capacidade de
diálogo com o governo. Nesse sentido, a cidadania regulada era mediada pela
sindicalização, uma vez que somente filiados aos sindicatos de profissões regu-
lamentadas tinham acesso aos direitos trabalhistas.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


105

Segundo Santos (1979, p. 76), “a regulamentação das profissões, a carteira


profissional e o sindicato público definem, assim, os três parâmetros no interior
dos quais passa a definir a cidadania”, o que destaca a existência de uma hierar-
quia de poderes, pois os direitos dos cidadãos decorreriam de sua profissão/
ocupação, enquanto o reconhecimento das funções laborais dependia da regu-
lamentação por parte do Estado.
Para o autor, a política social brasileira teria sido constituída, então, em bases
manipulatórias, autoritárias e particularistas, uma vez que havia desigual distri-
buição de direitos entre os trabalhadores, de modo que o acesso a serviços que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

deveriam ser públicos e universais se dava a grupos restritos.


Alguns dos princípios que informavam o sistema [de cidadania re-
gulada, como os Institutos de Aposentadoria e Pensões], como por
exemplo a vinculação dos benefícios às contribuições passadas, e ao
admitir tratamento diferenciado em termos de salários, de acordo
com a categoria profissional, consagrou-se na prática a desigualdade
dos benefícios previdenciários dispensados aos cidadãos estratifica-
dos em categorias profissionais (SANTOS, 1979, p. 77)

Nesse contexto, a carteira profissional representava o “nascimento cívico” dos


cidadãos brasileiros, o que significou, por um lado, a exclusão dos trabalhado-
res rurais por conta da força e da pactuação da oligarquia rural com o Estado, e,
por outro lado, a incorporação de pequena parcela dos trabalhadores nacional
com profissões regulamentadas, o que representou a mediação dos sindicatos
na relação entre classe operária e Estado.
A sindicalização aproximava as lideranças sindicais do Estado, inclusive com
cooptação de lideranças a cargos públicos (SANTOS, 1979), mas tal contato não
ocorria sem conflitos e tensões. Segundo Fausto (2010), o Estado controlava a
vida sindical, tanto que servidores ministeriais acompanhavam as assembleias
sindicais e a legalidade de tais associações laborais dependia do cumprimento
de normas, sob risco de cassação de seu direito de funcionamento.
Por outro lado, há que se considerar ainda a maneira como a massa
trabalhadora foi integrada nesse processo. Segundo Gomes (2005), os tra-
balhadores se viram diante da escolha entre igualdade e inclusão, ou seja, a
luta por direitos a todos ou a possibilidade de garantia de direitos via regula-
mentação profissional. Para a autora, Vargas instituiu um processo político

Cidadania Regulada e Leis Trabalhistas


106 UNIDADE IV

cunhado como trabalhismo, que consistiu em um discurso veiculado pelo


Estado com conteúdo simbólico do mecanismo de cidadania regulada.
Para tanto, foram criados a Voz do Brasil, um departamento de imprensa
nacional, um jornal oficial e outros órgãos de rádio e imprensa, a fim de disse-
minar o discurso de enaltecimento do trabalhador pelo Estado, o que significava
divulgar os direitos trabalhistas e cidadãos não como conquistas de lutas das
classes trabalhadoras, mas como dádivas, concessões por parte de um governo
que atendia a seu povo. Tal discurso, com clara orientação política, represen-
tava ao povo a possibilidade de “diálogo” com o Estado, ainda que apenas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
consumissem as notícias oferecidas pelo poder público, o qual destacava a
importância de conferir dignidade aos trabalhadores em uma sociedade que,
a até poucas décadas, ainda era regida pelo regime escravocrata.
De modo geral, a cidadania regulada e o trabalhismo regularam as rela-
ções trabalhistas até a década de oitenta, mais precisamente até a instituição
da nova Constituição Federal, em 1988. Contudo, as relações entre Estado,
sociedade e movimentos sociais ao longo do século XX foram perpassadas,
também, por outros aspectos, para além do trabalho, especialmente ao longo
do primeiro período democrático, conforme discutimos na próxima seção
desta unidade de estudos.

Algumas categorias profissionais carecem até os dias atuais de regulamen-


tação, enquanto outras têm conquistado avanços ao longo das décadas,
como os empregados domésticos.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


107
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CONQUISTAS SOCIAIS NO PRIMEIRO PERÍODO


DEMOCRÁTICO

Até 1930, as mobilizações de setores da sociedade receberam distintos trata-


mentos, conforme destacado anteriormente nesta unidade de estudo. Contudo,
de modo geral, a resposta do Estado foi majoritariamente repressora, de modo
que os movimentos sociais e operários foram tratados como casos de polícia.
Como desde 1935 Vargas reforçara a propaganda anticomunista, o país
encontrava em estado de instabilidade política, da qual o então presidente se
aproveitou para aplicar um golpe no fim de 1937, pouco antes das eleições que
ocorreriam em janeiro de 1938 à qual não poderia concorrer por restrição cons-
titucional. O chamado Estado Novo vigorou entre 1937 e 1945 e foi caracterizado
por autoritarismo, forte censura e centralização do poder, com forte controle dos
sindicatos, fechamento dos poderes Legislativos estaduais e federal e dos parti-
dos políticos e organizações civis, além de caçada política com prisão e morte
dos opositores ao Estado instituído.

Conquistas Sociais no Primeiro Período Democrático


108 UNIDADE IV

Como mencionado anteriormente, entretanto, houve expressiva conquista


por parte dos movimentos operários, com a implementação de um conjunto
de direitos até então amplamente reivindicados pelo operariado por meio da
CLT. A relação estabelecida por Vargas (especialmente) com a massa trabalha-
dora conformou um fenômeno tratado como populismo, por meio do qual o
então presidente era repressor com organizações sociais e políticas, mas lan-
çou mão de recursos para obter apoio popular, como as leis que concederam
direitos trabalhistas e a disseminação de ações e contato estabelecido com a
população por meio da imprensa.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A retomada do poder por meio de um golpe militar permitiu o início do
primeiro período de experiência democrática no país a partir de 1945, no qual
uma das providências iniciais foi a elaboração de nova Constituição, que subs-
tituísse aquela em vigor durante e Estado Novo.
A Constituição de 1946 marcou, de fato, o início da vida democrática
no Brasil, mas manteve várias disposições legais oriundas do Estado Novo,
o que denotou a formação de uma democracia limitada, até certo ponto, por
conta de restrições, por exemplo, à organização de partidos políticos ideo-
lógicos, como o Partido Comunista do Brasil, que permaneceu clandestino.
Sendo os partidos as instituições centrais ao funcionamento da democracia
(SCHATTSCHNEIDER, 1966), tal restrição apresentou-se negativa, porém
houve crescimento e fortalecimento do sistema partidário por conta da aber-
tura político-institucional aos demais partidos.
Em se tratando da sociedade, ao longo do primeiro período democrático da
história política brasileira assistiu-se à organização de setores antes pouco articu-
lados. Se, por um lado, os sindicatos já gozavam de reconhecimento como forma
de mobilização coletiva desde as primeiras décadas do século como representan-
tes dos trabalhadores, com a superação do Estado Novo ocorreu a expansão e a
capilarização de diferentes modalidades de associativismo, como comunitário
e estudantil ou com fins voltados a políticas públicas de cultura e esportes, por
exemplo. Nesse sentido, desenvolveu-se entre a população o hábito pela prática
de atividades urbanas e a busca pelo entretenimento, o que alterou os costumes
e as maneiras como os indivíduos se relacionavam com os espaços públicos, ou
seja, houve mudança nos valores e na cultura dos brasileiros.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


109

Ademais, como a estratégia econômica nacional voltou-se ao capital estran-


geiro e à industrialização, operários, as massas urbanas e os trabalhadores rurais
tencionaram os limites que lhes foram impostos em termos de inclusão do mer-
cado, de modo que emergiram articulações de movimentos sociais sindicais,
estudantis, camponeses e por reivindicações específicas, como a campanha pela
exploração do petróleo e por reformas de base (SOUZA, 1976).
Com relação aos partidos políticos, nesse período houve fortalecimento dessas
instituições junto ao eleitorado, de modo que, segundo Lavareda (1991), o perí-
odo foi marcado tanto pela aproximação dos cidadãos com relação aos partidos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e da manifestação de identificação partidária por parcela da população quanto


pela congruência estabelecida entre tal preferência e o voto, conforme demons-
tram dados de pesquisas de opinião pública realizadas à época.
Em resumo, a democracia estabelecida após o Estado Novo no Brasil permi-
tiu o fortalecimento de diversos movimentos sociais, com destaque ao operário/
sindical e ao estudantil, bem como possibilitou a ampliação do conjunto de atores
sociais organizados, como os trabalhadores rurais e o associativismo comunitário,
de modo que, em se tratando de movimentos e organizações sociais e coletivas,
os anos entre 1945 e 1964 foram expressivamente positivos.

Conquistas Sociais no Primeiro Período Democrático


110 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ESTADO, SOCIEDADE E MOVIMENTOS SOCIAIS NO
PERÍODO MILITAR

Em 1964, os militares protagonizaram um golpe, por meio do qual a legitimidade


democrática foi extinta em favor da instauração de um regime ditatorial. Em termos
econômicos, logo ocorreram alterações no modus operandi governamental, com
vistas ao desenvolvimento da economia de mercado e, em contrapartida, contrá-
rios aos avanços e políticas de atendimento aos operários (SANTOS, 1979, p. 102).
Para além de mudanças na ordem econômica, assistiu-se, também, a relevan-
tes mudanças no campo político. Sob tal dimensão, cabe destacar inicialmente o
rompimento com o processo político clássico das democracias, as eleições, cujas
regras e resultados foram desconsiderados pelo governo, que destacou aos pos-
tos de comando indivíduos pertencentes à carreira militar.
Ademais, ocorreu a dissolução do sistema multipartidário por meio do Ato
Institucional no 2, o qual promoveu a extinção dos partidos existentes, o cancelamento
de seus registros e a imposição de regras rigorosas à constituição de novas legendas
partidários, o que culminou em apenas dois grupos atenderem aos requisitos e cons-
tituírem a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), de modo que o bipartidarismo vigorou no país entre 1966 e 1979.
Ao longo do período, para além da repressão aos partidos políticos, houve
também restrições à atuação das camadas populares nos âmbitos econômico,
político e cultural, o que perpetrou o estabelecimento de novas relações entre
Estado e sociedade, de modo geral, e mais especialmente do Estado com os movi-
mentos sociais e sindicatos (LONARDONI et al, 2006).

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


111

Houve, então, um período de refreamento de manifestações populares, que


perdurou apenas nos primeiros anos de ditadura, uma vez que os movimentos
populares e sociais, sindicatos e outros agrupamentos passaram a desenvolver
ações de resistência ao autoritarismo do Estado e a lutar pelo restabelecimento
da democracia no país:
O movimento social mais significativo pós-golpe militar de 1964 foi o
movimento de resistência à ditadura e ao autoritarismo estatal. Surgiu
a partir de várias iniciativas, que congregavam em torno desse objetivo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

comum de resistência segmentos das camadas populares com intelec-


tuais e artistas (SCHERER-WARREN, 2012, p. 53).

Dentre os grupos que articularam os movimentos pautados pelo retorno


da democracia, desde 1964 se destacaram os estudantes como mais ativos,
especialmente nas grandes cidades brasileiras. Contudo, apesar de toda a
repressão, diversos atores individuais e coletivos buscaram a mesma pauta de
combate ao autoritarismo, de modo que emergiram muitos focos de mani-
festações, a exemplo de guerrilhas armadas urbanas e rurais, de greves e de
movimentos contrários às condições de vida naquele momento histórico
(LONARDONI et al, 2006).
Um dos fatos sociais mais relevantes do período militar na década de 1960,
inclusive, decorreu da mobilização estudantil: após a morte de um estudante
em uma manifestação no Rio de Janeiro em 1968, tal categoria se organizou e
protagonizou a “marcha dos cem mil” como expressão de repúdio à repressão
estatal sofrida. Segundo Carvalho (2004), às manifestações estudantis soma-
ram-se ainda às operárias, com realização de duas grandes greves.
Em resposta à organização popular, o governo emitiu naquele mesmo
ano o Ato Institucional nº 5, que proibiu manifestações públicas e vigorou até
1979. Segundo Scherer-Warren (2012, p. 54), restaram à população, então,
duas possibilidades de resistência política, “[...] a luta armada (ou guerrilhas)
e o trabalho clandestino de conscientização cívica para a democratização a
partir de vários setores da sociedade civil”. A despeito da resistência, muitos
políticos, artistas e militantes foram exilados ou fugiram do país com medo
da repressão e outros tantos foram presos ou “desapareceram”.

Estado, Sociedade e Movimentos Sociais no Período Militar


112 UNIDADE IV

Segundo Avritzer (1997), a década de 1970 foi um período de grande fer-


tilidade às ações coletivas no país, uma vez que a insatisfação com o regime
militar e as condições efetivas de sobrevivência da população culminaram na
organização e manifestação de “novos sujeitos políticos”, especialmente aqueles
residentes nas áreas urbanas, que passaram a se associar por meio de entidades
comunitárias. Greves operárias, associações de moradores, grupos de mulheres
e ambientalistas foram, dentre outros, exemplos de revigoramento político-as-
sociativa nacionais (SCHERER-WARREN, 2012).
Um expoente da conscientização cívica nesse período foi a Igreja Católica, mais

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
precisamente por meio de uma ala progressista que promovia a educação política em
paralelo à atuação religiosa nos espaços de pastorais, de comunidades eclesiais de base
(CEBs) e de centros de educação popular. No bojo da intervenção política na sociedade
pela Igreja Católica surgiu em meados de 1970 o movimento denominado Teologia
da Libertação, cujo princípio era o rompimento das condições que perpetravam a
dominação à qual a população paupérrima e os grupos excluídos estavam sujeitos.
Por volta da metade dessa década, o apoio das lideranças religiosas vinculadas
à Teologia da Libertação foi importante à organização do “novo sindicalismo”, que
almejava não apenas a melhoria da relação patrão-empregado, mas também a demo-
cratização do regime (SCHERER-WARREN, 2012). Por meio dessas ações, houve
tanto o espraiamento do ideário da conscientização cívica entre a população quanto
a proliferação de organizações que inicialmente se concentravam na assistência social
e no mundo do trabalho a outros campos de atuação estatal, como educação e saúde.
Em 1979, os ecos da pressão exercida por distintos atores políticos indivi-
duais e coletivos foi fortemente sentido pelo regime militar: os exilados políticos
puderam retornar ao Brasil em decorrência da vitória popular que culminou na
assinatura da Lei de Anistia, ao mesmo tempo em que os partidos até então exis-
tentes foram extintos – diante da percepção pelo governo militar de que o partido
de oposição (MDB) estava se fortificando junto ao eleitorado – e foi promulgada
uma lei orgânica que estabeleceu novos critérios para a constituição de parti-
dos políticos, após a qual reinstaurou-se o pluripartidarismo com a criação de
cinco legendas: Partido Democrático Social (PDS, sucessor da Arena); Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, sucessor do MDB); Partido Popular
(PP); Partido Democrático Trabalhista (PDT); e Partido dos Trabalhadores (PT).

