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Regência Plena:

Coro e Orquestra
Prof. Felipe Damato de Lacerda

Indaial – 2023
1a Edição
Copyright © 2023

Elaboração:
Prof. Felipe Damato de Lacerda

Impresso por:
Sumário
UNIDADE 1 — INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL........................................................... 1

TEMA 1 — O QUE É REGÊNCIA?....................................................................................................... 3


TEMA 2 — CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO.................................................... 29
TEMA 3 — CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE............................ 55

UNIDADE 2 — REGÊNCIA EM AÇÃO............................................................................................ 77

TEMA 1 — TRATO COM O REPERTÓRIO..................................................................................... 79


TEMA 2 — ENSAIO E PERFORMANCE........................................................................................ 109
TEMA 3 — REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL......................................... 127

UNIDADE 3 — REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL............................................................. 159

TEMA 1 — PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA.................................................... 161


TEMA 2 — CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL
NA REGÊNCIA.............................................................................................................. 187
TEMA 3 — CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL...................................................... 201
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA
MUSICAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• entender a construção histórica da regência;

• refletir sobre a natureza e as funções da regência;

• compreender os processos de formação do regente;

• realizar uma comunicação gestual básica através de convenções de regência.

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

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O QUE É REGÊNCIA?

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo. Aqui iremos estudar os princípios funda-
mentais que constituem a natureza da regência, seu histórico, as funções a serem
desempenhadas, além de refletir a respeito do motivo de estudar regência musi-
cal em um curso de licenciatura em música.

Para começar vamos considerar alguns pontos para buscar uma definição
do que é regência. O Dicionário Grove de Música define regência como “A direção
de uma execução musical através de gestos visíveis destinados a garantir a
coerência e unidade de execução e interpretação” (SADIE, 1994, p. 771). Para nós,
definir a regência somente a partir da direção da performance musical com gestos
parece incompleto, tendo em vista que a execução musical é apenas a ponta do
iceberg do trabalho do regente. Aproveitando que estamos trabalhando com a
regência a partir de um curso de licenciatura em música, é importante expandir
nossos horizontes, por esse motivo adotaremos uma definição mais alargada de
regência para este livro.

NOTA

Performance é o termo utilizado atualmente para definir a ação da qual resulta


um acontecimento artístico, independentemente da linguagem artística em questão. Para
compreender melhor o que é a performance recomendamos que você leia o pequeno
artigo disponível em: https://www.infoescola.com/artes/performance/.

Definiremos regência como uma área da música que contempla a gestão de


todos os processos necessários para a construção e implementação da performance,
com destaque para a atuação em grandes grupos musicais, como bandas marciais,
corais, orquestras, entre outros. Esta definição traz uma concepção processual da
regência, em detrimento de uma percepção que restringe a atuação do regente
aos seus gestos no momento da performance, juntamente com a percepção de que a
performance é construída pela interação entre regente e grupo durante os ensaios.

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Agora, de quais processos estamos falando? Isso vai depender do contexto


específico em que se está atuando. Por exemplo, se você estiver conduzindo uma
orquestra composta por musicistas profissionais, cujo repertório contempla as
obras canônicas da música de concerto europeia, você terá que saber que lida com
musicistas com muita experiência musical. Desse modo, pode-se escolher peças
desafiadoras, focar em ensaiar uma interpretação musical ideal com articulações
específicas, dinâmicas muito bem trabalhadas, variações de andamento, entre
outros. Fique atento que você deverá ter capacidade musical suficiente para lidar
com essa realização musical com desenvoltura e comunicar suas ideias musicais
ao grupo com uma linguagem apropriada.

Se você aceitou um trabalho para reger um coral composto por pessoas sem
experiência musical anterior, a conduta será diferente. Será necessário ensinar os
integrantes a cantar de forma afinada, mantendo o ritmo, para elaborar a execução
de um repertório a partir desse processo de educação musical, lembrando que o
repertório deverá ser escolhido de acordo com as capacidades do grupo. Nesse
contexto, é comum que as pessoas participem do grupo por querer socializar, ou
seja, talvez elas não estejam muito motivadas para desenvolver suas habilidades
musicais, o que deverá ser levado em conta por você.

Esses exemplos são apenas um pequeno aperitivo da complexidade da


atuação de regentes em diferentes contextos. Não se apavore! Ao longo deste
livro didático, iremos esclarecer essa complexidade pouco a pouco. Antes de tudo,
vamos dar uma “olhada” em um breve histórico da regência para identificarmos
como surgiu e evoluiu essa área dentro da música.

2 UM BREVE HISTÓRICO DA REGÊNCIA


Então, acadêmico, você deve se perguntar: “por que estudar a história
da regência é importante?” Ora, primeiramente para valorizarmos o processo
histórico que deu a todos nós o conhecimento de que estamos compartilhando
com você neste livro. Em segundo lugar, se não sabemos a história de algo é mais
difícil se ter clareza para onde se quer ir. Já ouviu a declaração de um dos maiores
físicos de todos os tempos, Isaac Newton, dizendo “Se eu vi mais longe, foi por
estar sobre ombros de gigantes"?

NOTA

Essa frase demonstra que só é possível avançar verdadeiramente o


conhecimento partindo do que foi construído pelas gerações anteriores. Isso foi escrito em
uma carta, datada 5 de fevereiro de 1675, de Isaac Newton para Robert Hooke.

FONTE: <https://digitallibrary.hsp.org/index.php/Detail/objects/9792>. Acesso em: 10 maio 2021.

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O QUE É REGÊNCIA?

Com esses motivos em mente, iremos adentrar em uma narrativa cujo


objetivo principal é dar uma visão geral do processo histórico. Focaremos nossos
estudos na Europa a partir da Idade Média. Indicaremos materiais mais completos
que podem ser consultados caso você queira conhecer mais sobre o assunto.

Na Idade Média europeia, a comunicação gestual se dava através da


regência quironômica. Segundo o Dicionário Grove de Música, quironomia é
a “teoria dos sinais manuais; a forma antiga de reger, de acordo com a qual o
músico principal indicava as curvas melódicas e os ornamentos por meio de sinais
espaciais” (SADIE, 1994, p. 759). Nesse sistema, havia gestos específicos para
indicar certos movimentos melódicos, bem como os ritmos a serem executados.
No entanto, não havia ainda o conceito de pulsos regulares em música.

A mão guidoniana foi uma metodologia específica de regência nesse


período, que tinha como objetivo auxiliar na leitura cantada de música escrita,
bem como na memorização de melodias. Guido d’Arezzo foi um monge musicista
que atuou na capela de Arezzo (Itália), escrevendo diversos tratados de teoria
musical, incluindo uma descrição dessa técnica de regência.

FIGURA 1 – ESQUEMA DE MÃO GUIDONIANA

FONTE: <https://en.wikipedia.org/wiki/Guidonian_hand>. Acesso em: 16 nov. 2020.

Devido à complexificação da polifonia vocal no período renascentista, e


consequentemente o aprimoramento da notação rítmica, surgiu a necessidade de
se organizar o tempo em música de forma mais assertiva, pois imagine se cada
um dos quatro naipes de um coral resolvesse cantar com ritmo mais livre? Vamos
ver como eram as figuras rítmicas nesse período?

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

FIGURA 2 – FIGURAS RÍTMICAS NO PERÍODO RENASCENTISTA

FONTE: Sabag e Igayara (2013, p. 36)

As figuras rítmicas dessa época já trazem alguma semelhança com as


que usamos nos dias de hoje. Sobre essa semelhança, Sabag e Igayara (2013)
advertem que ela é mais em aparência do que em funcionalidade, tendo em vista
que atualmente “as relações métricas entre as figuras baseiam-se em proporções
fixas e sempre assumidas como sendo duplas”, já na notação renascentista, “as
mensurações dos valores podiam ser duplas ou triplas, sendo usual a coexistência
de medidas distintas para diferentes valores em uma mesma peça” (SABAG;
IGAYARA, 2013, p. 36). Ou seja, a divisão de uma figura rítmica podia ser em
duas ou em três de menor valor, não havendo nenhum sinal para diferenciar uma
da outra, portanto, só podia ser identificado contextualmente na obra em si, que
muitas vezes trazia os dois tipos de divisões.

Conjuntamente com essas alterações na notação rítmica, surgiu na


Renascença a noção de tactus, que é uma “Unidade de tempo, medida por
um movimento da mão, utilizada nos séculos XV e XVI. Na teoria, cada tactus
(representando um movimento da mão descendente e ascendente) representava
uma semibreve em andamento normal […] (entre 60 e 70 vezes por minuto)”
(SADIE, 1994, p. 925). Assim, a regência na renascença já começou a apresentar
gestos, com gestos descendentes e ascendentes, que indicavam marcação de
pulsos (tactus).

Tome cuidado, acadêmico, pois o tactus não contempla ainda a hierarquia


de tempos fortes e fracos da organização rítmica em compassos, o que foi
estabelecido posteriormente. Outro ponto de destaque é que a música ainda era
composta e executada em seu aspecto horizontal, ou seja, o entendimento da
época era de adicionar melodias cantadas simultaneamente e não o empilhamento
vertical de notas formando acordes. Isso pode ser verificado pelo fato de que
somente as partes serem escritas nas publicações, não havia o hábito de se
escreverem “partituras”, segundo o Dicionário Grove de Música esse “termo,
de origem italiana (partire significa ‘dividir’), alude à distribuição de diversas

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O QUE É REGÊNCIA?

partes vocais e/ou instrumentais em diversos pentagramas (ou pautas)” (SADIE,


1994, p. 702). Desse modo, a regência do tactus (com movimentos descendentes e
ascendentes alternados), organizava a estrutura sobre a qual cada voz elaboraria
seu ritmo.

Durante o período Barroco, a noção de tactus foi alterada gradativamente


para contemplar hierarquias entre as pulsações, resultando nas fórmulas de
compasso como as conhecemos hoje. Um aspecto predominante do período era
a presença do baixo-contínuo em quase todas as obras musicais coletivas, desse
modo era frequente o cravista ou organista fazer gestos com a cabeça ou rolo de
papel para dar entradas aos músicos do coro e da orquestra.

Ainda que a notação rítmica tenha se desenvolvido a regência manteve


seu aspecto de marcação de pulsos, por vezes sendo realizada de forma ruidosa
batendo fortemente com um bastão no chão. Há uma história tragicômica
frequentemente contada, a da morte do músico francês Jean-Baptiste Lully (1632
– 1687). Durante uma apresentação musical Lully bateu a ponta do bastão de
marcar o tempo em seu pé, o ferimento acabou gangrenando e o músico, que
também era dançarino, se recusou a ter sua perna amputada e acabou morrendo
por causa da gangrena poucos meses depois do ocorrido (SADIE, 1994, p. 554).

DICAS

Existe um filme baseado na biografia de Jean-Baptiste Lully, chamado Le Roi


danse (O Rei Dança). O filme, lançado no ano de 2000, retrata a fatídica cena que levou Lully
à morte. A trilha sonora do filme também contém obras musicais dele. Mais informações
em: https://cinecartaz.publico.pt/Filme/29851_o-rei-danca.

Durante o século XVIII ocorreram várias alterações na linguagem musical na


Europa, como a consolidação da música instrumental, a sistematização do sistema
tonal e a ascensão da melodia com acompanhamento homofônico. Foi durante o
período Clássico que observamos o princípio do que conhecemos hoje como regência.

Com o progressivo declínio do baixo-contínuo e o advento da


música orquestral de Mannheim e sinfônica, começa a se esboçar a
necessidade de os instrumentistas serem dirigidos por outro músico,
às vezes não executante, com a tarefa de ensaiar sistematicamente
a orquestra, orientá-la e dirigi-la durante as apresentações (LAGO
JUNIOR, 2002, p. 35).

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Foi nesse período também que começou a se observar a preocupação em


sistematizar e dar elegância ao gesto de regência, que até então eram limitados
a batidas de bastão no chão ou gestos para baixo e para cima: “Surge depois na
França uma surpreendente inovação: para os compassos ternário e quaternário,
os diretores passaram a executar movimentos laterais” (LAGO JUNIOR, 2002, p.
35). Destacamos que essa transição não ocorreu de forma repentina e completa,
muitos diretores regiam a partir do cravo, ou eram violinistas que exerciam dupla
função (LAGO JUNIOR, 2002).

Foi somente a partir do Romantismo que a figura do regente, ainda


vinculada à de compositor, tomou vida própria com alguns pioneiros, com
destaque para Felix Mendelssohn (1809 – 1847), Hector Berlioz (1803 – 1869)
e Richard Wagner (1813 – 1883). Nesse sentido, a técnica da regência foi se
desenvolvendo conjuntamente com as técnicas composicionais, servindo
primariamente à expressão musical. Esse século também testemunhou um grande
crescimento técnico e expressivo da regência, ao mesmo tempo em que ajudou a
construir a mitologia do artista sobre-humano, o gênio talentoso da música, que
perdura até os dias de hoje.

Todo esse processo culminou na separação das figuras do regente e do


compositor no século XX, bem como sua explosão de popularidade e poderes! Lago
Junior (2002) nos traz uma perspectiva que é simultaneamente precisa e cômica:

No século XX, a força moral e criativa, associada ao carisma artístico


reforçado pelos meios de comunicação criaram um dos “monstros
sagrados” e “titãs” do nosso tempo, misto de celebrante de uma liturgia
com o de star ou star-system […]. Além disso, o regente do século XX
será o artista, o administrador, o entrepreneur, o pensador, o educador,
o disciplinador e o guardião das tradições da música orquestral sob
todas as suas formas e gêneros (LAGO JUNIOR, 2002, p. 135-136).

A partir dessa expansão da área de atuação do regente ao longo do


século XX é que temos hoje essa atuação de múltiplas funções. Assim chegamos
ao fim de nossa breve síntese do histórico da regência, em que vimos seu
desenvolvimento a partir da Idade Média, na Europa, até os dias de hoje.
Existem muitos acontecimentos que foram deixados de fora, deixaremos leituras
adicionais aqui caso você queira adentrar mais nesse assunto.

DICAS

Caso você queira saber mais sobre a história da regência recomendamos o livro
de Sylvio Lago Junior – A arte da regência: história, técnica e maestros (LAGO JUNIOR, 2002).

Caso você queira uma leitura mais leve, mas que traga mais detalhes sobre o que
abordamos aqui, acesse o site do professor André Egg da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR): http://andreegg.org/2020/03/31/o-surgimento-do-maestro/.

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O QUE É REGÊNCIA?

3 AS FUNÇÕES DA REGÊNCIA
Como acabamos de ver no subtópico anterior, no século XX, o regente
se tornou “o artista, o administrador, o entrepreneur, o pensador, o educador, o
disciplinador e o guardião das tradições da música orquestral sob todas as suas
formas e gêneros” (LAGO JÚNIOR, 2002, p. 136). Neste subtópico, nós iremos um
pouco mais a fundo nessas diferentes funções que são exercidas na regência, além
de comentar processos de formação importantes para estar apto a desempenhá-las.

É digno de nota que as funções que listaremos aqui não ocorrem de forma
isolada, existem muitas intersecções e sobreposições entre elas. Vamos começar
então com a primeira delas e que para muitas pessoas ainda é a única definição:
o regente como intérprete musical. Em seguida, comentaremos a comunicação, a
relação entre regência e liderança, por fim o regente educador musical.

3.1 REGENTE INTÉRPRETE


Em nossa síntese sobre o histórico da regência, vimos que durante muito
tempo, quem regia também era um executante, ou então era o próprio compositor da
obra, o que foi muito frequente até o século XX. Tendo em vista essas origens é de se
esperar que a principal função da regência ainda hoje seja a interpretação musical.

Interpretação musical é a recriação de uma obra musical a partir de uma


gravação e/ou de fontes escritas. Esse processo envolve escolhas por parte de
quem está interpretando, desde qual andamento, dinâmica geral da peça, até a
escolha de articulação em notas específicas.

Para descrever de forma geral como o regente desempenha esta função,


vamos utilizar o 3° movimento da Primavera da obra “As Quatro Estações” de
Antonio Vivaldi (1678-1741), conforme foi arranjada para guitarras elétricas pelo
grupo Sinfonity, a fim de demonstrar algumas das etapas necessárias.

DICAS

Dê uma conferida na gravação do 3° movimento da Primavera da obra


“As Quatro Estações” de Antonio Vivaldi nesse arranjo interessante do grupo Sinfonity:
https://www.youtube.com/watch?v=6tkRbCXzN5o&ab_channel=SinfonityTVGuitar.

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Vamos dizer que você tem um grupo de guitarristas muito competentes:


você traz a ideia de fazer essa obra musical para o grupo, o grupo aceita, mas
somente se você conduzir a preparação da obra, ou seja, reger! O que você irá
fazer? Primeiramente, você precisará estudar bastante a obra original ouvindo
gravações diferentes, lendo a partitura, bem como aprender a tocar o máximo
possível das linhas em seu instrumento de maior domínio, no caso a guitarra.
Sempre dando atenção às concepções detalhadas da interpretação musical, como
dinâmica, mudanças de andamento, sonoridade, entre outros.

Durante esse processo de estudo individual, você já vai começar a ensaiar


o grupo. Nesse momento, você vai estabelecer, com base no que você conhece
das capacidades técnicas de cada um, quem irá tocar qual parte. Você conduzirá
os ensaios decidindo quais partes devem ser mais exercitadas, você precisará
ter zelo para identificar e corrigir erros de notas, ritmos e outros parâmetros da
intepretação que você idealizou. É nessa etapa que você estará constantemente
comparando a música que está sendo executada com a música que você construiu
mentalmente no seu estudo individual e corrigindo quando a realidade não
condisser com o que você previu.

Durante o processo, você usará vários dos seus conhecimentos musicais,


você comunicará ideias musicais verbalmente, exemplificando no instrumento,
além de utilizar o gesto de regência. Quando o repertório estiver ensaiado, haverá
o momento da performance musical, quando você poderá conduzir a execução
regendo e através dos seus gestos manterá a unidade de andamento, corrigirá
eventuais erros, chamará atenção para ideias musicais ensaiadas, a fim de garantir
a fluência da apresentação.

Para fazer isso tudo que descrevemos nos parágrafos anteriores é preciso
se ter diferentes conhecimentos e habilidades musicais. A seguir, vamos conversar
sobre os aspectos mais importantes para se desempenhar a função de regente
intérprete musical.

3.1.1 Leitura e percepção musical


Uma leitura musical bem desenvolvida é essencial para que o aprendizado
do repertório ocorra com agilidade, além de ser importante ter um suporte
escrito para a sua memória, pois frequentemente o regente trabalhará com mais
repertório do que pode memorizar. Quando falamos em leitura musical nos
referimos à capacidade de transformar texto musical escrito em som com pouco
ou nenhum contato anterior com a partitura ou gravações, também chamada de
leitura musical à primeira vista. É possível estabelecer que o amadurecimento da
leitura musical ocorre quando se conquista a capacidade de:

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O QUE É REGÊNCIA?

• Ler fluentemente alturas nas claves de Sol, Fá e Dó na 3ª linha, em qualquer


tonalidade, com atenção para a altura real das notas em cada uma das claves.
• Ler fluentemente ritmos em compassos simples e compostos, incluindo
quiálteras de 3, 5 e 6, pelo menos.
• Executar as dinâmicas, articulações e outras indicações.
• Manter a coerência da leitura musical em andamentos lentos e moderados.

Já a percepção musical engloba, além de questões de leitura musical, a


percepção auditiva, memória musical e a capacidade de escrever a música que
ouve. É vital para o regente desenvolver uma percepção auditiva satisfatória,
pois o regente durante ensaios e apresentações precisará ouvir atentamente o
que o grupo está produzindo sonoramente, comparando com a sua mentalização
sonora, avaliando quanto o som real é fiel ao som imaginado. Nesse sentido,
é importante ouvir bem não apenas as alturas das notas, mas também uma
compreensão detalhada de relações rítmicas em diferentes gêneros musicais, de
diferentes intensidades e timbres de vários instrumentos musicais.

Existem várias estratégias para se desenvolver uma boa percepção


auditiva. Primeiramente pode-se aprender músicas copiando auditivamente as
gravações, sem nenhum suporte escrito, nem mesmo cifras, prática conhecida
popularmente como “tirar de ouvido”. Outra estratégia que ajuda bastante nesse
processo é escutar ativamente obras musicais de diversos gêneros musicais,
procurando analisar os elementos da música enquanto ouve, isso pode ser
conjugado com acompanhar visualmente a partitura. Podemos mencionar
também a prática de tentar escrever a partitura do que ouve diretamente, com ou
sem apoio instrumental, os famosos ditados musicais. Por último recomendamos
que você experimente com a sonoridade do seu instrumento principal, buscando
aprimorar seus crescendo e diminuendos, articulações e sonoridade geral.

Além de anos de experiência, para desenvolver a leitura musical e


percepção auditiva é preciso que a técnica instrumental, os conhecimentos
teóricos e o desenvolvimento musical global sejam abordados de forma integrada
e equilibrada. Pode parecer uma constatação óbvia, mas não foi assim no passado.

Por muito tempo o ensino musical conservatorial considerava que a


prática musical só podia existir a partir da decodificação da partitura, ou seja, para
começar a tocar qualquer instrumento você precisaria estar versado na leitura
musical, sendo submetido a períodos mais ou menos longos de aulas de solfejo
e teoria musical antes de poder encostar no instrumento. Em contrapartida, nos
dias de hoje, é comum que algumas escolas livres de música não façam questão
de que seus estudantes entrem em contato com a notação musical tradicional,
argumentando que não é necessário aprender a ler para tocar um instrumento
musical. O que não deixa de ser também um radicalismo, nós acreditamos
que prática instrumental e leitura musical são processos complementares que
precisam ser conduzidos concomitantemente.

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

O desenvolvimento da leitura musical à primeira vista é uma área de


estudo dentro da música. Gonçalves (2018) investigou as disciplinas de leitura
musical à primeira vista em cursos de graduação em música da Região Sul
do Brasil e, segundo o autor, ler à primeira vista envolve coordenação ocular,
memória visual, reconhecimento de padrões musicais, técnica instrumental,
experiência musical geral, ouvido interno, entre outros.

DICAS

Para entender melhor a complexidade da leitura à primeira vista,


recomendamos a leitura do Capítulo 2 da tese intitulada “A disciplina de leitura musical à
primeira vista em cursos de graduação em música do sul do Brasil: um estudo com base
na teoria social cognitiva sobre processos de ensino/aprendizagem” (GONÇALVES, 2018).
Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/57013/R%20-%20T%20
-%20ALEXANDRE%20GONCALVES.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

O aprimoramento da percepção auditiva e da leitura musical auxilia


no desenvolvimento do que chamamos de ouvido interno. O ouvido interno
é a capacidade de mentalizar uma obra musical, sem apoio instrumental, com
riqueza de detalhes, seria uma versão auditiva da famosa “memória fotográfica”,
não deve ser confundido com a parte anatômica do corpo de mesmo nome. À
medida que aprimoramos nossa experiência musical essa mentalização fica cada
vez mais fidedigna.

Achamos importante aproveitar esse momento para termos uma conversa


sobre o “ouvido absoluto”. A definição comum de ouvido absoluto pode ser
sintetizada como “a capacidade de identificar, nomear ou produzir a frequência
de um estímulo tonal sem o auxílio de um tom de referência” (VELOSO; FEITOSA,
2013, p. 357). No entanto, Veloso e Feitosa problematizam a definição do termo

[…] define-se o ouvido absoluto ao se verificar elevado grau de


precisão na associação direta entre um estímulo sonoro e um rótulo
verbal específico. Portanto, nota-se participação evidente de um
componente linguístico (cognitivo) relacionado à habilidade que o
diferencia das demais manifestações da música no cérebro humano,
além do conhecimento prévio em teoria musical como condição
intrínseca (VELOSO; FEITOSA, 2013, p. 358).

Tendo em vista que é necessário que o indivíduo possua treinamento


musical formal para se identificar a habilidade como ela é definida atualmente,
o ouvido absoluto é muito raramente visto em não músicos. Veloso e Feitosa
(2013) apontam estudos que relacionam o treinamento musical formal precoce

12
O QUE É REGÊNCIA?

(antes dos seis anos de idade) a uma maior probabilidade de se desenvolver essa
característica, ao mesmo tempo que outros sugerem também para a presença de
fatores genéticos.

Para nós, o ouvido absoluto é uma habilidade curiosa de se ver


presencialmente e talvez útil para quem a possui, mas, em última análise,
desnecessária para se aprofundar em música. Em contraposição ao ouvido
absoluto, a maioria de nós ao treinar a percepção auditiva está desenvolvendo
o que chamamos de ouvido relativo, ou seja, você sabe a distância de diversas
notas relativamente a um som de referência. Esse tipo de percepção é o que de
fato é necessário para o músico, pois a maioria dos sistemas musicais lidam com
a relações entre as alturas sonoras. Desse modo, frisamos que para a regência o
importante é o desenvolvimento de um bom ouvido relativo.

3.1.2 Prática vocal/instrumental


Com exceção de gêneros musicais feitos exclusivamente através de meios
digitais, a música geralmente se materializa através da ação de uma pessoa sobre
seu próprio corpo e/ou sobre um instrumento musical, produzindo som. Ainda
que o regente não produza nenhum som enquanto conduz a execução musical
de outras pessoas, é indispensável que se tenha habilidades instrumentais bem
desenvolvidas, independentemente de qual instrumento musical (voz é um
instrumento musical). Destacamos que essa recomendação também é válida para
professores de música em formação, independentemente em qual área irão atuar.

Entretanto, muitas vezes ocorre que estudantes de cursos de licenciatura


em música não conseguem se dedicar a uma prática instrumental aprofundada.
Isso ocorre pois frequentemente os currículos dispersam a carga horária dedicada à
prática instrumental em diversas áreas como piano, violão, flauta doce, percussão,
entre outros. O que pode ocorrer também é que a alocação prioritária de carga
horária para disciplinas pedagógicas predomina sobre a prática instrumental
individual e coletiva.

Frisamos que a experiência do desenvolvimento instrumental é muito


importante. Portanto, acadêmico, continue aprimorando seu instrumento
principal, faça aulas, estude, participe de cursos diversos, estude todos os dias,
durante o seu curso de graduação e após tê-lo concluído.

Voltando para o valor da prática instrumental para a função de intérprete


musical do regente, além da proficiência em seu instrumento principal, é
importante também adquirir um pouco de experiência com o piano, pelo menos
para ler melodias de forma fluente. O piano é um bom instrumento para dar
suporte à preparação do regente, pois é um instrumento que facilita a execução
de linhas melódicas, principalmente por não possuir uma exigência técnica

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INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

elevada em relação à produção do som. Ter algum domínio do piano é útil como
instrumento de apoio ao ensaio, principalmente em regência coral, por ser um
instrumento que permite a execução polifônica de, pelo menos, duas linhas
melódicas simultaneamente sem grandes obstáculos técnicos.

