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I INTRODUÇÃO

Envelhecimento e morte, embora sejam fenômenos naturais e esperados, têm sido vistos
de forma diferente desde a antiguidade. Diferentes estilos de vida e diferentes valores sociais
fizeram com que as sociedades retratassem a morte de maneira diferente ao longo do tempo.
Hoje, a morte é geralmente vista como um mal a ser evitado a todo custo e tende a ser afastado.
(ARIÈS, 2017)

No entanto, nem sempre foi dessa maneira, até as últimas décadas do século XVIII e
início do século XIX, a morte era considerada um fenômeno natural e vivenciado em casa, na
presença de familiares e amigos. Desde então, com o surgimento de epidemias e cultos religiosos
e, mais recentemente, com o desenvolvimento de diversas tecnologias do capitalismo e do
complexo médico-industrial, a morte tornou-se um desafio superado e gradualmente transferido
para o ambiente hospitalar, distante das pessoas e de seus familiares. Uma característica que
também foi observada é que a morte mudou de um evento coletivo para um evento solitário.
Nessa perspectiva, temos uma questão emblemática que deve ser compreendida porque a morte
não pode ocorrer como um evento individual, pois é um evento de natureza coletiva.
(ANDRADE, 2012)

Segundo Ariès (2017), simultaneamente, houve uma mudança na percepção da morte: de


um evento que faz parte da natureza humana para um evento aterrorizante que deve ser evitado.
Isso se deve principalmente ao fato de que esse evento é visto como distante ao cotidiano da
sociedade. O receio também afeta os trabalhadores da saúde, embora convivam com a morte
quase todos os dias, por vezes, a morte torna-se um inimigo a ser combatido e, quando chega,
traz consigo sinais de fracasso e impotência. Todo esse contexto tem causado sofrimento,
principalmente para aqueles que se encontram em uma situação delicada.

Os profissionais que trabalham com idosos em diferentes contextos, sejam eles, em


hospitais, casa e/ou instalação da longa permanência dos idosos, entre outros, apresentam
dificuldade para trabalhar com o tema, principalmente pela idade que os pacientes se encontram.
(MENEZES; LOPES, 2014) Diante disso, é pertinente pesquisarmos e nos aprofundarmos sobre
questões acerca da finitude, como um processo que todos enfrentaram. Portanto, a presente
pesquisa tem como objetivo geral contribuir na promoção de ações educativas junto ao idoso.

II IDENTIFICAÇÃO
Caso 01: José, 67 anos, sexo masculino, aposentado, reside em Sobral, mora sozinho.

N° de atendimentos: 1 (um).

HDA: O paciente, a 3 meses atrás sofreu um grave ataque do coração enquanto trabalhava como
pedreiro e foi levado ao posto de saúde, sendo determinado pelos profissionais que ele não
poderia mais trabalhar em serviços pesados por conta do seu coração, tendo então que se
aposentar.

História Pessoal e Familiar: José mora no bairro Terrenos de Sobral, já não tem mais familiar
vivo ou próximo. Trabalha desde muito jovem e até recentemente como pedreiro, tendo sido
obrigado a se aposentar por um problema no coração. É uma pessoa temente a Deus.

Avaliação Psicodinâmica: De acordo com Simon (1989), é possível averiguar que o paciente se
encontra em uma crise caracterizada etiologicamente como “crise por perda”, tendo em vista que
houve diminuição do seu universo pessoal, com a aposentadoria e a falta de utilidade por não
estar mais trabalhando.

III PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO

Enquadramento: Psicoterapia Breve Apoio (PBA)

Queixa Principal: O atendimento a esse paciente foi através da demanda espontânea. A queixa
principal foi o medo de morrer devido estar com problemas cardíacos.

Situação Problema: A não aceitação do processo da morte devido estar com problemas
cardíacos e do seu pai ter falecido de ataque cardíaco.

Foco: Medo da morte

Pontos de Urgência: Ansiedade, insônia, se sente inútil por conta da idade, mora sozinho e sente
a falta do pai, não pode mais trabalhar como pedreiro devido a problemas cardíacos.