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


113

A partir da reabertura do sistema partidário e da Lei de Anistia, a popula-


ção percebeu ainda mais sua capacidade de pressão e mobilização política, de
modo que nos anos seguintes o regime caminhou à reabertura democrática,
com destaque às manifestações pelo restabelecimento de eleições diretas e por
melhorias em políticas públicas.
Segundo Sader (1988), entre o fim da década de 1970 e o início da década de
1980 ocorreu um processo de abertura política gradual e controlada, quando os
militares buscaram sua manutenção no poder ao mesmo tempo em que perdiam
espaço e poder político, especialmente em decorrência dos efeitos da articulação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e pressão de antigos e novos movimentos sociais e da sociedade civil em geral.


Para o autor, foram três as matrizes discursivas que determinaram o conte-
údo dos discursos que permearam tal período histórico: a mencionada Teologia
da Libertação, com base na Igreja Católica, o ideário marxista que buscava ecos
entre os operários e o novo sindicalismo, surgido após o esvaziamento das estru-
turas anteriores pela intervenção militar no início do regime. Tais matrizes foram
responsáveis pelo surgimento de uma “nova esquerda” durante o processo de
abertura política, que levou à formação do Partido dos Trabalhadores (PT), par-
tido criado sob o espectro de defesa de interesses dos trabalhadores e defensor
da ideologia de esquerda voltada ao socialismo (SADER, 1988).
Enquanto nos campos associativo e político-partidário o regime militar
apresentava enfraquecimento, também entre a população havia indícios de
descontentamento e preferência pela alteração do regime para a democracia.
Os dados analisados por Moisés (1995) para o período entre 1972 e 1993, den-
tre os quais encontram-se na tabela abaixo apenas aqueles referentes a 1972 e
1982, apontam tanto a rejeição aos militares quanto manifestações de apoio à
democracia entre os brasileiros.

Tabela 1 - Mudanças nas atitudes e opiniões dos brasileiros quanto a instituições e participação política

INSTITUIÇÕES 1972 1982

A favor da intervenção dos militares na política 79% 52%


A favor dos partidos políticos 51% 71%
Contra a intervenção do Estado em sindicatos ou greves 7% 42%

Estado, Sociedade e Movimentos Sociais no Período Militar


114 UNIDADE IV

PARTICIPAÇÃO 1972 1982

A favor de eleições diretas ou de participar de eleições 57% 82%


A favor do direito de voto dos analfabetos 38% 60%
Fonte: Adaptado de Moisés (1995, p. 117)

Ainda que se tratem de dados decorrentes de pesquisas com amostras sub-na-


cionais, em 1972 da região Sudeste e em 1982 de algumas capitais, os resultados
apontam no sentido do que foi verificado também por pesquisas qualitativas e/
ou historiográficas: entre meados de 1970 e o início da década de 1980 o regime

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
militar perdeu apoio da população, enquanto os partidos políticos ganharam
legitimidade e a intervenção em organizações ou atividades operárias foi vista
cada vez como mais negativa. Além disso, valores democráticos – realização de
eleições e direito amplo de voto – ganharam adesão dos brasileiros.
Nesse contexto, desde o início da década de 1980 movimentos sociais, associa-
ções, organizações sindicais, partidos políticos e expressiva parcela da população
brasileira pressionaram o governo militar pela retomada das eleições diretas à
presidência da República. Após diversos comícios e passeatas, com ampla parti-
cipação dos referidos atores e também de artistas, intelectuais e ampla cobertura
da mídia, o então presidente, general João Baptista Figueiredo, determinou a
abertura do regime de maneira lenta e gradual, a qual foi iniciada pela realiza-
ção de eleições diretas para governadores.
Entre 1983 e 1984 o movimento ganhou força e as manifestações clamavam
por “Diretas já!”. Contudo, mesmo com a articulação política desse contexto ocor-
reu uma eleição indireta em 1985, quando os governadores indicaram Tancredo
Neves para ocupar a presidência da República. A aprovação legal de realização
de eleições diretas para a presidência vigorou a partir de 1989.
Tancredo Neves faleceu antes de sua posse, assumindo José Sarney como
último presidente eleito indiretamente no Brasil. A partir de então, o processo
de redemocratização foi implementado, com destaque à Assembleia Constituinte
e à nova Constituição Federal, temas a serem explorados na próxima unidade
de estudo deste material.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL


115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim desta unidade de estudo temos maior conhecimento acerca da confor-


mação do Brasil atual em termos político, econômico e social. Se o primeiro
aspecto oscilou sobremaneira ao longo do século passado, com cinco períodos
distintos – Primeira República, Estado Novo, primeiro período democrático,
ditadura militar e segundo período democrático (atual e não abordado neste
estudo) - , em termos econômicos é possível destacarmos que os interesses das
elites que ocupavam os postos de poder convergiram sempre no sentido de favo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

recer os detentores de capital, que, como discutimos no início deste material, não
raras vezes ocupam posições privilegiadas em termos políticos e econômicos.
Por outro lado, e é este nosso foco central nesta unidade, as seções expõem
como a classe trabalhadora ampliou suas demandas, ao longo do processo de
urbanização, para além das condições laborais, o que significou levantes em
busca de melhorias relacionadas à sobrevivência, bem como permitiu sua arti-
culação em torno de associações comunitárias.
Nesse sentido, na primeira metade do século XX se destacou princi-
palmente a classe operária, cujas vitórias – parcial por meio da cidadania
regulada e ampliada quando da implementação da CLT – foram impulsiona-
doras de desenvolvimento da sociedade e de sua organização em entidades,
associações, grupos e movimentos.
Assim, os direitos conquistados a malha social conformada até a instauração
do regime autoritário foram relevantes às ações, legais e clandestinas, formais e
informais, que a sociedade civil, os movimentos sociais, os sindicatos, os gru-
pos político-partidários e outro setores articularam para o enfrentamento da
ditadura, as quais culminaram em sua superação na década de 1980.
Diante desse contexto, nos cabe tratar do Brasil pós-autoritarismo, a fim
de entender como as relações entre Estado, sociedade e movimentos sociais
se desenvolvem no período contemporâneo. É este nosso próximo e último
tema de estudo.

Considerações Finais
116

1. Entre o fim do século XIX e o início do século XX ocorreu a ampliação do pro-


cesso de urbanização do Brasil, o qual foi apresentado nas unidades de estudo
3 e 4 deste material didático. Com relação ao conteúdo desta unidade, analise
as afirmações abaixo:
I) Os centros econômicos e de poder no período eram São Paulo e Minas Ge-
rais.
II) Para além das demandas trabalhistas, emergiram pautas sobre políticas pú-
blicas.
III) A replicação da mais-valia conceituada por Marx foi verificado no Brasil.

Diante das afirmações acima, assinale a alternativa correta:


a) Apenas a afirmativa I está correta.
b) As afirmativas I e III estão corretas.
c) Apenas a afirmativa II está correta.
d) As afirmativas II e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.
2. Tendo em vista a importância da organização da classe operária nas primeiras
décadas do século XX no Brasil, discorra sobre as reivindicações de tal movi-
mento social a partir de leitura do material didático e de seu conhecimento
sobre o período histórico destacado.
3. Walt Disney criou o personagem Zé Carioca após uma visita ao Rio de Janeiro,
em 1943, como um papagaio simpático, conversador, que seria uma espécie
de bom vivant tropical e não se adaptava a trabalhos formais. Contudo, a visão
caricata dos brasileiros como malandros ou vagabundos é anterior, como ex-
posto ao longo da unidade de estudos. Sobre tal temática, analise as afirmações
abaixo:
(( ) A visão do brasileiro como preguiçoso decorreu da imagem dos escravos
em contraposição aos europeus e data do processo de incorporação dos
negros à sociedade livre.
(( ) A visão meritocrática de que o esforço e o trabalho poderiam alterar as
condições de vida dos operários reproduziu, no Brasil, um argumento
clássico do liberalismo econômico.
117

(( ) Os trabalhadores rurais foram os principais afetados pela estruturação


do capitalismo nas primeiras décadas do século XX em todo o Brasil.
(( ) A revolta da vacina foi uma manifestação da população operária que de-
mandava maior acesso às políticas de saúde pública e buscava maneiras
de combater doenças.

Com relação às afirmativas acima, a correta ordenação entre proposições


verdadeiras (V) e falsas (F) é:
a) V – F – V –F
b) V – V –F – F
c) V – V – F – V
d) F – V – V –F
e) F – V - F – V
4. O conceito de cidadania regulada, proposto pelo cientista político Wanderley
Guilherme dos Santos, diz respeito ao estabelecimento de relações hierárqui-
cas entre distintos atores ou instituições políticas relacionadas ao mundo do
trabalho. Qual dessas alternativas representa o ator ou instituição responsável
pela intermediação das relações entre a base trabalhadora e o Estado?
a) Operariado
b) Sindicatos
c) Movimentos sociais
d) Trabalhismo
e) Governo
5. O período entre 1945 e 1964 foi caracterizado, no Brasil, pela vigência de um
regime autoritário, o qual restringiu a atuação e até mesmo o funcionamento
de muitas instituições e atores coletivos. A quais grupos tais restrições foram
aplicadas durante a ditadura militar?
118

Para além dos movimentos de trabalhadores: revoltas messiânicas no


Brasil República

O início do século XX foi marcado pela mobilização e organização do operariado no


Brasil. Contudo, não apenas esses atores se articularam em torno de demandas que con-
frontavam o Estado, mas houve também outras demandas que se tornaram públicas.
Dentre as revoltas urbanas, destaca-se aquela relacionada à vacinação no Rio de Janeiro
em 1904, mas na área rural também houve revoltas, dentre as quais Hermann (2013)
destaca os movimentos ocorridos em Juazeiro, em Canudos e no Contestado. Neste mo-
mento, abordaremos os dois primeiros movimentos.
“O fim do padroado e do regalismo imposto pela proclamação da República foi recebido
com um duplo e contraditório sentimento pelos representantes da Igreja Católica no
Brasil: alívio e apreensão. Alívio porque os novos tempos permitiram uma liberdade de
ação ante o poder temporal há muito reclamada por uma parte das lideranças eclesiais;
e apreensão porque o projeto da nova Constituição, tornado público pelo governo pro-
visório em 22 de junho de 1980, apresentava propostas evidentes de limitação da esfera
de ação da Igreja e de religiosos: reconhecimento e obrigatoriedade do casamento ci-
vil, laicização do ensino público, secularização dos cemitérios, proibição de subvenções
oficiais a qualquer culto religioso, impedimento para abertura de novas comunidades
religiosas, especialmente da Companhia de Jesus, inelegibilidade para o Congresso de
clérigos e religiosos de qualquer confissão” (HERMANN, 2013, p. 123).
Nesse contexto, emergiram vários movimentos e organizações populares pautados pela
defesa da Igreja e de princípios religiosos, que ficaram conhecidos como messiânicos.
No entanto, a historiadora lança luz a um aspecto pouco explorado desses movimentos,
para além da motivação religiosa: a crítica, ou até mesmo o enfrentamento, ao regime
republicano recém-instituído no Brasil, o que conferiria caráter político às revoltas.
O primeiro movimento gravitou em torno da figura do Padre Cícero, nascido na cidade de
Crato (interior do Ceará) no século XIX, que desde criança demonstrou vocação mística e
apego às revelações que acreditava receber em seus sonhos. Superada a dificuldade para
sua ordenação por conta de seu misticismo, o padre atuou em Juazeiro (CE), onde, tempos
depois, teve um sonho em que Jesus Cristo lhe apareceu com o coração nas mãos e pediu
que cuidasse do povo. Cerca de uma década e meia depois, uma série de acontecimentos
relacionados ao que seria a transformação de hóstias em sangue se tornar recorrente, ga-
nhou seguidores e enfrentou a rejeição da Igreja, já enfraquecida desde a constituição da
república, que viu em Padre Cícero alguém que poderia vir a fundar outra igreja no interior
daquela instituição. Afastado de suas funções, o padre buscou apoio de coronéis para de-
senvolver suas atividades e contou com apoio crescente da população, de modo que em
torno de si construiu-se um movimento social e religioso, com críticas à Igreja e ao Estado.
“Apesar do reconhecimento de seu imenso poder e de sua participação direta na política
local, padre Cícero nunca deixou de lutar pela recuperação dos poderes sacerdotais. Mor-
reu em 1934, aos 91 anos, silenciado oficialmente pela Igreja” (HERMANN, 2013, p. 138).
119

“Canudos foi, seguramente, o movimento de religiosidade popular mais estudado entre


todos os inúmeros exemplos já conhecidos no Brasil. [...] Procurando compreender as
causas da guerra, decifrar a personalidade de Antônio Conselheiro, entender o sentido
da formação do arraial e da lta dos conselheiristas, sociólogos, antropólogos, historiado-
res e profissionais das mais diferentes áreas do conhecimento têm enfrentado o desafio
de ‘explicar Canudos’ “(HERMANN, 2013, p. 138).
Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu na vila de Quixeramobim (CE) em 1828. “Sua
vida seria, porém, completamente alterada pela vergonha sofrida com a fuga da mu-
lher, amasiada com um militar. A partir desse momento, teria passado a vagar pelo
sertão em busca dos traidores para vingar a desonra, dando início à vida errante que
o notabilizaria no sertão. Passou a construir cemitérios, capelas e igrejas, para o que
começou a reunir um número de ajudantes, e datam de 1874 as primeiras notícias so-
bre um estranho personagem que, no interior de Sergipe, dava conselhos, restaurava
igrejas [...]. A fixação em Canudos teria decorrido do primeiro protesto explícito do
Conselheiro contra as leis da República” (HERMANN, 2013, p. 140). Canudos reuniria,
a partir de então, os seguidores de Antônio Conselheiro, que ouviam suas pregações
críticas ao Estado e à Igreja, que tentara demovê-lo do enfrentamento às leis republi-
canas. Segundo uma estimativa do Exército à época, a população de Canudos atingiu
cerca de 25.000 conselheiristas.
Ao longo dos anos, quatro expedições militares foram enviadas para tentar destruir o
arraial de Canudos, sendo que a última contou com mais de 10.000 soldados. “Foi uma
longa e penosa etapa, [...]. Todos os combatentes foram degolados, algumas mulheres e
crianças ficaram à mercê das tropas e sobre os que sobreviveram ainda pouco se sabe.
Antônio Conselheiro morreu no dia 22 de setembro [de 1897], de causa desconhecida,
e seu corpo só foi encontrado pelas tropas no dia seguinte” (HERMANN, 2013, p. 141).
Por diferentes caminhos, ambas as revoltas combinaram aspectos religiosos e políti-
cos, insatisfações populares com o espaço público e as instituições que dominavam
tal âmbito. Padre Cícero e Antônio Conselheiro ficaram conhecidos como respon-
sáveis por mobilizações contestatórias messiânicas, mas, segundo Hermann (2013,
p. 155-156), mas suas atuações não foram restritas ao campo religioso: “Canudos e
Contestado rejeitaram a República, e se o primeiro chegou a ensaiar a organização
da cidade santa, foi certamente Canudos que levou mais longe esse projeto, mesmo
sem declará-lo explicitamente, enquanto o padre Cícero foi o que desafiou de forma
mais longa, sistemática e organizada a Igreja e seus princípios disciplinadores. Para
melhor compreender e comparar essas e tantas outras manifestações similares que
o Brasil já abrigou, é preciso percebê-las como respostas locais e particulares a um
conjunto mais amplo de transformações impostas pela mudança na natureza do re-
gime político brasileiro”.
Fonte: Hermann (2013).
MATERIAL COMPLEMENTAR