Essa afirmação da simplicidade do piano pode parecer estranha para


você, então vamos refletir sobre a coordenação motora exigida para produzir uma
nota musical em diferentes instrumentos. No piano, você precisa apertar uma
tecla com um dedo e o som acontece sem distorção, abafamento ou desafinação
(isso se o piano está afinado). Em um instrumento de sopro você precisa segurar
o instrumento, dominar a embocadura, pressão de ar, coordenar duas mãos,
utilizando vários dedos simultaneamente para tampar vários furos. Já com um
violino você vai ter um desafio próprio apenas para segurar o instrumento com
o pescoço e o arco com uma das mãos, sem experiência com o arco o som vai
sair “miado” com irregularidades, as notas que não são em corda solta vão estar
desafinadas, entre outros. Lembrando que estamos fazendo essas observações
com relação ao piano partindo da necessidade de executar melodias, tocar piano
pode ser tão desafiador, ou até mais, do que outros instrumentos, dependendo da
complexidade do que está sendo tocado.

Para a regência recomendamos também que se tenha alguma experiência


usando a voz para cantar, não queremos dizer com isso que seja obrigatório ter
uma técnica vocal muito desenvolvida. Nossa intenção é evidenciar a utilidade
de se ter a capacidade de cantar de forma afinada em uma tessitura mediana
para sua voz e conseguir demonstrar notas, ritmos, dinâmicas e efeitos sonoros
diversos com a voz, tudo isso muito importante para a comunicação de ideias
musicais quando estiver regendo um grupo. Caso a voz já seja o seu instrumento
principal, recomendamos que você desenvolva alguma prática instrumental, com
destaque para o domínio do piano.

Outra recomendação importante para quem almeja se aprofundar mais


na regência é ter sido em algum momento integrante do tipo de formação que
você irá reger como instrumentista ou cantor. Figueiredo (2006, p. 7) comenta a
importância dessa experiência para a formação do regente:

[…] para se tornar um bom regente, é necessário que o candidato


vivencie o cantar em coro, principalmente sob a orientação de um
regente experiente, que aborde grande variedade de repertório. Não é
possível ser um bom regente de coro sem ter sido um cantor de coro.
O que se aprende nas entrelinhas de um ensaio, com seus bons e maus
momentos, é de uma importância vital na formação de um regente.

Ainda que Figueiredo (2006) esteja se referindo especificamente ao canto


coral, podemos extrapolar sua recomendação para outras formações musicais.
Em outras palavras, se você tem interesse em reger orquestra, é necessário que
seja instrumentista de orquestra sob a regência de alguém experiente, se você
quer trabalhar com banda marcial, toque em bandas e assim por diante. Sempre
busque aprimorar sua prática instrumental, individual e coletiva!

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O QUE É REGÊNCIA?

3.1.3 Conhecimentos sobre história da música


Com base nas disciplinas de história da música que teve ao longo do curso,
você pode imaginar que estamos falando da música de concerto europeia, mas não
é somente isso que queremos dizer com história da música. Queremos dizer que
o regente precisa conhecer, além de aspectos gerais desses assuntos, inclusive da
música clássica, precisa conhecer a história da música comercial do século XX, música
folclórica e os diversos gêneros que as compõem e compreender aspectos estéticos de
alguns destes gêneros musicais.

Esses conhecimentos são essenciais para o desempenho da função


de intérprete musical do regente, pois não é possível interpretar um jazz
adequadamente se você não está familiarizado com os preceitos estéticos deste
gênero musical, bem como seu histórico. Por isso é sempre importante que você
pesquise o contexto histórico das obras que você for reger, para poder tomar
decisões interpretativas mais informadas.

3.2 COMUNICAÇÃO
Quem rege, assim como qualquer professor, precisa conseguir comunicar
suas ideias, tanto musicais como não musicais, de forma clara, sintética e objetiva,
seja de forma verbal ou não verbal, caso contrário, não desempenhará suas
funções de forma satisfatória. Neste subtópico iremos introduzir esse assunto que
será mais detalhado ao longo do livro.

Como você provavelmente viu na disciplina de Comunicação e Linguagem,


existem dois tipos de linguagem: a verbal e a não verbal. A linguagem verbal, seja
ela escrita ou oral, é definida pelo uso de palavras para a comunicação de ideias,
sentimentos, entre outras coisas; enquanto a linguagem não verbal lança mão de
imagens, símbolos, gestos, expressões faciais para a comunicação. O regente se
utiliza de ambas para o desempenho de suas diversas funções.

Vamos iniciar com a linguagem verbal na regência. Um dos pontos mais


importantes com relação à comunicação verbal na regência é despoluir o canal
de comunicação, por exemplo, ninguém gosta quando nosso acesso à internet
está congestionado e tudo fica lento, não conseguimos acessar nem e-mail. Então,
quando o regente fala ele precisa ser ouvido! Ouvido mesmo! Ou seja, se há ruído
de conversas paralelas ou de pessoas tocando seus instrumentos musicais fora de
hora, o canal de comunicação já estará poluído, dificultando a compreensão da
mensagem. A gente sabe como ensaios podem ser barulhentos com as conversas
infindáveis ou ainda o guitarrista que não para de “fritar” o instrumento. Por
isso, também é função do regente disciplinar o seu grupo para manter limpos os
canais de comunicação, garantindo o máximo de clareza e entendimento.

15
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Mas cuidado! Pois o próprio regente pode comprometer a eficiência de


sua comunicação falando demais. Veja só o que Figueiredo (2006, p. 8) tem a nos
dizer sobre isso:

Todos nós concordamos, também, que ensaio, pelo menos em


seus momentos essenciais, não é lugar para se falar. O problema
é que, quando dizemos tal frase, estamos sempre nos referindo aos
coralistas. Mas e os regentes? Como falam! Informações que deveriam
ser puramente objetivas acabam virando discursos. Devíamos estar
sempre atentos à proporção que existe em nossos ensaios entre os
momentos em que se está cantando e os momentos em que se está
falando, principalmente o regente.

Tendo em vista a fala de Figueiredo (2006), recomendamos também que


o regente evite comunicar informações desnecessárias, por exemplo, discorrer
longamente sobre algum aspecto histórico da obra, reserve isso para as conversas
descontraídas com os integrantes nos intervalos e após o ensaio. Outro ponto
importante para que uma comunicação funcione bem é que o regente saiba bem o
que é preciso falar. Isso é um problema, pois pode acontecer de o regente não saber
bem a peça ou então não tem ideia de que estratégia adotar para resolver algum
problema de execução que o grupo está tendo. Por isso esteja sempre bem preparado.

No ofício da regência, a comunicação não verbal é tão importante quanto,


ou até mais que a verbal. A comunicação não verbal inclui os gestos de regência,
expressões faciais, postura corporal, exemplificação musical e uso de imagens. A
exemplificação musical, por exemplo, pode ser feita diretamente no instrumento
em questão ou imitando vocalmente o som que você gostaria que fosse executado.
A demonstração direta no instrumento é muito importante para modelar a
execução musical, principalmente em grupos menos experientes, nesse sentido é
muito mais importante mostrar do que descrever.

A fim de comunicar suas ideias musicais ao grupo em tempo real,


sem que isso interfira sonoramente na execução, é necessário algum tipo de
comunicação que aconteça pelo canal visual. Dessa forma, a comunicação
através de gestos, posturas corporais e expressões faciais foi se tornando, ao
longo da história o modo predominante de comunicação entre regente e grupo.
Tradicionalmente, a comunicação gestual na regência é conhecida também pelo
nome de técnica de regência.

16
O QUE É REGÊNCIA?

3.3 REGENTE LÍDER


Podemos definir liderança como a capacidade que certas pessoas possuem
de unir outras pessoas com objetivos comuns, coordená-las, estabelecer normas
de conduta, permitindo a todos a alcançar os objetivos do grupo. Todas essas
questões dependem de relacionamento humano.

Rocha (2004) fala sobre a importância do relacionamento humano


na condução do trabalho em grupos musicais, estabelecendo que a “relação
construtiva entre regente e grupo depende de três fatores: a postura e o
comportamento do líder, a forma de condução do grupo na implementação dos
planos e a administração de conflitos” (ROCHA, 2004, p. 24).

Mas o que seria essa “postura e comportamento do líder”? O autor cita


sete qualidades: “autoridade pessoal, autodomínio, clareza de objetivos e de
expressão do pensamento, capacidade de planejamento, empatia e capacidade
de mobilização, poder de argumentação e sentido de reconhecimento” (ROCHA,
2004, p. 24). Ainda que essas qualidades possam ser consideradas características
pessoais, algumas delas podem ser desenvolvidas no longo prazo. Por exemplo,
o poder de argumentação se relaciona com o entendimento geral sobre a vida
e do conhecimento que o indivíduo tem aliado à sua segurança emocional.
Conhecimento se constrói com estudo ao longo dos anos e segurança emocional
se constrói com autoconhecimento.

O segundo fator é a condução do grupo na implementação dos planos. Nesse


sentido, o grupo se sentirá motivado se considerar que o regente está conduzindo as
atividades de modo com que os objetivos sejam alcançados. No entanto, dependendo
de como os objetivos do grupo foram estabelecidos pode ocorrer um problema, por
exemplo, o regente quer fazer um repertório por achar que vai ajudar o grupo a se
desenvolver musicalmente, mas a maioria dos integrantes gostaria de fazer outro
repertório. Esse desencontro entre os objetivos desejados pelo regente e o grupo podem
causar dificuldades na implementação das tarefas e ter um efeito negativo na motivação
tanto de regente como de integrantes.

O último fator mencionado por Rocha (2004) é a administração de


conflitos. Todo agrupamento de seres humanos tem conflitos, não é possível fugir
dessa realidade, mas a atitude que tomamos ao abordar os conflitos pode mudar
completamente o resultado. Por exemplo, é possível demonstrar real interesse
em solucionar as diferenças, ou simplesmente fingir que não existe um problema,
ou ainda utilizar o conflito para arregimentar outras pessoas do grupo para a sua
“facção”, se a outra pessoa também arregimenta os seus seguidores, a situação sai
completamente do controle.

17
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Se tem uma coisa que afeta o bem-estar das pessoas, a produtividade


dos ensaios, a execução musical, como também a longevidade do grupo, são os
conflitos. Os conflitos em grupo geralmente têm as mesmas origens, algumas das
mais frequentes são:

• egos inflados e orgulhos feridos “eu canto muito melhor que a fulana, por que
ela vai fazer o solo?”;
• o sentimento de que os outros não se entregam tanto para o grupo como você;
• corrida maluca para quem bajula mais o “maestro” para entrar na sua “graça”;
• hipersensibilidade à crítica “eu não toquei a nota errada como o regente falou”.

Dependendo dos objetivos do grupo e das motivações principais que as


pessoas têm para estar ali, esses conflitos podem ser tolerados ou então causar a
dissolução do conjunto. Grupos profissionais são mais resistentes a isso, pois a
junção do grupo geralmente se dá por fidelidade à instituição empregadora ou à
remuneração, enquanto grupos constituídos no ensino regular a obrigatoriedade
de frequência força a constituição do grupo. Entretanto, a maioria dos grupos
musicais são amadores e se juntam espontaneamente para cantar e tocar, nesses
casos os conflitos podem se tornar bastante perniciosos para a existência do grupo.

Muitas vezes, o regente será a figura que também reunirá a função de


gestão administrativa do grupo, tendo em vista que algumas vezes partiu de você
mesmo a formação do grupo, podendo até ser seu representante institucional.
Você terá que marcar as apresentações, lidar com patrocinadores, organizar
financeiramente o grupo, entre muitos outros.

DICAS

Os estudos sobre liderança na regência musical disponíveis no Brasil ainda


não definiram de forma clara e inequívoca de que forma o regente atua como um líder.
Apresentamos aqui a perspectiva trazida por Rocha (2004), o que, de forma alguma, esgota
o assunto.

Rita Fucci-Amato pesquisou um pouco sobre a função do regente como líder e


gestor. Recomendamos a leitura do artigo dela sobre a liderança e inteligência emocional.

Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2010_tn_sto_116_758_15042.pdf.

18
O QUE É REGÊNCIA?

3.4 REGENTE ARRANJADOR


Durante o século XX observou-se o surgimento de um entrelaçamento
entre a música de tradição erudita e diversos gêneros de música popular.
Compositores nacionalistas, como Heitor Villa-Lobos (1887-1959), fizeram esse
processo ao buscar na música folclórica inspiração para suas composições, a fim de
que representassem uma identidade nacional. Nos Estados Unidos, o compositor
George Gershwin (1898-1937) mesclava a linguagem da música erudita europeia
aos gêneros populares da época, como jazz e blues. A música composta para o
cinema, desenhos animados e programas de rádio também contribuíram para
essa fusão. Isso tudo foi gradualmente abrindo espaço para que cada vez mais
se aceitasse que formações eruditas, como orquestras e corais, executassem
música popular.

Começaram então a surgir grupos que se especializavam em fazer versões


de música popular com escrita musical erudita. Esse movimento foi muito forte
no canto coral brasileiro a partir da década de 1960 e 1970 e prossegue até os
dias de hoje, com arranjadores marcantes como Marcos Leite (1953-2002), Samuel
Kerr (1935-), Levy Damiano Cozzela (1928-2018) e Carlos Alberto Pinto da
Fonseca (1933-2006). Nas últimas décadas presenciamos também a hibridização
de formações eruditas com o rock, em particular com o heavy metal, um exemplo
icônico desse movimento é o álbum ao vivo S&M da banda Metallica com a
Orquestra Sinfônica de São Francisco em 1999. Destacamos que bandas pioneiras
como o Deep Purple também tenham feito isso ainda na década de 1960.

Para que ocorra essa mudança de linguagem musical são necessários


arranjos musicais que mesclem as linguagens. Em alguns casos são contratados
arranjadores profissionais, mas, muitas vezes, quem escreve os arranjos é o
próprio regente. Figueiredo (2006, p. 6-7) fala sobre outras necessidades além da
estética para que o regente desempenhe esta função:

Todos nós sabemos da dificuldade cada vez maior de termos um


coro equilibrado, no que diz respeito a seus naipes. Muitas vezes, a
pesquisa de repertório se torna frustrante, ao constatarmos que aquilo
que existe não se adapta ao coro que temos. Os regentes brasileiros
se deram conta do problema e passaram a investir na criatividade,
gerando novas alternativas para repertório. Para que esse processo
amadureça, é necessário que eles se engajem em cursos de Arranjo
Vocal, que são cada vez mais comuns, principalmente no âmbito de
cursos de férias e eventos corais de todo tipo.

O autor cita a falta de cantores em certos naipes do coral como motivo


para elaboração de arranjos, mas também existem propósitos educativos, como
fazer um arranjo para trabalhar intervalos paralelos de 3ª ou baixo pedal, por
exemplo. Antes de estudar arranjo propriamente é muito importante se possuir
uma boa base dos fundamentos da linguagem musical, isso é importante também
para a função de regente-intérprete.

19
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

3.4.1 Conhecimentos de teoria musical, harmonia e


contraponto
Acadêmico, ainda que seja um pouco óbvio, é muito importante que
você tenha domínio dos fundamentos da linguagem musical, tanto para poder
arranjar para o seu grupo, como para interpretar melhor a música. Cabe destacar
que não estamos nos referindo a saber teoria musical e harmonia para fazer uma
prova escrita, estamos recomendando que os conhecimentos estejam plenamente
integrados a sua prática musical e docente. Vamos dar alguns exemplos.

Digamos que você, acadêmico, é professor de bateria de uma escola de


música, mas a dona da escola solicitou que ensaiasse um grupo de alunos de
diversos instrumentos para o recital anual da escola. Aí, no dia do primeiro
ensaio, você percebe que o tom da música está muito alto para o aluno de canto,
então você decide baixar o tom da música! Você tem que estar com transposição
na ponta da língua, senão imagine quanto tempo de ensaio você vai perder
para trocar os acordes do acompanhamento, além de perder credibilidade com
os estudantes.

Imagine que nessa mesma situação você também tem um grupo de violinos
que executará um arranjo escrito por você, então você precisa saber muito bem
as notas que compõem cada acorde da harmonia e saber fazer uma boa condução
de vozes para fazer o arranjo soar legal, além de considerar a limitação técnica
dos alunos ao fazer o arranjo. Ou seja, mesmo que seu instrumento principal seja
a bateria, é importante que possa atuar de forma ampla na constituição de uma
música com variedade de instrumentos.

Em outra situação vamos imaginar que você é um regente de coro e


tem a partitura de uma música linda para coro à capella e você decidiu lançar o
desafio para o seu grupo. No entanto, o grupo é inexperiente e você achou melhor
fazer um acompanhamento instrumental, pelo menos para os ensaios, e você é
pianista, então você mesmo vai acompanhar. No entanto, tem um problema: a
partitura não traz os acordes cifrados, nem um acompanhamento para piano
escrito em partitura, e agora? Você procura na internet por cifras ou partituras de
um acompanhamento para essa música, mas não encontra, então você precisará
arranjar um acompanhamento para a música tendo como base as notas que as
vozes cantam (e isso também exige que tenha boa leitura musical), ou seja, se
você tem o conjunto de notas musicais “mi, dó, sol, si”, terá que saber que isso é
um acorde C7M/E. Mãos à obra.

Esses dois exemplos, de caráter prático, apenas tocam na superfície da


importância de se dominar os fundamentos da linguagem musical, sem mencionar
a análise musical e sua importância para a intepretação musical. Destacamos
também que para desempenhar a função de regente arranjador é essencial o
domínio sobre esses conteúdos, como também uma boa leitura musical, além dos
conhecimentos próprios de composição musical.

20
O QUE É REGÊNCIA?

Acadêmico, tome sua formação em suas próprias mãos, revisite os seus


livros didáticos da UNIASSELVI das disciplinas de Teoria Musical, Harmonia e
Contraponto, Percepção Musical, busque outros materiais e cursos a respeito do
tema e exercite na prática seus conhecimentos teóricos.

3.5 REGENTE EDUCADOR MUSICAL


Ao considerarmos que a função primária da regência é construir e
conduzir uma intepretação musical com um grupo de cantores ou instrumentistas
é de se esperar que a educação musical faça parte também da função do regente,
independentemente do nível técnico do grupo em questão. O que muda ao se
trabalhar com grupos de diferentes capacidades musicais é o que você vai ensinar
e como você vai ensinar.

O que se ensina pode variar entre trabalhar afinação vocal básica em


um coral, orientar a manutenção de uma pulsação regular em um grupo de
percussão, demonstrando uma articulação específica, ou então descrevendo
aspectos profundos da simbologia da obra musical para uma orquestra, regentes
estão ensinando música o tempo todo.

O como se ensina vai variar de acordo com as dificuldades específicas


e as capacidades de compreensão do grupo em questão. Se usar o exemplo do
coral com problema de afinação é preciso identificar as origens principais da
desafinação, se for a falta de controle respiratório será necessário treinar isso,
se for a dificuldade em percepção do som, fazer exercícios de escuta. Sempre
adotando a linguagem e exercícios adequados à compreensão dos integrantes.

Para o desempenho satisfatório dessa função é importante que se tenha a


preocupação em elaborar um olhar pedagógico para sua atuação como regente,
buscando conhecimentos dentro das áreas de psicologia, sociologia, didática,
neurociência, antropologia, entre outros.

Em síntese, a regência implica educação musical e, por isso, a importância


de uma formação docente para quem quiser reger. Este será um assunto recorrente
neste livro, principalmente por estarmos falando aqui de uma disciplina de
regência vinculada a um curso de licenciatura em música.

4 REGENTE OU MAESTRO?
Acadêmico, vamos imaginar uma cena?

Um homem vestindo um fraque entra no palco após os integrantes da orquestra terem afinado seus
instrumentos. Ele, portando uma batuta na mão, é aplaudido enquanto se posiciona acima de um
pódio elevado se vira de frente para a plateia e se curva em um gesto cortês, então ele vira de costas,
levanta seus braços e juntamente com seus gestos energéticos a orquestra começa a fazer música.
Ele é o maestro!
21
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

FIGURA 3 – GUSTAVO DUDAMEL

FONTE: <https://glo.bo/2UKwIs5>. Acesso em: 17 nov. 2020.

Vamos refletir um pouco sobre esta cena. É imprescindível o uso batuta


para reger? Se uma pessoa rege uma orquestra por que comumente chamamos
ela de maestro e não de regente? Será que a pessoa que rege um coral também
é um maestro? Por que quem rege coral não usa batuta? Vamos entrar em um
terreno controverso, então se preparem!

Segundo o Dicionário Grove de Música (SADIE, 1994, p. 564-565), o termo


maestro vem do italiano “mestre”, sendo um

Título empregado, na linguagem musical, em vários sentidos. Pode-se


referir a um compositor, um virtuose, um professor, um fabricante de
instrumentos, ao regente […]. No Brasil, seguindo o costume italiano,
é muito mais frequente usar-se o termo “maestro” do que “regente”
para qualificar aquele que rege uma orquestra.

Por essa definição do Dicionário Grove de Música podemos perceber que


o título maestro serve mais para atribuir a qualidade de “mestre” em música a um
indivíduo, ou seja, é uma medição de conhecimento da pessoa. Pode ser considerado
também um termo para designar o líder de um grupo musical, mas sem perder
o sentido original de “mestre”. Neste sentido, é um termo que não possui precisão
técnica com relação à função musical desempenhada por uma pessoa, sendo utilizada
mais como um pronome de tratamento, como meritíssimo ou vossa eminência, ou ainda
como uma forma de demonstrar respeito por uma pessoa.

Essa utilização como pronome de tratamento, ainda que não seja viciosa por
natureza, pode abrir espaço para a utilização do termo para fins de enaltecimento
do ego e para a conquista de status social. É comum algumas pessoas ao pegarem
uma batuta e regerem uma orquestra de estudantes de um projeto social, por
exemplo, comecem a se autointitular “maestro”, sem necessariamente possuírem
ampla experiência musical o que justificaria o uso de um pronome de tratamento.

Outra questão periférica a esse assunto que também é digna de nota é a


“aura” de status social que rodeia a figura denominada maestro, principalmente
em meios sociais com acesso à cultura da música de concerto, conjuntamente

22
O QUE É REGÊNCIA?

com um preconceito de que as pessoas mais competentes regem orquestra, sendo


melhores dos que regem bandas marciais e/ou coros. Em sua investigação das
matrizes curriculares de cursos superiores em regência no Brasil, partindo da
forma como as disciplinas de regência são nomeadas e organizadas, Lacerda e
Figueiredo (2018, p. 21) afirmaram que “foram encontrados indícios da existência
de uma hierarquização entre as regências de diferentes grupos musicais, com
maior importância sendo dada para a Regência Orquestral”.

Então como chamar? Maestro ou regente? Antes de responder à pergunta,


vamos dar uma pincelada sobre como a função de conduzir um grupo musical
é chamada em outras línguas. Em países de língua inglesa, os termos mais
frequentemente utilizados para designar quem conduz uma orquestra é conductor
(condutor) e music director (diretor musical), enquanto em alemão é frequente o
uso de dirigent (regente), já em francês pode-se usar conducteur (condutor), chef
d’orchestre (chefe da orquestra).

Você percebeu que nessas línguas o termo define a função? Em português


temos também um termo tecnicamente específico com relação à função: regente,
que é a pessoa que rege ou conduz um grupo durante uma realização musical.
Dessa forma, optaremos neste livro por manter a coerência de nomenclatura entre
o verbo, “reger”, quem executa ação, “regente”, e o substantivo da ação “regência”.

Outra questão a ser discutida neste assunto é a mulher na regência,


algo muito importante de se mencionar, tendo em vista que “a mulher do
século XIX esteve presente nas salas de concerto como cantora e às vezes como
instrumentista, mas nunca como regente” (LAGO JUNIOR, 2002, p. 532). As
mulheres na regência foram conquistando gradativamente espaço ao longo do
século XX e continuam neste processo no século XXI. Vamos fazer um teste?
Pesquise imagens de “regência de orquestra” no Google, veremos que os tempos
estão mudando e que você até encontre uma mulher, mas a predominância das
imagens será de figuras masculinas.

Isso não ocorreu somente na regência, as mulheres compositoras e


musicólogas até o final da II Guerra Mundial eram pouquíssimas e as que existiam
geralmente eram esquecidas. Isso não só na música erudita, mas na música
comercial também. Quantas compositoras da música brasileira você conhece?
Compositoras mesmo, não mulheres que cantam obras compostas por homens.

Pela falta de história em se ter mulheres assumindo esses papéis na


música, dificilmente pensaríamos em uma mulher regendo uma orquestra ou
sendo a compositora de uma obra sinfônica. Portanto, quando se fala “maestro”
é automático se pensar em um homem, até porque existe o termo “maestrina”,
também do italiano, para designar mulheres. Tendo em vista que a norma culta da
língua portuguesa prevê que o gênero masculino e o neutro se sobrepõem, pode-
se denominar a pessoa que rege genericamente como “o” regente. Lembrando
aqui que neste caso o artigo é que define o gênero da palavra, pois regente é um
substantivo verdadeiramente neutro como estudante e agente.

23
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Ainda que utilizemos o gênero neutro da norma culta “o regente” ao


longo deste livro para designar a pessoa que rege, desejamos que você acadêmico
pense na possibilidade de se imaginar que regentes podem ser mulheres também.

5 POR QUE ESTUDAR REGÊNCIA NA LICENCIATURA EM


MÚSICA?
Após essa contextualização, você deve se perguntar: se regência se
originou com a música clássica, com orquestras sinfônicas, entre outros, por que
preciso estudar regência para me formar professor de música? Boa pergunta! Para
o acadêmico que vive a música popular e tem em sua perspectiva ser professor de
instrumento, por exemplo professor de bateria em uma escola de música de sua
cidade, é justo refletir se é importante mesmo estudar regência no seu curso, ou é
apenas mais uma disciplina que precisa cumprir para ter o diploma. Então vamos
tentar responder a estas questões de forma satisfatória.

Primeiramente, esta disciplina não existe para formar regentes de


orquestra! Naturalmente, se você quiser ser um regente de orquestra, você
poderá continuar seus estudos e buscar cursos específicos que irão ajudá-lo nessa
jornada. O objetivo principal de se estudar regência na licenciatura em música é
para que o acadêmico exercite a integração de seus conhecimentos e habilidades
musicais desenvolvendo mais uma ferramenta a compor suas possibilidades de
ações pedagógicas.

Figueiredo (2006) investigou a importância que estudantes de


licenciatura em música atribuíam à disciplina de regência. Ele identificou que
os participantes atribuíram duas qualidades principais: a aplicação direta na
atuação como educadores musicais em diferentes espaços e estimular o estudo
e a integração de conhecimentos musicais. Algumas das frases utilizadas pelos
participantes: “O estudo da regência trouxe a possibilidade de futuramente
utilizá-la profissionalmente, tanto para dar aulas quanto para trabalhar com
coros […]. A regência é uma disciplina que desenvolve a autodisciplina, nos deixa
mais seguros para a condução de qualquer exercício musical” (FIGUEIREDO,
2006, p. 887-888).

Se pararmos para pensar, conduzir qualquer atividade musical prática


não deixa de ser regência. Por exemplo, se você estiver dando aula de bateria para
dois alunos simultaneamente você estará regendo, ainda que esteja treinando
técnica instrumental, pois você dará indicação de andamento, orientar a execução,
vai interromper quando quiser corrigir alguma coisa, entre outras ações. Se você
quiser montar uma orquestra de percussão numa escola de ensino regular você
também vai reger, você ensaiará o grupo, usará algum tipo de gestual para
orientar a execução, resolverá problemas de execução musical etc. Conduzir uma
atividade de canto em uma turma de primeiro ano da escola básica, também vai
necessitar de habilidades da regência.