Estratégias utilizadas: Estabelecimento da aliança terapêutica com José para que se sinta
acolhido e confiante na nossa relação; Acolhimento e escuta, a fim de que José expresse seus
sentimentos e emoções e aliviar as pressões originarias da crise; Reforçamento das estratégias de
enfrentamento adequados para que conviva com a crise e desenvolva ajustes criativos para lidar
com o momento atual.
Intervenções utilizadas: Confrontação - ao paciente sobre o processo da morte, na forma como
ele enxerga isso tendo em vista que ele não aceita; Encorajamento - quando o paciente recebe
apoio para demonstrar seus sentimentos de tristeza, medo, solidão, insegurança e que devem ser
levados em conta; Conselho - para o paciente reforçar a importância de refletir sobre o quanto a
sua vida é útil e pode se permitir realizar outras atividades mesmo ele estando na velhice;
Propiciamento de informações - sobre a atuação da Psicologia durante o atendimento com ele;
Validação de emoções - reconhecimento dos sentimentos trazidos pelo paciente, neste caso o
medo de morrer igual ao pai devido estar com problemas cardíacos. Interrogação - a fim de obter
dados necessários a respeito de José e preenchimento dos dados da ficha de anamnese da
Psicologia

Resolutividade: Durante o atendimento com José foi propiciado um ambiente de confiança e


escuta em que ele pudesse expressar seus sentimentos e emoções. O atendimento promoveu um
ambiente acolhedor de escuta, possibilitando um espaço de fala ativa e que demonstrou demanda
por parte dele. A partir disso pode-se intervir com o intuito de que José pudesse falar sobre a sua
história do medo de morrer, percebendo suas angústias, medos, solidão e preocupações. Foi
realizado sugestões para que ele refletisse quanto ao seu cotidiano, que ele procurasse atividades
que ele gostava ou gostaria de fazer para ocupar seu tempo, já que precisou parar de trabalhar.
Posteriormente, o paciente demonstrou não ter vontade ou não gostar de algo para estar fazendo,
além do seu antigo trabalho, o que implica no fato de estar se sentindo inútil desde então e ao
mesmo tempo com medo de morrer devido ao seu ataque cardíaco. Dessa forma, foi preciso
intervir no direcionamento do paciente para que ele pudesse compreender o quanto a sua vida era
útil e confrontar o medo que ele tinha da morte, já que ele estava se sentindo inútil, mas ao
mesmo tempo não estava preparado para morrer. A posteriori, o paciente foi encaminhado para
que fossem trabalhadas as questões que estavam em torno do seu medo de morrer.