A democracia nas urnas: O processo partidário-


eleitoral brasileiro, 1945-1964
Antonio Lavareda
Editora: Revan
Sinopse: “Em 1991, quando escrevi o prefácio da primeira
edição deste livro, eu o fiz ciente de que estava a produzir um
texto desnecessário. Lavareda não precisava ser apresentado.
E hoje? Hoje, como é fácil imaginar, eu vejo minha tarefa como
um perfeito contrassenso. Nos vinte anos transcorridos desde
o aparecimento deste magnífico A Democracia nas Urnas,
Lavareda firmou-se como um cientista social de primeira
linha e uma referência obrigatória no debate político nacional, sem esquecer, é claro, o título de
“mago das pesquisas eleitorais” que a imprensa apropriadamente lhe atribuiu. Fiz em 1991 esta
observação: “estamos diante de um livro memorável: um marco, sem favor algum, na evolução
dos estudos políticos brasileiros”. De fato, Lavareda trouxe esclarecimentos decisivos para uma
questão fundamental no debate sobre o regime de 1946-64: a da suposta debilidade do sistema
partidário como um fator causal do colapso da democracia. Reavaliando os dados político-eleitorais
daquele período, ele mostrou que o referido sistema tendia a se estabilizar – e não a se desintegrar,
como outros autores haviam argumentado. Refutou, assim, a tese do artificialismo dos partidos e a
responsabilidade que frequentemente se lhes atribuía no advento do ciclo de governos militares”
(Bolívar Lamounier, prefácio à terceira edição, 2012).

O ano em que meus pais saíram de férias


Ano: 2006
Sinopse: Um belo dia, os pais de Mauro precisam viajar
inesperadamente e o deixam aos cuidados de um vizinho
judeu, o velho Shlomo. O filme mostra as marcas da ditadura
brasileira na vida familiar, sob o olhar de um menino mineiro
em 1970.
MATERIAL COMPLEMENTAR

O que é isso, companheiro?


Ano: 1997
Sinopse: O enredo conta, com diversas licenças ficcionais,
a história verídica do sequestro do embaixador dos Estados
Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969,
por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-8 e
Ação Libertadora Nacional, que lutavam contra o regime militar
instaurado no país em 1964.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)


O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é uma fundação pública federal, vinculada
ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, fundada em 1964, disponibiliza dados
sobre inúmeros indicadores nacionais de natureza demográfica, econômica, social e política,
por exemplo, por meio de séries históricas, bem como apresenta análises conjunturais, boletins
informativos, materiais didáticos e avaliações sobre diversos aspectos da realidade nacional e
sobre a inserção do Brasil na política internacional.
Web: <https://www.ipea.gov.br/>

Material Complementar
122
REFERÊNCIAS

AVRITZER, Leonardo. Um desenho institucional para o novo associativismo. Revista


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123
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WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
GABARITO

1. Opção correta é a D.
2. As organizações de trabalhadores buscavam melhorias tanto nas condições de
trabalho, por conta da exploração sofrida (mais-valia), quanto em sua realidade
social, diante da falta de recursos mínimos à sobrevivência digna, como sanea-
mento básico e água tratada. Ademais, havia ainda a preocupação com a regula-
mentação do trabalho de mulheres e de crianças.
3. Opção correta é a B.
4. Opção correta é a B.
5. Os partidos políticos tiveram suas atividades encerradas quando da instauração
da ditadura, assim como os sindicatos passaram a sofrer forte controle e os Le-
gislativos federal e estaduais foram fechados. Ademais, houve forte repressão
aos movimentos sociais, especialmente operários, nos primeiros anos de vigên-
cia do regime, situação que passou a se alterar após o fortalecimento do movi-
mento estudantil em 1968.
Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes

V
CIDADANIA, MOVIMENTOS

UNIDADE
SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NO BRASIL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Discorrer sobre a relevância da mobilização social no processo de
retomada da democracia no Brasil;
■■ Apresentar o processo de conformação da Carta Magna de 1988
e suas inovações com relação ao reconhecimento de direitos e da
participação dos cidadãos;
■■ Expor argumentos acerca do papel dos movimentos sociais e
das organizações do Terceiro Setor para a estruturação do Estado
democrático de direito no Brasil;
■■ Tratar do avanço de diferentes modalidades de participação
individual no Brasil;
■■ Promover a reflexão em torno da importância de conselhos gestores,
conferências e outras modalidades de participação institucional à
gestão democrática de políticas públicas.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Redemocratização e a Constituição cidadã
■■ Ações coletivas: organizações do Terceiro Setor, associativismo e
movimentos sociais
■■ Participação individual e repertórios de ação política
■■ Participação institucional
127

INTRODUÇÃO

Nossa última unidade de estudo trata das relações contemporâneas entre o Estado,
a sociedade e os movimentos sociais no Brasil. Aqui, abordaremos aspectos que
permeiam o dia a dia de cidadãos engajados politicamente e de profissionais
de diversas áreas, especialmente de gestores públicos e de entidades sociais, de
assistentes sociais e daqueles que trabalham com atividades relacionadas ao fun-
cionamento da máquina estatal.
O caminho percorrido desde as bases conceituais de formação do Estado,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

perpassado pela Revolução Industrial e os processos de urbanização, culminou


no aprofundamento de aspectos da realidade social nacional, desde o século XIX
até o período militar, na unidade de estudos anterior.
Nesta última unidade de estudos, são apresentados o contexto e as princi-
pais mudanças legais instituídas pela Constituição de 1988, aprovada em meio
ao processo de redemocratização nacional após o regime militar, que representa
um marco para o avanço da cidadania, da participação popular e da ampliação
de direitos no país.
Ademais, as diferentes modalidades de engajamento, de diálogo, de influên-
cia e da pressão da sociedade sobre o Estado são abordadas nas seções seguintes
deste estudo: associativismo, organizações do Terceiro Setor, movimentos sociais
e populares, participação nos processos eleitorais, estabelecimento de contatos
com autoridades, contestação pública, cyberativismo e participação institucional.
Desse conjunto de modalidades, atentem-se especialmente ao último conjunto,
cujos objetivos e objetos tratam de políticas públicas.
Por meio de discussões teóricas, apresentação de dados e exemplos de fatos
históricos, conquistas sociais e leis aprovadas, apresenta-se um quadro otimista
com relação às possibilidades de melhoria das condições de desenvolvimento
democrático a partir da utilização desse repertório de ação política.
Boa reflexão!

Introdução
128 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

A década de 1980 foi um marco não apenas no processo de redemocratização


do país, mas também de ampliação de direitos e de cidadania. Considerada a
expressiva vitória popular com a alteração da legislação federal, que aprovou a
realização de eleições diretas à presidência da República, os distintos atores polí-
ticos coletivos envolvidos nas “Diretas Já!” – como partidos políticos de oposição
ao regime militar, sindicatos, movimentos sociais (especialmente estudantis e
religiosos), artistas e a imprensa, por exemplo – sentiram-se fortalecidos.
Para além dos aspectos eleitorais, um dos principais aspectos da retomada demo-
crática foi a elaboração de um novo texto constitucional, o qual teve dois conjuntos
de instituições como atores relevantes: os partidos políticos e os movimentos sociais.
Em se tratando dos partidos políticos, a retomada da democracia foi acompa-
nhada pela elevação do número de legendas partidárias, por conta de alterações na
legislação e da abertura a correntes ideológicas antes impossibilitadas de formalização
legal. Nesse sentido, houve ampliação da possibilidade de discussão e argumenta-
ção para a elaboração da Carta Magna pela Assembleia Constituinte (KINZO, 1990).
Já os movimentos sociais – e suas articulações e parceiros, como movimen-
tos populares, associações, entidades sociais etc. – exerceram poder de pressão
junto à mídia, aos partidos e aos políticos e foram capazes de articular demandas,
interesses e auxiliarem na efetivação da cidadania, ao menos em termos legais
(LONARDONI et al, 2006).

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


129

Segundo Scherer-Warren (2012, p. 56), “com a transição política para a


democratização do Estado, os movimentos se mobilizaram para a ampliação
dos direitos ou a criação de direitos de uma nova geração a serem incluídos na
nova Constituição brasileira”. Para tanto, a mobilização da sociedade resultou
no encaminhamento de propostas para discussão sobre pontos que comporiam
o novo texto constitucional.
A Constituição Federal aprovada em 1988, ainda em meio ao processo de aber-
tura democrática (o processo eleitoral que culminou na vitória de Fernando Collor
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de Mello ocorreria apenas no ano seguinte), ficou conhecida como “Constituição


cidadã” por conta de aspectos que ampliaram os direitos dos brasileiros e os
mecanismos de participação social.
Sobre o primeiro aspecto, a legislação define em seu primeiro artigo o seguinte:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indisso-
lúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Dentre os fundamentos da República brasileira, de acordo com o novo texto,


é possível destacar a relevância dos aspectos a serem valorizados pelo regime
democrático: a autoridade soberana do Estado (inclusive diante de grupos que
busquem o poder), a preocupação com a ampliação efetiva da cidadania (até
então regulada, como visto em unidade de estudos anterior), a valorização
da dignidade humana (o que rompia com o tratamento ofertado pelo regime
militar àqueles contrários ao poder instituído), o reconhecimento de aspec-
tos laborais e econômicos e o respeito à organização de grupos em partidos
com diferentes ideários políticos.

Redemocratização e a Constituição Cidadã


130 UNIDADE V

Em seus artigos seguintes, a nova Carta Magna determinou, dentre outros


aspectos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na qual fossem
garantidos os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
dade, bem como os objetivos de erradicação da pobreza e da marginalização
combinadas com diminuição de desigualdades sociais e regionais e ainda a pro-
moção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação.
Em se tratando de direitos sociais, a lei define amplo conjunto de áreas
de políticas públicas, como educação, saúde, moradia, previdência social e
trabalho como responsabilidades do Estado para com os brasileiros. Houve,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
também, determinação do sufrágio universal (com facultatividade para analfa-
betos, jovens entre 16 e 17 anos e idosos com 70 anos ou mais), determinação
de voto secreto e direto e estabelecimento de mecanismos de participação,
como plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Ademais, a Constituição extinguiu distinções quanto às diferentes ocupações,
com relação a postos/funções ou condição urbana/rural ao definir um conjunto
de cerca de trinta direitos dos trabalhadores em artigo cujo caput indica que “São
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melho-
ria de sua condição social: [...]” (BRASIL, 1988, art. 7º).
Dentre os demais artigos da Constituição cidadã, destacamos, neste estudo,
mais dois temas. O primeiro trata de sindicatos e manifestações. Diferentemente
do tratamento conferido às organizações operárias no período militar, a Carta
Magna de 1988 define aspectos que permitem a livre associação profissional e
sindical (artigo 8º), o direito à realização de greves (artigo 9º) e de representa-
ção dos trabalhadores junto aos colegiados (no caso de órgão público – artigo
10) ou aos empregadores (artigo 11).
O segundo aspecto diz respeito à cidadania e serviços e remete a conquistas
e oferta de políticas públicas, não restrita apenas a garantia dos direitos sociais
acima mencionados, mas extensiva, também, por exemplo, a que pessoas por-
tadoras de deficiência e os idosos recebam salário mínimo para subsistência,
possibilidade de participação da população na formulação de políticas públicas
e controle de ações estatais e estruturação das áreas de saúde e assistência social,
de modo a tornar a primeira pública, gratuita e universal e a segunda pública,
gratuita e direcionada aos que dela necessitem.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


131

As garantias acerca de possibilidades de organização e acesso a direitos


contribuíram para a reestruturação democrática do país. Nesse contexto, as
ações coletivas e a participação política voltaram a se destacar, no que foram
acompanhadas pela emergência de mecanismos de participação institucio-
nal. Esses conjuntos de modalidades são abordados nas próximas seções desta
unidade de estudo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O balanço da produção acadêmica do Núcleo de Pesquisa em Movimentos


Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (NPMS/UFSC), que com-
pletou 30 anos em 2013, demonstra como atores sociais e coletivos se des-
tacaram, em distintas medidas, os processos políticos ao longo do período:
os movimentos sociais se destacaram durante o período de redemocratiza-
ção (década de 1980) e dividiram o protagonismo com a sociedade civil e o
associativismo nos anos 1990, ao passo que novo milênio aponta a plurali-
zação da atuação entre esses grupos e a participação institucional.
Fonte: Delesposte; Gimenes (2015).

Redemocratização e a Constituição Cidadã


132 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
AÇÕES COLETIVAS: ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO
SETOR, ASSOCIATIVISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS

Tendo em vista que o processo de globalização afetou não apenas o mercado eco-
nômico, mas, também, as demais áreas da organização das sociedades, as formas
de mobilização da sociedade sofreram efeitos expressivos nas últimas décadas, o
que refletiu, inclusive, em como campos de estudos como Sociologia e Ciência
Política interpretam as maneiras como as ações são articuladas e conduzidas.
Sobre tal alteração, que ocorreu também no Brasil, Scherer-Warren (2012) destaca
dois pontos relevantes. O primeiro diz respeito à identificação de distintas possibi-
lidades de organização dos indivíduos, as quais a autora denomina ações coletivas:
A expressão ações coletivas tem sido geralmente utilizada, mesmo na
academia, como definição de um conceito empírico para se referir a
toda e qualquer forma de ação reivindicativa ou de protesto realizada
através de grupos sociais, tais como associações civis, agrupamentos
para a defesa de interesses civis comuns, organizações de interesse pú-
blico (SCHERER-WARREN, 2012, p. 19).

Tal conceito se refere a amplo espectro de modalidades, com diferentes interesses


e níveis de atuação, o que pode incorporar desde a atuação de uma organização
não governamental (ONG) que realiza seu trabalho em uma comunidade ou
bairro de determinado município até organismos de atuação nacional, como o
Movimento dos Sem-Terra (MST) no Brasil, ou internacionais, como a World
Wide Fund for Nature (WWF), ONG internacional que atua na conservação,
investigação e recuperação ambiental em todo o mundo.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


133

Tendo em vista o conceito de ações coletivas acima exposto, quantas dife-


rentes formas de organização atuam no entorno de sua realidade social?
Pesquise sobre atividades desenvolvidas por ONGs, associações comunitá-
rias, iniciativas de responsabilidade social desenvolvidas por empresas e/ou
agrupamentos religiosos, por exemplo.