24
O QUE É REGÊNCIA?

Além dessa perspectiva utilitarista da regência, há o entendimento que


a regência é uma área que integra grandemente outras áreas da música que, de
forma geral, são trabalhadas isoladamente, conforme mencionado por Figueiredo
(2006). Desta forma, estuda-se regência para consolidar conhecimento musical,
além de ter outras experiências musicais. Pois, a experiência de conduzir um
grupo é bastante formadora, pois lida com aspectos emocionais de insegurança
em estar à frente de um grupo conduzindo, o que também é importante para a
formação de um professor.

NTE
INTERESSA

Você sabia que existem cursos de graduação específicos na área de regência?


Na Região Sul, por exemplo, existe o curso de Bacharelado em Regência Coral da UFRGS,
em Porto Alegre/RS; o Bacharelado em Composição e Regência da UNESPAR, em Curitiba/
PR e o Bacharelado em Regência da UEM, em Maringá/PR. Existem também diversos
festivais que oferecem cursos de curta duração em regência. Por exemplo a oficina de
música de Curitiba que, já realizou mais de 35 edições, há o Festival de Música de Santa
Catarina (FEMUSC) que também possui cursos de regência. Verifique!

Nós fizemos um apanhado geral sobre a delimitação do que é a regência


musical, contemplando suas funções, como a intepretação musical, a comunicação,
a liderança, o arranjo e a educação musical. Contemplamos também um histórico
sintético da regência a partir das suas origens na Idade Média até o século XX, bem
como discutimos o uso do termo maestro e regente. Por fim apresentamos alguns
argumentos em favor do estudo da regência em cursos de licenciatura em música.
Nós iremos ajudar você a desenvolver princípios da comunicação gestual através de
padrões convencionais.

25
RESUMO
Você aprendeu que:

• A regência pode ser definida como a área da música que contempla o


gerenciamento de todos os processos necessários para a construção e
implementação da performance, com destaque para a performance de grandes
grupos musicais, como bandas marciais, corais, orquestras, entre outros.

• A regência se desenvolveu conjuntamente com a própria linguagem musical


ao longo dos séculos até tomar a forma que conhecemos hoje.

• A regência possui diversas funções como a de interpretação musical,


comunicação, liderança, arranjo musical e educação musical.

• Maestro é um termo que vem do italiano e designa “mestre em música” não


tendo seu uso exclusivo para designar quem rege. É preferível usar o termo
regente que define tecnicamente a função desempenhada.

• A regência desempenha um papel importante na formação dentro de um


curso de licenciatura em música. Seja aprofundando a formação musical na
integração de conhecimentos e habilidades, seja servindo como ferramenta
para a atuação profissional como educador musical.

26
AUTOATIVIDADE

1 A comunicação é um fator essencial para a regência nos mais diversos


contextos, sendo que ela pode ocorrer de forma verbal e não verbal. Ambas
as formas precisam que os canais de comunicação entre regente e grupo
estejam desimpedidos e que o regente tenha clareza do que quer comunicar
e o faça com objetividade. De acordo com as formas de comunicação que
se pode utilizar na regência, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

(   ) O regente deve evitar que o grupo se habitue a ter conversas paralelas e
outros ruídos durante os ensaios.
(   ) Algumas formas de comunicação não verbal que podem ser utilizadas são:
demonstração no instrumento, gestual de regência e expressões faciais.
(   ) Recomenda-se que o regente faça longas e detalhadas explanações sobre
seus conhecimentos musicais durante os ensaios, assim ele garantirá o
entendimento do grupo e uma boa execução musical.
(   ) É importante que o regente se prepare bem para os ensaios a fim de que tenha
clareza do que quer, facilitando o processo de comunicação com o grupo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) V – F – F – V.
d) ( ) F – V – F – F.

2 Durante o século XIX quem regia ainda era frequentemente os próprios


compositores. Foi durante o século XX que a ocorreu uma maior
diversificação das funções da regência, que antes estava vinculada somente
à interpretação musical, ocorrendo a emancipação da regência como uma
área própria, separada da composição musical. Com base nas novas funções
da regência, analise as sentenças a seguir:

I- A função de educação musical é desempenhada somente quando se rege


grupos musicais com pouca experiência.
II- Os arranjos musicais são feitos por regentes tanto por motivações estéticas
quanto como ferramenta para auxiliar em processos de educação musical.
III- O regente como líder do seu grupo não deve se envolver com os conflitos
de relacionamento entre integrantes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

27
3 A regência é uma disciplina frequentemente encontrada em matrizes
curriculares de cursos de licenciatura em música. Sobre os motivos para se
estudar regência na formação de professores de música assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Estuda-se regência na licenciatura em música para desenvolver uma


técnica gestual avançada.
b) ( ) A regência na licenciatura tem como função desenvolver ferramentas para
se usar na profissão docente, além de aprofundar as capacidades musicais.
c) ( ) A regência na licenciatura tem como objetivo formar regentes corais.
d) ( ) Estuda-se regência na formação de professores de música para permitir
que o acadêmico conheça melhor o repertório de música clássica.

4 A intepretação musical é a função mais tradicional da regência. Esta


função requer diferentes conhecimentos e habilidades, incluindo leitura e
percepção musical. Com base nas características desta função da regência,
analise as sentenças a seguir:

I- Uma percepção musical desenvolvida não tem impacto na prática musical,


nem auxilia na aprendizagem de repertório novo, pois se trata de um
conhecimento exclusivamente teórico.
II- A experiência prática com instrumentos musicais é dispensável para a
regência, pois quem rege não executa nenhum instrumento durante a
performance.
III- A leitura musical é uma atividade complexa que envolve coordenação
ocular, memória visual, reconhecimento de padrões, percepção musical,
técnica instrumental, entre outros.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) Todas as sentenças estão incorretas.

5 A regência é uma área da música que teve seu desenvolvimento marcado


por profundas transformações ao longo dos séculos. Sobre a história da
regência assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A regência quironômica já trazia em seus códigos os princípios da


marcação de compassos.
b) ( ) A forte vinculação entre a regência e a composição musical terminou já
no início do período Romântico.
c) ( ) A noção de tactus na música surgiu durante o período Clássico.
d) ( ) Durante o período barroco, uma prática comum de regência era a
marcação dos pulsos de forma sonora com um bastão.

28
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

1 INTRODUÇÃO
Nós vimos uma síntese da história da regência, além de conhecer suas
funções, conhecimentos e habilidades. Vamos mergulhar na comunicação
gestual, abordando as convenções de marcação de tempo. Tudo isso com o
objetivo de que você comece a desenvolver a capacidade de comunicar ideias
musicais através do gesto durante ensaios e performances.

A técnica gestual é objeto de infindáveis tratados, discussões e conflitos,


sendo frequentemente usada como medição da competência de um regente. De
modo geral, esse assunto é o mais abordado em qualquer curso de regência, muitas
vezes, até não se menciona que existem outras funções na regência. Evitaremos
entrar em detalhes controversos ou complexos da técnica de regência, até por
entendemos que esta disciplina é um primeiro contato do acadêmico com a arte
da regência.

Objetiva apresentar de forma sintética as bases da marcação de


tempo através do gesto de regência, estabelecendo parâmetros que podem
ser aplicados em diversas situações. Primeiramente, iremos abordar alguns
princípios gerais do gesto, em seguida trataremos da regência de compassos
simples e compostos.

2 PRINCÍPIOS GERAIS
Vamos começar os princípios gerais refletindo novamente sobre
comunicação. Comunicação é um meio para algo e não uma finalidade em si,
lembre-se disso. A comunicação, primeiramente, precisa de um propósito, o
porquê de se comunicar e o que se almeja conseguir; ela também precisa de um
objeto, ou seja, a informação que, de fato, está sendo comunicada; por último
é necessário que a comunicação ocorra de uma forma adequada que permita
alcançar os objetivos almejados.

No caso da comunicação através do gesto de regência temos como


objetivos conduzir a execução e treinar as pessoas que estamos liderando; nosso
objeto de comunicação são parâmetros musicais como andamento, entradas,
cortes, duração do som, intensidade, afinação, articulação, entre outros; a forma
é visual através de gesticulação com mãos, braços, expressão facial, entre outros.

29
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Para completar o ciclo da comunicação, você precisará estar constantemente


averiguando se a mensagem foi compreendida de verdade. Isso você fará ouvindo a
contrapartida sonora do grupo, como se fosse um jogo de pergunta e resposta, ou
então uma brincadeira de eco, a sua comunicação gestual sempre precisará ter um
efeito na execução musical do grupo, uma resposta sonora de que entenderam.
Caso isso não venha, será necessário reforçar o entendimento.

Com isso, pode surgir o seguinte questionamento: como um gesto pode


gerar uma contrapartida sonora do grupo se tanto a música como o gesto estão
acontecendo ao mesmo tempo? Como pode dar tempo de o grupo reagir ao gesto?
Para resolver essas questões falaremos do princípio da comunicação antecipada
através do gesto preparatório.

A preparação do gesto implica comunicar antecipadamente ao grupo o que


precisa acontecer na música, para que haja tempo hábil do grupo compreender
o que está sendo solicitado e transformar isso em ação musical. Há divergência
entre escolas de regência com relação ao quão antecipadamente essa preparação
deverá acontecer, algumas apontando que um tempo de antecipação é suficiente,
outras vão apregoar reger com um compasso inteiro na frente do grupo!

Para este livro didático adotaremos a antecipação de um tempo, baseando-


se no preceito de que a execução musical parte sempre da respiração orgânica,
independentemente de qual instrumento está sendo empregado, “a preparação
corresponde ao ato de inspirar ao mesmo tempo em que a música executada
corresponde à expiração, ressalta Bernstein. ‘O maestro que consegue dominar
a respiração com relação à música, possui já uma técnica muito desenvolvida’,
conclui” (LAGO JÚNIOR, 2002, p. 265).

Ao cantar, a inspiração é a preparação e a expiração a execução, desse


modo podemos analisar que nenhum cantor inspira muito tempo antes de iniciar
a cantar, geralmente o faz um tempo ou uma fração de tempo antes de começar.
Assim, daremos preferência para o princípio geral de que toda a preparação
gestual deverá vir no tempo anterior ao seu acontecimento. Veremos ao longo
deste livro como esse princípio será empregado na prática.

Outro princípio geral da regência versa sobre as funções que cada uma das
mãos adota na comunicação gestual. Lago Junior (2002), ao falar principalmente da
regência orquestral, descreve que a “mão direita é a que se destina habitualmente
a numerosas indicações, marcando o compasso e prescrevendo o tempo, dando
as entradas, cuidando da métrica, orientando os instrumentistas nas passagens
mais complexas do ritmo, controlando rigorosamente todo o fluxo da música”
(LAGO JÚNIOR, 2002, p. 249). Para o autor a mão esquerda “exprime as diversas
nuances da dinâmica, com gestos discretos para passagens suaves, em piano e
uma gesticulação ampla e enfática para as passagens mais fortes, tudo assim em

30
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

adequada proporção e correspondência com a intensidade da música” (LAGO


JÚNIOR, 2002, p. 249). Simplificando, a mão direita marca os tempos, dá entradas
e cortes, enquanto a mão esquerda expressa a dinâmica, fraseado e outros
aspectos interpretativos.

Há outra possibilidade que é o espelhamento dos movimentos das duas


mãos. Lago Júnior (2002, p. 250-251) comenta sobre “o erro frequente de muitos
maestros ao empregarem ambos os braços, agitando-os ao mesmo tempo e de
modo simétrico, para se expressar musicalmente. […], esse gestual provoca
confusão visual nos músicos, criando duas referências, quando a principal deve
ser a ponta da batuta”. No mesmo sentido, Zander (1979, p. 58) adverte que “sem
a batuta, o regente também corre o risco de fazer os movimentos paralelos com
ambos os braços”.

Entretanto, é preciso diferenciar o que um livro técnico de regência aponta


como sendo o recomendado como ideal para a regência de grupo orquestrais, por
regente experientes, e o processo didático de construção do gesto com estudantes
de música, cujo objetivo principal é se tornarem professores de música e não
regentes. Tendo em vista os propósitos desta disciplina e suas limitações de
tempo e de meio de ensino (a distância), acreditamos ser melhor para um primeiro
contato adotar a regência espelhada, ainda que reconheçamos que o ideal seja a
diferenciação das funções das mãos.

Já que falamos das funções das mãos, vamos abordar a questão da batuta.
Usar ou não usar a batuta? É a batuta que faz o regente? Esses são questionamentos
que surgem em quem inicia seus estudos na regência, principalmente por esse
objeto ter amplos significados no imaginário popular, frequentemente vendo na
batuta um símbolo de status e representação do que é a regência.

FIGURA 4 – BATUTA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Batuta>. Acesso em: 18 nov. 2020.

31
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Vamos então começar definindo as funções da batuta. Segundo Lago


Júnior (2002, p. 244), a batuta é

um instrumento que permite aos músicos que integram as formações


orquestrais poderem ver com clareza, dentre outras, a marcação do
compasso e a indicação das entradas dos instrumentos. Mas o aspecto
mais se complementa à batuta, que é […] uma ferramenta de expressão
técnica e de pulsação interior do maestro.

Em outras palavras, é para facilitar a visualização do gesto, principalmente


em grandes formações onde é comum que haja uma grande distância entre musicistas
e regente. No entanto, há regentes que ao longo da história renunciaram ao uso da
batuta, Lago Júnior (2002, p. 247) relata:

Com muita seriedade e consciência, Pierre Boulez, um dos exemplos


mais ilustres do regente que dispensa a batuta, não perdeu suas
admiráveis qualidades de precisão e clareza. Boulez sempre dirigiu
sem batuta, “porque me gela as mãos e também porque me agrada
dirigir com as mãos, de preferência abertas”. “Quando o gesto é
inteiramente preciso, não existe necessidade do prolongamento ótico”,
assinala Boulez.

Zander (1979) comenta em seu livro, intitulado Regência Coral, que para
a regência de coros não é necessário o prolongamento visual do braço do regente
proporcionado pela batuta, dada a proximidade física maior entre regente e
cantores. Segundo o autor, isso permite ao regente de coro reger com as mãos
livres, dando maior expressividade nas nuances da música vocal.

Como você pode ver, existem argumentos para o uso e para o não uso
da batuta, dependendo do contexto e das opções individuais. Para a finalidade
deste livro didático dentro de um curso de licenciatura em música optaremos
pela regência a mão livre.

Agora que tiramos os assuntos preliminares do caminho, vamos finalmente


arregaçar as mangas e fortalecer nossos braços e ombros? Você vai ver o cansaço
que dá treinar o gesto. Vamos verificar primeiro como posicionar o seu corpo e
seus braços, o que chamamos de posição fundamental.

2.1 POSIÇÃO FUNDAMENTAL


Para estudar regência é muito importante que você tenha um espelho, se
for de corpo inteiro melhor, mas um que você consiga ver a parte superior do seu
tronco já é suficiente. O primeiríssimo ponto a considerar quando for reger um
grupo é como você está se apresentando corporalmente para o grupo, observe a
Figura 5.

32
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

FIGURA 5 – POSTURA CORPORAL

FONTE: <https://www.escoladepostura.com.br/main.asp?link=noticia&id=406>.
Acesso em: 29 nov. 2020.

Uma boa postura para reger é uma postura equilibrada, onde o seu
peso está bem distribuído entre os dois pés, com as pernas abertas apenas o
suficiente para estarem alinhadas com o seu quadril, além do resto do tronco
estar bem alinhado com as pernas. Muito importante que juntamente com a
postura do corpo você sustente sua cabeça erguida e mantenha contato visual
com seu grupo!

Agora vamos posicionar os braços! Coloque os seus braços a meia altura


em relação ao seu tronco, cotovelos levemente afastados do seu corpo, pulsos
ativos, dedos relaxados e palma da mão formando uma diagonal para baixo,
repare na cabeça erguida e olhar para frente (Figura 6). Neste livro didático, essa
será a opção de postura básica, no entanto, dependendo da técnica de regência
adotada, essa posição pode variar um pouco, principalmente com relação ao
posicionamento das mãos e dedos.

FIGURA 6 – POSIÇÃO FUNDAMENTAL

FONTE: O autor (2021)

33
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Com relação à posição fundamental, alguns cuidados devem ser tomados.


É comum os cotovelos ficarem confortavelmente próximos ao seu tronco, ou
esticados completamente, os pulsos relaxados demasiadamente, ou as mãos
tensionadas e os dedos apontados para o alto. Observe a Figura 7 para se
familiarizar com essas tendências e para poder evitá-las.

FIGURA 7 – EQUÍVOCOS DA POSIÇÃO FUNDAMENTAL

FONTE: O autor (2021)

Para exercitar sua postura fundamental fique na frente do espelho,


deixe os braços relaxados ao longo do corpo e depois erga os dois braços, ajuste
detalhes usando o espelho como referência. Fique um pouco nessa posição,
aí faça com os braços um movimento repentino para o alto e solte os braços
novamente ao longo do corpo, repita. Com esse exercício você vai criar uma
memória muscular para se colocar na posição fundamental para reger.

DICAS

Assista ao vídeo do maestro Samuel Fidelis no Yotube e exercite sua regência


com ele, tem exercícios muito legais, dê uma conferida. Não estranhe que ele posicione
suas mãos um pouco mais para baixo do que apresentamos aqui, isso também está correto.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ByMK8XeQzn8&ab_channel=SamuelFidelis.

34
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

3 MARCAÇÃO DE TEMPO
Antes de iniciarmos a marcação de tempos propriamente, vamos dar
uma olhada em um conceito muito importante: o plano de regência. O plano de
regência é o “chão” do gesto de regência que se encontra um pouco abaixo da
altura que você achou sua posição fundamental, ou seja, é uma linha imaginária
através da qual o gesto não pode passar. Esse chão funciona como uma cama
elástica que amortece o impacto, quicando as mãos um pouco.

FIGURA 8 – PLANO DE REGÊNCIA

FONTE: O autor (2021)

E
IMPORTANT

Os esquemas dos gestos de regência adotam a mão direita como referência,


quando você treinar qualquer gesto com a mão esquerda, terá que espelhar o deslocamento
lateral. Por isso frequentemente descreveremos o deslocamento lateral usando termos
como “se afastando do seu corpo” ou “para o centro do tronco”.

Exercite a sensação de quicar no plano de regência erguendo sua mão


direita na posição fundamental, erga-a para cima e deixe-a cair para baixo
quicando suavemente para o lado de fora do seu corpo onde ocorrerá um
segundo quique, repita. Faça o mesmo com a outra mão, lembrando de espelhar

35
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

o deslocamento do braço após o primeiro quique, esse espelhamento faz com


que o braço direito se mova para a direita e o braço esquerdo para a esquerda.
Depois faça o mesmo com os dois braços juntos. Quando estivermos treinando as
marcações dos compassos lembre-se sempre de onde está o seu plano de regência.

A marcação de tempo é uma das principais informações a serem


comunicadas, independentemente de estarmos trabalhando com grupos
experientes ou iniciantes. A seguir, abordaremos primeiramente as marcações
de compassos simples, em seguida veremos as opções para reger compassos
compostos e, por último, treinaremos situações de mudança de compasso.

3.1 MARCAÇÃO DE COMPASSOS SIMPLES


Iremos abordar aqui os princípios de marcação de tempo em diferentes
fórmulas de compasso. Mas, vamos revisar um pouco de teoria de fórmulas de
compasso primeiro? Pode ser que você ainda tenha dúvidas sobre a relatividade
da notação musical rítmica.

A fórmula de compasso é uma fração, onde o numerador indica quantos


tempos tem o compasso e o denominador qual figura representa a unidade de
tempo (UT). No caso da Figura 9, temos alguns exemplos de fórmulas de compasso,
nós temos compassos de um tempo, cinco, quatro e três, respectivamente. Já com
relação às figuras que representam a UT temos semínima, semínima, mínima e
semibreve, em ordem.

FIGURA 9 – EXEMPLOS DE FÓRMULAS DE COMPASSO

FONTE: O autor (2021)

E
IMPORTANT

Atenção, acadêmico! O que define a velocidade de execução de uma música é


o andamento e não a figura da UT! Dessa forma, dependendo do andamento uma música
escrita em 4/2 pode até ser mais rápida do que uma escrita em 4/4. A proporção das figuras
só estabelece as relações uma vez que a UT está estabelecida, ou seja, a semínima poderá
ter a mesma duração uma mínima se ambas forem a UT dos seus respectivos compassos.
Nunca use a proporção rítmica para comparar duração de figuras entre músicas diferentes,
com fórmulas de compasso e andamentos diferentes.

36
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

Agora que estabelecemos essa breve revisão de conteúdo podemos fazer


uma afirmação sobre a regência de diferentes tipos de compassos simples:
quando for decidir o tipo de gesto sempre leve em consideração o número de
tempos do compasso, independentemente de qual seja a UT. A UT interfere na
leitura musical propriamente, não afetando como os tempos serão marcados,
desse modo os compassos na Figura 10 são todos quaternários e deverão ser
regidos com o mesmo gesto.

FIGURA 10 – COMPASSOS QUATERNÁRIOS SIMPLES

FONTE: O autor (2021)

Tendo em vista esse princípio fundamental, cada quantidade de tempos


dos compassos terá um gesto particular para a marcação, mas quando o compasso
tiver o mesmo número de tempos e UT diferentes, os gestos serão idênticos.

Acadêmico, você lembra que falamos no início que tudo que vai ser
comunicado através do gesto precisa ser avisado antecipadamente? Agora vamos
falar de forma prática sobre o gesto preparatório, que serve para comunicar diversas
informações antecipadamente, andamento, dinâmica, entradas, entre outros.
Nesse momento, ele servirá para nós começarmos a marcação dos compassos, mas
iremos ampliar a sua utilidade. Na Figura 11, você pode ver o gesto preparatório
para o 1° tempo de um compasso qualquer.

FIGURA 11 – GESTO PREPARATÓRIO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

37
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Vamos exercitar esse gesto preparatório? Relembrando que o esquema


da Figura 11 foi desenhado para a mão direita, portanto vamos começar com
ela; nesta imagem, o plano de regência está tracejado. Inicie com a mão direita
na posição fundamental um pouco aberta para a direita (para fora do corpo),
faça um breve movimento descendente, como se fosse pegar impulso para saltar,
“bata” com o gesto no plano de regência e suba em direção ao centro do plano
descendo e tocando o plano de regência no 1° tempo do compasso. É importante
que a marcação do tempo preparatório seja bem clara e com vigor.

Repita diversas vezes esse movimento, tentando sentir os pontos de


contato com o plano de regência como pulsos de um coração ou batidas de
um metrônomo. Treinar o gesto de regência é como aprender um instrumento
musical, precisamos repetir cada detalhe inúmeras vezes para fixar. Após este
procedimento faça o mesmo com a mão esquerda, lembrando que você precisará
espelhar o movimento, então comece com o braço esquerdo aberto um pouco
para a esquerda do seu corpo para depois fazer o movimento ascendente em
direção ao centro. Por último, faça com os dois braços juntos. Recomendamos
que depois de exercitar as marcações de compassos você volte para exercitar o
gesto preparatório.

E
IMPORTANT

Existe também a possibilidade de que o gesto preparatório parta já do centro


do plano de regência, o que não altera o princípio do gesto apenas sua apresentação visual.
Além disso, tente fazer gestos de tamanhos medianos, por enquanto.

Com esse gesto preparatório, já temos a marcação do compasso binário


praticamente pronta, faltando apenas retornar ao ponto inicial do gesto
preparatório após o 1° tempo. Toda marcação de compasso tem duas formas
principais de ser representada graficamente, a geométrica que aponta os
ângulos precisos e uma que indica mais precisamente o movimento fluído dos
braços ao fazer o movimento. Confira esses diferentes esquemas do compasso
binário na Figura 12.

38
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

FIGURA 12 – COMPASSO BINÁRIO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

No compasso binário, a marcação dos dois tempos ocorre no mesmo


ponto de contato com o plano de regência, bem no ponto mais baixo de um “cabo
de guarda-chuva”. Ao treinar o gesto é importante definir bem os tempos na
intersecção do movimento do braço com o plano de regência, uma marcação para
o movimento de ida e outra para o de volta.

Agora exercite a marcação do compasso binário, primeiramente com a


mão direita, em seguida com a mão esquerda e por último com as duas juntas.
Lembrando que as representações dos gestos são para a mão direita, sendo
necessário espelhar para realizar com a mão esquerda. Ao reger qualquer
compasso é importante que o seu gesto defina o momento da batida do tempo,
sincronizado com a mudança de direção do deslocamento da mão, não precisa
ser forte, nem abrupto, mas precisa ser bem definido.

E
IMPORTANT

Exercite o gesto para marcar compassos com frequência e treine com


metrônomo e em diferentes andamentos. Isso é essencial para evitar ficar com o gesto
viciado em um andamento só, ou ficar oscilando a velocidade das batidas dos tempos. Isso
vale para todos os compassos que iremos falar daqui para a frente!

39
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

O compasso ternário tem como formato geométrico um triângulo


retângulo. Na Figura 13 temos sua representação geométrica, tal como as curvas
do deslocamento das mãos.

FIGURA 13 – COMPASSO TERNÁRIO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

O gesto preparatório para o primeiro tempo do compasso ternário parte de


uma posição aberta em relação ao eixo central do gesto, toca o plano de regência
na marcação do terceiro tempo e sobe em diagonal para depois cair no primeiro
tempo e se deslocar para fora e marcar o segundo tempo. Exercite o compasso
ternário da mesma forma que os exercícios anteriores, mão direita, mão esquerda,
juntos, procurando deixar os seus gestos fluidos, mas definindo bem onde estão
os pontos dos tempos.

Por que será que estamos mostrando a representação geométrica se o gesto


é cheio de curvas e os tempos estão sempre no plano de regência? Então, quanto
mais rápido for o andamento da obra a ser regida, menos tempo você terá para
fazer um gesto fluido e harmonioso. Quando estamos na faixa de andamento
entre 120 e 140bpm já começamos a ter mais dificuldade, sendo que a partir de
140bpm recomendamos que você abandone as curvas e reja desenhando no ar a
representação geométrica. Nesse caso, os vértices da representação geométrica
são a marcação do tempo agora, isso é válido principalmente para os compassos
binários, ternários e quaternários.

O gesto do compasso quaternário é o último dos padrões básicos de


marcação de tempo, a maioria dos outros compassos terão sua regência derivada
de um desses três desenhos básicos.

40
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

FIGURA 14 – COMPASSO QUATERNÁRIO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

No compasso quaternário, o gesto preparatório é similar ao compasso


ternário, a mão partirá perto do terceiro tempo, baterá o quarto tempo, subindo
em diagonal para depois descer em direção ao primeiro tempo, ir em direção ao
centro do seu corpo no tempo dois e abrir para o outro lado no terceiro tempo,
reiniciando o padrão que havia começado no gesto preparatório. Exercite o
padrão com a mesma ordem de antes, mão direita, mão esquerda, juntas, com
metrônomo e em diferentes andamentos.