IV DISCUSSÃO

Ao dialogarmos sobre a morte é visto que ao longo da história esta é considerada como
um grande tabu, sendo algo bastante difícil de lidar e de falar. Esta perpassa por questões
religiosas, econômicas, familiares entre outros. Trazendo para os indivíduos sentimentos
negativos e situações delicadas (NASCIMENTO, 2021).
O não falar sobre a morte é algo que já está enraizado no mundo, mesmo sendo a única
certeza que todos possuem. A problemática está na negação do falar sobre ela, acarretando assim
prejuízos na preparação individual dos sujeitos (AQUINO; JACINTO, 2022).
No caso do paciente, com 67 anos de idade, apresentava um problema no coração, que
ocasionou um ataque cardíaco. Esse problema do coração estava trazendo para o paciente um
medo extremo de morrer nas mesmas condições que o seu pai. A não aceitação do processo de
morte estava ocasionando ansiedade, insônia e também se sentindo inútil, considerando que o
mesmo estava impossibilitado de retornar ao trabalho. E o paciente contou que acreditava em
Deus.
As pessoas nessa faixa etária, além da idade ser vista como uma aproximação da morte,
estes não aceitam bem a finitude de suas vidas, principalmente quando a sua existência está
sendo ameaçada por uma doença. Uma pessoa refletir e pensar sobre a sua morte, é algo muito
difícil, pois envolve demandas sociais, individuais entre outras, deixando evidente a necessidade
de ter alguém para existir uma iniciativa sobre o assunto (GIBERTI; ROSA, 2020).
É visto que a velhice tem as suas próprias transformações, quando a velhice tende a vir
por condições patológicas, esta acaba favorecendo uma visão de inutilidade, perda de
independência e também perda de autonomia do idoso, onde as suas capacidades acabam
deixando de ser priorizadas. Isso acaba afetando a autoestima e a motivação do idoso. Esse
movimento acaba tendo significados característicos na velhice (SPINDLER; SANTOS, 2020).
Observa-se que o paciente apresentou esses sentimentos, desde o início do atendimento, trazendo
o quanto estava se sentindo incapaz de não poder mais realizar seu trabalho ou alguma atividade
sozinho, além disso sendo dependente de outros, como seus vizinhos.
É visto que o medo da morte pode estar associado com as vivencias que o sujeito
experimentou com a morte, ocasionando sofrimento, angústia e ansiedade, podendo interferir em
outras áreas da vida. Isso tudo influencia em como cada sujeito vai encarar esse processo
(SILVA; JÚNIOR; SILVA, 2020). Verifica-se que o paciente pode estar com medo da morte, pois
acompanhou e presenciou todo o processo de seu pai e isso pode estar lhe causando a ansiedade
e a insônia do qual relatou no seu atendimento. O mesmo deve estar com o receio de passar por
tudo o que seu pai passou, já que foi diagnosticado com a mesma doença.
Percebe-se que a morte é algo difícil de ser externado e de difícil diálogo, acarretando
diversos prejuízos físicos e psíquicos. Sendo assim, existe a necessidade de um acolhimento,
uma escuta e atendimento da demanda do paciente seja ela qual for. Acrescenta-se que o
processo de finitude é um momento que poderá produzir uma crise e o psicólogo, nesse contexto,
atuará de forma que compreenda e acolha as particularidades e aspectos psicológicas do paciente,
atuando como um facilitador e favorecedor no processo de conscientizar-se da finitude
(PORCINO et al, 2020).

REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. Representação da morte: concepções a partir de experiências de vida de idosas
usuárias do PSF. Revista Temática Kairós Gerontologia, “Finitude/Morte & Velhice”, 2012.

AQUINO, Camila; JACINTO, PABLO. REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE OS ESTIGMAS


DA MORTE EM IDOSOS. Revista Multidisciplinar do Vale do Jequitinhonha-ReviVale, v. 2,
n. 2, 2022.

ARIÈS, P. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias / Philippe Ariès;
tradução Priscila Viana Siqueira - [Ed. especial] - Rio de Janeiro: Nova Fronteira (Coleção
Clássicos para Todos), 2017.
GIBERTI, Gabriela Machado; ROSA, Helena Rinaldi. Preparação para a morte: investigação
fenomenológica sobre a experiência de idosos longevos. Psicologia USP, v. 31, 2020.

PORCINO, José Marciel Araújo et al. A morte o morrer: a importância da escuta


psicológica. Journal of Medicine and Health Promotion, v. 5, n. 1, p. 31-40, 2020.

SILVA, L. M. D. S; JÚNIOR, I. B. D. S; SILVA, V. B. D. Sentimento da pessoa idosa diante da


finitude: percepção de idosos não institucionalizados residentes na cidade do Recife, PE,
Brasil. Revista Kairós-Gerontologia, v. 23, n. 1, p. 65-81, 2020.

SPINDLER, Débora Muck; DOS SANTOS, Cristiane Moro. A PERCEPÇÃO DE UM IDOSO


SOBRE QUALIDADE DE VIDA E A MORTE. Revista Brasileira de Ciências do
Envelhecimento Humano, v. 17, n. 2, 2020.

TIBALDI NASCIMENTO, R. B. Relações entre o medo da morte e formação acadêmica em


Psicologia. Perspectivas em Psicologia, [S. l.], v. 25, n. 1, 2022.

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