O segundo aspecto destacado por Scherer-Warren (2012) diz respeito à arti-


culação das ações coletivas na contemporaneidade. Conforme a autora, essa
articulação pode ocorrer em três níveis, conforme a complexidade de sua orga-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nização: [1] redes sociais, quando se trata de laços estabelecidos por conta de
continuidade entre as ações ou de interação em sua execução, sem necessidade
de organização formal e maior possibilidade de ação conduzida por indivíduos;
[2] coletivos em rede, que se referem a articulações entre ONGs ou outras orga-
nizações em torno de categorias temáticas específicas, como o Fórum Brasileiro
de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que
reúne distintos atores coletivos que se mobilizam por causas ambientais; e [3]
movimentos sociais em rede, em alusão às uniões de movimentos sociais em
torno de causas gerais ou específicas, sendo que em diferentes momentos é pos-
sível haver articulações em redes também distintas, por conta dos objetivos,
interlocutores e demandas em pauta.
Movimentos sociais, enfim, são redes sociais complexas, que transcen-
dem organizações empiricamente delimitadas e que conectam, de for-
ma simbólica, solidarística e estratégica, sujeitos individuais e atores
coletivos, que se organizam em torno de identidades ou identificações
comuns, da definição de um campo de conflito e de seus principais
adversários políticos ou sistêmicos e de um projeto ou utopia de trans-
formação social (SCHERER-WARREN, 2012, p. 21).

Nesse sentido, é possível pensar como o desenvolvimento de ações coletivas impli-


cou em alterações nas articulações e conquistas ao redor do mundo, mas, focando
em nosso objeto de interesse, trataremos de conquistas sociais no caso brasileiro.
Os dados oficiais mais recentes disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), referentes ao ano de 2010, apontam a existência de 556.846 enti-
dades sem fins lucrativos em exercício no Brasil, sendo que 290.692 (52,2%) eram

Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e Movimentos Sociais


134 UNIDADE V

enquadradas juridicamente na categoria de Fundações Privadas e Associações


sem Fins Lucrativos (FASFIL).
Com relação à distribuição dessas entidades no território nacional, os
dados apontam concentração na região Sudeste (42,1%), seguida pelo Nordeste
(27,8%), pelo Sul (14,4%) e, com menor expressão, as regiões Norte (8,3%) e
Centro-Oeste (7,4%). Contudo, faz-se relevante destacar que os dados do IBGE/
IPEA (2012) apontam crescimento recorrente das FASFIL em todas as regiões
desde a década de 1970.
Sobre tal crescimento, a tabela abaixo apresenta dados referentes ao número

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de organizações fundadas por década. Inicialmente, verifica-se que a cada década
tem se elevado o número de entidades no território nacional, sendo que cerca de
41% das FASFIL em operação no ano de 2010 foram fundadas naquela década.

Tabela 1 - Dados sobre FASFIL no Brasil

PERÍODO DE NÚMERO NÚMERO


NÚMERO NÚMERO (%)
FUNDAÇÃO (ACUMULADO) (ACUMULADO %)
Até 1970 9558 3,3% 9558 3,3%
De 1971 a 1980 27270 9,4% 36828 12,7%
De 1981 a 1990 45132 15,5% 81960 28,2%
De 1991 a 2000 90079 31,0% 172039 59,2%
De 2000 a 2010 118653 40,8% 290692 100,0%
TOTAL 290692 100% - -
Fonte: IBGE/IPEA (2012).

Ademais, há que se destacar, ainda, dois dados relevantes: primeiramente, vê-se


que 28,2% das FASFIL em funcionamento no país atuam há pelo menos duas déca-
das, o que denota a persistência desse tipo de ação coletiva ao longo do tempo;
e, em segundo lugar, que nas décadas de retomada da democracia e de vigência
do regime as FASFIL se capilarizaram pelo país, uma vez que aquelas fundadas
desde 1981 representam não apenas 87,3% da totalidade, mas um aumento de
1066% no número de instituições em três décadas, o que reforça a importância
crescente dessa forma de atuação no Brasil contemporâneo.
Ainda sobre tal crescimento, IBGE e IPEA destacam, com relação à com-
posição dessa totalidade:

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


135

As mudanças na dinâmica de crescimento das entidades ao longo dos


anos refletem-se na composição das Fasfil por data de criação. Anali-
sando as mais antigas, criadas até 1980, observa- se a predominância de
dois grupos: Religião, que representava 39,5% do total das entidades e,
em um distante segundo lugar, Cultura e recreação, cuja participação
alcançava 19,6%. Em 2010, o quadro se altera: entre as entidades mais
novas, predominam aquelas voltadas para a defesa de direitos e interes-
ses dos cidadãos (30,6%) e a participação das religiosas cai para 27,0%
do total das Fasfil em 2010 (IBGE; IPEA, 2012, p. 33).

Em paralelo ao crescimento das entidades legalmente constituídas com atuação


social, houve, também, expansão do associativismo no Brasil, porém este é mais
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dificilmente mensurável em termos institucionais por conta de sua caracterização,


uma vez que não há necessidade de formalização jurídica e mesmo sua finalidade
pode se manifestar como pontual ou perene, tanto que mesmo entre teóricos polí-
ticos não há consenso sequer sobre um conceito de associativismo (PUTNAM,
1995; COHEN; ROGERS, 1995; WARREN, 2001; SCHERER-WARREN, 2004;
LÜCHMANN, 2016). Nesse sentido, Warren (2001) destacou que tal campo é
diverso, complexo, plural, amplo e multifacetado.

No Brasil, há definição jurídica para associação no Código Civil (GANANÇA,


2006), mas esta assume o pressuposto de constituição legal como pessoa
jurídica de direito privado, constituída livremente pela união de indivíduos
com finalidade não econômica ou não lucrativa.
Fonte: o autor

No entanto, é fato a relevância das associações da sociedade civil com atuação na


esfera pública, de modo que tanto autores internacionais (HABERMAS, 1997;
COHEN, 1999, por exemplo) quanto nacionais (como LÜCHMANN, 2016)
apontam que cabe a tais entidades “[...] a construção, na esfera pública, da for-
mação da opinião e da vontade, influenciando o poder político institucional”
(LÜCHMANN, 2016, p. 46), além de se constituírem como recursos à atuação
de movimentos sociais e de bases ou estruturas de mobilização aos processos

Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e Movimentos Sociais


136 UNIDADE V

políticos (MCADAM; MCCARTHY; ZALD, 2008) e de se apresentarem como


alternativas tanto para o desenvolvimento local quanto para o desenvolvimento
social e econômico regional no país (AGUIAR, 2007; LEONELLO; COSAC,
2008; BATTISTI; DENUZI, 2009; ALVES et al, 2011).
Assim, o associativismo contribui para que a sociedade se constitua de
maneira ativa, autônoma e diversificada, o que é essencial para o desenvolvi-
mento da democracia, pois as articulações dos cidadãos permitem a expressão
de demandas e de problemas sociais, bem como são capazes de estimular a inclu-
são de atores individuais e coletivos na vida democrática. Além disso, “[...] as

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
associações também exercem um papel mais ativo na promoção de espaços e
atividades de interação com o Estado, como a implementação ou execução de
políticas públicas, por exemplo” (LÜCHMANN, 2016, p. 49).
Dados de opinião pública coletados desde a redemocratização e disponíveis
na página do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de
Campinas (CESOP/UNICAMP) apontam relativa estabilidade nos percentuais
de brasileiros que participam de sindicatos, associações educacionais, culturais,
esportivas, de proteção ao meio ambiente, profissionais e partidos políticos. Entre
as modalidades associativas, destacam-se as religiosas, especialmente por conta
da manutenção do número de brasileiros que se envolve em atividades relaciona-
das à temática e da elevação daqueles que se declaram evangélicos e protestantes,
e as associações comunitárias ou de bairros, categoria na qual o envolvimento
dos brasileiros sofreu expressiva elevação entre 1991 e 2014, superior a 100%,
ainda que não seja este o vínculo associativo com maior participação dos cida-
dãos, conforme demonstram dados de opinião pública sistematizados abaixo.
Tabela 2 - Frequência de participação associativa entre os brasileiros

MODALIDADE %
Participou de reuniões de associação ou grupo religioso* [2014] 71,7
Participou de reuniões de associação de pais e mestres* [2014] 35,8
Participou de reuniões de associação de bairro* [2014] 16,2
Participou de reuniões de associação esportiva* [2012] 8,4
Participou de reuniões de associação profissional* [2014] 8,1
*Alguma frequência.
Fonte: adaptado de Gimenes (2017a).

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


137

De modo geral, a permanência do percentual de envolvimento em boa parte


das categorias associativas demonstra, por um lado, o crescimento do número
de brasileiros engajados, mas, por outro lado, aponta que para a maioria das
modalidades de envolvimento, a tessitura social não tem se expandido para
além da taxa de crescimento populacional. Contudo, há que ser destacado o
efeito do crescimento das religiões cristãs não católicas sobre a política, por
conta das atuação considerada conservadora e da argumentação contrária
àquela de Estado laico nos debates e pautas políticas do Legislativo, e, ainda,
a forte expressão do associativismo local, representado pela articulação em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rede de indivíduos de comunidades e bairros em torno de demandas e lutas


sociais, o que, em alguma medida, pode estar relacionado às experiências
democráticas de orçamentos Participativos, os quais serão abordados ainda
nesta unidade de estudo.
Por fim, sobre o associativismo, cabe destacar a relevância de tal meca-
nismo de ação coletiva à representação política e à participação institucional.
Com relação ao primeiro aspecto, as pesquisas de Almeida, Lüchmann e Ribeiro
(2012) e de Silva (2015) demonstram a relação entre vínculos associativos e a
atuação de parlamentares federais brasileiros na Câmara dos Deputados para
as legislaturas entre 2003 e 2015.
Sobre o segundo aspecto, os vínculos associativos são determinantes para
o envolvimento dos indivíduos com a esfera pública por meio de conselhos de
políticas públicas no Brasil, aspecto que reforça a importância de tal modalidade
de engajamento social à tessitura social no país (LÜCHMANN; ALMEIDA;
GIMENES, 2016).
Em se tratando de movimentos sociais, qualquer tentativa de mensura-
ção é ainda mais dificultosa do que quando se trata do associativismo, já que,
como destacado por autores anteriormente mencionados, tais movimen-
tos podem se constituir em paralelo ou em diálogo com outras modalidades
de engajamento, como as ONGs, o associativismo ou ainda ações de grupos
mobilizados em redes.

Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e Movimentos Sociais


138 UNIDADE V

Se, em um primeiro momento de forte ebulição no Brasil, os movimentos


sociais se caracterizaram pelas lutas contra a ditadura instituída, com destaque
aos movimentos de base cristãos e à Teologia da Libertação, com a retomada da
democracia houve questionamentos com relação às perspectivas de enfraqueci-
mento ou de fortalecimento dessas ações coletivas em contextos nos quais a luta
social contra o poder vigente não se colocaria.
Entretanto, se na década de 1980 os movimentos sociais foram atores funda-
mentais à conformação da Constituição cidadã, nas décadas seguintes novas pautas
emergiram e reforçaram a relevância de tais entidades, como Fóruns Nacionais de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana e de Participação Popular. Ademais, assis-
tiu-se, na década de 1990, a criação da Central dos movimentos Populares, que “[...]
estruturou vários movimentos populares em nível nacional, tais como a luta pela
moradia, assim como buscou fazer uma articulação e criou colaborações entre dife-
rentes tipos de movimentos sociais, populares e não-populares” (GOHN, 2011, p. 20).
Ainda segundo a autora, também na década de 1990 ocorreram movimentos
de destaque, como o de “Ética na Política”, que contribuiu para o ressurgimento
do movimento estudantil dos “cara-pintadas” e se destacou no processo de impe-
achment de Fernando Collor de Mello, a “Ação da Cidadania contra a Fome”, que
segue em atividade até os dias atuais, e ainda destacaram-se movimentos sociais
com pautas de minorias (mulheres, negros e indígenas) e relacionadas ao meio
ambiente e às políticas públicas de educação e saúde.
Para Gohn (2010; 2011), além destes movimentos mencionados no fim do
parágrafo anterior, neste início do milênio houve expansão das formas de ação
coletiva e de pautas, com destaque aos movimentos populares que buscam a
redução de carências socioeconômicas, como aqueles:
■■ De lutas por moradia e outras questões urbanas (a exemplo dos Movimentos
dos Trabalhadores Sem-Teto e das preocupações com a população em
situação de rua, com a violência e com a prestação de serviços públicos
– como educação e saúde);

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


139

■■ Em torno de questões ambientais, nos âmbitos rural e urbano (com foco


na preservação da fauna e flora);
■■ Pautados por questões identitárias e culturais (como gênero – mulheres e
homossexuais -, geracionais – jovens e idosos – e étnico-raciais – negros
e indígenas);
■■ Por demandas relacionadas a direitos humanos e culturais;
■■ De combate à fome;
■■ De enfrentamento às condições de trabalho (movimentos sindicais, coo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

perativas e contrários às reformas estatais e ao desemprego);


■■ Movimentos religiosos;
■■ Movimentos sociais rurais (como o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra, o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Comissão
Pastoral da Terra, por exemplo);
■■ As articulações em torno da democratização do setor de comunicações; e
■■ Movimentos sociais globais contrários à globalização e em defesa de popu-
lações imigrantes e pela paz, dentre outros).

Outro aspecto a ser considerado é a chegada do Partido dos Trabalhadores


(PT) ao Palácio do Planalto em 2002. Com a ascensão de Luiz Inácio Lula da
Silva à presidência, assistiu-se não apenas a vitória de um sindicalista, mas
também de grupos e ações coletivas organizados e articulados desde a década
de 1970, de modo que interlocutores e atores políticos de diversas entidades,
grupos profissionais, associações e movimentos sociais compuseram seus
governos e participaram da discussão e da deliberação sobre políticas públicas
“por dentro” do Estado. Se, por um lado, a alçada de lideranças sociais pode
ter enfraquecido ações coletivas específicas, houve, por outro lado, expressi-
vos avanços em distintas áreas sociais.

Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e Movimentos Sociais


140 UNIDADE V

[...] muitos atores coletivos viram na figura de uma liderança his-


tórica do “novo sindicalismo” (Lula), a possibilidade de acesso ao
poder, com a criação de canais de negociação mais diretos. De fato,
com o governo Lula consolidam-se alguns espaços e criam-se no-
vos espaços de participação e negociação entre Estado e sociedade
civil organizada como, por exemplo, as Secretarias Especiais (com
status de ministério) da Mulher, da Promoção da Igualdade Racial,
da Economia Solidária, da Juventude etc., as quais através de seus
Conselhos Nacionais e desdobramentos em redes estaduais e mu-
nicipais (e de forma aglutinadora nas Conferências Nacionais) vêm
construindo plataformas específicas para a promoção da cidadania
fruto das reivindicações e das mobilizações civis do movimento

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
institucionalizado (SCHERER-WARREN, 2012, p. 58).