Com o padrão do compasso quaternário é preciso ter atenção para não


cruzar as mãos no centro quando estiver fazendo espelhado com as duas mãos.
Na Figura 15, mostramos que a trajetória das mãos não se cruza. Percebeu que o
tempo dois das duas mãos ficaram distantes um do outro? É assim que deve ser,
evite fazer um gesto onde as trajetórias dos braços se cruzem.

FIGURA 15 – COMPASSO QUATERNÁRIO, MÃO ESQUERDA E MÃO DIREITA SIMULTANEAMENTE

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

41
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

DICAS

Assista ao vídeo do maestro Samuel Fidelis no Yotube e exercite sua regência


com ele, ele demonstra os padrões dos compassos binário, ternário e quaternário, dê uma
conferida e treine junto.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZdOziZbFwUE&ab_channel=SamuelFidelis.

A partir do compasso de cinco tempos, começará a ocorrer a marcação de


mais de um tempo no mesmo lugar, pois precisaremos marcar cinco tempos em
um padrão com quatro pontos. Portanto, vamos ver primeiro como funciona a
marcação de dois tempos no mesmo ponto de contato com o plano de regência.

Quando você marcar dois tempos no mesmo ponto, a sua mão dará uma
leve “quicada” para cima e voltará a bater no mesmo ponto do plano de regência.
Como se você desse um saltinho em uma cama elástica e caísse no mesmo lugar.
Esse procedimento é o mesmo, não importando qual ponto de contato com o
plano de regência você esteja, sempre dê uma quicada no gesto para cima e caia
de volta no mesmo lugar.

FIGURA 16 – MARCAÇÃO DE DOIS TEMPOS NO MESMO PONTO

FONTE: Lenzi (2021, s. p.)

42
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

No caso do compasso de cinco tempos, a quantidade de tempos é um


número primo, o que significa que não possui divisor natural diferente de 1 e dele
mesmo, desse modo os tempos não podem ser agrupados de forma simétrica.
Em termos práticos, agruparemos os tempos de duas formas – 2+3 tempos e 3+2
tempos – a estrutura rítmica da música em questão que irá decidir qual das duas
opções será adotada. Na Figura 17, temos as duas possibilidades de marcação dos
compassos de cinco tempos, observe que o ponto onde são marcados dois tempos
varia de uma forma para a outra.

FIGURA 17 – COMPASSO DE CINCO TEMPOS

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

Exercite a regência do compasso de cinco tempos, nas suas duas variantes


de grupamento do mesmo modo que nos exercícios anteriores. Tendo em vista
que esse tipo de compasso não é comum, apresentaremos uma obra musical para
você exercitar na prática junto a uma gravação.

DICAS

A canção Cajá, de Caetano Veloso é em compasso de cinco tempos, organizados


em 3+2, após treinar o gesto com as duas mãos exercite sua regência desse compasso
junto à gravação.

Disponível em: http://twixar.me/QGRm.

43
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Compassos de seis, nove e doze tempos frequentemente são compassos


compostos, por esse motivo trataremos das suas respectivas marcações no
próximo subtópico. Todavia, fique atento que esses compassos eventualmente
poderão ser empregados como compassos simples, explicaremos melhor essa
situação no subtópico referente à marcação de compassos compostos.

O compasso de sete tempos também possui um número primo de tempos,


proporcionando grupamentos assimétricos dos tempos. Assim, teremos as
possibilidades de agrupar os tempos como 3+4 e 4+3, novamente o que decidirá
será a estrutura rítmica da obra musical em questão. O desenho do gesto é idêntico
ao compasso quaternário, o que ocasionará em marcação dupla em três dos quatro
pontos. Na Figura 18 temos as duas opções de grupamento dos tempos.

FIGURA 18 – COMPASSO DE SETE TEMPOS

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

Exercite a regência do compasso de sete tempos, nas suas duas variantes


de grupamento do mesmo modo que nos exercícios anteriores.

DICAS

A canção Money, da banda inglesa Pink Floyd, é composta em compasso de


sete tempos organizado em 3+4, após treinar o gesto com as duas mãos exercite sua
regência desse compasso à gravação.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-0kcet4aPpQ&ab_channel=PinkFloyd.

44
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

O compasso de oito tempos será marcado de forma idêntica ao compasso


quaternário, só que com duas pulsações em cada um dos pontos do padrão. Esse
é um tipo incomum de compasso, mas pode ocorrer. Lembre-se de que toda
vez que você estiver regendo um compasso com o padrão quaternário com as
mãos espelhadas evite cruzar a trajetória dos braços ao fazer o movimento para o
centro. Exercite da mesma forma que os anteriores.

FIGURA 19 – COMPASSO DE OITO TEMPOS

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

DICAS

Assista ao vídeo do maestro Samuel Fidelis, no Yotube, e exercite sua regência


com ele, ele demonstra os padrões dos compassos de 5, 6, 7 e 8 tempos, dê uma conferida
e treine junto a ele. Depois de ler o subtópico de marcação de compassos compostos volte
aqui e treine o compasso de 6 tempos com o vídeo.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Q83DPiO0Gc4&list=PLKfuCAh9TY597


cxnBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=10&ab_channel=SamuelFidelis.

Aqui encerramos o subtópico sobre marcação de compassos simples, a


seguir faremos uma breve revisão sobre compassos compostos e mostraremos as
formas de marcá-los. Lembre-se sempre de exercitar o seu gesto frequentemente
na frente do espelho, assim você poderá se corrigir com maior eficácia.

45
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

3.2 MARCAÇÃO DE COMPASSOS COMPOSTOS


Antes de ver a regência de compassos compostos, vamos primeiro revisar
rapidamente os princípios dos compassos compostos. O Dicionário Grove
de Música define compasso composto como “compasso em que cada tempo é
divisível por três (p. ex., 6/8)” (SADIE, 1994, p. 210). Tal definição desmente o
entendimento comum de que compassos compostos são compassos “alguma
coisa por 8”, pois o que caracteriza um compasso composto é o fato de a unidade
de tempo (UT) ser uma figura pontuada, consequentemente divisível por três.

Desse modo, um compasso 6/4, ou ainda 3/2 podem ser considerados


compostos se as UT consideradas forem mínimas pontuadas e semibreves
pontuada, respectivamente. Da mesma maneira, um compositor pode optar por
escrever sua música em compasso 6/8, mas considerá-lo como compasso simples
de seis tempos com a UT sendo a colcheia, ao invés da semínima pontuada. Isso,
com certeza, seria pouco usual e poderia causar confusões, sendo recomendado
que essa característica seja explicada no início da partitura, mas a rigor não
estaria errada.

Lembramos que muito dos usos das fórmulas de compasso tem mais a ver
com tradição do que com os princípios lógicos do sistema, pois, se aplicássemos
o rigor da lógica do sistema, um compasso 6/8 seria sempre um compasso de
seis tempos de colcheia e nunca de dois tempos de semínima pontuada, no
entanto, se convencionou que tal fórmula de compasso representa um binário
composto. Na Figura 20, apresentamos as formas mais comuns de compassos
unário, binário, ternário e quaternário compostos, escrevendo as UT e suas
respectivas subdivisões.

FIGURA 20 – UT E SUBDIVISÕES EM COMPASSOS COMPOSTOS

FONTE: O autor (2021)

Agora, vamos reger marcando as unidades de tempo ou as subdivisões?


O critério que você deverá adotar é o andamento, isto significa que se ele for
rápido reja apenas as unidades de tempo, se for mais lento, é possível marcar as
subdivisões. Desse modo, você poderá reger o compasso 3/8 com o gesto de um
tempo ou de três; no compasso 6/8, dois ou seis; no compasso 9/8, três ou nove; e
no compasso 12/8, quatro ou doze.

46
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

No caso do compasso unário composto, podemos reger cada uma das


subdivisões, o que ficaria similar ao compasso ternário simples, ou então reger
a unidade de tempo que nesse caso haveria apenas uma. Mas como é que ficaria
a regência de um compasso de um tempo? O gesto apenas fará um quique no
tempo um, imediatamente voltando para o ponto de partida para cair novamente.

FIGURA 21 – COMPASSO UNÁRIO COMPOSTO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

Lembrando que muito raramente é possível existirem músicas escritas em


compasso unário simples, o que não é convencional, mas no repertório composto a
partir do século XX é possível.

No caso do compasso binário composto, é possível reger em dois,


adotando a UT, ou então em seis, optando pela subdivisão, lembrando que essa
decisão deve ser tomada com base no andamento da obra musical em questão.
Caso a opção seja reger em dois, o gesto é idêntico ao binário simples, só contendo
três subdivisões ao invés de duas em cada tempo. Se optarmos por reger em
seis, adotaremos o padrão do compasso quaternário, mas agora marcando dois
tempos na posição 1 e 3. Note que na Figura 22 apresentamos a marcação de um
compasso de seis tempos, sendo as 3 primeiras subdivisões do centro para dentro
do gesto, enquanto as 3 últimas são reservadas para o lado de fora do gesto e para
a preparação para retornar. Lembre-se de voltar na dica após o compasso de oito
tempos e treinar com o vídeo do indicado.

47
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

FIGURA 22 – COMPASSO BINÁRIO COMPOSTO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

O compasso ternário composto adotará o padrão do compasso ternário


simples, independentemente de se optar por reger a UT ou a subdivisão. A
diferença é que quando você reger a subdivisão haverá três quiques em cada uma
das posições do padrão.

FIGURA 23 – COMPASSO TERNÁRIO COMPOSTO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

O compasso quaternário composto adotará o padrão do compasso


quaternário simples, independentemente de se optar por reger a unidade de
tempo ou a subdivisão. A diferença é que quando você reger a subdivisão haverá
três quiques em cada uma das posições do padrão, observe a imagem a seguir.

48
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

FIGURA 24 – COMPASSO QUATERNÁRIO COMPOSTO

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

DICAS

Assista ao vídeo do maestro Samuel Fidelis, no Yotube, e exercite sua regência


com ele, ele demonstra os padrões dos compassos de 9 e 12 tempos, dê uma conferida e
treine junto a ele.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8cZUJmien5A&list=PLKfuCAh9TY597c


xnBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=9&ab_channel=SamuelFidelis.

Assim encerramos nossa jornada através das marcações de tempos em


compassos simples e compostos. Vamos aproveitar o momento para sintetizar
alguns princípios que foram ficando evidentes ao longo do texto. Primeiramente,
todo primeiro tempo de compasso, independentemente de ser simples ou
composto, é marcado com um movimento descendente bem ao centro do plano
de regência, enquanto o último tempo parte do plano de regência subindo em
direção ao centro, preparando a queda para o primeiro tempo.

Neste livro didático, nós trabalhamos com três padrões básicos de marcação
de tempo, binário, ternário e quaternário, sendo que todos os outros compassos
são derivados desses três desenhos de gesto. Vimos também que o compasso de
um tempo é regido como uma pulsação subindo e descendo tocando uma vez só
o plano de regência. Para andamentos rápidos estabelecemos o critério de marcar
a UT em compassos compostos e utilizar o desenho geométrico do padrão em
compassos simples.

49
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

3.3 MUDANÇA DE COMPASSO


Eventualmente, você irá se deparar com mudanças de fórmula de
compasso no meio de uma música. Para saber o que fazer é preciso diagnosticar e
solucionar a questão em termos teóricos antes de decidir o que fazer com o gesto.
Mudanças de fórmula de compasso em meio a uma obra musical estão sempre
apoiadas em alguma equivalência rítmica, seja de UT ou de alguma subdivisão.
Existem casos em que o compositor indica explicitamente qual equivalência
deve ser adotada, enquanto em outros casos nada é indicado, vamos estudar
algumas situações.

Na Figura 25, você pode observar que ocorreram duas mudanças na fórmula
de compasso, mas a unidade de tempo continuou sendo a semínima. Nesse caso, a
equivalência é obtida com a manutenção das unidades de tempo, portanto a única
alteração que precisará ser feita é acrescentar ou reduzir, de acordo com a necessidade,
tempos no gesto. Exercite a regência do exemplo apresentado.

FIGURA 25 – MUDANÇA NA QUANTIDADE DE TEMPOS MANTENDO A UNIDADE DE TEMPO

FONTE: O autor (2021)

Outra situação é a mudança entre compassos simples e compostos. Ao


manter a subdivisão como equivalente podemos manter a quantidade de tempos
(binário simples para binário composto e vice-versa), nesse caso, alterando a
quantidade de subdivisões dentro do compasso de 4 para 6 e vice-versa; ou então,
manter a quantidade de subdivisões (ternário simples para binário composto
e vice-versa), assim mantendo 6 subdivisões em cada um, mas alterando o
agrupamento dos tempos.

FIGURA 26 – MUDANÇA ENTRE SIMPLES E COMPOSTO COM SUBDIVISÃO EQUIVALENTE

FONTE: O autor (2021)

Ao manter as colcheias como equivalentes, a unidade de tempo do binário


composto será mais longa em relação à unidade de tempo do compasso simples,
portanto, a sua sensação ao reger será que a marcação ficou mais lenta. Caso
não haja indicação de equivalência na partitura entenda que colcheia é igual a
colcheia como observado na Figura 26.

50
CONVENÇÕES PARA MARCAÇÃO DE TEMPO

Na transição entre compassos simples e compostos é possível que o


compositor deseje equiparar as unidades de tempo e não as subdivisões. Na
Figura 27, há uma indicação clara de que a duração da semínima é igual à da
semínima pontuada. Nesse caso, você continuará batendo os tempos na mesma
velocidade e a subdivisão que irá acelerar ou retardar, dependendo do caso. Na
mudança do simples para o composto, nessa situação, a sensação é de que se está
fazendo uma quiáltera de três no compasso simples, mas o fato é que a fórmula
de compasso mudou.

FIGURA 27 – MUDANÇA ENTRE SIMPLES E COMPOSTO COM UT EQUIVALENTE

FONTE: O autor (2021)

DICAS

Samuel Fidelis exercita a transição de compasso simples para compasso


composto com equivalência de UT.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IjLOr05Ohvc&list=PLKfuCAh9TY597cx


nBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=11&ab_channel=SamuelFidelis.

Assim chegamos ao final, parabéns por ter conseguido chegar aqui.


Vimos alguns dos princípios fundamentais da regência, como a antecipação da
comunicação através do gesto preparatório, a regência espelhada, o plano de
regência, marcação de compassos simples e compostos e, por último, abordamos
a mudança de compasso. Nunca é demais reforçar que você é responsável pelo
seu treino no gesto de regência, então exercite os padrões na frente do espelho,
assista aos vídeos indicados e procure entrar em contato com um regente mais
experiente. Regência é prática.

51
RESUMO
Você aprendeu que:

• Interiorizar a posição fundamental e o plano de regência são essenciais para o


desenvolvimento do gestual de regência.

• O gesto preparatório é importante para comunicar antecipadamente o que se


deseja da música.

• O primeiro tempo de qualquer compasso sempre é marcado com um


movimento descendente e o último tempo de qualquer compasso com um
movimento ascendente.

• Existem três padrões básicos de marcação de tempo, binário, ternário e


quaternário, a partir dos quais é possível reger qualquer compasso.

• Ler sobre gestual de regência para nada serve se você não praticar
constantemente, sozinho e diante de grupos musicais.

• Compassos compostos podem ser marcados pela subdivisão ou pela UT,


dependendo do contexto.

• A troca de compasso sempre precisa estar embasada em uma equivalência


entre o compasso de origem e o de destino.

52
AUTOATIVIDADE

1 A regência em diferentes fórmulas de compasso pode ocorrer de diversas


maneiras. De acordo com a indicação de tempos através do gestual de
regência, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O que define um compasso composto é UT ser a colcheia.


( ) Compassos compostos são sempre regidos marcando a subdivisão.
( ) Compassos de 6, 9 e 12 tempos serão sempre compassos compostos.
( ) O compasso de 5 tempos pode ser regido de duas formas diferentes: 3+2
e 2+3.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) F – F – F – F.

2 A posição fundamental, o plano de regência e o gesto preparatório são


essenciais para um bom desenvolvimento do gesto de regência. Com base
nas definições destes conceitos, analise as sentenças a seguir:

I- Na posição fundamental os cotovelos devem se manter encostados no tronco.


II- O gesto preparatório possui ampla função, uma delas é indicar o
andamento da música.
III- A marcação dos tempos sempre se dá no encontro do gesto com o plano
de regência.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

3 A troca de compassos no meio de uma música pode ser bastante desafiadora


para o regente iniciante. De acordo com os critérios a serem adotados para
reger mudança de compassos, classifique V para as sentenças verdadeiras e
F para as falsas:

( ) A equivalência estará sempre descrita na partitura.


( ) Quando a UT permanece a mesma é preciso apenas alterar a quantidade
de tempos no gesto.
( ) A troca entre compassos simples e compostos só pode ser realizada
quando houver o mesmo número de tempos.
( ) A equivalência adotada para a troca de fórmula de compasso será sempre
com relação à UT.
53
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F – F.   
b) ( ) V – F – V – F.
c) ( ) F – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – V.

4 A regência de algumas fórmulas de compasso exige que se marque mais


de um tempo no mesmo ponto. Com relação a esta prática assinale a
alternativa CORRETA.

a) ( ) A segunda marcação deve ser feita com o dobro de velocidade em


relação a primeira, a fim de não haver alterações de andamento.
b) ( ) Os compassos 5/4, 7/4, 3/2 e 4/2 são, todos, exemplos de compassos
onde a marcação dupla em um mesmo ponto é necessária.
c) ( ) Quando se opta por marcar a subdivisão em compassos ternários e
quaternários compostos, torna-se necessários três marcações em cada
um dos pontos do padrão.
d) ( ) Este é um recurso adotado apenas na regência de compassos compostos.

5 A marcação de tempos é um dos aspectos mais fundamentais da


comunicação gestual na regência. Tendo em vista os preceitos que regem
esta prática, analise as sentenças a seguir:

I- A forma geométrica de marcação de um compasso é empregada apenas


em andamentos lentos.
II- Deve-se sempre buscar precisão dos pontos de contato do gesto com o
plano de regência, definindo de forma inequívoca em quais momentos as
marcações ocorrem.
III- Existem quatro padrões básicos de marcação de tempos, a partir dos
quais podemos derivar todos as fórmulas de compasso, são eles: binário,
ternário, quaternário e quinário.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

54
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

1 INTRODUÇÃO
Antes de adentrar propriamente nos conteúdos, nós vamos falar das
vantagens de se estudar sistematicamente o gesto de regência. É importante
refletir sobre esse ponto, pois muitos regentes com formação “na prática” acabam
por desenvolver um código gestual próprio que funciona muito bem para o
grupo que regem, mas, muitas vezes, poderiam ser mais eficazes, ou então não
funcionariam em outro grupo. Esse desenvolvimento do gesto na prática profissional,
baseado na observação do que funciona e não funciona, é muito importante,
mas não isenta a necessidade do estudo reflexivo e sistematizado dos padrões
convencionais de regência.

Primeiramente, a eficiência é uma característica marcante dos gestos


convencionais da regência. Esses gestos foram pensados para reunir o máximo de
informações musicais com o mínimo possível de movimentos, em outras palavras,
em um único movimento de braço, você pode marcar o tempo, dar entrada, indicar
dinâmica forte e um staccato, quatro informações em um único movimento. Além
disso, esses gestos são eficientes em serem compreendidos, ainda que de forma
inconsciente, por pessoas com pouco ou nenhum conhecimento musical formal.

A segunda vantagem é a própria padronização do gesto, permitindo o


entendimento universal dos códigos entre pessoas treinadas dentro da mesma
tradição ocidental de regência, ainda que muito da comunicação gestual pode se
tornar algo pessoal e individual. A padronização permite que regentes de outros
países possam reger grupos como convidados e ainda assim seus gestos serem
compreendidos.

Nós continuaremos a trabalhar a sua técnica de regência com entradas


e cortes, além de discorrer sobre recursos de expressividade musical, tais como
dinâmica e articulação. Será necessária mais atenção às sutilezas do gesto para
desenvolver essas capacidades, portanto exercite com zelo aos detalhes e com
muita atenção.

55
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

2 ENTRADAS E CORTES
Marcar tempo, dar entradas e cortar o som são as habilidades mais
fundamentais do gesto de regência. Reger as entradas em diferentes tempos,
com diferentes rítmicas envolvidas pode parecer desafiador no início, mas uma
vez que você consiga interiorizar a lógica do gesto ficará tudo mais fácil. Neste
subtópico, mostraremos como realizar entradas em diferentes situações, além de
fazer cortes e fermatas.

Como qualquer outra informação, é preciso comunicar as entradas


antecipadamente, portanto, sempre fique atento ao seu gesto preparatório.
Destacamos novamente que o gesto preparatório comunica muitas coisas ao grupo:
andamento, momento de entrar, dinâmica, articulação, então é importante que ele
seja bem pensado. Por enquanto estamos pensando somente em marcar tempos e
dar a entrada, mas à medida que formos falando da dinâmica e articulação é
necessário incorporar essas informações também no gesto preparatório.

2.1 ENTRADA EM CABEÇA DE TEMPO


A primeira situação é quando a entrada começa na cabeça de algum dos
tempos do compasso, destacamos que entradas podem ser dadas em diversos
momentos da música, não só no início. Vamos dizer que a entrada é no tempo ‘x’,
você precisará marcar um tempo preparatório no tempo ‘x-1’, a mão começará o
movimento preferencialmente partir do tempo anterior a marcação preparatória.
Juntamente com a marcação preparatória é importante que você faça uma
respiração perceptível para os executantes, principalmente se você estiver regendo
instrumentos de sopro ou coro, mantenha o contato visual com o grupo e transmita
segurança através de sua expressão facial.

Vamos botar números nisso? No Quadro 1, nós temos os exemplos dos


compassos binário, ternário e quaternário e como ficam as marcações preparatórias.

QUADRO 1 – MARCAÇÃO PREPARATÓRIA

Tempo da entrada Marcação Preparatória


1 2
Binário
2 1
1 3
Ternário 2 1
3 2
1 4
2 1
Quaternário
3 2
4 3

FONTE: O autor (2021)

56
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

Se você identificar, por exemplo, que a música está em compasso


quaternário e sua entrada é no tempo 3, seu gesto preparatório marcará o tempo 2,
se estiver em um compasso ternário e a entrada é no tempo 1, o gesto preparatório
será no tempo 3, assim por diante. Este princípio permanece quando você estiver
regendo compassos compostos marcando a UT e para compassos simples com
outras quantidades de tempos.

Agora, no caso de entrada ser em compasso composto em que esteja


regendo a subdivisão, você pode optar por contemplar com o gesto preparatório
as três últimas marcações (uma UT) em andamentos mais moderados, ou então
apenas a última subdivisão antes da entrada quando o andamento for bem
lento. Nesses casos é bom você experimentar e ver o que fica melhor para você e
seu grupo.

E
IMPORTANT

Evite ficar batendo compassos inteiros na frente do grupo antes da entrada,


isso irá confundir os integrantes, criando a dúvida: “quando será a entrada?” Erga os seus
braços para a posição fundamental apenas depois de já ter imaginado o andamento e
como será o gesto de entrada, após erguer os braços não demore para dar a entrada, a fim
de não “gastar” o gesto. Caso você tenha desistido de dar a entrada abaixe seus braços, se
você ficar com os braços parados na frente do grupo eles não prestarão mais atenção no
seu gesto.

Vamos apresentar agora alguns exemplos para você treinar sua entrada,
em que você deverá reger e solfejar a melodia, ou seja, você regerá a si mesmo.
Utilizamos apenas semínimas nas entradas para facilitar o seu solfejo enquanto
rege, mas a entrada será idêntica se houver qualquer outro tipo de figura rítmica
que esteja na cabeça do tempo. A Figura 28 contempla todas as entradas possíveis
em cabeça de tempo nos compassos quaternário, ternário e binário.

FIGURA 28 – EXERCÍCIO DE ENTRADAS

FONTE: O autor (2021)

57
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Esse exercício pode ser realizado parando a cada barra dupla, para
exercitar várias vezes o mesmo tipo de entrada, ou então regendo continuamente.

Vamos aproveitar os exercícios da Figura 28 para comentar a regência de


notas e pausas longas. Quando você tiver uma nota que valha a partir de dois
tempos, ou uma pausa de mesma duração, é pertinente que você diminua o
tamanho do gesto de marcação até ficar quase imperceptível para o grupo. Assim,
você manterá sua marcação interna sem gestos grandes que passam a mensagem
para o grupo de que algo está para acontecer.

Quando você exercitar continuamente os exercícios da Figura 28, em


alguns momentos, você deverá diminuir o tamanho gesto para marcar algumas
pausas, enquanto em outras pausas já serão a marcação preparatória da entrada.
No exercício número 2 da Figura 28, você precisará marcar o tempo preparatório
imediatamente após o quarto tempo anterior; no número 3, você marcará o
tempo 1 pequeninho e o gesto preparatório no tempo 2; já no número 4, tempos
1 e 2 pequenos e preparatório no 3. Lembrando que isso só é válido quando você
estiver exercitando continuamente um exercício atrás do outro, quando estiver
interrompendo, marque apenas o tempo preparatório antes da entrada.

2.2 ENTRADA EM CONTRATEMPO


Vamos avaliar agora como reger a entrada quando o ritmo de entrada
não for em cabeça de tempo. Na maioria das vezes não ocorrerá alteração
significativa no gesto, sendo que a correta execução do ritmo adequado fica a
cargo dos instrumentistas. Em outras palavras, em grande parte das vezes, você
regerá a entrada como se ela ocorresse no primeiro tempo seguinte ao início do
ritmo, nesses casos, o seu gesto preparatório será exatamente do mesmo jeito,
talvez com um pouco mais de ênfase para chamar a atenção do contratempo.
Não recomendamos que se tente marcar com o gesto os contratempos, pois isso
poderá confundir o entendimento dos tempos e, caso o entendimento do ritmo
não esteja bem resolvido, não ajudará o grupo a executá-lo. Na Figura 29, nós
temos o mesmo exercício de entradas da Figura 28, mas agora todas as entradas
começam uma colcheia antes.

FIGURA 29 – ENTRADA EM CONTRATEMPO

FONTE: O autor (2021)

58
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

No entanto, quando os andamentos forem muito rápidos pode ser


preferível adicionar a marcação de um tempo antes do gesto preparatório que
temos usado. Essa marcação deve ser feita de forma discreta, mas que marque
o tempo de forma clara e segura para já passar a noção do andamento antes do
gesto preparatório. Lembramos que é desaconselhável marcar muitos tempos, ou
até compassos inteiros, antes do gesto preparatório para a entrada.

Na Figura 30, dos números um a quatro, temos uma situação que também
torna pertinente essa marcação antecipada, quando se tem pausa de semicolcheia
antes do início do som. Nesse caso específico, mesmo em andamentos mais
moderados o tempo de reação do grupo é muito curto se fizermos apenas o gesto
preparatório.

FIGURA 30 – ENTRADA COM SEMICOLCHEIAS

FONTE: O autor (2021)

Nos números 1, 2, 3 e 4, nós trabalhamos com uma entrada com apenas


uma pausa de semicolcheia, fizemos uma célula rítmica onde essa entrada vai
mudando o tempo em que ocorre. Recomendamos que você treine cada um
desses números como uma entrada independente. Na entrada do número um
procure marcar discretamente o quarto tempo antes de fazer o gesto preparatório
no primeiro tempo, na segunda entrada marque o terceiro tempo discretamente e
faça o gesto preparatório no quarto tempo, assim por diante.