Ainda com relação às diversas formas de articulação em redes de ações coletivas,


faz-se salutar destacar que, de modo geral, as pautas de interesse, demandas e lutas
se diversificaram ao longo das décadas sob o regime democrático, de modo que
conforme a plataforma de direitos se amplia, grupos de atores individuais e cole-
tivos percebem novas possibilidades de combinação de identidades políticas e de
valores, os quais culminam na transversalidade de lutas por direitos e cidadania.
Nesse sentido, as próximas seções desta unidade de estudo discutem aspectos
relacionados a distintas modalidades de participação política, sejam individu-
ais, tradicionais, contestatórias ou institucionais, por meio das quais a luta por
direitos sociais e por garantias de consolidação do texto constitucional se con-
figuram em políticas públicas.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


141
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

PARTICIPAÇÃO INDIVIDUAL E REPERTÓRIOS DE


AÇÃO POLÍTICA

A participação política dos indivíduos é alvo de amplo conjunto de pesquisas


em diversas áreas do conhecimento, mas, de modo geral, poderia ser definida
como o espectro de possibilidades de ações, por parte dos indivíduos, direcio-
nadas a objetivos políticos, sem que, necessariamente, atinjam objetos políticos.
Em outras palavras, a atuação política dos indivíduos diz respeito às suas fina-
lidades e não aos interlocutores, pois é possível influenciar processos políticos
sem o contato direto com o Estado (GIMENES, 2017a).
Neste estudo, nos interessa, especificamente, o conjunto de modalidades de
engajamento político considerados democráticos, ou seja, as ações e atividades
direcionadas à política que, ainda que contestem e exponham críticas, reco-
nhecem a legitimidade do regime democrático, o que significa a realização de
manifestações permitidas (e/ou não proibidas) pela legislação.
No caso brasileiro, a participação dos indivíduos se estende para além do
associativismo, de movimentos sociais e de entidades do Terceiro Setor. Ainda
que o voto seja a maneira mais recorrente, até mesmo por sua obrigatoriedade, os
brasileiros desenvolvem outras ações de natureza política, sendo que nos últimos
anos (especialmente entre 2013 e 2016) assistimos a grandes protestos e mani-
festações nas ruas e expressivas mobilizações em redes sociais.
Dentre as ações que configuram participação política, Milbrath (1965) elenca
aquelas tradicionais, relacionadas, em alguma medida ao processo eleitoral: expor-
-se a solicitações políticas, votar, participar de uma discussão política, tentar

Participação Individual e Repertórios de Ação Política


142 UNIDADE V

convencer alguém a votar de determinado modo, usar um distintivo político,


fazer contato com funcionários públicos, contribuir com dinheiro a um partido
ou candidato, assistir a um comício ou assembleia, se dedicar a uma campanha
política, ser membro ativo de um partido político, participar de reuniões em que
se tomam decisões políticas, solicitar contribuições em dinheiro para causas polí-
ticas, candidatar-se a um cargo eletivo e ocupar cargos públicos.
Segundo Gimenes (2017a), a lista acima contemplaria formas socialmente
aceitas de ativismo, de modo que a partir da década de 1960, quando houve
proliferação e expansão de temáticas em torno dos movimentos sociais pelo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mundo, também as modalidades de engajamento se ampliaram, ao que Norris
(2007) entendeu como a reconfiguração do campo de práticas e de repertórios
de ação dos indivíduos, também por meio de ações contestatórias ou não con-
vencionais, tais como escrever a um jornal, aderir a um boicote, auto-reduzir
impostos ou rendas, ocupar edifícios, bloquear o trânsito, assinar uma petição,
fazer um sit-in, participar numa greve, tomar parte em manifestações, danificar
bens materiais e utilizar violência contra pessoas.
Um aspecto importante a considerar é que as maneiras de atuação política
acima relacionadas não ocorrem, obrigatoriamente, de maneira dissociada. Nesse
sentido, encontram-se replicados abaixo quatro parágrafos do livro “Cultura
política e comportamento” (GIMENES, 2017a), no qual é tratado o contexto e
o conceito de repertórios de ação política.
Della Porta (2003) afirma que, na verdade, a participação convencional se
encontraria relacionada à não convencional, um indicativo de que enquanto exis-
tem atores que optariam por uma ou por outra forma de participação, haveria,
também, aqueles que combinariam com ambas as modalidades em suas ações.
Ribeiro e Borba (2015) reiteram tal afirmação e ressaltam que a adoção de
uma postura crítica em relação ao funcionamento das instituições democráticas
e o questionamento dos mecanismos tradicionais de representação implicaram
na redução significativa das taxas de mobilização política convencional nas últi-
mas décadas, situação que poderia se configurar em sinal de apatia por parte dos
indivíduos caso não estivesse ocorrendo em paralelo um movimento inverso: o
aumento dos índices de participação em atividades de contestação às institui-
ções e elites estabelecidas.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


143

Conforme apontado ao longo daquele estudo [o livro acima destacado],


são muitos os autores que, no campo da cultura política, destacam que os atores
políticos podem mobilizar distintas maneiras de atuação, como, por exemplo,
votar e tentar convencer outros a votar em determinado candidato, participar
de reuniões de grupos ou partidos políticos e estabelecer algum contato ou pro-
curar candidatos ou representantes eleitos e, ainda, participar de sindicatos ou
associações comunitárias e assinar petições ou se engajar em protestos e mani-
festações de rua.
A essas possibilidades de articulação, ou mesmo de desenvolvimento da par-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ticipação política em distintos momentos, Barnes e Kaase (1979) denominaram


repertórios de ação política. Segundo os autores, diferentemente da proposta de
Milbrath (1965) acerca do continuum por meio do qual se desenvolveriam as ati-
vidades políticas convencionais, os indivíduos não escolheriam uma forma de
engajamento, mas combinariam distintas modalidades em sua atuação.
Em se tratando da realidade social brasileira, Gimenes (2017a) promoveu
a análise de distintos conjuntos de modalidades de participação na obra acima
referenciada, a partir de bases de dados coletadas por institutos internacio-
nais de pesquisa junto a amostras significativas e representativas da população
nacional entre os anos de 2012 e 2014. O autor tratou do voto, de participação
em atividades partidárias e eleitorais, do associativismo, do estabelecimento de
contatos com autoridades, de participação contestatória e de engajamento via
internet, conforme apresentado na discussão abaixo, extraída de “Cultura polí-
tica e comportamento”.
O voto é considerado como mais tradicional modalidade de participação
e, ainda que as taxas de não comparecimento eleitoral sejam recorrentemente
superiores a 20% nos pleitos brasileiros, tal modo de envolvimento com a polí-
tica ainda é aquele por meio do qual a maior parcela dos brasileiros atua. Há
que se considerar, entretanto, que o comparecimento eleitoral é obrigatório no
Brasil, a despeito das mínimas sanções à ausência nas votações, o que significa
que deve-se ponderar o percentual de brasileiros que votam quando comparado
com as demais modalidades de atuação política.
Para além do voto, há outras atividades relacionadas às eleições, dentre as
quais o percentual de brasileiros que declararam ter tentado convencer outros a

Participação Individual e Repertórios de Ação Política


144 UNIDADE V

votar em determinado candidato ou partido nas eleições de 2010 foi de 39,6%,


daqueles que trabalharam para candidatos ou partidos naquelas eleições presi-
denciais atingiu 11,8% e os brasileiros que participaram de ao menos uma reunião
de partido ou movimento político foi de 10,1%.
Tabela 3 - Frequência de participação em atividades partidárias e eleitorais entre os brasileiros.

MODALIDADE %
Tentou convencer alguém a votar em um candidato ou partido nas elei- 39,6
ções de 2010* [2012]
Trabalhou na campanha de candidato ou partido nas eleições de 2010 11,8

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
[2012]
Participou de reuniões de movimento ou partido político* [2014] 10,1

*Alguma frequência.
Fonte: adaptado de Gimenes (2017a).

Para além das modalidades de participação relacionadas ao contexto eleitoral,


há, ainda, outras formas de atuação que podem ser consideradas, por se tratarem
de engajamentos em instituições hierarquizadas, em alguma medida, as quais se
constituem em indicadores de associativismo. Historicamente, entidades como
sindicatos, movimentos sociais e comunidades eclesiais de base foram responsá-
veis, em alguma medida, pelo processo popular de luta pela abertura democrática
entre as décadas de 1970 e 1980, quando foi findado o sistema bipartidário e
legalizado o multipartidarismo, o Partido dos Trabalhadores (PT) surgiu como
“grande novidade” entre as legendas partidárias e, posteriormente, ocorreram a
mobilização pelas “Diretas já!” e a redemocratização. [Com relação aos dados,
estes encontram-se em tópico anterior desta unidade de estudos]
Para além das atividades eleitorais e associativas, também é considerado
tradicional o estabelecimento de contato com autoridades ou membros do
Estado. Contudo, tais modalidades de atuação são pouco utilizadas pelos bra-
sileiros, uma vez que a forma mais comum, a solicitação de ajuda de alguma
natureza a autoridades locais (prefeitos ou governadores) foi utilizada por ape-
nas 18,4% dos brasileiros e os contatos com vereadores, deputados, senadores
e instituições federais foram menores, assim como a presença a audiências da
Câmara dos Vereadores.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


145

Tabela 4 - Frequência de estabelecimento de contato com autoridades entre os brasileiros.

MODALIDADE %
Pediu ajuda a alguma autoridade local, como prefeito ou governador 18,4
[2014]
Pediu ajuda a vereador [2012] 11,2
Pediu ajuda a algum ministério/secretaria ou instituição pública (federal) 5,3
[2012]
Pediu ajuda a algum deputado ou senador [2012] 4,7

Fonte: adaptado de Gimenes (2017a).


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Sobre o envolvimento dos cidadãos em protestos após a redemocratização,


Hernandes (2012) analisou dados coletados pelo WVS em 1990 e 2005 e identi-
ficou a redução da participação dos brasileiros em atividades contestatórias de
modo generalizado, efeito semelhante ao verificado por Okado (2013), a partir de
bancos de dados do Latinobarômetro referentes aos anos de 1995, 2000 e 2005.
Na última década, o caso do “mensalão”, em 2005, desencadeou protestos
que, ainda que centrados majoritariamente no PT, alcançaram os partidos políti-
cos de modo geral, a ponto de refletir na redução da identificação partidária com
todas as legendas. Já em junho de 2013, após o momento em que as manifestações
estiveram direcionadas à luta pela manutenção das tarifas do transporte público
e à pauta da gratuidade (capitaneadas pelo Movimento Passe Livre – MPL), um
amplo conjunto de pautas tomou as ruas, dentre as quais discursos contrários
aos partidos e até mesmo à permanência do regime democrático (MARICATO,
2013; ROLNIK, 2013; SINGER, 2013). Após a segunda onda de protestos men-
cionada, verificamos a elevação do número de protesters no último ano (7,7%)
com relação aos períodos imediatamente anteriores, uma vez que em 2010 e em
2012 tal resultado girou em torno de 5%.
Para além dos protestos, ressaltamos o expressivo percentual de brasileiros que
declarou ter participado por meio de petição ou abaixo-assinado, o que se deve,
em alguma medida, à expansão da realização de tais modalidades ao ambiente
eletrônico, uma vez que, especialmente nesta década, se elevou sobremaneira o
número de abaixo-assinados e de petições online, o que facilita o envolvimento
dos indivíduos. Em menor medida, verificamos, ainda, os percentuais de brasilei-
ros que participaram de greves e que se engajaram em boicotes nos últimos anos.

Participação Individual e Repertórios de Ação Política


146 UNIDADE V

Tabela 5 - Frequência de participação contestatória entre os brasileiros

MODALIDADE %
Assinou petição ou abaixo-assinado nos últimos 12 meses [2012] 15,4
Participou de manifestação nos últimos 12 meses [2014] 7,7
Participou de greve ou paralisação dos últimos 12 meses [2014] 4,6
Participou de boicote nos últimos 12 meses [2012] 1,6
Fonte: adaptado de Gimenes (2017a).

Quanto ao cyberativismo, os resultados demonstram que 10,8% dos brasileiros


leram ou compartilharam informações políticas em redes sociais que, nos últimos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
12 meses, mas há que se destacar ainda a utilização do espaço online para visitas
a sites de candidatos, políticos e partidos, bem como para discussões políticas.

Tabela 6 - Frequência de participação na internet entre os brasileiros.

MODALIDADE %
Compartilhou informações políticas na internet nos últimos 12 meses 10,8
[2012]
Visitou site de candidato, político ou partido nos últimos 12 meses [2012] 8,7
Participou de lista de e-mails ou de discussão política na internet nos 6,8
últimos 12 meses [2012]
Fonte: adaptado de Gimenes (2017a).