Já nos exercícios 5, 6, 7 e 8 da Figura 30, nós temos entradas com uma


semicolcheia antes da cabeça dos tempos, nesses casos, existe mais tempo hábil
no gesto preparatório, então é preferível não se fazer essa marcação discreta
antecipada, de forma similar à Figura 29.

DICAS

Exercite suas entradas com o vídeo de Samuel Fidelis.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AmHIJyxbAmM&list=PLKfuCAh9TY59


7cxnBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=2&t=262s&ab_channel=SamuelFidelis.

59
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

2.3 CORTES, FERMATAS E REENTRADAS


Tão importante quanto começar uma música ao mesmo tempo é terminar
todo mundo junto, para isso precisamos cortar o som do grupo com o gesto,
mas antes vamos falar um pouco mais sobre sustentação de notas longas e
fermatas. Até esse momento estávamos batendo todos os tempos do compasso
indiscriminadamente, mencionando no subtópico de entradas que quando
houver mais de dois tempos de pausa é preferível evitar de marcar abertamente
os tempos, aguardando o momento de fazer o gesto preparatório para a entrada.

Quando você estiver regendo uma nota longa (com mais de dois tempos),
ou uma fermata, é preferível que você suspenda a marcação visível do tempo e
continue a contagem mentalmente, deixando os seus braços parados na posição
do último tempo que você marcou. Isso vai evitar que o grupo fique com a
impressão que tem que fazer mais coisas nesses tempos do que somente sustentar
a nota. No caso de uma fermata, você pode até virar as palmas das suas mãos em
direção ao centro do plano de regência ou até um pouco para cima.

Após uma nota longa ou fermata pode acontecer de você cortar o som
ou dar novamente uma entrada. A reentrada funciona da mesma forma que as
entradas que vimos anteriormente, a sua mão parte do tempo que você estava
sustentando bate o tempo preparatório anterior ao da entrada e continue
marcando normalmente. Já o corte você comunica fazendo um gesto circular que
toca o plano de regência no final do círculo ao mesmo tempo que o som deve ser
interrompido (simultaneamente ao primeiro tempo de silêncio).

FIGURA 31 – CORTE

FONTE: <https://musicaeadoracao.com.br/24906/a-tecnica-do-maestro-ii/>. Acesso em: 30 nov. 2020.

Agora treine entrada, sustentação, entrada, sustentação e corte com a


Figura 32. Dê a entrada para o primeiro compasso e reja-o normalmente, sustente
os três primeiros tempos do segundo compasso, marque um tempo preparatório
no 4° tempo e reja normalmente o compasso 3, no quarto compasso sustente por
mais do que quatro tempos (por causa da fermata) e corte.

60
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

FIGURA 32 – EXERCÍCIO DE ENTRADA, SUSTENTAÇÃO E CORTE

FONTE: O autor (2021)

Destacamos que nem sempre um corte vem depois de uma nota longa,
o que não muda o gesto do corte. Faça o movimento circular para que o fim
do círculo coincida com o primeiro tempo de pausa. Na Figura 33, nós temos
um exercício com corte de semínimas. Dê a entrada para o primeiro tempo e em
vez de marcar o segundo tempo corte o som com o movimento circular, conte
mentalmente os tempos e faça o gesto preparatório para dar a entrada do segundo
compasso e corte e assim por diante.

FIGURA 33 – CORTE COM SEMÍNIMA

FONTE: O autor (2021)

3 DINÂMICA
Dinâmica é o controle da intensidade sonora da execução musical. Um
dos princípios fundamentais ao se reger diferentes dinâmicas é a amplitude do
gesto, caso você queira um forte faça um gesto amplo com os pontos de marcação
de tempo distantes entre si, caso queira um piano diminua o tamanho do gesto,
mantendo a proporção das distâncias, observe a Figura 34.

FIGURA 34 – QUATERNÁRIO EM DIFERENTES TAMANHOS

FONTE: Lenzi (2021, s.p.)

61
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Treine agora então gestos de diferentes amplitudes, pelo menos três,


representando o forte, mezzo forte e piano, improvisando algo com a voz que
condiga com a intensidade comunicada pelo seu gesto. Experimente diferentes
combinações, com braços separados e depois juntos. Durante uma obra musical
podem ocorrer duas situações de troca de dinâmica, mudança repentina e através
de crescendo e diminuendo.

A indicação de mudança de dinâmica em planos pelo gesto é bem


intuitiva, você muda a amplitude do gesto de acordo com a intenção no
momento indicado na partitura ou quando você assim o desejar, lembrando
sempre de indicar essa mudança antecipadamente com o gesto preparatório.
Na Figura 35, apresentamos duas opções de dinâmica para a frase musical, a
primeira apresenta quatro degraus de dinâmica (p, mf, f, p), enquanto a segunda
dois (f, p). Exercite ambas enquanto canta o trecho musical escrito, se quiser crie
outras dinâmicas e treine-as.

FIGURA 35 – DINÂMICA EM PATAMARES

FONTE: O autor (2021)

DICAS

Já sabe o que iremos indicar? Vídeo do regente Samuel Fidelis! Dessa vez
sobre dinâmica, ele exercita os diferentes patamares de dinâmica, confira.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M0fa2uJi_wI&list=PLKfuCAh9TY597c


xnBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=5&ab_channel=SamuelFidelis

Observe como Gustavo Dudamel rege o Bolero de Maurice Ravel (1875-1937), a


obra exige bastante controle de dinâmica por parte do regente.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=E9PiL5icwic.

Outra forma de se ter mudança de dinâmica e através da alteração gradual


em crescendos ou diminuendos. Esse caso exige mais controle e autopercepção do
gesto, pois você precisará desenvolver a cada um dos tempos uma amplitude
diferenciada do gesto, sempre aumentando ou diminuindo até chegar ao ápice.
Busque exercitar essa percepção corporal do crescimento gradativo do gesto na
frente do espelho.

62
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

Na Figura 36 temos um crescendo e um diminuendo escritos de duas


formas diferentes, uma empregando as chaves que abrem e fecham e outra com
as expressões cresc. e dim. Com a Figura 36 exercite o crescimento gradual do seu
gesto enquanto solfeja a linha melódica, buscando relacionar a intensidade da sua
voz ao gesto que você está realizando.

FIGURA 36 – CRESCENDO E DIMINUENDO

FONTE: O autor (2021).

DICAS

O regente Samuel Fidelis exercita os crescendos e diminuendos no link do


vídeo a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=9c2xO5Rhh0A&list=PLKfuCAh9TY597c
xnBQ-UkL-S3ZIn2jMPL&index=4&ab_channel=SamuelFidelis.

Quando estiver se preparando para reger uma música sempre preste


atenção nas dinâmicas que indicadas pela partitura e como você deseja as
executar, seu gesto precisa comunicar isso para o grupo.

4 ARTICULAÇÕES
O Dicionário Grove de Música define articulação como a “junção ou
separação de notas sucessivas, isoladamente ou em grupos, por um intérprete,
e a maneira pela qual isso se faz” (SADIE, 1994, p. 44). Ainda que exista uma
variedade de possibilidades de articulações, vamos abordar aqui apenas três:
legato, staccato e acento.

O legato ocorre quando as notas estão “suavemente ligadas, sem


interrupção perceptível no som, nem ênfase especial; o oposto de staccato”
(SADIE, 1994, p. 527). É importante comentar que as possibilidades de realização
de um legato pleno dependem da natureza de produção de som do instrumento
em questão, um violino pode fazer legato muito eficiente, enquanto um violão
não. O legato é indicado na partitura de duas maneiras: quando se deseja que um

63
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

grupo específico de notas sejam conectadas usam-se ligaduras de expressão, no


entanto, se é desejável que todas as notas sejam executadas em legato escreve-se
“legato” (leg.) no início da partitura.

Já staccato, palavra italiana para destacado, é quando “uma nota, durante a


execução, [é] separada de suas vizinhas por um perceptível silêncio de articulação
e que recebe uma certa ênfase, […] o oposto de LEGATO” (SADIE, 1994, p. 896).
Sua representação na partitura se dá com um ponto acima ou abaixo da cabeça
de nota, em sentido oposto ao da haste. Já o acento é uma ênfase específica em
uma nota, ela deve ser executada com maior intensidade do que as outras. Essa
articulação é representada pelo símbolo “>” posicionado acima ou abaixo da
cabeça de nota, em sentido oposto ao da haste.

Agora que definimos cada uma das articulações que iremos abordar
vamos ver como fica o gesto. O legato é regido diminuindo bastante a ênfase na
marcação dos tempos, sem perder definição, fazendo com que o gesto seja o mais
fluido possível, esse é um equilíbrio difícil de se obter. Um exercício que se pode
fazer é imaginar que você está regendo dentro de uma piscina, a resistência da
água ao seu movimento deixará ele menos abrupto e mais contínuo. Sempre faça
um gesto preparatório já indicando o legato que você deseja.

No caso do staccato, o gesto deverá perder um pouco de sua sinuosidade,


se tornando um pouco mais geométrico e com um pouco de repique, como se
fosse um saltinho, na marcação dos tempos. Outra forma de pensar o gesto do
staccato é pensar que a marcação dos tempos se torna um pouco mais percussiva.
O acento trará um caráter de gesto mais amplo com movimentos mais bruscos.
Exercite essas diferentes articulações com a Figura 37 e com o vídeo indicado.

FIGURA 37 – ARTICULAÇÕES

FONTE: O autor (2021)

DICAS

Assista ao vídeo de Samuel Fidelis sobre articulação, exercite os exemplos que


ele traz e tipos de articulação.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SYMshPrqRLM&list=PLKfuCAh9TY597c


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64
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

Assim chegamos ao final, em que vimos como realizar entradas e cortes,


além de compreender como fazer para reger fermatas, notas e pausas longas.
Estudamos também como comunicar as variações de dinâmica, contemplando
a mudança por patamar e através de crescendos e diminuendos. Por último
abordamos três tipos de articulação, trazendo suas definições e como transmitir
essa expressividade musical através do gesto.

65
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

LEITURA COMPLEMENTAR

A COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL DO REGENTE CORAL DURANTE A


EXECUÇÃO MUSICAL

Heloiza Branco

O regente coral é um músico que escolhe, analisa e prepara um repertório


musical, mas não o executa. Ele concebe uma interpretação da obra em sua mente
e deve torná-la acessível aos cantores através de uma comunicação corporal
eficiente, de forma a provocar, induzir e facilitar as reações do grupo. À disposição
do regente há toda uma gama de gestos, peculiares a cada escola de regência
constituída, que respondem por instigar o grupo a reagir a padrões musicais. Além
desses movimentos, conscientemente preparados pelo regente, o cantor percebe
também uma segunda mensagem, proveniente desua figura enquanto corpo
físico comunicante, mensagem emitida em grande parte de forma inconsciente.
Há que se considerar que todas as atividades do ensaio ocorrem sob o impacto da
figura e da presença corporal do regente. A sua postura corporal geral, reveladora
de suas características físicas e psicológicas construídas ao longo de sua vida; a
postura dinâmica, sinal de seu momentum corporal global em dado instante; a
consistência e flexibilidade de sua movimentação; a expressão facial; a técnica
de regência - todas essas características em conjunto levam a uma comunicação
ampla com os cantores, muito além do esperado ao se observar os gráficos
acadêmicos que sugerem as marcações básicas da regência. As duas mensagens
gestuais, a consciente e a inconsciente, se somam para provocar uma reação nos
cantores, que se pode acompanhar em última análise, pela resultante sonora. Este
estudo pretende, através de revisão da literatura, ampliar o conhecimento sobre
a Comunicação não verbal e sua aplicação no Canto Coral, como ferramenta de
ensino de novos regentes.

Durante a execução coral, a comunicação entre regente e cantores é


completamente não verbal. Segundo Corraze (1980, p. 13), as comunicações
não verbais (CNV) são "o conjunto dos meios de comunicação existentes entre
indivíduos vivos que não utilizam a linguagem humana ou os seus derivados não
sonoros (escritos, linguagem dos surdos-mudos, etc...)". A comunicação não verbal
engloba “gestos, movimentos corporais, uso de espaço interpessoal, expressões
faciais, toque, postura, olhar, contato visual, paralinguagem, além da aparência
física e hábitos pessoais”, conforme afirma Love (1993 apud FUELBERTH, 2003,
p. 12). Davis (1979, p. 178) afirma que a CNV usa atalhos, vai direto ao ponto.O
contexto da CNV, neste estudo, é bem definido: o regente é o remetente da
informação e o cantor o destinatário da mesma. O regente coral se beneficia do
fato de que bastam alguns ensaios para que os cantores se familiarizem com eu
código individual de CNV.

66
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

Cada movimento do regente, durante a execução musical, cria referências


concretas para as suas idéias, direcionando como a música deve ser. O regente
usa todo o seu corpo para esta movimentação, e a preponderância de um ou
outro canal de comunicação tem a ver com sua trajetória pessoal e profissional.
Vários autores fizeram considerações sobre as partes do corpo que são usadas de
modo mais evidente para a expressão não verbal de regentes. Ostling (1976, p. 31)
observou os seguintes canais de CNV do regente: expressões de face e mão, contato
visual, movimento corporal, postura e expressões afetivas. Fuelberth (2003, p. 12)
identifica os seguintes elementos como importantes: posição corporal e postura,
expressão facial, contato visual e gestos de regência. Julian (1980, p. 49) diz que
as modalidades de CNV mais eficientes para o regente são o corpo, a face e os
olhos. Krause (1983, p. 200) agrupou os gestos dos regentes em quatro categorias:
gestos corporais, gestos de braços, gestos de mãos e dedos e gestos de cabeça ou
face. Examinaremos a seguir os canais de CNV recorrentes na literatura: postura,
contato visual, expressões faciais e movimentos de regência.

A postura é definida por Corraze (1980, p. 90) como a posição do corpo,


ou de suas partes, em relação a um sistema de referências determinadas. O autor
considera que a referência pode ser parte do próprio corpo ou o corpo inteiro
da pessoa, ou ainda a orientação do corpo ou de suas partes em relação a outros
corpos. Na movimentação contínua de uma pessoa, a postura se caracteriza por
um estado de imobilização de duração suficiente para gerar informações em
uma interação social. Conforme o mesmo autor, no comportamento humano,
“a postura é um indicador privilegiado da atitude afetiva fundamental” em
um dado momento. Ele informa as intenções de aproximação, de acolhida, ou
inversamente, de desafio, rejeição ou ameaça. Wallon (1954 apud CORRAZE, 1980,
p. 93) considera a postura uma função de expressão, afirmando que as emoções
estão ligadas às modulações da postura, ou seja, das atitudes.

A literatura é prolixa ao recomendar ao regente esta ou aquela postura,


variando obviamente, de acordo com o contexto cultural de cada autor. A maioria
dos livros descreve apenas uma postura inicial, básica. Zander (1979, p. 61)
recomenda: “...repouso dos braços e mãos que devem pender...para baixo com
o antebraço afastado do peito...os ombros devem ficar...relaxados. Os cotovelos
ficam levemente erguidos lateralmente para fora...centro em torno do qual giram
todos os outros movimentos”. Todo o corpo tem participação na boa postura para
o regente coral:

1. Pés: eles deveriam estar alinhados com os ombros 2. Peito: Ele deve
estar confortavelmente alto... 3. Alinhamento: A parte superior do
tronco deveria estar reta. Evitar um queixo proeminente. As pernas
devem estar levemente fletidas, ou retas sem rigidez. 4. Braços: Na
preparação para a regência os braços devem estar estendidos até que
a ponta das mãos fiquem entre 12 e 16 polegadas do corpo a nível
torácico... 5. Mãos: Sua configuração vai variar de acordo com o clima
da música e o tipo de articulação desejada (GORDON, 1989, p. 65).

67
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

James (1932 apud OSTLING, 1976, p. 34), ao revisar a literatura de CNV


selecionou uma lista de orientações posturais que parecem indicar informação
afetiva e qualidades específicas, e podem ter implicações para os regentes. Para
James, a aproximação do corpo com uma inclinação à frente numa interação
pessoal denota atenção, além de aproximação. Já a inclinação do corpo para
trás denota recusa, retração. A inclinação do corpo à frente é usada por regentes
para indicar os aumentos de intensidade musical. A inclinação do corpo para
trás é um movimento comum para indicar a diminuição da intensidade musical
(ZANDER, 1979, p. 60).

Outro canal de CNV usado pelo regente são as expressões da face. Segundo
Kurtz (1989, p. 104), “de todas as partes do corpo, nenhuma é tão diretamente
expressiva como essa complexa unidade de estrutura que denominamos de
rosto”. As expressões faciais são universais e aumentam a experiência interna de
uma emoção. Quando alguém sorri sente-se feliz; se faz expressão de medo, sente
medo (McDONALD, 2003, p. 2).

Como a face é uma zona corporal sobre a qual se tem muito controle,
ela é considerada, no dizer de Ekman (1965, apud CORRAZE, 1980, p. 75) “o
melhor mentiroso não verbal” do corpo. A face é tida como o melhor lugar para
entender qual é a emoção a ser decodificada, e o corpo o local onde se percebe a
intensidade desta emoção. A face é, portanto, uma ferramenta expressiva que os
regentes podem treinar para obter determinados efeitos. Garretson (1975, p. 25)
diz que as expressões faciais do regente devem refletir o caráter da música e que a
prática na frente do espelho melhora este aspecto da técnica de regência. Gordon
(1989, p. 94) propõe que os regentes exercitem algumas expressões faciais como:
sorrir, franzir a testa, semicerrar os olhos, enrugar a região entre os olhos, deixar
o olhar fixo, fazer beicinho com a boca, mostrar os dentes. Grimland (2005,
p. 10), analisando as filmagens de regentes feitas em seu estudo, diz que as
expressões faciais foram usadas como modelo do caráter da música, refletindo
a interpretação dos textos. O uso dessas expressões faciais como modelo visível
foi precedido ou seguido por instrução verbal nos ensaios e funcionou nas
apresentações como um tipo de ‘dica’.

Ekman e Friesen (1978) citados por Berz (1983, p. 24), dividiram a face
em três regiões: a) sobrancelhas e testa; b) olhos, pálpebras e ponte do nariz;
c) nariz, bochecha, boca, queixo e maxilar. Essas três áreas foram analisadas
separadamente para observar os movimentos predominantes nas seis emoções
básicas: felicidade, tristeza, surpresa, medo, raiva e desgosto. Os mesmos autores
afirmam que a mistura de afetos é o tipo de expressão facial mais freqüente no
homem. As três regiões da face aparecem citadas nos textos de regência como
ferramentas expressivas do regente. Gallo et al. (1979, p. 56) recomendam:
“concentre todas as indicações necessárias no olhar e na articulação da boca”.
Ehman (1968, p. 114) diz: “O regente deve segurar o coro com seus olhos, com sua
respiração, com as palavras... articulação das palavras sem som...”.

68
CONVENÇÕES DE ENTRADA, CORTE E EXPRESSIVIDADE

A região superior da face inclui movimentos de sobrancelhas e testa. Esses


movimentos são expressivos e livremente usados pelos regentes para indicar o
clima da música, entradas, atenção. O mesmo acontece na região intermediária
da face, que inclui olhos, pálpebras e ponte do nariz. Os movimentos dessas áreas
também são de caráter expressivo e livre.

A metade inferior da face, que inclui nariz, boca, bochechas, queixo


e maxilar tem uma participação muito intensa na CNV do regente durante a
execução musical. A boca, além de apontar as expressões próprias das emoções da
música, pode moldar as vogais e articular o texto. É o que afirma Grimland (2005,
p. 10) lembrando de sua experiência de filmagem de regentes:“Eles modelaram
seus lábios enquanto seus estudantes cantavam. A articulação muda do texto foi
usada como modelo...”.

Gallo et al. (1979, p. 56) aconselham aos regentes que no começo da


peça articulem a primeira sílaba junto ao gesto de ataque; no meio dos trechos
imitativos de peças polifônicas, dirijam o olhar para o naipe que entra e articulem
a primeira sílaba da frase; e em passagens homofônicas rápidas, articulem todo
o texto, junto ao uso de gestos breves, incisivos e precisos para conseguir uma
grande precisão rítmica.

Sabe-se que a boca é uma das zonas corporais que ocupa um território
amplo nos mapas motores e sensitivos do córtex cerebral (KANDEL, 1995, p.
267). Dito de outro modo, o ser humano é extremamente sensitivo nesta área
e possui ampla capacidade de resposta motora neste segmento corporal. Além
disso, a boca é uma zona erógena básica, a única exposta socialmente no cotidiano.
Schilder (1994, p. 203) afirma que as zonas erógenas têm um impacto maior na
comunicação entre duas pessoas. Entre um movimento do pescoço e outro da
boca, por exemplo, o da boca provoca maior impressão numa comunicação. É
de se pensar no impacto provocado pelos movimentos da boca do regente coral.

Na interação entre o regente e os cantores o papel do olhar tem um lugar


muito relevante. Ehmann (1968, p. 118) enfatiza o papel primordial do contato
visual entre regente e cantores para criar um clima adequado na entrada inicial da
música. Yarbrough e Price (1981 apud DEASE, 2007, p. 21) concluíram que regentes
com extenso contato visual com seu grupo conseguem que os componentes desse
grupo permaneçam mais tempo ativos na tarefa em curso. Rudolf (1969, p. 242)
afirma que a maneira como o regente olha o cantor lhe dirá antecipadamente o
tipo de expressão que se espera dele. Zander(1979, p. 60) defende que o olhar do
regente transmite sua intenção; é um vigia para os deslizes, ajuda a ter segurança,
vencer as dificuldades e irradiar estímulo e entusiasmo ao mesmo tempo.
Garretson (1975, p. 26) diz: “o regente deve manter contato visual com os cantores
pelo maior tempo possível”. Para este autor, é essencial manter contato visual no
começo e término das frases, em fermatas e durante qualquer mudança de tempo.

69
INTRODUÇÃO À REGÊNCIA MUSICAL

Onze categorias de comportamento não verbal foram observadas em ensaios


de 37 regentes, na pesquisa realizada por Ervin (1975 apud BERZ, 1983, p. 86). O
pesquisador comenta que regência expressiva e contato visual com o grupo foram tão
poderosos para determinar os regentes com melhor e menor pontuação que, segundo
esse autor, “as outras nove variáveis pareceram ser relativamente insignificantes”.

Quando uma pessoa atenta à outra percebe sobre si o olhar desse outro é
tomado por uma reação geral de vigilância. Os sinais do eletro encefalograma e do
ritmo cardíaco mostram valores aumentados (GALLE et al., 1972 apud CORRAZE,
1980, p. 79). Da mesma forma, desviar o olhar é sair do campo de interesse de uma
pessoa e levá-la a uma diminuição da vigilância. Do ponto de vista do cantor, a
visão é fundamental para a captação do gesto do regente. O cantor ‘sente’ o gesto
do regente e decodifica a linguagem que há por trás dele (MUNIZ, 2003, p. 53). Se
a atenção visual dos cantores encontra o olhar do regente sobre si ou o grupo, o
nível de atenção provavelmente aumenta muito.

Os gestos de regência são, dentre os canais de CNV aqui citados, os únicos


exaustivamente treinados na formação dos regentes. De acordo com Rector
(1975, p. 23), o gesto é “uma ação corporal visível, pela qual certo significado é
transmitido por meio de uma expressão voluntária”. Uma definição mais poética
é a de Lessing (1963 apud KONTTINEN, 2008, p. 69): “é uma pose corporal ou
um movimento que fala, um hieróglifo personificado corporalmente em um
executante humano, uma estória inteira contraída em um momento”. Os gestos
de regência têm significado para o grupo, baseado numa relação construída entre
o coro e o regente. Pode-se considerar que o corpo inteiro participa dos gestos de
regência, mas estes se concentram na parte superior do corpo e são especialmente
executados pelos braços e mãos. Os gestos de regência favorecem a expressão
emocional de forma mais adequada do que se o regente fizesse um discurso
verbal, considera Muniz (2003, p. 53).

Os canais de CNV descritos acima um a um, atuam sinergicamente.


Conhecer cada um deles é um modo de colocar atenção e ser capaz de desenvolvê-
los. Na formação dos regentes, quanto antes houver a apropriaçãodo maior
númerode fatores que contribuem para sua CNV com os cantores, melhor. O
professor de regência pode contribuir para que o aluno tenha consciência de
sua postura, expressões faciais, contato visual e movimentos de regência. Assim
treinados para a construção de comunicações eficientes e somatórias, evitando-se
dubiedades que prejudiquem o andamento de seu trabalho musical, esperam-se
respostas musicais mais claras e rápidas.

FONTE: BRANCO, H. A comunicação não-verbal do regente coral durante a execução musical.


In: XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 2012,
João Pessoa. Anais Eletrônicos… João Pessoa, ANPPOM, 2012, p. 2495-2502.

70
RESUMO
Você aprendeu que:

• O gesto preparatório comunica informações musicais essenciais para a


execução antes que elas ocorram como entrada, dinâmica, articulação,
andamento entre outros.

• A marcação visível de tempos deve ser interrompida em notas e pausas longas


(com dois tempos ou mais), prestando atenção para o gesto preparatório
necessário para a retomada da marcação.

• Entradas tem seu gesto preparatório geralmente ocorrendo no tempo anterior


ao primeiro, independentemente de se haver algum som em contratempo.
Algumas situações excepcionais requerem uma marcação de tempo antes do
gesto preparatório.

• Cortes são realizados com um movimento circular que termina junto ao plano
de regência em sincronia com o primeiro tempo de silêncio.

• Toda comunicação gestual precisa ser praticada para que se torne orgânica, o
que é muito importante para um bom desempenho do regente em ensaios e
apresentações.

• Dinâmicas são regidas aumentando e diminuindo a amplitude do gesto, sendo


que em crescendos e diminuendos essa alteração ocorre gradativamente.

• Articulações são essenciais para a interpretação musical e cada tipo tem uma
forma de ser comunicada através do gesto de regência.

71
AUTOATIVIDADE

1 Dar entradas e cortes são habilidades importantes para qualquer regente. Sobre
esse assunto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Devemos marcar, pelo menos, dois compassos inteiros antes de dar a


entrada para o grupo, assim ficará bem claro qual o andamento.
( ) O corte é feito com um movimento circular em que o fim do movimento
deve tocar o plano de regência no momento do primeiro tempo de pausa.
( ) A marcação preparatória para dar entrada deve ser feita alguns compassos
antes, mantendo a atenção dos músicos.
( ) Quando a música tem pausas ou notas que duram vários tempos devemos
reduzir o tamanho do gesto de marcação.
( ) Quando a entrada ocorre em contratempo devemos sempre marcar um
tempo adicional antes do gesto preparatório.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V – F.
c) ( ) V – F – F – V – V.
d) ( ) F – V – F – V – F.

2 A articulação e a dinâmica são aspectos muito importantes na elaboração


da intepretação de uma obra musical. Estes são assuntos vastos e exigem
bastante treino, tanto de prática instrumental quanto de técnica de regência.
Com base na expressão de dinâmica e articulação através do gesto, analise
as sentenças a seguir:

I- A dinâmica deve ser indicada acelerando e desacelerando os gestos.


II- O staccato é indicado com um gesto fluente e contínuo.
III- O acento deve ser indicado com gestos bem marcados e vigorosos.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O desenvolvimento sistemático da técnica de regência é muito importante


para a formação de regentes. Sobre os motivos pelos quais os padrões de
regência são tão importantes assinale a alternativa CORRETA.

72
a) ( ) A eficiência no gesto é representada pela possibilidade de se comunicar
várias informações musicais simultaneamente com o mesmo movimento.
b) ( ) A padronização do gesto é desnecessária, pois o mais importante da
comunicação gestual é a pessoalidade e a intimidade entre regente e grupo.
c) ( ) O desenvolvimento intuitivo do gesto na prática profissional não tem
valor nenhum para a formação de regentes.
d) ( ) A eficiência e padronização representam aspectos dispensáveis da
comunicação gestual.

4 A modificação da dinâmica ao longo da execução de uma peça musical traz


implicações para o gesto de regência. Com base nos seus conhecimentos a
respeito deste assunto, analise as sentenças a seguir:

I- Existem duas formas básicas de se mudar a dinâmica, a repentina e a gradual.


II- A indicação de crescendo e diminuendo deve de comunicada através do
aumento e diminuição da amplitude do gesto, respectivamente.
III- Toda mudança de dinâmica deve ser comunicada antecipadamente
através de um gesto preparatório.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

5 Ao dar entradas, em algumas situações, é recomendado que o regente


marque discretamente o tempo anterior ao gesto preparatório. Sobre as
condições que podem requerer esta ação, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Sempre é importante a marcação de tempos antes do gesto preparatório.


b) ( ) Esta marcação é pertinente quando o andamento é rápido e a entrada
ocorre em contratempo.
c) ( ) Após uma fermata é necessário fazer esta marcação antes do gesto de
reentrada.
d) ( ) Quando o regente está inseguro com o seu gesto preparatório.

73
74
REFERÊNCIAS
COLLARES, L. S. Figuras. (Inédito). Digitalização de Lenzi, L. R. (2021).

FIGUEIREDO, C. A. Reflexões sobre aspectos da prática coral. In:


LACKSCHEVITZ, E. (Org.). Ensaios: olhares sobre a música coral brasileira. Rio
de Janeiro: Centro de Estudos de Música Coral, 2006. p. 6-49.

FIGUEIREDO, S. L. F. de. A regência coral na formação do educador musical.


In: XVI Congresso Nacional da ANPPOM, 2006, Brasília. Anais eletrônicos...
Brasília, ANPPOM, 2006, p. 885-889.

GONÇALVES, A. A disciplina de leitura musical à primeira vista em cursos


de graduação em música do sul do Brasil: um estudo com base na teoria social
cognitiva sobre processos de ensino/aprendizagem. 176 p. Tese (Doutorado em
Música) – Curitiba: UFPR, 2018.

LAGO JÚNIOR, S. A arte da regência: história, técnica e maestros. Rio de


Janeiro: Lacerda Editores, 2002.

LENZI, L. R. Diagramas de regência (Figuras). 2021 (Inédito).

ROCHA, R. Regência uma arte complexa: técnicas e reflexões sobre a direção de


orquestras e corais. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2004.

SABAG, M. M. S.; IGAYARA, S. C. a notação original da música polifônica


renascentista e suas relações com as práticas interpretativas atuais. Revista
Música Hodie, Goiânia, V. 13, n. 2, 2013, p. 34-51.

SADIE, S. (Ed.). Dicionário Grove de música: edição concisa. Tradução:


Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

VELOSO, F.; FEITOSA, M. A. G. O ouvido absoluto: bases neurocognitivas e


perspectivas. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 18, n. 3, p. 357-362, set/dez 2013.

ZANDER, O. Regência coral. Porto Alegre: Movimento/Instituto Estadual do


Livro, 1979.

75
76
REGÊNCIA EM AÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• selecionar e adaptar repertório de forma fundamentada;

• preparar-se musicalmente para reger uma obra musical;

• planejar, conduzir e avaliar ensaios e performances;

• refletir sobre sua prática enquanto regente;

• entender o contexto geral e particularidades da regência vocal e da


regência instrumental.

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

77
78
TRATO COM O REPERTÓRIO

1 INTRODUÇÃO
Bem-vindo de volta, acadêmico! Como você deve estar lembrado, nós
treinamos os fundamentos do gesto de regência. Entretanto, esta habilidade é
apenas a ponta do iceberg da atuação na regência. A realização musical, objetivo
máximo da regência, ocorre através de um longo processo que envolve a escolha e
adaptação do repertório, a condução dos ensaios musicais e a própria performance.
Neste processo, o gesto de regência é apenas mais uma das diversas ferramentas e
conhecimentos empregados pelo regente.

Antes de tudo, gostaríamos de convidá-lo a pensar sobre uma das


fatalidades da vida e, consequentemente, da regência. Não se preocupe, que
não é a morte... é a tomada de decisões! Quando você se levanta da cama de
manhã, você decidiu fazê-lo, o mesmo ocorreu quando optou por fazer o curso
da Uniasselvi. O que vou comer hoje? Quanto vou comer? O que vou fazer? Até
crianças pequenas precisam fazer escolhas diariamente como, por exemplo, com
o que vão brincar. Note que sempre embasamos nossas decisões, consciente ou
inconscientemente, em critérios que envolvem expectativa de retorno, desejos
pessoais, cobranças familiares e sociais etc.

Muito da atuação na regência, bem como na docência de forma geral, diz


respeito à tomada de decisões. Então, você, acadêmico, enquanto professor ou
regente, precisará tomar decisões constantemente, seja na escolha e adaptação
de repertório, seja na condução de ensaios e performances. Mas, tomar decisões
nas diversas funções da regência é algo complexo, devendo ser levados em conta
múltiplos fatores. Nós refletiremos sobre esta complexidade.

Propomos que você reflita, desde agora, sobre sua facilidade ou dificuldade
para tomar decisões e solicitar aos outros que façam o que você decidiu, pois,
além da capacidade de decidir adequadamente, é preciso ter segurança emocional
para implementar suas escolhas no grupo. Falaremos muito sobre autocrítica e
autorreflexão nesta unidade, o que, como você vai perceber, se transformará em
uma ação segura. Uma vez que você decidiu o que fazer, aja com segurança, após
agir, faça a autocrítica e decida manter ou mudar o rumo das suas ações, sempre
transmitindo segurança para o grupo.

79
REGÊNCIA EM AÇÃO

Discutiremos quais são os principais critérios para escolher o repertório


mais pertinente para cada situação. Discutiremos também como identificar a
necessidade de adequar o repertório para o grupo que você está regendo, seja
adaptando ou arranjando. Por último, abordaremos alguns procedimentos
essenciais para a preparação musical do regente.

Para finalizar esta introdução, gostaríamos de esclarecer que estamos


trabalhando neste livro didático somente com a perspectiva de repertório escrito
em notação tradicional. Esta escolha facilita a abordagem dos conteúdos, além
de permitir exemplificações claras dentro do formato do livro. No entanto, é
importante ressaltar que eventualmente é possível trabalhar com obras que não
possuem registro escrito.

2 ESCOLHA DE REPERTÓRIO
Há diversos pontos a se considerar quando você estiver selecionando
repertório para o seu grupo, falaremos sobre eles neste subtópico. Salientamos
que neste primeiro momento vamos falar, principalmente, de critérios para
a escolha de repertório original para a formação que você está regendo, ainda
que sempre exista a possibilidade de adequar o repertório ao contexto específico
de atuação.

A primeira consideração que você deve levar em conta é a formação


instrumental/vocal do grupo em questão. A sua busca sempre deve estar balizada
na formação que irá executar o repertório, pois, ainda que não seja essencial
buscar sempre obras originais para a formação em questão, a obra adotada precisa
ter a possibilidade de funcionar na formação que você rege. Existem questões
idiomáticas de certos instrumentos musicais que podem dificultar a troca de
meio instrumental. Scarduelli (2007, p. 139) esclarece que o radical “idioma”
quando associado

à música instrumental, refere-se ao conjunto de peculiaridades


ou convenções que compõem o vocabulário de um determinado
instrumento. Estas peculiaridades podem abranger desde
características relativas às possibilidades musicais, como timbre,
dinâmica e articulação, até meros efeitos que criam posteriormente
interesse de ordem musical.

Por vezes, as características particulares de um instrumento não podem


ser traduzidas de forma eficaz para outro instrumento. Por exemplo, uma escrita
musical com notas muito longas pode funcionar bem para instrumentos de sopro
e cordas friccionadas, mas não para cordas pinçadas e percussão, enquanto
executar uma nota repetidamente em um violão é relativamente fácil, o que
no piano exige muita técnica. Portanto, esteja familiarizado com a linguagem
musical de diferentes instrumentos, a fim de poder identificar e solucionar
questões de tradução.

80
TRATO COM O REPERTÓRIO

Quando falamos de formações instrumentais/vocais é preciso sempre ter


em mente que cada uma delas tem tradições e históricos diferentes. Faremos aqui
um breve apanhado das formações tradicionais.

Podemos estabelecer dois grandes grupos de formações com base em sua


instrumentação: timbres homogêneos e timbres heterogêneos. No primeiro grupo,
você tem formações musicais inteiras com instrumentos de timbres homogêneos
pertencentes à mesma família. A orquestra de cordas (violino, viola, violoncelo,
contrabaixo), a orquestra de flautas (flauta doce soprano, contralto, tenor, baixo e
contrabaixo) e os grupos vocais (soprano, mezzosoprano, contralto, tenor, barítono e
baixo) são exemplos de deste tipo de formação com timbres homogêneos.

FIGURA 1 – ORQUESTRA ESCOCESA DE FLAUTAS

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=GV-hSkoGotA&ab_channel=IanWilson>.
Acesso em: 13 jan. 2021.

No segundo tipo de formação há instrumentos de timbres diferentes,


frequentemente agrupados em naipes ou núcleos de instrumentos de timbre
homogêneo. Temos como exemplo: orquestras sinfônicas que possuem cordas,
madeiras, metais e percussão como núcleos de instrumentos homogêneos; outro
exemplo são as big bands que possuem o núcleo de metais, sendo adicionados
instrumentos das bandas de jazz, como piano, bateria, guitarra e baixo.

FIGURA 2 – ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA

FONTE: <https://diariodorio.com/orquestra-sinfonica-brasileira-abre-na-sala-cecilia-meireles/>.
Acesso em: 13 jan. 2021.

81
REGÊNCIA EM AÇÃO

Conjuntamente com a instrumentação, pode-se classificar grupos


musicais pela quantidade de integrantes. Alguns possuem um número reduzido
de integrantes sendo geralmente chamados de grupos de câmara, podendo ser:
duetos, tercetos, quartetos, quintetos, assim por diante. É raro que grupos tão
pequenos possuam um regente não executante.

Existem grupos de tamanho intermediário, frequentemente entre 10 e


25 integrantes, que podem receber o termo “câmara” adicionado, por exemplo,
coro de câmara ou madrigal e orquestra de câmara. Por fim, existem as grandes
formações que podem abranger até centenas de executantes, como as orquestras
sinfônicas, bandas marciais e coros sinfônicos.

Atualmente existem diversas “transgressões” à tradição das formações


musicais, permitindo a existência de grupos como o Sanbone Pagode Orquestra
de Salvador/BA, com a mistura de instrumentação típica do samba e do pagode
com instrumentação sinfônica e a orquestra de guitarras elétricas Sinfonity,
executando obras barrocas.

Não podemos nos furtar de mencionar um pouco da realidade prática


dos conjuntos musicais no Brasil. Raramente, você conseguirá ter uma formação
completa, seja instrumental ou vocal. No caso de grupos vocais, por exemplo, são
comuns a falta crônica de vozes masculinas e o excesso de sopranos, em orquestras
faltarão instrumentistas de sopro e metais, principalmente oboé, fagote, tuba,
trompa etc. Por isso, sempre considere cuidadosamente as condições reais de se
executar uma obra para determinada formação.

Considere também se os integrantes têm condições técnicas e musicais


de executar o repertório. Há uma série de questionamentos que você pode se
fazer para ajudar a medir esta questão. Os integrantes precisarão ler partitura
para aprender a música? Eles leem música? Com que fluência? Tem desenvoltura
técnica para executar o que você está propondo? Tem maturidade musical para
interpretar a música? Caso a peça esteja além das condições atuais do grupo, quanto
tempo será necessário para que eles desenvolvam as habilidades necessárias? É
desafiadora demais, parecendo intransponível para os integrantes?

Atente também para o fato de que todos os questionamentos que


mencionamos devem ser feitos também sobre suas próprias capacidades. Será
que você teria maturidade técnica e musical para executar o repertório com outra
pessoa regendo? Será que consegue regê-lo? Quanto tempo vai dispender para
estudar? Você tem este tempo? Todos estes questionamentos são muito úteis
para você diagnosticar a factibilidade de realizar o repertório, tanto por parte do
grupo, quanto por sua parte.

82
TRATO COM O REPERTÓRIO

Para avaliar as características técnicas da obra, observe os seguintes pontos:

1) Tessitura. Se o grupo for um coral, será que os integrantes conseguem cantar as


notas solicitadas com propriedade? Caso seja um grupo instrumental, eles têm
a técnica para tocar as notas? Os instrumentistas de corda conseguem afinar as
notas nas posições requeridas? Os sopros têm domínio da região solicitada?
2) Ritmo. O grupo irá compreender a estrutura rítmica da obra? Tem muitas
quiálteras ou subdivisões rápidas? Há polirritmia?
3) Escrita musical. A obra tem uma escrita homofônica ou polifônica? O
contraponto excede a maturidade musical atual do grupo?
4) Sonoridade. Os integrantes terão capacidade de produzir a sonoridade
necessária para a obra? Você tem instrumentistas o suficiente para dar o corpo
sonoro que a peça precisa?

Ao mesmo tempo, se a peça musical não apresentar nada que tire você
e o grupo da zona de conforto, não haverá crescimento e, talvez, a motivação
para a execução seja insuficiente. Assim, busque equilibrar os desafios técnicos e
musicais para que eles estejam na medida certa para o crescimento e motivação
do grupo, sem causar desânimo por parecerem intransponíveis.

Analise o contexto geral do grupo para que o repertório possa ser mais
bem aceito pelos integrantes. É um grupo pertencente ao contexto do ensino
básico, projeto social ou igreja? Cada um destes contextos apresentará uma
série de restrições e considerações a serem feitas com relação a repertório, esteja
ciente delas.

A faixa etária geral do grupo é muito importante quando se lida com


contextos não profissionais. Você escolherá o mesmo repertório para um grupo de
crianças de até 10 anos de idade e para um com pessoas acima de 60 anos? Quais
gêneros musicais são mais valorizados pelas pessoas que ali estão? Estes critérios
entram no universo do gosto pessoal dos integrantes, o que também é muito
importante para a construção de uma identificação do grupo com o repertório.

Almeida (2016) realizou uma pesquisa experimentando um procedimento


incomum para a escolha de repertório. O autor empregou uma pesquisa de
opinião através de um formulário com os cantores e, após a sua própria análise,
selecionou algumas das peças sugeridas por eles para integrar o repertório do
grupo. O autor percebeu que, pelo fato dos participantes se sentirem valorizados
por terem sido consultados, se sentiram mais identificados com a proposta do
grupo, havendo benefícios no engajamento do grupo, com a diminuição de faltas
e atrasos.

83
REGÊNCIA EM AÇÃO

A escolha de repertório representa muito mais que objetivos de curto


prazo para uma apresentação específica. Um projeto de longo prazo para o
desenvolvimento do grupo passa pela seleção cuidadosa de um conjunto de
obras que, gradativamente, promovem o desenvolvimento técnico e musical do
grupo. Figueiredo (1990, p. 21) menciona a importância de uma seleção criteriosa
de repertório para o desenvolvimento musical de corais:

Os conceitos musicais e vocais serão melhor aprendidos e assimilados


quando o repertório do grupo reforçar os conceitos desejados. A
organização das atividades de um ensaio deve partir da organização
do repertório para que possibilite a realização de tarefas de maneira
progressiva e contextualizada. Tal organização deriva das necessidades
e aspirações de cada grupo. É preciso selecionar obras que contribuam
para a solução de problemas.

Ainda que o autor esteja falando especificamente do contexto do canto


coral, este princípio se aplica a grupos de diferentes formações instrumentais e
níveis de experiência musical. Mesmo que se trabalhe com um grupo de músicos
experientes, haverá sempre aprimoramento musical a ser feito e problemas a
serem resolvidos.

Durante a escolha de repertório, evite adotar obras que atendam,


exclusivamente, a seus desejos e aspirações enquanto regente, em detrimento dos
interesses do grupo e da necessidade de aprendizado dos integrantes. Os critérios
de desenvolvimento musical, identificação dos integrantes (principalmente em
grupos amadores) e necessidades do contexto são prioritários em relação aos seus
desejos pessoais.

3 ADEQUAÇÃO DE REPERTÓRIO
Independentemente dos critérios adotados, você precisará analisar a
obra musical escolhida para verificar detalhadamente se a maneira como ela se
encontra em termos de instrumentação e características técnico-musicais estão
adequadas para o seu grupo. Caso você chegue à conclusão de que a peça precisa
de adaptações, aí você deverá decidir entre fazer pequenas alterações, adaptando,
ou então, fazendo um arranjo novo.

Podem ocorrer outros fatores que motivem a realização de arranjos e


adaptações, por exemplo: um desejo seu e do grupo de realizar uma obra que não
foi escrita para a formação que vocês têm; o propósito educacional, visando tratar
de conteúdos musicais através de um repertório facilitador; ou ainda aproveitar
algum recurso estético particular do seu grupo.

Nós iremos aprofundar a discussão sobre as necessidades que levam à


adaptação e ao arranjo, cuidados que se deve ter, bem como apontar caminhos para
solucionar algumas das questões.

84
TRATO COM O REPERTÓRIO

3.1 ADAPTAÇÃO DE ARRANJOS EXISTENTES


Para este livro didático, adaptação será definida quando, além da melodia
principal, ou tema, forem mantidas partes do arranjo ou da composição original.
Também classificaremos como adaptação a execução de uma obra original por
conjunto instrumental diferente do prescrito, por exemplo, pegar uma partitura
para quarteto de cordas e tocar com quatro violões, mesmo que não haja
modificação no texto musical.

E
IMPORTANT

Sempre tenha muito cuidado com relação ao tipo de repertório que você vai
adaptar. Se você optar por escolher uma obra muito complexa que precisará de inúmeras
simplificações para se tornar exequível, é importante pensar no porquê de se fazer tal peça.
Isto frequentemente ocorre por se ter aspirações de se executar obras canônicas sem ter
ainda capacidade para tanto, por exemplo “Aleluia” do Messias de Georg Friedrich Händel
(1685-1759), ou o 4° movimento da 9ª Sinfonia de Ludwig van Beethoven (1770-1827).

O primeiro recurso de adaptação que se pode utilizar é a transposição.


Você pode querer fazer esta mudança por questões técnicas, por exemplo, a obra
coral é muito aguda para as possibilidades de execução atuais do grupo e você
percebe que baixar meio ou até um tom pode tornar a peça possível, ou ainda por
preferir a sonoridade da obra em outro tom.

Caso você esteja trabalhando com coral, esta mudança é muito fácil de
fazer, basta você dar a afinação no tom transposto para o grupo e dar a entrada.
É possível que haja uma confusão inicial e talvez alguns integrantes percebam o
que você fez, mas o grupo rapidamente se habituará à mudança. Apenas preste
muita atenção para verificar se a transposição não excederá a tessitura possível
de seus cantores em nenhuma das vozes, tanto para o agudo quanto para o grave.
A transposição é um recurso de tão fácil emprego em coros que é frequente o
seu uso como estratégia de ensaio, seja para evitar o cansaço dos cantores e,
consequentemente, a degradação da afinação vocal, ou ainda para corrigir
problemas de execução em um tom mais confortável.

Quando a transposição for empregada em formações instrumentais é


preciso haver um planejamento antecipado, sendo recomendado que as partituras
já sejam entregues no tom de execução. O ajuste de leitura e de mecanismos não
é tão automático em instrumentos quanto é na voz, evite que os instrumentistas
aprendam a tocar em um tom e depois tenham que reaprender a executar em outro.
Por vezes, pode se utilizar o recurso de baixar ou subir a afinação de instrumentos
de cordas, assim o dedilhado é mantido e a altura modificada, fazendo com que o
instrumento funcione na prática como instrumento transpositor.

85
REGÊNCIA EM AÇÃO

Em grupos corais existem obras em língua estrangeira. Caso você incorpore


estas obras ao repertório, o mais recomendado sempre é que você dedique tempo
ensinando a pronúncia do idioma em que a música foi escrita. No entanto, caso
haja uma resistência muito grande do grupo, ou dificuldades extremas, você
pode cogitar fazer uma tradução para o português. Neste caso, você precisará ter
um domínio muito bom da língua em questão e passar um bom tempo fazendo
um trabalho literário de tradução e de ajuste da prosódia, ainda assim há grandes
chances que sua tradução não soe bem!

NOTA

Prosódia é um termo empregado para descrever o encaixe entre texto, ritmo


e alturas sonoras. Um dos problemas mais comuns é quando há sílabas átonas em tempos
fortes e notas agudas.

Você pode desejar muito fazer uma obra para uma formação específica,
mas falta um naipe no grupo em que você trabalha. Caso o naipe faltante não seja
essencial para a obra, você pode optar por não executar esta linha e distribuir
quaisquer notas essenciais da harmonia nas linhas de outros instrumentos,
podendo incluir divise nestes naipes. O oposto também pode acontecer, você
ter um conjunto com um naipe que não iria tocar em uma determinada obra,
mas como você trabalha em projeto social e deseja integrar todos na atividade,
você pode escrever uma linha melódica especial ou ainda colocar este naipe para
dobrar linha com outro.

NOTA

Divise acontece quando você coloca duas notas a serem executadas na


mesma linha melódica, assim os executantes de um naipe precisam combinar quem irá
fazer qual nota.

Vamos exercitar a adaptação mencionada no parágrafo anterior em uma


situação prática. A obra “Coco Velho”, de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), foi
escrita para pequena orquestra, com a instrumentação que você pode observar
na Figura 3. Imaginemos que não possuímos à disposição clarinetistas, nem
contrabaixistas, como adaptar este trecho sem perder muito conteúdo musical?

86
FIGURA 3 – COCO VELHO – CHIQUINHA GONZAGA (1847-1935)

87
FONTE: <https://chiquinhagonzaga.com/acervo/partituras/coco-velho_pequena-orquestra.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2021.
TRATO COM O REPERTÓRIO
REGÊNCIA EM AÇÃO

Primeiramente, a situação do contrabaixo é fácil de resolver, pois a linha


de violoncelo é praticamente a mesma, soando uma oitava acima, a diferença é
um salto de oitava descendente que ocorre nos compassos 2, 4 e 7. Neste caso,
pode-se incorporar este salto à linha do violoncelo, ou não, pois o piano já faz o
mesmo salto de oitava.

No caso da clarineta em Sib há três situações diferentes que precisam


ser abordadas separadamente. A primeira, nos compassos 1 a 4, a clarineta está
executando o desenho em uníssono com o violoncelo (clarineta em Sib é um
instrumento transpositor e as notas soam um tom abaixo do que está escrito na
pauta), assim o violoncelo dá conta de executar estas notas. A segunda situação,
compassos 5 a 7, a clarineta faz uma linha única, que pode ser executada pela
flauta, que está em pausa neste momento, fazendo um divise (se possível) no
compasso 7 executando as notas Fá e Ré. A última situação, compassos 8 a 10,
as notas executadas pela clarineta são dobradas pelo piano, enquanto o violino
e a flauta oitavam a melodia principal, recomendamos retirar a clarineta, cuja
função será desempenhada pelo piano, assim não perdemos o efeito da oitava
na melodia.

DICAS

Ouça a gravação da obra “Coco Velho”, de Chiquinha Gonzaga no link:


<https://www.youtube.com/watch?v=p33DLe3EslU&ab_channel=JuniorVot>.

Acompanhe com a partitura completa no link:


<https://chiquinhagonzaga.com/acervo/partituras/coco-velho_pequena-orquestra.pdf>.

Outra situação que requer adaptação é quando há um trecho com poucas


notas que você identifica como complicado de ser executado pelo grupo que você
rege. Em último caso, você pode optar por alterar a escrita do trecho em questão,
tornando exequível a totalidade da obra.

Você pode também escrever um acompanhamento de piano, violão ou


outro instrumento harmônico, adicionando assim uma parte à obra, caso já não
houvesse. Isto é comum em obras corais a capella, quando o regente opta por
colocar acompanhamento, seja com intuito de auxiliar na manutenção da afinação,
para encorpar o som do coro, ou então como recurso estético, mas atenção, caso
o coro tenha muitas dificuldades com uma peça, não será o acompanhamento
instrumental que resolverá a execução.

88
TRATO COM O REPERTÓRIO

3.2 CONFECÇÃO DE ARRANJOS


O Dicionário Grove de Música define arranjo como a “reelaboração ou
adaptação de uma composição, normalmente para uma combinação sonora
diferente do original” (SADIE, 1994, p. 43). Diferentemente da adaptação, arranjo
ocorre quando apenas o material melódico principal, ou tema, é mantido e o
resto é recriado. Alguns dos recursos comumente adotados são: diluir a melodia
entre as vozes, mudar a harmonização, trocar instrumentação e criar polifonias
contrapontísticas. É possível que o material melódico original sofra derivações,
inserções, repetições, ou ainda, seja unido a melodias de outras obras.

DICAS

A Oficina de Música de Curitiba oferece todos os anos, entre janeiro e fevereiro,


cursos de Composição Musical (Música Erudita) e de Arranjo (Música Popular). Se você se
interessa pelo assunto se organize para participar! Recomendamos também a série de três
livros “Arranjo – Método Prático” de Ian Guest, para quem quiser estudar seriamente arranjo.

Estudar sistematicamente a escrita de arranjos excede o escopo deste


livro, portanto recomendamos fortemente que você busque cursos e livros sobre
o tema. Ainda assim, analisaremos dois arranjos baseados em umas das melodias
da obra “Suíte dos Pescadores”, de Dorival Caymmi (1914-2008), a fim de se
observar algumas das técnicas empregadas. A Figura 4 apresenta o tema com a
indicação do início de cada uma de suas três frases.

FIGURA 4 – SUÍTE DOS PESCADORES (CANÇÃO DA PARTIDA I) – DORIVAL CAYMMI (1914-2008)

FONTE: O autor (2021)

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REGÊNCIA EM AÇÃO

O primeiro arranjo que estudaremos foi escrito por Esmeralda


Ruzanowski. Este arranjo (Figura 5) está no tom de Dó menor, foi escrito para
duas vozes e adota uma escrita contrapontística em que as vozes iniciam cada
uma das três frases em uníssono, fazendo movimentos opostos e se distanciando
logo em seguida. Na segunda parte das duas primeiras frases (compassos 4 a 8 e
12 a 16 da Figura 5) observa-se uma alternância de movimentação em que uma
das vozes sustenta uma nota longa enquanto a outra se movimenta, em um jogo
de pergunta e resposta com variações rítmicas.