No que tange às discussões políticas e ao compartilhamento de informações


políticas, que têm ocorrido de maneira relevante através de redes sociais, cabe
destacar que as redes sociais estão se tornando ferramentas críticas para a cida-
dania digital e têm contribuído para a inserção dos cidadãos no debate cívico
(RAPOSO, 2014). No caso brasileiro, as redes sociais – em especial o Facebook
e o Twitter – ocuparam papel central na organização e articulação das manifes-
tações de 2013, de modo que “essas tecnologias de comunicação são não apenas
ferramentas de descrição, mas sim de construção e reconstrução da realidade. [...]
Isso, aos poucos, altera também a maneira de se fazer política e as formas de par-
ticipação social” (SAKAMOTO, 2013, p. 95). Tal condição não apenas perdurou,
mas se expandiu nos anos seguintes, de modo que as manifestações ocorridas em
2014, 2015 e 2016 também tiveram nas redes sociais seu espaço de organização.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


147

Ademais, há que se destacar que o cyberespaço é utilizado, também, para


vocalização de pautas, demandas, discussões, organização, articulação e cons-
cientização por grupos sociais. Amaral (2017), por exemplo, investigou como
blogs conformam a luta política de minorias, especificamente, neste caso, para
mulheres (em geral) e para mulheres negras, de modo a explicitar como a inter-
net contribui para a expansão da democracia no Brasil.
Sobre a utilização dessa gama de possibilidades de envolvimento político de
maneira combinada ou alternada, estudos recentes demonstram a pertinência da
teoria sobre repertórios de ação política para o caso brasileiro. Hansen (2016),
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

por exemplo, constatou que não existe distinção entre aqueles que se engajam
em atividades online (no cyberespaço, conforme atividades elencadas anterior-
mente) e os que desenvolvem ações no mundo “off-line” ou “real”.
Contudo, o estudo que testou a noção de repertório de ação política para o
maior conjunto de modalidades no Brasil foi elaborado por Borba, Gimenes e
Ribeiro (2015). Os autores consideraram quinze formas de envolvimento político
e buscaram, por meio de testes estatísticos sofisticados, verificar como operavam os
brasileiros com relação à participação. Sobre tal estudo, cabe destacar quatro aspectos.
Primeiramente, ressalte-se que os autores incluíram em sua análise apenas
atividades não obrigatórias, o que descartou o voto, ainda que seja a modalidade
clássica relacionada à participação democrática, pelo fato de que essa diferencia-
ção (obrigatoriedade x facultatividade) poderia influenciar os resultados.
Tendo como escopo quinze modalidades não compulsórias de envolvimento,
os autores realizaram análises bivariadas para verificar se seria plausível pensar em
relacionamentos entre tais indicadores e, diante de resultados afirmativos, testaram,
por meio de análise fatorial, a possibilidade de agrupamento dessas modalidades
em conjuntos menores e com maior relação. Nesse segundo momento, foi verificada
a pertinência de agrupamentos de ações, o que significa que algumas atividades
apresentam maior probabilidade de serem realizadas pelos mesmos indivíduos.
Cada um desses grupos de atividades recebe o nome de fator e o resultado
apontou a existência de quatro fatores de participação entre os brasileiros, quais
sejam: cyberativismo (participação em lista de e-mails de discussões sobre polí-
tica, leitura e compartilhamento de informações políticas nas redes sociais e

Participação Individual e Repertórios de Ação Política


148 UNIDADE V

visita a site de partido, candidato ou organização política), partidarismo e elei-


ções (trabalhar para candidato ou partido, tentar convencer alguém a votar em
determinado candidato ou partido e ter participado de reunião de partido ou
movimento político), civismo (ter contribuído para solução de problema da comu-
nidade ou de reuniões de associação comunitária, profissional, de pais e mestres,
de clubes sociais ou esportivos) e contestação (participação em manifestações ou
protestos e assinatura em petições ou abaixo-assinados). De maneira simples, esse
resultado aponta que quem desenvolve um dessas atividades tem forte propen-
são a realizar ao menos mais uma dentre aquelas que compõem o mesmo fator.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O terceiro aspecto a ser destacado diz respeito à apresentação de modelos esta-
tísticos multivariados que comprovaram a influência mútua de todos os quatro
fatores de participação entre si, o que significa que brasileiros que desenvolvem
atividades de uma determinada natureza têm, também, chances de atuar politica-
mente por meio de outro conjunto de atividades. Em outras palavras, o resultado
de Borba, Gimenes e Ribeiro (2015) confirma a tese de que cidadãos se enga-
jam politicamente por meio de repertórios de ação política, o que tem sido cada
mais evidenciado no caso brasileiro, como exemplificado na sequência do texto.
O último aspecto a ser destacado diz respeito de duas ações com efeitos dis-
tintos: a primeira se refere a assistir audiências públicas na Câmara de Vereadores,
cujo efeito se revelou expressivo e unitário, o que implica que indivíduos que
praticam tal ato têm um perfil específico; a segunda observação trata da partici-
pação em reuniões de organizações religiosas (sem distinção entre missas, cultos,
grupos de estudos, leitura ou oração etc.), a qual não apresentou efeito signifi-
cativo relacionado a nenhum fator ou atividade, o que decorreria da expressiva
taxa de brasileiros que declaram participar de organizações religiosas, distribu-
ídos entre os perfis que praticam as demais atividades pesquisadas.
Em se tratando de exemplos da utilização de repertórios de ação política
pelos brasileiros, na próxima seção serão abordadas as relações que envolvem a
participação institucional. Nesse momento, é importante destacar que as mani-
festações de rua ocorridas no país em 2013, quando milhões de cidadãos foram
às ruas de municípios com diferentes magnitudes e realidades sociais, a fim de
protestar primeiramente contra a elevação da tarifa para utilização do transporte

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


149

público e posteriormente contra a política e os políticos (de modo generalizado),


foram articuladas inicialmente por um movimento social popular, o Movimento
Passe Livre (MPL), com forte apoio de entidades estudantis e de trabalhado-
res, mas se expandiu à sociedade quando tomou as redes sociais (especialmente
Facebook e Twitter) por meio de convocações ou chamamentos para participação
dos atos (SAKAMOTO, 2013; TATAGIBA, 2014). Nos anos seguintes, primeiro
com relação à Copa do Mundo (2014), depois com relação ao resultado das elei-
ções (2015) e ao pedido de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff
(2015-2016), movimentos sociais, partidos políticos, cidadãos desvinculados
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de grupos organizados e outros setores atuaram tanto no meio “off-line” quanto


online, por meio de petições eletrônicos, discussões e convocações para atos em
redes sociais, participação em atos (polarizados entre “prós” e “contras” o resul-
tado da eleição e o impeachment da presidenta), o que representou pluralidade
de atores políticos envolvidos em arranjos de ações políticas (GIMENES, 2017b).
Assim como os protestos e manifestações de rua nos últimos anos, a relevân-
cia do enraizamento dos partidos políticos entre a população (CARREIRÃO et
al, 2017) e a utilização da internet como mecanismo para educação e conscien-
tização política (AMARAL, 2017) são exemplos que ilustram possibilidades de
utilização de repertórios de ação política conforme as demandas, os recursos e
os objetivos dos atores envolvidos. Nesse sentido, é importante ter-se em mente
dois aspectos: primeiro, que a atuação política pode, então, combinar diferen-
tes atividades e redes de contatos também para o desenvolvimento de atividades
sociais e/ou relacionadas a políticas públicas; e, segundo, que essa possibilidade
é explorada por parcela da população brasileira em sua atuação política.
Um último ponto a destacar diz respeito ao perfil de quem participa: dife-
rentemente do envolvimento em ações coletivas como movimentos sociais ou
populares, associativismo ou em organizações do Terceiro Setor, modalidades
de engajamento como protestos e de atividades de campanhas políticas exigem
recursos por parte dos indivíduos, como tempo livre, dinheiro, alta capacidade
cognitiva etc., o que significa que a máxima de Opp (2009) de que “protesta quem
pode” (quem tem recursos ou condições para tanto) poderia, de modo geral, ser
estendida às demais formas de participação entre os brasileiros (GIMENES, 2015).

Participação Individual e Repertórios de Ação Política


150 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL

Ao longo desta unidade de estudo, houve algumas menções às práticas de par-


ticipação institucional, bem como ao seu destaque com relação à articulação de
interesses e como repertório de ação política. Este tópico é dedicado a tal inovação
político-administrativa brasileira, cujo início se deu em meio à redemocratiza-
ção nacional na década de 1980 e, especialmente, após o fortalecimento de ações
coletivas e da participação individual nesse processo histórico.
Com relação à sua materialidade, a participação institucional é ampla e mul-
tifacetada, de modo que “a diversidade dos experimentos pode ser vista nos níveis
de governo em que são aplicados, nas áreas de políticas públicas e nos contextos
políticos e regionais [...]” (ALMEIDA, 2013, p. 12) e que são diversos os con-
ceitos que buscam expressar tal fenômeno, como de instituições participativas
(AVRITZER, 2009) ou de controle social (LÜCHMANN, 2011), por exemplo.
De modo geral, é possível inferir que a participação institucional diz respeito
ao conjunto de mecanismos legais por meio dos quais o Estado promove a inte-
ração com a sociedade a fim de formular políticas públicas e redistribuir bens e
serviços, em atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição. Segundo
Avritzer e Santos (2003) e Avritzer (2009), instituições participativas promovem o
relacionamento entre Estado e sociedade por meio da operação de princípios de par-
ticipação e de representação de maneira simultânea, com destaque a dois aspectos.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


151

Primeiramente, saliente-se que há uma crise de representatividade em curso,


na qual os partidos políticos e sua capacidade de representação dos interesses dos
indivíduos são amplamente questionados em democracias ao redor do mundo,
inclusive no Brasil, por conta da pluralidade de demandas.
Em segundo lugar, e em decorrência do primeiro ponto, há a necessidade
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de emergência de mecanismos de participação que equalizem complexi-


dades e a pluralidade social, de modo que “tais manifestações retomam a
importância da participação ativa do cidadão na vida política, fazendo sur-
gir mediações entre Estado e sociedade para além do momento tradicional
do voto (ALMEIDA, 2013, p. 11), de modo que a democratização da demo-
cracia passaria pela complementariedade entre representação e participação
(AVRITZER; SANTOS, 2003).
Segundo Almeida (2013, p. 11), “esse movimento em direção à sociedade
civil e a crescente força de suas manifestações não são privilégios do con-
texto nacional”, uma vez que há experiências de participação institucional
também em outros países (CASTIGLIONE; WARREN, 2006; DELESPOSTE;
GIMENES, 2015; GIMENES, 2015), mas o caso nacional destaca-se como
modelo e exemplo do desenvolvimento de modalidades de participação ins-
titucional (GIMENES, 2015; 2017a).
Para além do controle do Estado, os mecanismos de participação institucio-
nal representam, também, espaços para a tomada de decisões coletivas acerca de
políticas públicas de diferentes áreas e representam uma importante alteração
democrática: o Brasil passou, nas duas últimas décadas do século XX, da condi-
ção de país com baixa propensão à participação associativa à nação de destaque
por conta de mecanismos de participação institucional (AVRITZER, 2015). Esse
é o contexto em que operam instituições participativas como conselhos, confe-
rências, audiências públicas e orçamentos participativos (OPs), sobre as quais
serão tratadas brevemente em termos de definição, características e aspectos
positivos e negativos nos pontos a seguir.

Participação Institucional
152 UNIDADE V

CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Os conselhos de políticas públicas se constituem em espaços politicamente organi-


zados nos quais são discutidos aspectos relacionados a políticas públicas específicas.
De modo geral, Castro (2012) define suas funções como sendo as seguintes: formular,
acompanhar, monitorar e deliberar sobre questões relacionadas a políticas públicas.
Os primeiros conselhos foram criados em decorrência da Constituição
de 1988 com vistas à garantia de direitos sociais e à abertura da política ins-
titucional à participação cidadã, sendo que o levantamento de dados da

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Secretaria Geral da Presidência da República apontou, até o ano de 2014,
a existência de 62.562 conselhos municipais em funcionamento no país
(GIMENES, 2017a). No entanto, conforme pesquisa nacional no âmbito do
Projeto Democracia Participativa (PRODEP, 2011), apenas cerca de 2% dos
brasileiros participa de conselhos municipais de políticas públicas.
Em se tratando de características, os conselhos existem nas esferas municipal,
estadual e federal, sendo obrigatórios para algumas áreas de políticas públicas
– como assistência social, saúde e direitos da criança e do adolescente – e faculta-
tivos para as demais áreas. O primeiro grupo está presente em praticamente todo
o território nacional, ainda que com constituição meramente formal, uma vez
que o recebimento de recursos do Estado para o desenvolvimento de determina-
das ações depende da existência desse mecanismo de participação institucional.
Já os conselhos das demais áreas podem se constituir com diferentes composi-
ções, desde específicos para cada política – como de combate às drogas, de defesa
do meio ambiente, de transportes, de turismo, de desenvolvimento urbano, de
direitos da mulher, da comunidade negra, de arborização urbana etc. – até mesmo
àqueles que reúnem grupos com algum aspecto em comum, como conselhos
de direitos de minorias – incluídas demandas e temáticas referentes a mulhe-
res, minorias étnicas, população LGBT, idosos e deficientes físicos, por exemplo.
Outra característica relevante dos conselhos é seu desenho institucional, para
o qual não há padrão determinado. Conforme Lüchmann, Almeida e Gimenes
(2016) em estudo acerca de 140 conselhos das áreas de assistência social, saúde

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


153

e meio ambiente nas três esferas de governo e entre todas as regiões do país, de
acordo com a esfera de governo e a área de política pública há diferenças na com-
posição (se paritária ou com maior presença de representantes da sociedade civil
ou do governo), no método de escolha dos representantes da sociedade civil (se
por eleição, indicação do setor, por entidade ou mesmo indicação do governo),
na competência (se deliberativo ou apenas consultivo) e no perfil dos membros
(quanto à quantidade e gênero, para ambos os segmentos). Além desses aspec-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tos, há que se destacar, ainda, a maneira como os temas são discutidos: se em


assembleia diretamente ou primeiramente entre comissões de estudos e, somente
depois, entre a totalidade dos membros.
Por fim, destaque-se uma característica relevante dos conselhos municipais,
qual seja o fato de que a participação da sociedade ocorre de duas maneiras dis-
tintas: a primeira diz respeito à ocupação de cadeira como membro do conselho,
que cabe aos representantes definidos conforme a legislação e majoritariamente
recai sobre indivíduos engajados em ações coletivas – como organizações do
Terceiro Setor, movimentos sociais ou associações - , os quais têm direito a voz
e voto; e o segundo corresponde à população em geral, que pode assistir às reu-
niões do conselho, mas necessita de autorização para manifestação oral (salvo
exceções e conforme determinações em legislação específica).
Considerando as características acima apontadas, são pontos positivos
dos conselhos gestores, especialmente, dois: primeiro, a independência de sua
existência frente à circulação de poder entre grupos políticos, especialmente
conselhos compulsórios; e, segundo, a possibilidade de representação plural de
interesses, respeitadas as especificidades de cada área, mas podendo as cadeiras
do Estado serem ocupadas por eleitos (prefeito, vice-prefeito ou vereadores),
servidores públicos ou técnicos e dentre os representantes da sociedade civil
haverem aqueles decorrentes de grupos como associações comunitárias, usuá-
rios de políticas públicas, servidores públicos e/ou privados que atuam na área,
empresários do setor, membros de sindicatos e/ou associações profissionais etc.

Participação Institucional
154 UNIDADE V

Os autores clássicos da teoria das elites, Mosca (1896), Michels (1911) e Pa-
reto (1984), discorreram em suas obras sobre uma quase inegável demons-
tração histórica da existência de uma vanguarda que conduziria as decisões
políticas: as elites. Segundo tais autores, mesmo nos momentos em que
seria possível pensar em um maior ativismo político por parte das massas,
não se poderia desconsiderar a existência de elites que conduziriam as prin-
cipais diretrizes do processo histórico.
Fonte: Gimenes (2017a).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em contrapartida, são negativos, também, dois pontos: primeiramente, como
anteriormente mencionado, em muitos municípios os conselhos existem apenas
formalmente, especialmente para recebimento de recursos e financiamentos
de esferas superiores, mas, também, pela ausência de membros da sociedade
civil interessados e/ou sofisticados politicamente a ponto de discutir sobre
políticas públicas, o que contribui para que tal mecanismo seja utilizado para
legitimação das ações do poder público; em segundo lugar, há que se consi-
derar o risco do conselheiro da sociedade civil se autonomizar de seu grupo
(aquele que representa ou deveria representar) e/ou se aproximar da máquina
estatal, visando cargo político e/ou se candidatar posteriormente, aos moldes
do conceito clássico de elitismo de Robert Michels (1982 [1911]).

CONFERÊNCIAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Conferências são reuniões de representantes de grupos de determinada área de


política pública, as quais têm por finalidade o “[...] debate público sobre as relações
federativas no contexto das políticas e o estabelecimento de pactos entre represen-
tantes de governos municipais e estaduais e o governo federal” (ROMÃO, 2014, p. 8).
Diferentemente dos conselhos, as conferências representam uma modali-
dade de participação institucional surgida ainda na década de 1940, durante o
governo Vargas, quando da realização da primeira conferência nacional de saúde.
Até o ano de 2002 ocorreram 41 conferências no Brasil, sendo que o desenvolvi-
mento dessa modalidade ocorreu de maneira mais expressiva após a ascensão do

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


155

Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal; foram realizadas 82 conferên-


cias entre 2003 e 2010, nas mais diversas áreas, como assistência social, direitos
humanos e saúde, por exemplo (SOUZA et al, 2013). Segundo a pesquisa do
PRODEP (2011), cerca de 6% dos brasileiros já participaram de conferências.
De modo geral, são características das conferências a convocação pelo Poder
Executivo Federal, a participação da sociedade civil e do Estado, a realização de etapas
preparatórias nos municípios e estados, com eleição/escolha de representantes para
“avançar” às demais instâncias e as formulações de propostas ao longo das etapas.
Com relação a pontos positivos, as conferências promovem a articulação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

federativa para pensar políticas públicas, já que, desde a esfera municipal, tem-se
o objetivo da conferência nacional. Ademais, a maioria das conferências busca a
proposição de políticas públicas e estabelece diálogos transversais, especialmente
no âmbito federal, por conta dos distintos grupos engajados.
Já entre os pontos negativos, é salutar apontar que, ainda que busquem propor
políticas, como não há obrigatoriedade de realização e determinação de recor-
rência formal (temporalidade), como os conselhos, a avaliação das propostas e
o acompanhamento da implementação de políticas públicas é frágil. Por conse-
quência, podem ocorrer dificuldades de verificação de resultados por se tratar
de discussões nacionais atreladas a demandas específicas e locais, bem como de
implementação das deliberações no nível local, dada a fragmentação dos atores
políticos envolvidos no processo.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Audiências públicas consistem em reuniões convocadas pelo poder público para


dialogar com a população com relação a temas específicos, geralmente latentes e
sobre os quais a população apresenta demandas, reclamações e pode propor ações.
Segundo Batista (2012), essa modalidade de participação institucional cons-
titui um instrumento de transparência na gestão pública, previsto na Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no 101/2000), bem como na lei que
regula os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal
(Lei no 9784/1999) no Estatuto da Cidade (Lei no 10257/2001).

Participação Institucional
156 UNIDADE V

Um exemplo de audiência pública remete ao período de realização das


manifestações de rua de junho de 2013, especialmente em seu momento inicial,
quando em muitos municípios foram convocadas audiências públicas para dis-
cutir aspectos relacionados ao transporte coletivo. Debates sobre destinação do
lixo doméstico e sobre investimentos em infraestrutura também são pautas de
audiências, por exemplo.
Dados coletados pelo Latin American Public Opinion Project (LAPOP) apon-
tam que cerca de 6,4% dos brasileiros já assistiram audiências públicas em
Câmaras de Vereadores até 2012 (GIMENES, 2017a). Ainda que não seja a melhor

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
maneira de estabelecer o questionamento (a pergunta continha a determinação
do local “Câmara de Vereadores”, o que pode reduzir o número de respostas
positivas de participantes por conta dessa limitação), é a única informação dis-
ponível nesse sentido.
Por um lado, as audiências públicas têm como pontos positivos a possibili-
dade de participação efetiva da população, com direito a voz e espaço para diálogo
sobre temas de interesse e atuais, além de se tratar de convite do poder público à
participação, ao que se espera, se não forem possíveis respostas, ao menos enca-
minhamentos por parte do Estado para pensar o avanço em políticas públicas.
Por outro lado, é negativa a ausência de compromisso com a efetivação de
ações em decorrência das audiências, uma vez que eventuais discussões, enca-
minhamentos ou deliberações não necessariamente se convertem em resultados.

ORÇAMENTOS PARTICIPATIVOS

A primeira experiência de Orçamento Participativo (OP) data de 1989 e


foi implementada pelo governo denominado Frente Popular (PT e Partido
Comunista Brasileiro – PCB) em Porto Alegre (RS), quando a prefeitura insti-
tuiu um mecanismo institucional municipal para discussão sobre um percentual
específico do orçamento público por meio do envolvimento direto da popu-
lação, o que elevou a transparência no processo deliberativo sobre demandas
e interesses sociais (ROMÃO, 2010).

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


157

Segundo Gimenes (2017a), o OP passou por expressiva expansão no Brasil


ao longo da década de 1990 e sofreu retração nos anos 2000, em decorrência,
principalmente, de mudanças entre prefeitos de diferentes partidos, coligações
e ideologias. Ainda assim, entre 2005 e 2008 havia mais de 200 municípios com
OPs em funcionamento (AVRITZER; WAMPLER, 2008) e em 2012 tal número
girava em torno de 350 experiências. Ainda assim, apenas cerca de 3% da popu-
lação já se envolveu nessa modalidade institucional (PRODEP, 2011).
Um detalhe interessante a mencionar é que os OPs assumem diferentes
desenhos institucionais nos municípios onde funcionam, conforme observado
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em estudo de Borba e Lüchmann (2007). Dentre tais características, a maneira


como as reuniões se desenvolvem podem se desdobrar entre discussões abertas
a toda a população ou com etapas diferenciadas, nas quais a participação seria
global no início e por meio de representantes (delegados ou conselheiros) pos-
teriormente (ROMÃO, 2010).
Ademais, esta é a modalidade de participação institucional mais repli-
cada também em outros países, sendo que em 2016 havia registros de mais de
1500 experiências em países da América Latina, Europa, África, Ásia e Oceania
(GIMENES, 2015).
Dentre os pontos positivos dessa experiência institucional, destacam-se: [1]
o desenho pode favorecer a participação em comunidades e em horários nos
quais a classe trabalhadora possa participar; [2] a população tem condições de
dialogar com o poder público municipal sobre suas necessidades e interesses; e
[3] como o foco é a distribuição de recursos financeiros, o município tem como
mapear o quanto cada política pública está deficitária em cada bairro ou região.
Em contrapartida, o OP é suscetível a alternância entre governos, o que deter-
minou sua descontinuidade em muitos municípios brasileiros. Além disso, há,
também, o baixo percentual disponibilizado para discussão pública (em muito por
conta da determinação legal de destinação da receita municipal para educação,
saúde e folha de pagamento), a barreira da linguagem técnica utilizada nas assem-
bleias e a dificuldade da população em visualizar resultados efetivos, uma vez que
as deliberações perpassam caminhos burocráticos que não permitem a realização
imediata daquilo que for demandado e definido como prioridade nas assembleias.

Participação Institucional
158 UNIDADE V

Ainda sobre o OP, uma inovação tem ampliado esse mecanismo de parti-
cipação institucional para a esfera virtual. Segundo Sampaio (2014), a versão
digital denominada e-OP contribui para a democratização por meio do desen-
volvimento digital, com redução de dispêndio de tempo e de recursos financeiros
envolvidos nessa forma de participação.
Tomadas em conjunto, as modalidades de participação institucional descritas
neste estudo representam avanço à democracia por proporcionarem aumentos
dos espaços e das possibilidades de apresentação e defesa de demandas, bem
como pela diversidade de modalidades existentes – em termos de burocratiza-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ção, desenho institucional, formas de acesso, direito de voz etc. - o que permite
aos indivíduos estabelecer contato com o Estado por mecanismos diferentes.
Além disso, é benéfica ao regime democrático, também, a disseminação da
participação institucional nas três esferas de governo, em ampla gama de áreas
de políticas públicas e pluralidade de contextos sócio-econômicos e políticos.
Em contrapartida, assim como para as modalidades de participação indivi-
dual expostas na seção de estudos anterior, o envolvimento institucional também
requer disponibilidade de recursos como tempo livre, dinheiro, cognição e redes
de contatos. Como os dados do PRODEP (2011) apontam que aqueles que par-
ticiparam de conselhos, conferências e/ou OPs atuam politicamente, também,
por meio de outras atividades; é possível inferir que o modelo de repertório de
ação política inclui a modalidade discutida nesta seção, o que representaria, em
alguma medida, limitação do alcance das práticas participativas institucionais,
já que há características recorrentes entre aqueles que mais se engajam politi-
camente no Brasil – homens, brancos e pessoas mais jovens têm maior chance
de participar, além de que quanto maiores o nível de escolarização, a renda e o
tempo livre, maior também a probabilidade de envolvimento (GIMENES; BORBA,
2014; BORBA; GIMENES; RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; BORBA; HANSEN, 2016;
CARREIRÃO et al, 2017) – minorias com relação a gênero e etnia, com meno-
res recursos financeiros e nível educacional menor têm menor propensão ao
envolvimento. Ademais, carece de atenção o risco da utilização dos mecanismos
participativos institucionais como modo de captação de votos e/ou de desenvol-
vimento de práticas clientelistas ou personalistas.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


159

No entanto, a despeito desses aspectos negativos, a participação institucio-


nal brasileira é exemplo de ampliação dos espaços ao engajamento popular na
discussão sobre ações e políticas públicas e, em conjunto com as ações cole-
tivas (associativismo, organizações do Terceiro Setor, movimentos sociais e
populares) e o envolvimento individual (por meio de ações convencionais e/
ou contestatórias), contribuiu para a pluralização de vozes e de possibilidades
de acesso dos cidadãos ao Estado.
O resultado é o avanço em discussões, aprovações de legislações e práticas
em muitas áreas de políticas públicas, especialmente nas últimas duas déca-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

das. O fortalecimento da cidadania feminina é um exemplo de ação transversal


que perpassou distintas políticas, como a determinação de que a mulher seria
beneficiária preferencial do Programa Bolsa Família e a determinação de que
imóveis adquiridos através do Programa Minha Casa, Minha Vida priorita-
riamente seriam registrados em nome da mulher.
Contudo, há exemplos, também, de outras minorias que galgaram avanços
em termos de direitos em decorrência de mobilização, articulação e ação polí-
tica (ou seja, com a utilização de diversas possibilidades de repertórios), o que
levou à aprovação dos Estatutos do Idoso (Lei no 10741/2003), da Igualdade
Racial (Lei no 12288/2010) e da Juventude (Lei no 12852/2013, do estabeleci-
mento cotas raciais e/ou sociais para acesso às vagas do ensino público superior
e em concursos públicos, de demarcações de terras indígenas e da expansão
dos direitos civis à população LGBT com a aprovação da garantia aos casais
homoafetivos do casamento civil.
Um último exemplo, que decorreu da utilização de diversas modalidades den-
tre o repertório de ação política, foi o movimento que levou ao Congresso Federal
o projeto de lei que se daria origem à Lei Complementar no 135/2010, conhecida
como “Lei da Ficha Limpa”, iniciada como projeto de iniciativa popular (possi-
bilidade de participação política definida no texto constitucional) e que contou
com articulações, ações e disseminação por meio de movimentos sociais, asso-
ciações, sindicatos, mídia, audiências públicas, contatos pessoais, cyberativismo
e outras formas de engajamento para sensibilização da população a apoiar a ideia
e assinar a proposta, para que fosse possível seu encaminhamento ao Estado.

Participação Institucional
160 UNIDADE V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição cidadã de 1988 foi fruto, dentre outros fatores, de intensa mobi-
lização social e popular por alterações na legislação vigente, incluída a forma de
escolha do representante máximo da nação, o presidente. Nesse sentido, nossa
Carta Magna é resultado da ação e da relação entre a sociedade e os mecanis-
mos de ação coletiva sobre e com o Estado.
Contudo, a Constituição é, também, ponto de partida para o grande avanço
em termos de pluralização das possibilidades de envolvimento político e de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
reconhecimento das demandas da população brasileira, desde a inclusão do ple-
biscito, do referendo e dos projetos iniciativa popular no texto constitucional até
o desenvolvimento da participação institucional e do reconhecimento da atua-
ção de atores coletivos e individuais.
Há que se destacar, ainda, que a participação entre os brasileiros é, assim
como postulam os teóricos internacionais, multidimensional, de modo que os
indivíduos se utilizam de repertórios de ação política, conforme as necessidades
de contato, articulação e canalização de demandas. Estudos recentes demonstram
que aqueles que se engajam o fazem tanto por meio de ações eleitorais quanto
associativas, de contatos com autoridades, contestatórias e de atuação online, bem
como buscam o envolvimento em ações coletivas, como movimentos sociais e
populares, o associativismo e as organizações do Terceiro Setor.
O cenário é amplo e os desafios aos profissionais que atuam em atividades
relacionadas às políticas públicas também é grande. Daí a necessidade de conhecer
atores, discursos, demandas, mecanismos de intervenção e engajamento político
desses grupos, objetivo para o qual esta última unidade de estudos contribuiu
ao estabelecer o cenário atual do relacionamento da sociedade e de atores cole-
tivos com o Estado brasileiro.

CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL


161

1. A Constituição Federal brasileira em vigor foi aprovada em 1988, em meio ao


processo de redemocratização e abertura do regime militar. Nesse contexto,
e considerando aspectos abordados nesta unidade de estudo, discorra sobre
aspectos pelos quais a Carta Magna é denominada “Constituição cidadã”.
2. A globalização se constituiu como processo de pulverização de fronteiras eco-
nômicas, mas, também, sociais e comunicacionais, com efeitos em diversos
aspectos da vida humana, dentre os quais as formas de mobilização da socie-
dade. Diante desse processo, analise as formas de participação abaixo:
I) Redes sociais de indivíduos;
II) Articulações entre movimentos sociais;
III) Organização de entidades sociais.