No último sistema, observamos a troca da melodia principal da 1ª para a


2ª voz, justamente para evitar o cruzamento de vozes, uma vez que o contracanto
(melodia criada para o arranjo) ficou mais agudo que a melodia principal. Esta
troca de funções é precedida de um compasso de uníssono perfeito, recurso muito
eficaz para efetuar trocas de funções, além de ser bom também para introduzir
dissonâncias em música vocal.

90
TRATO COM O REPERTÓRIO

FIGURA 5 – SUÍTE DOS PESCADORES, ARRANJO ESMERALDA RUZANOWSKI (19?-)

FONTE: O autor (2021).

Em síntese, este é um arranjo simples que mantém um rigor de escrita


musical, tendo como maior dificuldade a rítmica sincopada da 2ª voz. É um
bom arranjo para começar a trabalhar a divisão de vozes em coros amadores,
pois além de ter somente duas vozes, trabalha com movimentos contrários das
vozes partindo de uníssonos e o jogo de pergunta e resposta, o que facilita o
entendimento da independência das vozes.

91
REGÊNCIA EM AÇÃO

O próximo arranjo (Figura 6) é a quatro vozes e foi escrito por Damiano


Cozzela (1929-). Comparando este arranjo com o da Figura 5, notamos a diferença
do tom (Bm), a métrica de quatro tempos, a manutenção da unidade de tempos
e uma introdução de quatro compassos. Neste arranjo predomina uma ideia
central diferente: a melodia é executada pelo naipe de baixos, enquanto as três
vozes superiores executam um acompanhamento harmônico, ora homofônico,
ora polifônico, com os fonemas “pá” e “rá”.

A harmonização que o arranjador elaborou também é relativamente


complexa para o entendimento musical da maioria dos grupos corais amadores,
com empréstimos modais, além de trazer elementos do sistema modal com
a recorrência do Sol#, intervalo característico do Si Dórico. Esta linguagem
harmônica, aliada à escrita geral do arranjo requer um grupo com mais maturidade
para sua execução.

DICAS

Ouça a gravação do arranjo de Damiano Cozzella da obra “Suíte dos Pescadores”


de Dorival Caymmi no link:
https://www.youtube.com/watch?v=BAf92CpdIIc&ab_channel=VladimirSilva.

Outra gravação mais atual no link:


https://www.youtube.com/watch?v=mEHwJjit630&ab_channel=Mar%C3%ADliaVargas.

Acompanhe com a partitura completa no link:


https://musescore.com/user/8316596/scores/5685939.

FIGURA 6 – SUÍTE DOS PESCADORES, ARRANJO DAMIANO COZZELLA

92
TRATO COM O REPERTÓRIO

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REGÊNCIA EM AÇÃO

FONTE: Adaptada de Cunha (2017, p. 325-326)

Agora vamos fazer um exercício de arranjar esta mesma melodia para um


grupo iniciante de cordas, composto por dois naipes de violinos e um de violas.
Primeira coisa que você deve considerar é qual ou quais dos naipes irá executar a
melodia e em que tom ela fica mais ajustada à primeira posição dos instrumentos
escolhidos. A título de exercício colocaremos a melodia no primeiro violino e,
para evitar ter notas alteradas na melodia, optaremos por fazê-la em Lá menor.

Em seguida, é preciso decidir o que será feito com as outras duas vozes.
Tendo em vista que temos um grupo iniciante, é importante considerar linhas que
não apresentem dificuldades de execução. Optaremos por fazer uma condução de
vozes com mínimas e uma célula rítmica em uma mesma nota quando a melodia
descansa. Assim, é possível trabalhar com o conceito musical de pergunta e
resposta, com notas longas alternando-se com um pouco mais de atividade do
arco, mas sem ter que mudar de nota no meio da célula rítmica.

Optamos por fazer uma harmonia relativamente simples, dentro da


tonalidade de Lá Menor, sem nenhum empréstimo modal. A condução das
vozes foi pensada de modo que o segundo violino (Lá, Sol# e Mi) e a viola (Dó,
Si, Mi, Lá) tivessem um número reduzido de notas para executar, facilitando o
domínio da afinação por instrumentistas iniciantes. Assim, você poderá designar
a execução da melodia para seus instrumentistas mais experientes, ou até você
mesmo, e utilizar as outras linhas para ajudar no desenvolvimento técnico
dos principiantes.

94
TRATO COM O REPERTÓRIO

FIGURA 7 – SUÍTE DOS PESCADORES – ARRANJO PARA CORDAS

FONTE: O autor (2021)

Este foi um exemplo bastante simples de um arranjo didático para um


grupo iniciante de cordas. Exploramos a ideia de uma melodia acompanhada
por duas linhas melódicas homofônicas, empregando notas longas e uma única
célula rítmica em notas repetidas, proporcionando a oportunidade de trabalhar
afinação de forma controlada. A execução da melodia em si é o aspecto mais
desafiador do arranjo.

As análises e o exercício de arranjo aqui propostos tiveram a finalidade de


estimular o seu conhecimento nesta área, além de instigar você a buscar outras
fontes para continuar estudando o assunto. Lembramos que arranjos podem ser
didáticos, como o exemplo da Figura 7, mas também podem ser funcionais, ou
seja, para adequar a obra à formação que se tem em mãos, bem como podem ser
arranjos artísticos, cujo objetivo estético é o principal.

95
REGÊNCIA EM AÇÃO

4 ESTUDO DO REPERTÓRIO PARA A REGÊNCIA


Este subtópico é dedicado a refletir sobre a importância do preparo
musical do regente, bem como dos procedimentos gerais para tanto. A
preparação musical é essencial para reger, não dependendo do contexto em que
está se atuando. Saiba o máximo que você puder da obra que irá reger antes do
primeiro ensaio.

4.1 APRENDIZADO DO REPERTÓRIO


Uma vez que você já tenha escolhido e adaptado/arranjado o repertório que
será executado pelo seu grupo, agora você deverá aprofundar o seu aprendizado
das obras a serem ensaiadas. Aprofundar? Sim! Na verdade, o aprendizado
do repertório começou quando você estava escolhendo quais obras iria fazer e
analisava questões musicais para fazer sua escolha. Se você adaptou ou arranjou
a obra, é provável que você já tenha um contato mais íntimo com a música. O que
iremos trabalhar aqui é com princípios e procedimentos que ajudam a promover
um conhecimento compreensivo da obra.

A primeira etapa de contato com a obra é a leitura da partitura, que


envolve uma leitura preliminar geral e a leitura detalhada. Você deverá executar
todas as linhas no seu instrumento principal e/ou cantando, primeiramente para
ter uma noção geral das características de cada linha e, posteriormente, atentando
para detalhes como tessitura, dinâmicas, articulações, trechos desafiadores,
entre outros.

Preste atenção especial à oitava correta das notas escritas quando estiver
tocando as linhas, quando estiver cantando talvez seja necessário oitavar as notas
escritas para ajustá-las para a sua voz, faça isso conscientemente! Na Figura 8, nós
temos um Coral de Bach que servirá de exemplo para as estratégias de estudo
que discutiremos. Optamos por deixar de fora o texto da obra por acharmos
desnecessário adicionar a dificuldade de cantar em alemão para o que propomos
aqui. No entanto, caso a obra que você vá estudar tenha letra em um idioma que
você tenha pouca familiaridade, reserve um tempo para estudar a dicção com
riqueza de detalhes, preferencialmente com auxílio de alguém que possa orientá-lo
com relação à pronúncia adequada das palavras. Faça agora a leitura de todas as
quatro vozes da Figura 8.

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FIGURA 8 – CORAL DE JOHANN SEBASTIAN BACH (1685-1750) – BWV 253

97
FONTE: Adaptada de <https://ks.imslp.net/files/imglnks/usimg/6/6b/IMSLP24489-PMLP09471-CCARH_Bach_Chorales.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2020.
TRATO COM O REPERTÓRIO
REGÊNCIA EM AÇÃO

DICAS

Escute a gravação desta obra coral no link:


https://www.youtube.com/watch?v=PcnQuEmHahI.

Aqui tem um arranjo para piano do mesmo coral:


https://www.youtube.com/watch?v=NOi7wAJwEr8&ab channel=PianoSpace.

Após você conseguir executar cada uma das linhas com facilidade, vem
o momento de exercitar a simultaneidade de linhas. Você pode treinar esta
habilidade de diferentes formas. Recomendamos que você adote metodologias
variadas para melhorar a qualidade do estudo. Preferencialmente utilize um
instrumento de teclado (piano, acordeom, teclado, escaleta etc.) ou de corda
pinçada (violão, guitarra etc.) para esta etapa. Execute simultaneamente no
instrumento todos os pares de linhas possíveis, no caso do nosso exemplo as
combinações possíveis são: Soprano e Contralto, Soprano e Tenor, Soprano e
Baixo, Contralto e Tenor, Contralto e Baixo, Tenor e Baixo.

Outra metodologia de treino de simultaneidade é cantar uma linha e


executar outra no instrumento. Você observará que este é um processo que exige
coordenação motora bem diferente de apenas executar as linhas no instrumento.
O último treino de simultaneidade que recomendamos precisa ser realizado no
piano ou teclado, pois exige que você use apenas uma das mãos para executar
uma linha melódica. Este treino consiste em tocar uma das linhas no piano, cantar
outra e reger com a mão que ficou livre. Faça este treino com o máximo possível
de combinações entre duas vozes. Caso queira, você pode também executar duas
linhas no instrumento e cantar uma terceira… o céu é o limite!

Todos estes treinos de simultaneidade podem parecer excessivos, mas


eles servem ao propósito de fortalecer sua cognição musical, resultando no
desenvolvimento de um ouvido interno mais bem preparado para reger a obra
musical em questão.

Durante todo o período de estudo do nosso exemplo, faça anotações de suas


dificuldades, em que momentos você precisou mais dedicação para solucionar.
É provável que as suas dificuldades também sejam as dificuldades que o grupo
terá. Estude como foi o seu processo de aprendizado e busque aprimorá-lo, se
você compreender maneiras de otimizar o seu estudo, diminuindo o tempo e as
repetições necessárias para apreender, isso ajudará a ensinar melhor.

Comentamos que a tomada de decisões é muito importante para o


desempenho da regência, para o estudo musical isto também é verdade. O
problema é que frequentemente estudantes de música e até músicos experientes

98
TRATO COM O REPERTÓRIO

fazem escolhas ineficientes em como conduzir o seu próprio estudo. É essencial a


compreensão de como funciona o nosso mecanismo de atenção e de construção
de habilidades novas para, de fato, escolher como ocupar nosso tempo de estudo
da melhor maneira possível.

Provavelmente, você já percebeu ao longo de sua trajetória que é mais fácil


“começar do zero” do que ter que corrigir vícios arraigados. Isto ocorre porque
o nosso cérebro, enquanto uma máquina de automatização, não sabe distinguir
a conduta desejada da indesejada, quem desempenha esta função é a atenção
consciente. Uma vez que certo hábito foi reforçado o suficiente é muito trabalhoso
reescrevê-lo do que estabelecer comportamento desejado na primeira vez.

Higuchi (2012) estudou, através de ressonância magnética funcional, os


padrões de ativação cerebral de pianistas com diferentes focos atencionais. Em
sua revisão de literatura, a autora evidencia estudos que indicam que nosso foco
atencional é muito limitado, tanto em termos de quantidade de informações e
tarefas que podemos lidar simultaneamente, quanto com relação ao tempo
que conseguimos manter o foco em uma determinada atividade. Portanto, é
importante que você saiba direcionar bem a sua atenção durante o estudo, para
otimizar o seu desempenho.

A nossa atenção consciente deve guiar a construção de automatismos que,


no momento da performance, tomam conta do controle da maioria das suas ações.
Entretanto, é muito comum que o estudante de música, por motivos diversos,
preste pouca atenção no seu estudo e, chegando o momento da performance, o
nervosismo e a situação de ameaça ativam a atenção e ele começa a perceber tudo
que está de errado com o seu piloto automático. Uma das maiores armadilhas que
acometem os músicos é a de tocar quando deveriam estudar e querer estudar na
hora que eram para tocar.

O seu cérebro vai memorizar tudo que você executar, independentemente


de estar certo ou errado, por isso evite repetir o erro! Mas como evitar o erro?
Impedir que erros de execução ocorram é impossível, mas você pode evitar treinar
o erro! Uma vez que você identificou que você está tropeçando em um trecho,
pare e pense! Tente exercitar lentamente a correção localizada do erro, evite
tocar tudo de novo. Se você começar novamente do início da música, sua atenção
consciente já vai ter se esgotado quando você chegar ao ponto problemático e há
grandes chances de repetir o erro. Se você tiver dificuldades de começar a tocar
mais perto do erro isto já é um grande indicativo de que seu piloto automático
está sendo mal construído, insista em conseguir tocar a obra a partir de inúmeras
partes diferentes do início. O treino lento ajuda a sua mente a processar todas as
informações diminuindo a chance do erro.

Além disso, busque abordar uma dificuldade de cada vez, resolvendo


um a um os seus problemas e depois tente executar a totalidade de um trecho,
verificando se foram solucionados. Se você ainda observar que está viciando
em um erro, volte a estudar o trecho localizado, alterne entre estudar o micro e

99
REGÊNCIA EM AÇÃO

o macro até solucionar definitivamente os problemas. Selecione trechos curtos


entre um e dois compassos para solucionar as dificuldades, evite trechos longos,
pois sua atenção vai dispersar. Saiba sempre por que você está repetindo o trecho
e que objetivos tem para esta repetição. Por exemplo, “estou repetindo para
solucionar a passagem desta para esta nota dentro desta escala com 20 notas”, ou
seja, você não precisa repetir as 20 notas da escala toda vez, já que o que você está
tendo dificuldades em apenas duas notas.

Busque aplicar estes princípios de estudos no nosso exemplo, bem como


no estudo do seu repertório individual. Os princípios que falamos aqui sobre
técnicas de estudo valem também para o aprendizado musical de seu grupo: ao
ensaiar o grupo, tome as decisões como se você estivesse estudando sozinho.

4.1.1 Planejamento da interpretação musical


Durante o estudo da obra, é importante já planejar todos os aspectos
de expressividade que você deseja incluir na sua interpretação, não deixe para
depois! Frequentemente, a partitura já traz o que o compositor, arranjador, ou
editor deseja que seja feito, o que você pode acatar ou não. Podemos dizer que,
hierarquicamente, as indicações de expressividade de editor podem ser alteradas
sem muito peso de consciência, as do arranjador, nem tanto, e tenha muito
cuidado em mudar indicações expressivas do compositor. No entanto, é possível
que a partitura que você tenha em mãos não possua tipo de indicação algum,
como acontece na Figura 8. Neste caso, você deverá fazer escolhas próprias para
o que fazer.

Com relação a este assunto, é muito importante a sua experiência como


instrumentista ou cantor, individual e coletivamente, executando repertórios
diversificados com diferentes estéticas. Esta prática ajudará você a desenvolver
a sensibilidade necessária para se tornar um regente que interprete música com
expressividade.

Na Figura 9, nós fizemos um exercício colocando algumas indicações


de expressividade musical na partitura do exemplo que estamos adotando.
Incluímos articulações e dinâmicas com o objetivo de exercitar em um único
exemplo diferentes habilidades de execução e de gestual de regência. Busque
executar as linhas o mais fiel possível às indicações dadas, mas, caso você queira,
mude as indicações para se adequar às suas ideias.

100
FIGURA 9 – BWV 253 COM INDICAÇÕES EXPRESSIVAS

101
FONTE: O autor (2021).
TRATO COM O REPERTÓRIO
REGÊNCIA EM AÇÃO

A partir deste treino espera-se que você consiga executar com fluência
todo detalhe da expressividade. É muito importante que você saiba demonstrar,
seja cantando ou no seu instrumento, o que você quer que os integrantes do grupo
façam. Dar o exemplo, mostrar o que quer é essencial para ser um bom regente.

Assim como mencionamos anteriormente, a partir do seu estudo da


expressividade você deverá começar a planejar como irá conduzir o grupo para
realizar a interpretação. Além disto, é importante o estudo da expressividade
a fim de que você prepare o seu gestual para comunicar além da marcação de
tempo, entradas e cortes.

4.2 PREPARO DO GESTUAL DE REGÊNCIA


Junto ao processo de estudo musical da obra que você vai reger, é
importante iniciar o planejamento e o treino do seu gestual. Já observe questões
importantes como a fórmula de compasso, mudanças de compasso, andamento,
entradas, fermatas, cortes, crescendos e diminuendos, articulações etc. A partir do
mapeamento das condições gerais da obra, você começa a exercitar o seu gesto.

Ainda utilizando o nosso exemplo do coral de Bach, podemos verificar que


a entrada ocorre no quarto tempo. Já nos compassos 2, 5 e 7, há fermatas seguidas
de reentradas no quarto tempo, enquanto no compasso 10, há uma fermata com
corte final. Estas situações foram trabalhadas nos exercícios que fizemos, mas
vamos retomar um pouco a descrição da sequência geral dos gestos.

Para dar a entrada para esta música faça o gesto preparatório no 3°


tempo para a entrada no 4° tempo, marque o primeiro compasso normalmente
e no segundo compasso sustente o gesto após marcar o tempo 3. Para dar a
reentrada, marque novamente o tempo 3 como gesto preparatório e a reentrada
será realizada no 4° tempo. Faça o mesmo nos compassos 5 e 7. No último
compasso sustente o som do coro após marcar o 1° tempo e faça o corte quando
você decidir que é melhor.

Ao treinar estes gestos de entrada, fermata, reentrada e corte, busque


cantar junto o que você percebe que o seu gesto está comunicando. Incorpore
a expressividade escrita na Figura 9 ao gesto. Caso você tenha algum colega a
sua disposição peça para ele cantar enquanto você rege para saber como outra
pessoa compreende (ou não) o seu gesto.

102
TRATO COM O REPERTÓRIO

4.2.1 Linha de regência


Durante a execução musical, nem sempre você comunicará para todo o
grupo, por vezes você quer dar entrada para um naipe em particular, ou corrigir
alguma coisa neste naipe. Esta alternância de atenção é muito importante e
precisa ser planejada, como quase tudo na regência. Este planejamento sobre o
que é mais importante reger em cada momento da música é o que chamamos de
linha de regência.

Desenhar uma linha de regência na partitura é uma técnica muito


importante para o aprendizado da regência. Com o tempo e com a prática isso vai
se tornando cada vez mais automático. Desse modo, você define antecipadamente
o que deverá ser comunicado prioritariamente pelo gesto de regência e deixa
isto registrado na partitura. Vamos fazer um exercício utilizando o exemplo que
temos adotado neste subtópico.

Existem diferentes critérios para se definir o que é prioritário, por exemplo,


se a obra for polifônica com cada naipe entrando em momentos diferentes as
entradas deverão receber destaque, agora se você tem uma melodia principal
em um naipe em particular com acompanhamento das outras vozes você poderá
destacar a importância da melodia dando mais de sua atenção para o naipe com
a melodia. O importante é você ter pensamento crítico para conseguir estabelecer
suas prioridades, de acordo com a obra e o grupo em questão.

Uma vez estabelecidas as prioridades, você precisa deixar claro para o


grupo com quem está se comunicando. Isto pode ser feito com contato visual,
girando o corpo para estar de frente para o naipe que você deseja se comunicar,
apontando uma de suas mãos para o naipe. Para exercitar o princípio, vamos
adotar o critério de dar atenção às entradas e às vozes que tem movimentação de
colcheia. Na Figura 10 temos círculos indicando o que o regente deve dar atenção
e linhas conectando os círculos para indicar o fluxo de troca de atenção do regente.

103
FIGURA 10 – LINHA DE REGÊNCIA

104
REGÊNCIA EM AÇÃO
FONTE: O autor (2021).
TRATO COM O REPERTÓRIO

Quando você estiver exercitando a linha de regência é importante criar


uma representação mental do posicionamento de cada naipe no espaço físico.
Por exemplo, o naipe de sopranos geralmente está à frente e à esquerda do coro,
então quando você estiver treinando o seu gesto, com a linha de regência, vire o
seu corpo ou olhe para o lugar onde você imagina que estaria o naipe. Você pode
também colocar objetos que representem cada um dos naipes, assim você olhará
para o cabideiro quando for dar entrada para os baixos e para o aspirador de pó
quando for a vez dos tenores.

Discutimos a importância da escolha criteriosa de repertório, bem como


identificamos as possibilidades de adequação de obras. Vimos algumas situações
de adaptação, bem como analisamos arranjos prontos para verificar as técnicas
utilizadas. Por fim, fizemos um apanhado geral de procedimentos sugeridos para
a preparação musical do regente, inclusive do gesto de regência.

Como você pode ter percebido, estamos apontando caminhos que


ajudarão em sua formação musical e didática. Por mais que estejamos abordando
os conteúdos a partir da perspectiva da regência, escolher, adaptar e arranjar
repertório, bem como preparar-se musicalmente para ensinar são questões que
permeiam a docência musical em todos os contextos possíveis.

105
RESUMO
Você aprendeu que:

• A escolha do repertório é parte fundamental da atuação do regente, que deve


considerar diversos critérios estéticos, contextuais e educacionais para tomar
esta decisão.

• A adequação de repertório pode ser feita motivada por necessidades técnicas,


estéticas ou educacionais.

• A distinção entre arranjo e adaptação é baseada na profundidade das alterações


feitas.

• O preparo musical e gestual do regente precisa de dedicação e planejamento,


sendo essenciais para um bom desempenho na regência.

• O preparo musical e gestual ocorre através de estudo sistematizado em


diferentes etapas, incluindo leitura da obra, execução instrumental e vocal das
linhas, treinos de simultaneidade de linhas, treino do gestual e planejamento
da linha de regência.

106
AUTOATIVIDADE

1 A escolha de repertório deve ser feita de forma criteriosa a fim de que se


possa alinhá-lo com as características e necessidades do grupo. De acordo
com os critérios para a escolha de repertório, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas.

( ) O contexto em que o grupo se insere (escola básica, igreja, projeto social)


deve ser levado em conta na hora de se avaliar o repertório a ser adotado.
( ) O gosto pessoal do regente é um dos critérios mais importantes para a
escolha de repertório.
( ) Apenas deve-se escolher repertório que já esteja arranjado para a formação
que você tem em mãos.
( ) É recomendado que se busque alinhar a escolha de repertório às
necessidades de desenvolvimento musical do grupo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) V – F – F – V.
d) ( ) F – V – F – F.

2 A adaptação e o arranjo de obras originais são uma necessidade cada


vez mais frequente para quem trabalha conduzindo grupos vocais ou
instrumentais. Com base na perspectiva de adequação de repertório, analise
as sentenças a seguir:

I- Adaptação difere de arranjo por implicar a manutenção da maioria da


obra original.
II- O desejo de se trabalhar conteúdos musicais específicos através do repertório
é uma das motivações que levam regentes a arranjar para o seu grupo.
III- Arranjos só devem ser feitos quando você estiver trabalhando com grupos
amadores, grupos profissionais executam obras originais somente.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

3 A preparação musical e gestual do regente precisa ser feita de forma


sistemática e dedicada, é muito importante o emprego de diferentes
estratégias de estudo. Com base nas técnicas de estudo para a preparação
do regente, analise as sentenças a seguir:

107
I- O processo de aprendizado de uma obra musical já começa na análise
preliminar feita para a escolha do repertório.
II- O treino de execução vocal/instrumental simultânea das linhas auxilia
no desenvolvimento cognitivo musical e aprofunda o domínio da obra
musical estudada.
III- A capacidade de identificar dificuldades, isolar trechos e resolver
problemas individualmente é indício de um estudo inteligente.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

4 O preparo musical de repertório novo é algo constante na vida do regente.


Neste tópico abordamos diferentes procedimentos para orientar este
processo. Para esta questão, primeiramente, escolha uma obra musical
de sua preferência, vocal e/ou instrumental, sendo que o único critério
estabelecido é que a obra precisa ter, pelo menos, três vozes diferentes.
Em seguida, estude a obra como se você a regesse, de acordo com os
procedimentos apresentados neste tópico. Discorra aqui sobre quais
procedimentos utilizou e reflita de forma crítica sobre a contribuição de cada
tipo de treinamento para a sua preparação, fale como foi a primeira leitura,
os treinos de execução simultânea de vozes, como planejou a interpretação
musical, entre outros, além de apontar dificuldades encontradas e as
soluções encontradas. Lembre-se de informar o nome da música adotada
e descrever brevemente algumas de suas características, como compositor,
instrumentação, número de compassos, link de gravação e/ou da partitura,
entre outras informações pertinentes.

5 A escolha e adaptação adequada de repertório às necessidades e capacidades


do grupo que o regente tem são primordiais para o sucesso da empreitada
educativo-musical. Considere que você rege um grupo de formação
instrumental de sua escolha, pertencente a uma associação musical do
bairro onde você mora, cujos participantes estão na faixa etária entre 25 e
49 anos de idade, alguns possuem alguma experiência prática com música,
mas a maioria ainda está começando a se familiarizar com o instrumento
e com a leitura musical, sendo que o gosto musical dos integrantes varia
entre a música clássica e pop e rock das décadas de 1980 e 1990. Defina
duas obras musicais para serem as primeiras que você trabalhará com o
grupo, evidenciando detalhes de qual compositor, arranjador (se tiver),
qual a instrumentação (informe detalhes da formação que você escolheu),
se possível, adicione links de uma gravação e da partitura. Justifique por
que as peças musicais escolhidas são adequadas para serem as primeiras a
serem trabalhadas neste grupo, reflita, detalhadamente, a respeito de quais
os motivos que conduziram você a escolher estas obras.

108
ENSAIO E PERFORMANCE

1 INTRODUÇÃO
Nós contemplaremos a conduta do regente durante ensaios e performances,
momentos em que, de fato, a atividade da regência acontece. Os assuntos que
abordaremos são complexos, no sentido de que contemplam muitas variáveis,
assim, organizaremos da melhor maneira possível as reflexões, mas sem se
comprometer em estabelecer uma linearidade de procedimentos e ações.

Gostaríamos que o acadêmico tenha sempre em mente que a prática reflexiva


conduz à competência. O desenvolvimento da competência na regência, como em
qualquer outra área de atuação, é um processo que precisa envolver honestidade
na autocrítica e comprometimento com a práxis da regência. O aprendiz de regência
se desenvolve em um ciclo contínuo de preparação (ou estudo), ação, reflexão,
preparação, ação, reflexão… A experiência adquirida em cada um destes processos
precisa, forçosamente, estimular a readequação dos outros.

NOTA

Práxis é um termo de origem grega que denota uma interdependência entre


teoria, prática e reflexão sobre a prática. É usada frequentemente para denotar uma característica
central da profissão docente, onde há uma interlocução entre conhecimentos teóricos, prática
docente e reflexão com base em acontecimentos da prática sob a luz da teoria.

Gostaríamos de concluir esta introdução com uma recomendação geral


de conduta de comunicação do regente, tanto em ensaios, como em performance.
Acostume-se a priorizar a sua comunicação para o grupo inteiro! Tudo que você
precisar dizer sobre assuntos que envolvam o grupo fale para todos durante
os ensaios!