Assinale a alternativa que expressa quais das modalidades acima represen-


tam formas de engajamento político por meio de ações coletivas:
a) Apenas I.
b) Apenas I e II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.
3. As organizações do Terceiro Setor existem por todo o território nacional e exis-
tem várias em funcionamento há pelo menos cinco décadas. Sobre o desen-
volvimento desse conjunto de organizações no Brasil, analise as características
abaixo:
(( ) O maior crescimento do setor até o momento foi verificado na década
de 1990;
(( ) Existe uma distribuição desigual das organizações do Terceiro Setor en-
tre as regiões do país;
(( ) Apenas uma pequena parcela dessas organizações funcionam a mais de
quatro décadas.
162

Com relação a tais afirmações, assinale a alternativa que expressa correta-


mente sua ordenação entre verdadeiras (V) e falsas (F):
a) F – V – F
b) F – V – V
c) V – V – V
d) V – F – V
e) F – F – V
4. No decorrer desta unidade de estudo, foram apresentadas diversas modalida-
des de participação política, as quais podem ser mobilizadas pelos brasileiros
por meio do reconhecimento de demandas, interesses e canais de vocalização.
Diante dessa gama de possibilidades de engajamento político, assinale a alter-
nativa que aponta aquela definida pela Constituição brasileira de 1988.
a) Contato com vereadores.
b) Manifestações de rua.
c) Participar de organizações religiosas.
d) Assinar petições ou abaixo-assinados.
e) Votar em plebiscito.
5. A participação institucional diz respeito aos diversos mecanismos por meio do
quais o Estado estabelece espaços nos quais a sociedade e atores coletivos po-
dem se envolver nas discussões sobre os processos de gestão e formulação de
políticas públicas. Dentre as modalidades de participação institucional, existem
características gerais (como o objetivo aqui descrito) e outras específicas. Sobre
tais especificidades, responda a qual modalidade se refere cada um dos aspectos
abaixo:
a) Realização apenas no nível municipal;
b) Possibilidade de diálogo aberto com a população, sem necessidade de de-
liberação;
c) Obrigatoriedade para determinadas áreas de políticas públicas.
163

Ecos do Bolsa Família: resultados de políticas públicas transversais

O Programa Bolsa Família (PBF) é uma política pública que se configura transversal, uma vez
que reúne elementos e produz resultados diretamente relacionados a três diferentes esferas,
quais sejam: assistência social, educação e saúde. Ademais, seus efeitos podem refletir sobre
outros direitos sociais determinados pelo texto da Constituição de 1988, como alimentação,
proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Em 2013, o PBF completou a primeira década de existência e foi organizada uma im-
portante obra com diagnósticos e análises acerca de sua implementação, resultados e
prospecções, cujo título é indicativo do que pode ser seu efeito mais efetivo: “Programa
Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania” (CAMPELLO; NERI, 2013).
Cabe destacar inicialmente que programas de transferência condicionada de renda existem
na América Latina desde 1990, de modo que no início da década de 2010 havia políticas
públicas desta natureza em 20 países na região, os quais consomem, em conjunto, cerca de
0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) latino-americano. Tal percentual demonstra que o im-
pacto econômico de programas dessa natureza são pequenos, ainda mais quando compa-
rados com seus reflexos nas condições de subsistência dos beneficiários (CECHINNI, 2013).
No caso brasileiro, a criação do PBF no início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula
da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não se constituiu em total inovação, uma
vez que essa política foi resultado da reunião e da expansão de programas sociais ante-
riormente implementados por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, do Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB). Contudo, destaque-se que o PBF possibilitou o
crescimento do número de beneficiários e promoveu a já mencionada transversalidade
entre políticas públicas, em que consistem suas maiores inovações.
Em se tratando do perfil dos beneficiários do PBF, 50,2% residiam na região Nordeste e
outros 25,4% no Sudeste, sendo que, aproximadamente, um quarto dos beneficiários
encontrava-se distribuído entre Centro-Oeste, Norte e Sul do país. Dados oficiais infor-
mam que seriam cerca de 14 milhões de famílias, que corresponderiam a, aproximada-
mente, 26% da população nacional, conforme dados do Censo 2010, sendo que entre
essas famílias 72,4% viveriam em situação de extrema pobreza, com renda per capita de
R$ 70,00, e receberiam, em média, R$ 149,71 de benefício. A análise de Camargo, Cur-
ralero e Licio (2013) aponta, ainda, que tal público é majoritariamente composto por in-
divíduos pardos, jovens e com baixa escolaridade ou analfabetos, sendo que condições
mínimas de estrutura – como saneamento básico, energia elétrica e abastecimento de
água – estão presentes em 48,9% dos domicílios urbanos e em apenas 5,2% dos domi-
cílios rurais dessas famílias.
Com relação às condicionalidades para recebimento do benefício, estas se relacionam
ao acompanhamento de educação e saúde de crianças e adolescentes. Nesse sentido, a
despeito do senso comum e/ou de afirmações sem fundamentação, é importante des-
tacar que a criação do PBF não influenciou no aumento do número de filhos por famílias
164

com baixa renda, mas, ao contrário, o estudo de Alves e Cavenaghi (2013) demonstra
que a taxa de fecundidade é decrescente no país de modo geral e também consideran-
do categorias como unidades da federação, faixas etárias das mães e critérios de renda,
o que significa que a redução do tamanho das famílias atinge beneficiários do PBF assim
como o restante da população.
Em se tratando da educação, Craveiro e Ximenes (2013) destacam que a frequência às
aulas é critério para percepção financeira do benefício, sendo que crianças e adolescentes
entre 6 e 15 anos devem manter taxa de presença de ao menos 85% e adolescentes entre
16 e 17 anos precisam comprovar ao menos 75% de frequência às aulas. Os principais
resultados decorrentes de tal condicionalidade são a redução do número de crianças e de
adolescentes fora da escola e/ou com baixa escolarização e o indicador que aponta menor
taxa de abandono escolar entre beneficiários, quando comparados com não beneficiários.
Já no que tange à saúde, o foco principal do PBF são gestantes, lactantes e crianças com
até 7 anos de idade. O acompanhamento desse público trouxe uma série de resulta-
dos positivos, conforme destacam Magalhães Junior, Jaime e Lima (2013): aumento do
acompanhamento pré-natal, redução da mortalidade e da desnutrição infantil, elevação
do percentual de crianças amamentadas exclusivamente com leite materno nos primei-
ros seis meses de vida (quando comparados filhos de beneficiárias e de não beneficiá-
rias) e crescimento do percentual de crianças vacinadas.
Esse conjunto de resultados, bem como a maior parte dos demais apresentados na obra
organizada por Campello e Neri (2013) tratam de dados estatísticos e/ou realizam aná-
lises quantitativas acerca dos efeitos do PBF sobre a vida dos beneficiários. Em sentido
distinto, Rêgo e Pinzani realizaram uma pesquisa qualitativa, que resultou em um capí-
tulo na mencionada coletânea (2013a) e, também, no premiado livro “Vozes do Bolsa
Família: autonomia, dinheiro e cidadania” (2013b).
Em decorrência de 150 entrevistas realizadas ao longo de cinco anos em regiões que con-
figuram bolsões de pobreza em diferentes regiões do Brasil, os autores identificaram uma
série de percepções de beneficiários acerca de efeitos do PBF que encontram-se além da
questão financeira e daquilo que dados estatísticos captaram, dentre os quais destacam-se
a ausência de percepção de que o recebimento do benefício está atrelado a um direito
social constitucionalmente determinado, sendo que foi recorrente a afirmação de que o
benefício seria um favor do governo e/ou que decorreria da trajetória do presidente que o
criou, por ter sido uma vida humilde e infância pobre.
Além disso, os resultados apontaram, também, aquilo que as análises quantitativas desta-
caram – a perspectiva de melhoria efetiva das condições de sobrevivência da população
beneficiaria - mas, e principalmente, a possibilidade de garantia mínima de autonomia
para as mulheres, especialmente em localidades onde o patriarcado é mais forte, e a visão
de pertencimento ao Estado, ainda que com visão distorcida acerca de seu papel cidadão
seja a vivência da cidadania (RÊGO; PINZANI, 2013a; 2013b).
Fonte: o autor.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos


últimos cinquenta anos
Marta Arretche (Organizadora)
Editora: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Sinopse: Tema inesgotável da agenda pública, o debate sobre a
desigualdade no Brasil é objeto de paixões desenfreadas. Discussões
impetuosas, travadas ao sabor das conveniências de ocasião, quase
sempre turvam diagnósticos abrangentes e necessários para a
compreensão desse fenômeno. Esta obra navega em direção contrária
e procura caminhar além do terreno da especulação. Os catorze ensaios
aqui reunidos descrevem um panorama denso e complexo das trajetórias das desigualdades de 1960
a 2010. Além do rigor conceitual e da perspectiva ampliada, os autores partilham como ponto de
partida a fidelidade aos dados estatísticos das seis edições dos Censos Demográficos produzidos pelo
IBGE no período.

Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto


conservador
André Singer
Editora: Em novembro de 2009, a prestigiosa revista Novos Estudos,
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), publicou um
artigo de André Singer que já se tornou um marco da ciência política
brasileira. Escrito durante o auge da popularidade desfrutada pelo
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “Raízes sociais e ideológicas
do lulismo” analisava o grande realinhamento eleitoral ocorrido no
país durante o pleito de 2006. O subproletariado — isto é, a massa de
dezenas de milhões de pessoas excluídas das relações de consumo e trabalho, e que sempre havia
se mantido distante da ameaça de “desordem” representada pela esquerda — aderiu em bloco à
vitoriosa candidatura à reeleição. Ao mesmo tempo, a classe média tradicional se afastou de Lula e
do PT após as denúncias de corrupção que originaram o caso do “mensalão”. Invertia-se, desse modo,
a trajetória eleitoral do partido e de seu principal líder, até então apoiados majoritariamente pelos
eleitores urbanos e pelos estratos sociais de maior renda e instrução. Neste ensaio inédito, muito
aguardado pelos observadores e atores da política nacional e que cristaliza suas reflexões sobre
o tema, o autor explica como a manutenção da estabilidade econômica e as ações distributivas
patrocinadas pelo Estado estão na raiz do massivo apoio das classes populares a Lula — e, a partir de
2010, a sua pupila Dilma Rousseff. Grande conhecedor dos bastidores do PT e do primeiro governo
Lula, Singer realiza uma aguda radiografia das relações de classe e poder no Brasil.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Que horas ela volta?


Ano: 2015
Sinopse: Depois de deixar a filha no interior de Pernambuco e passar 13
anos como babá do menino Fabinho em São Paulo, Val tem estabilidade
financeira, mas convive com a culpa por não ter criado sua filha Jéssica.
Às vésperas do vestibular do menino, no entanto, ela recebe um
telefonema da filha que parece ser sua segunda chance. Jéssica quer
apoio para vir a São Paulo prestar vestibular. Com alegria e ao mesmo
tempo apreensão, Val prepara a tão sonhada vinda da filha, apoiada
por seus patrões. Mas quando Jéssica chega, a convivência é difícil.
Ela não age dentro do protocolo esperado para ela, o que gera tensão dentro da casa. Todos
serão atingidos pela autenticidade de sua personalidade. No meio deles, dividida entre a sala e a
cozinha, Val terá que achar um novo modo de vida.
Comentário: O filme é uma ficção sobre a vida de uma nordestina que abandonou sua terra e
família em busca de oportunidades no Sudeste economicamente desenvolvido do Brasil, drama
real de parcela significativa de cidadãos brasileiros de baixa renda.

Pro dia nascer feliz


Ano: 2005
Sinopse: Depoimentos de estudantes, sejam eles de colégios da rede
pública ou particular, sobre medos e anseios no ambiente escolar.
Adolescentes de 3 estados, de classes sociais distintas, falam de suas
vidas na escola, seus projetos e inquietações.

Consórcio de Informações Sociais (CIS)


O Consórcio de Informações Sociais (CIS) desenvolve-se sob a chancela de um convênio entre o
Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e reúne bancos de dados sobre distintos
temas, períodos e objetos.
Web: <http://www.cis.org.b>

PROCAD-CAPES
Pesquisas sobre distintas modalidades de engajamento político em perspectiva longitudinal
compõem o projeto de cooperação acadêmica (PROCAD-CAPES) “Mudanças e permanências
nos padrões de participação política no Brasil: análise longitudinal do envolvimento político dos
brasileiros (1988-2013)”, coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em
parceria com a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP - Araraquara).
Web: <http://participacaopolitica.cfh.ufsc.br/>.
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GABARITO

1. São exemplos de aspectos que conformam o termo “Constituição cidadã” o re-


conhecimento da cidadania e a ampliação de direitos sociais, a superação da
cidadania regulada pela equiparação de trabalhadores urbanos rurais e do reco-
nhecimento da relevância dos sindicatos, a abertura à participação por meio de
plebiscitos, referendos, iniciativas populares, determinação do voto universal e
da possibilidade de envolvimento popular em discussões sobre formulação de
políticas públicas.
2. A opção correta é a E.
3. A opção correta é a B.
4. A opção correta é a E.
5.
a) Orçamento participativo (OP)
b) Audiências públicas
c) Conselhos de políticas públicas
175
CONCLUSÃO

Ao longo deste estudo discutimos sobre a formação do Estado, permeado por inte-
resses relacionados ao poder político e econômico e à necessidade de estabeleci-
mento de um pacto entre os indivíduos para seu funcionamento.
Partindo dessas premissas, que nos remetem a textos e autores clássicos, construí-
mos um caminho através de fatos históricos marcantes, com destaque à Revolução
Industrial e ao processo de urbanização europeu, até chegarmos ao caso brasileiro,
protagonista de nossa discussão desde a abordagem das mudanças culturais, eco-
nômicas e políticas decorrentes da chegada da Família Real portuguesa no século
XIX até o processo de redemocratização no fim do século XX.
Nesse trajeto, destacou-se a relevância da participação política da sociedade para a
conformação do Estado nacional brasileiro, desde as manifestações operárias, quan-
do do início da atividade industrial e da emergência do capitalismo na República,
até a resistência ao governo militar e a luta pela abertura do regime à democracia,
com posterior ampliação das possibilidades de engajamento político e pluralização
dos grupos com voz e acesso a direitos.
Foram vários os atores coletivos envolvidos nesse processo, cada qual com sua par-
cela de expressividade e, nesse material, abordamos aspectos gerais para fornecer
informações sobre o cenário de desenvolvimento democrático atual. O movimento
sanitarista e o papel do Serviço Social, por exemplo, foram relevantes, mas estão
além do escopo deste livro.
Toda a explanação aqui apresentada foi no sentido de construir um panorama do
cenário onde assistentes sociais, gestores públicos, gestores de organizações do Ter-
ceiro Setor e demais atores envolvidos com atividades sociais desenvolvem essas
ações e oferecer subsídios à interpretação do contexto histórico e das perspectivas
de diálogo, vocalização e reivindicação pertinentes ao espaço que ocupam.
Diferentemente de outros tempos, como aquele de constituição dos Estados nacio-
nais e pactuação do contrato social ou do período militar e seus refluxos em termos
de direitos e cidadania no Brasil, o cenário na segunda década do século XXI é, ao
menos ainda – por conta da instabilidade política que paira desde as eleições de
2014, os protestos e manifestações de 2014 até 2016, o processo de impeachment e
as ações de refluxo em termos de políticas públicas e direitos sociais do governo de
Michel Temer -, positivo com relação à proximidade entre o Estado, a sociedade e os
atores coletivos, como organizações do Terceiro Setor e movimentos sociais.
Aos profissionais destacados – assistentes sociais, gestores públicos, gestores de or-
ganizações do Terceiro Setor e aqueles que atuam em ações sociais – está colocado
o cenário: lutar pela manutenção de espaços participativos e direitos sociais e ga-
rantir a efetivação e ampliação de políticas públicas! Os desafios estão postos. Que
este material tenha ajudado a despertar reflexões e suscitar ideias e ideais. À luta,
bom trabalho!
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