109
REGÊNCIA EM AÇÃO

Caso haja uma pessoa com conduta inadequada, ou que não esteja
cumprindo suas funções, fale suas preocupações somente para a pessoa afetada e
para mais ninguém. Caso alguém venha falar mal de algum integrante para você,
evite estimular este comportamento. Evite comentar os problemas do grupo todo
para pessoas individualmente, isto pode alimentar o orgulho de quem se vê como
seu confidente, além de alimentar a fofoca no grupo.

Combata os efeitos nocivos da fofoca e da maledicência no seu grupo,


evitando ser você o centro de sua propagação. Isto é primordial para a manutenção
de um bom convívio entre os participantes da atividade, além de concorrer para o
sucesso das atividades musicais.

2 O ENSAIO
O ensaio é o momento em que a maioria das interações entre integrantes e
regente e as mais variadas atividades necessárias para a realização da performance
acontecem. Clemente (2014), em sua pesquisa sobre estratégias didáticas no
canto coral, dividiu o ensaio em seis momentos distintos: “atividades iniciais,
ensaio de música nova, ensaio de música conhecida, ensaio para apresentação,
organização do tempo e do espaço e utilização de recursos materiais”
(CLEMENTE, 2014, p. 17).

Ainda que a autora esteja se referindo especificamente ao ensaio coral,


as categorias por ela estabelecidas serão úteis para sistematizar o nosso estudo
de ensaio de forma geral. Destacamos que em nossa discussão sobre o ensaio
focaremos no perfil de grupos cujos participantes possuem nenhuma, pouca e
média experiência musical, pois acreditamos que neste perfil é que residem os
desafios mais pertinentes aos propósitos deste livro.

2.1 PLANEJAMENTO
O planejamento do ensaio consiste em você decidir o que será feito, em
que ordem e com quais estratégias, a fim de que os objetivos sejam alcançados. É
possível realizar diferentes tipos de planejamento para um grupo: o plano feito para
ensaios individuais, planos de médio prazo para conjuntos de ensaios e planos de
longo prazo que consistem em diretrizes gerais para o desenvolvimento musical
do grupo. Ao focalizar os detalhes do que será feito em cada um dos ensaios
podemos não perceber o objetivo que se almeja alcançar depois de vários ensaios.
Portanto, alterne sua percepção constantemente entre o microplanejamento e o
macroplanejamento.

110
ENSAIO E PERFORMANCE

Figueiredo (1990, p. 19) discute a importância de se perceber o ensaio coral


como espaço de educação musical, destacando a importância do planejamento
neste contexto:

O regente coral, como agente de um processo educacional, pode


desenvolver com maior eficácia os diversos aspectos envolvidos na
prática coral através de planejamento. É tarefa de todo educador
musical estabelecer estratégias que apresentem níveis progressivos
de dificuldade de maneira simples e atraente. As etapas a serem
desenvolvidas necessitam de organização, pois só assim promoverão
crescimento. Um problema apresentado de forma inadequada
ou no momento inoportuno pode significar frustração, provocar
desinteresse ou promover aprendizagem inconsistente. Os regentes,
de um modo geral, têm consciência de muitos aspectos que precisam
ser desenvolvidos na prática coral, mas comprometem o próprio
desenvolvimento do grupo pela falta de planejamento do trabalho.

Inicialmente, nós recomendamos que você escreva os seus planejamentos


detalhadamente, de modo que tenha uma guia que pode ser consultada durante
o ensaio, ajudando a organizar seus pensamentos e suas ações. Com o passar
do tempo e com a aquisição de mais experiência você pode começar a fazer
planos cada vez mais gerais, pois começará a automatizar muitas das etapas
intermediárias, mas nunca deixe de estabelecer objetivos, estratégias e formas de
avaliar os resultados.

Vamos falar um pouco do planejamento de ensaios individuais.


Primeiramente, adéque o seu plano ao tempo e quantidade de ensaios semanais
que você tem, por exemplo, o plano para um grupo que dispõe de um ensaio
semanal de uma hora será bem diferente do plano para um grupo com dois
ensaios semanais de duas horas. Portanto, preveja o tempo total que você
tem e quanto tempo as atividades planejadas ocupam. Este cuidado ajuda
a evitar a situação em que termina o tempo de ensaio sem fazer metade das
atividades planejadas.

Aproveitando a categorização de Clemente (2014), você deverá planejar


quais atividades iniciais irá conduzir. Estas atividades variam de acordo com que
formação se está trabalhando, em coros, por exemplo, são comuns atividades
de alongamento e relaxamento corporal, explicações e exercícios de técnica vocal e
aquecimento vocal. Já em orquestras e bandas ocorre a afinação dos instrumentos,
aquecimento dos instrumentos de sopro, treino de escalas e outros exercícios
técnicos para aprimorar afinação e sincronicidade de ataques.

111
REGÊNCIA EM AÇÃO

Em síntese, são treinos técnico-musicais que objetivam ativar as mentes


e os corpos dos participantes para o ensaio que se inicia, mas também devem
estar direcionados para o desenvolvimento geral do grupo, ou então destinados
para solucionar dificuldades específicas identificadas no repertório. Por exemplo,
uma obra coral possui um trecho com um melisma de oito semicolcheias que é
executado por todas as vozes, só que em momentos diferentes. A execução destas
notas está embolada com vários cantores desafinando as notas intermediárias
entre a primeira e a última. Esta é uma oportunidade para elaborar exercícios
nos quais a dificuldade seja trabalhada de forma lenta e sistemática, a fim de
melhorar o desempenho quando chegar a hora da execução.

Ao planejar o seu ensaio preveja quais atividades são mais importantes


para o desenvolvimento de longo prazo do seu grupo, sem deixar de levar em
conta o que precisa ser resolvido no curto prazo. Não utilize apenas exercícios
e atividades prontas, seja criativo e supra sua necessidade criando algo que seja
mais adequado ao grupo e ao repertório.

Como Clemente (2014) menciona, podemos dividir o estudo de repertório


em: estudo de peças novas, ensaio de peças conhecidas e ensaio para apresentação.
Coelho (2009) traz outra nomenclatura para realizar esta divisão: repertório novo,
refinamento de repertório e repertório assimilado. A razão por trás de se fazer
estas divisões é que são estudos com características diferentes!

Caso você esteja trabalhando com um grupo que não lê partitura, ou a


leitura musical dos integrantes é básica, você precisará passar boa parte do
ensaio ensinando oralmente as linhas, ou conduzindo uma leitura trôpega,
corrigindo constantemente os erros de leitura. Já o ensaio de músicas conhecidas,
ou refinamento de repertório, envolve a passagem mais fluente da obra inteira,
trabalhando trechos específicos e lapidando a interpretação musical. O ensaio
para apresentação, ou de repertório assimilado, consiste em executar todo o
repertório, com pouca ou nenhuma interrupção, a fim de que o grupo experiencie
o cansaço e desafios de concentração de fazer todas as obras em sequência.

Toda vez que se inicia um repertório novo, haverá a predominância do


estudo de músicas novas nos ensaios e aos poucos as músicas vão se tornando
conhecidas, havendo ensaios mistos entre músicas novas e conhecidas. Por
fim chega-se ao ponto de se ter apenas ensaio de músicas conhecidas e ensaio
para apresentação.

Vamos fazer agora um planejamento de médio prazo. Você selecionou


um repertório de quatro obras curtas para realizar com o seu grupo, todas são
peças novas para os integrantes, como organizar a abordagem ao longo dos
ensaios? Neste ponto é importante planejar quantos ensaios serão necessários
para levantar este repertório, para facilitar nossa explicação vamos estabelecer
que você decidiu que precisa de seis ensaios para possibilitar a apresentação.

112
ENSAIO E PERFORMANCE

Organizamos uma distribuição possível deste repertório ao longo dos


seis ensaios (Quadro 1). Introduzimos duas músicas novas para serem estudadas
no primeiro ensaio e no segundo ensaio será estudada mais uma música nova,
enquanto as duas que eram novas no ensaio anterior passam para o estudo de
música conhecida. Assim, no terceiro ensaio a última música nova será estudada,
enquanto as três primeiras são ensaiadas como músicas conhecidas, no quarto
ensaio todo o repertório é estudado ainda em detalhes, mas já são conhecidas.
Nos dois últimos ensaios os últimos ajustes são feitos e ocorre o ensaio para
apresentação, executando as quatro músicas em sequência e prevendo outros
aspectos da performance.

QUADRO 1 – ORGANIZAÇÃO DE REPERTÓRIO AO LONGO DE SEIS ENSAIOS

Ensaio Música Nova Música Conhecida Ensaio apresentação


1 2/4 0/4 Não
2 +1/4 2/4 Não
3 +1/4 3/4 Não
4 Não 4/4 Não
5 Não 4/4 Sim
6 Não 4/4 Sim

FONTE: O autor (2021)

Este é um plano geral para a distribuição de tarefas ao longo de um conjunto


de ensaios, desse modo, utilizamos números arbitrários para exemplificar.
Tenha sempre em mente que o equilíbrio entre o treino de trechos específicos e
a execução fluente precisa ser buscado constantemente, tanto no planejamento
como na condução do ensaio.

Ao planejar o estudo de uma obra nova é preciso que você leve em conta
alguns questionamentos para se preparar adequadamente. Vai entregar partitura
ou letra? Como será a fluência da leitura? Você vai propor uma leitura total
da música ou por partes? Quais trechos? Quais os principais desafios que você
prevê? Vai ensinar por imitação para o grupo? Qual é o tamanho dos trechos
que você vai exemplificar para imitarem? Como você vai comunicar correções?
Vai propor uma apreciação de uma gravação da obra? Vai deixar os integrantes
aprenderem sozinhos a música antes do ensaio? Poderíamos escrever muitas
outras decisões que precisam ser tomadas, mas o que é importante é que você
entenda o pensamento crítico que deve ser adotado.

Quando estiver planejando momentos de estudo de obras conhecidas,


serão outros critérios. Você pode fazer uma passagem do início ao fim para
identificar os trechos mais problemáticos, a partir daí você pode solucionar os
mais urgentes, depois fazendo mais uma passagem, indo e voltando entre o
passar a música inteira, ou trechos longos, e solucionar problemas pontuais. Estas
são todas questões que você deve refletir durante a etapa de planejamento.

113
REGÊNCIA EM AÇÃO

É importante durante a fase de planejamento que você preveja quais


recursos materiais você necessitará para a realização do ensaio, verificando se
você os terá à disposição no local de ensaio, ou se você precisará levar. Dentro
desta categoria, entram instrumentos musicais, equipamentos de som, cadeiras,
estantes de partitura, cópias da partitura ou de letra de música, entre outros.

Por fim, preveja tempo em seu planejamento para atividades


extramusicais, como um intervalo, um momento de interação, conversa sobre a
rifa para angariar fundos para o uniforme do grupo, para celebrar um aniversário
etc. Estes momentos são muito importantes para todos os tipos de grupos,
independentemente de instrumento ou de proficiência musical, pois ajudam na
construção de vínculos, que são essenciais para todas as atividades humanas,
além de proporcionar um momento de descanso e descontração.

Apesar de tudo que falamos sobre o planejamento, tenha sempre em


mente uma ideia que foi comunicada por diferentes líderes militares do século
XX, como Dwight Eisenhower: “planos são inúteis uma vez que a batalha começa,
mas planejar é indispensável”. Silva (2012, p. 83), em seu estudo sobre ensino e
aprendizagem musical em ambiente de orquestra, traz a seguinte reflexão:

Sendo assim, apesar do planejamento que já existia, o ensaio tinha uma


vida própria, porque demonstrava que não aconteciam apenas ações
previstas. Em certos instantes, eles deixavam de tocar uma determinada
parte de uma obra musical, e iniciavam um trabalho de pequenas partes
de uma frase, deixavam de lado a realização de toda a obra.

Uma vez que o ensaio começa, a nossa ação está sujeita a inúmeras outras
variáveis imprevisíveis, tornando praticamente impossível que o nosso plano se
aplique plenamente. Tentar seguir o plano que está se mostrando inadequado para
a realidade do ensaio é perigoso, contudo, um planejamento meticuloso ajuda-
nos a tomar as decisões necessárias em tempo real, mesmo que o plano em si já
não tenha mais valor. Ainda assim, com o tempo e experiência, você começará a
conseguir se planejar melhor para os imprevistos, ou seja, o seu planejamento já vai
levar em conta os imprevistos conhecidos por você.

2.2 CONDUÇÃO
Chegou o grande momento em que você vai ensaiar o grupo! Você chega
cedo ao local arruma o espaço físico, prepara sua partitura e seu super detalhado
plano de ensaio, que prevê finalmente resolver aquele problema no naipe de
violas da orquestra e aguarda a chegada das pessoas. E fecha o horário de início
do ensaio e nenhum, NENHUM dos violistas apareceu para o ensaio! E o seu
plano vai por água abaixo…

Como mencionamos anteriormente, um bom plano não garante sucesso,


pois situações imprevistas sempre se impõem, tenha em mente que os ensaios
sempre terão uma boa dose de imprevisto e improviso.

114
ENSAIO E PERFORMANCE

Vamos agora falar de um tópico bem prático: conversa e distração do


grupo durante o ensaio. Coelho (2009), ao investigar as técnicas de ensaio coral
empregadas por Carlos Alberto Pinto da Fonseca, aponta que seus entrevistados
descreviam a atitude do regente diante de conversa e distração:

Verona afirma: “E ele não começava enquanto não tivesse o silêncio e


a concentração”. Fernandes também indica que nem sempre o silêncio
era natural e perene. Às vezes era necessário solicitá‐lo, e, outras tantas
vezes, o Maestro Fonseca tinha de alterar a voz para chamar a atenção
do Coro – ou para lembrar que a regra é “Não admito conversa!”
(COELHO, 2009, p. 67).

Com o aumento do uso de recursos digitais e o ambiente de


hiperestimulação sensorial em que as novas gerações estão crescendo, é esperado
que a dificuldade de se concentrar em atividades artesanais e frustrantes como a
prática musical aumente. Mas, sempre há estratégias para lidar com esta situação.

Por exemplo, se deseja começar o ensaio, você pode pegar o seu


instrumento e tocar ou cantar uma nota repetidamente e ir andando na sala se
aproximando das pessoas, automaticamente a maioria começará a imitar o som
que você está propondo ou então parar de falar para ouvir, restará apenas um
ou outro sem noção que você pode pedir para silenciar. Você pode tocar uma
peça solo no seu instrumento e verificar se as pessoas param de conversar para
ouvir. Você também pode ter um jogo musical com percussão corporal que todos
saibam fazer, você puxa e o grupo vai seguindo pouco a pouco.

Uma estratégia não musical é se aproximar dos grupinhos de conversa


e se colocar como se estivesse ouvindo, na maioria das vezes eles silenciam e
ficam olhando para você. Existem muitas possibilidades, crie soluções e busque
utilizar estratégias variadas para que elas não fiquem velhas e percam o efeito.
Exercite sua criatividade e psicologia para evitar cair na mesmice do grito e do
chamar atenção (que eventualmente pode ser utilizado). Independentemente das
estratégias empregadas, estabeleça a regra que durante ensaio não se conversa,
nem se distrai, sem celular, buscando sempre fazer com que o grupo compreenda
o porquê concentração e silêncio são tão importantes para a qualidade do trabalho.

Outro ponto prático que você usará em todos os ensaios é dar comandos
verbais para o grupo. Estes comandos podem envolver o ponto onde se iniciará
a execução, lembretes sobre situações para se prestar atenção, informar sobre a
ideia interpretativa da obra, além de motivar o grupo. Os comandos devem ser os
mais breves e sintéticos possíveis. Lembra que comentamos sobre as limitações
de atenção da mente humana? Se você falar demais alguém vai começar a olhar
o celular e a analisar que tem uma mancha superinteressante na parede da
sala de ensaio.

Ao dar o ponto de entrada use referências que seguramente vão ser


compreendidas pelo grupo. Se você não está utilizando partitura use expressões
como: “do início”, “da entrada do instrumento/voz X”, “do momento que a letra fala
Y”; ou então simplesmente cante/toque o trecho que você deseja que seja executado.
115
REGÊNCIA EM AÇÃO

Caso os participantes estejam lendo a partitura prefira dar a numeração


precisa do compasso, ou algum ponto marcante, como letras de ensaio na
partitura, troca de fórmula de compasso, mudança de armadura de clave e, caso
todos estejam usando a mesma partitura, pode indicar informando a página e/ou
sistema. Preste muita atenção quando estiver regendo orquestra ou banda, pois os
instrumentistas frequentemente só têm as partes individuais e não a grade, o que
inutiliza completamente falar que vai pegar da entrada do oboé, pois ninguém, a
não ser você e os oboístas, sabem onde é para entrar.

Independentemente da forma como você passou o comando, faça isto de


forma rápida e, após todos compreenderem de onde se iniciará, levante os braços
e dê a entrada, sem demora. Sem você demorar um pouco, metade do grupo já
vai ter esquecido de onde é para pegar a música e você perderá tempo precioso
informando novamente. Seres humanos trocam de foco de atenção facilmente.

Quando você passar comandos para o grupo, evite justificar o porquê


de suas ações. A justificativa não vai ajudar o grupo a executar melhor e pode
atrapalhar a concentração dos integrantes com informações desnecessárias. O
que o grupo precisa saber é o porquê vamos repetir, “para corrigir a afinação no
compasso X” ou “melhorar o crescendo do compasso Y”.

Ao identificar que alguma coisa não saiu certo na execução, você


precisa diagnosticar com rapidez e de forma precisa o problema. Foi uma falha
generalizada do grupo, ou foi algum naipe em especial? Foi andamento, acelerou,
atrasou? Afinação de uma nota apenas ou de um trecho inteiro? Quanto mais
preciso você for no diagnóstico das falhas, mais eficaz será a correção que você
irá propor.

Além da identificação da falha, frequentemente você precisará conseguir


identificar o porquê de o erro estar ocorrendo, pois, os integrantes, com pouca
experiência, não necessariamente conseguirão fazer o processo de autorregulação.
Eles podem não perceber auditivamente o que você está apontando como
equívoco, aí precisará atuar para melhorar a escuta deles. Eles podem perceber
auditivamente, mas não identificar que ação eles estão fazendo para fazer o erro
e, por último, eles podem identificar o erro, saber o que estão fazendo errado, mas
não sabem como corrigir. Fique sempre muito atento, pois os integrantes não vão
saber te dizer onde está a dificuldade deles, você precisará identificar.

Portanto, é importante você estar disponível para auxiliar o seu grupo


nas necessidades de aprendizado de cada um, enquanto conduz a atividade
no grande grupo. Evite exasperação diante da repetição do erro por parte
dos integrantes, isto pode gerar um bloqueio emocional para o aprendizado.
Naturalmente, os regentes podem perder a paciência eventualmente, só não
faça disso um hábito, e, caso você tenha se alterado de forma injusta, busque
sempre reconhecer diante do grupo que você errou. Conduza respeitosamente
os integrantes ao aprendizado, evitando culpá-los pelas falhas de execução,
pois você é responsável por eles.

116
ENSAIO E PERFORMANCE

A atitude do regente diante de seu próprio erro ou de conflitos foi,


historicamente, de não assumir e nunca recuar, a fim de que a “aura mitológica”
do maestro não fosse maculada. Coelho (2009, p. 68) menciona brevemente esta
característica no comportamento de Carlos Alberto Pinto da Fonseca:

quando a divergência envolvia diretamente o Maestro, embora ele não


fosse inerte, ele procurava ignorar e dar prosseguimento ao trabalho
(Verona). Contrários a esta impressão, Antoniol & Silva dizem que o
Maestro Fonseca não recuava. Se o opositor não o fizesse, corria o risco
de ser convidado a se desligar do Coro. Se Antoniol & Silva estiverem
corretos, pode‐se inferir que tratava‐se de um recurso, um tipo de
defesa natural, para nunca colocar em risco o conceito da autoridade
do Maestro.

Nós já acreditamos que a humildade do regente se reconhecer humano


e falho aproxima-o de seus comandados e não cremos que isto diminua sua
autoridade, de fato pode até aumentar o valor que os integrantes atribuem à
competência do regente.

Sempre busque relacionar as dificuldades de execução do grupo com suas


próprias. Como você solucionaria a questão de forma inteligente no seu estudo
individual? Seja inteligente também na correção dos erros do grupo, evite repetir
até a exaustão esperando que dê certo, isto vai desmotivar e exaurir o grupo.
Corrija falhas cirurgicamente, evitando desgastar o grupo executando longos
trechos bons da música para corrigir um compasso, prefira também corrigir erros
apenas com os naipes envolvidos para você e os executantes se concentrarem
bem na correção. Caso a correção não esteja funcionando, saiba trocar de tarefa
antes da frustração e do cansaço acometerem o grupo, troque para outra tarefa e
volte depois para o trecho problemático.

Seja flexível na execução do seu planejamento, esteja atento o tempo


inteiro em como o grupo está reagindo às estratégias adotas. Se você planejou
passar trechos pequenos prevendo dificuldades e o grupo está entendendo muito
melhor que você previu, então acelere o passo e passe trechos maiores. Ou estão
tendo mais dificuldades e em pontos que você não tinha previsto, ajuste sua
estratégia em tempo real, sempre!

Algo muito importante na condução de ensaio é o estabelecimento de


acordo de comportamento, contratos sociais. Isto pode envolver chegada no horário,
conversa durante ensaio, estudo em casa, respeito aos colegas, os combinados são
essenciais para a disciplina do grupo. Busque estabelecer estes combinados de
forma dialogada com o grupo, pois isto aumenta a chance de eles serem cumpridos.
No entanto, evite excessos de combinados, bem como o estabelecimento de um
estado policial sobre o comportamento alheio, equilíbrio sempre.

117
REGÊNCIA EM AÇÃO

2.3 AVALIAÇÃO DE RESULTADOS


Após cada ensaio é muito importante que você reserve algum tempo
no mesmo dia para refletir sobre os acontecimentos. Quais dificuldades foram
resolvidas? Algo de novo aconteceu? O grupo saiu satisfeito ou frustrado do
ensaio? Você se sentiu satisfeito ou frustrado? Teve alguma situação de convívio
que gerou conflito? Você agiu de forma inadequada em algum momento? Como
foi o nível de concentração do grupo e como você pode ajudar a melhorá-la?
As estratégias foram equilibradas? Você conseguiu equilibrar bem momentos de
treino intensivo e de execução fluida?

Você tem percebido que ao longo deste livro há parágrafos preenchidos


com questionamentos? Desejamos com estes parágrafos que você se habitue
a questionar as suas ações e avaliar se elas foram as melhores possíveis, bem
como que você aprenda a fazer questionamentos mais pertinentes. Uma postura
vergonhosamente comum em professores de qualquer área, bem como regentes,
é atribuírem toda a culpa de algo não funcionar aos estudantes e liderados: “esses
alunos não estudam mesmo”, “os primeiros violinos estão sempre desatentos”;
ou então à instituição: “a prefeitura nunca compra os instrumentos”. Isto não
poderia ser mais cômodo, nesta percepção de mundo, o professor ou regente é
como um ser perfeito rodeado de seres incompetentes!

Sem dúvida seus liderados têm uma parcela de responsabilidade nos


acontecimentos, mas é sua a responsabilidade, enquanto líder e pessoa mais
experiente, de saber o que está acontecendo e fazer tudo que é possível ao seu
alcance para alterar a situação, nunca se acomodando no conforto de colocar a
culpa nos outros.

Preste muita atenção ao longo dos ensaios quais estratégias funcionam


melhor para o grupo em questão, pois diferentes pessoas reagem diferentemente
às estratégias. Por mais que você goste de determinadas estratégias, é preciso ter
honestidade em reconhecer que para alguns grupos elas não funcionam. Busque
modificar as estratégias, pense em novas.

Você pode eventualmente conduzir uma conversa coletiva com o grupo


onde você abre o espaço para os integrantes comentarem suas opiniões sobre
como os ensaios estão sendo conduzidos. Provavelmente, você vai ter os que
amam os ensaios de paixão e outros que odeiam estudar as músicas, queriam só
tocar do início ao fim sem se preocupar, enquanto alguns podem dar feedbacks
muito importantes para repensar a sua prática. Exercite a humildade de ouvir
seus alunos, eles podem não ter a sua experiência, mas podem ajudar você a
perceber coisas que não tinha cogitado antes.

118
ENSAIO E PERFORMANCE

3 A PERFORMANCE
A performance pública é o ponto culminante da atuação na regência, é
na apresentação musical que há o desfecho do processo construído até aquele
momento. Todavia, há muito trabalho ainda a ser feito no planejamento, condução
e avaliação das apresentações.

É importante destacar que a performance envolve outros processos além


da execução musical propriamente dita. Ela diz respeito à vestimenta adotada,
à distribuição dos executantes no espaço físico, à inclusão de intervenções
de outras linguagens, como dança ou artes visuais, decoração do ambiente, à
recepção dos ouvintes, à ação de um mestre de cerimônias, entre muitas outras
coisas. É possível que você tenha auxílio de uma pessoa ou equipe que faça a
produção do espetáculo, no entanto, frequentemente, o regente se vê encabeçando
a organização dos detalhes do evento.

Abordaremos algumas situações e decisões que comumente o regente


se depara ao encabeçar a organização e condução de apresentações musicais.
Mas, sempre que possível, delegue responsabilidades a integrantes do grupo na
preparação destes eventos, evitando concentrar tudo em suas mãos.

3.1 PLANEJAMENTO
Raramente temos profissionais ou equipes de apoio responsáveis pelo
planejamento e preparação da apresentação, portanto, é necessário que você
preste muita atenção em questões de organização para garantir que o evento
transcorra bem.

O primeiro ponto na preparação de uma apresentação naturalmente


é o repertório estar bem ensaiado! E este ponto é responsabilidade exclusiva
sua e de certa forma o planejamento da performance começa quando você
escolhe o repertório. Você tem confiança que o repertório vai estar pronto
na data da apresentação? Vai precisar marcar ensaios extras para dar conta?
Existe flexibilidade para alterar a data da apresentação? Busque se prevenir
de contratempos que possam atrasar o preparo do repertório, mas, ao mesmo
tempo, utilize a perspectiva da apresentação musical para motivar os integrantes
a se dedicarem mais para o preparo.

Se existe algo que integrantes de grupos musicais gostam é de aparecer!


Podem ficar nervosos, ansiosos, eufóricos, mas, apesar de tudo, para a maioria o
evento da apresentação é uma grande realização, provocando um sentimento de
reconhecimento e de que o esforço dá resultado. Utilize este fenômeno psicológico
para motivar o grupo a amadurecer o repertório.

119
REGÊNCIA EM AÇÃO

Durante os ensaios já preveja a ordem de execução das músicas. Você


pode adotar diferentes critérios para tomar esta decisão: 1) estéticos, utilizando o
caráter das obras para promover diferentes sensações na plateia; 2) técnicos, por
exemplo, colocar as obras que o grupo executa bem primeiro para não começar a
apresentação com o nervosismo e uma obra difícil ao mesmo tempo; 3) históricos,
seguindo algum tipo de linearidade ao longo dos períodos da história da música;
4) didáticos, caso você esteja fazendo um concerto didático e queira apresentar
elementos musicais em uma sequência; 5) algumas vezes, a ordem é algo pré-fixado
pela instituição que receberá a apresentação, por exemplo se você for fazer missas
católicas que possuem a liturgia bem estabelecida.

Em diversas situações, é bom haver um programa de concerto impresso


ou ainda projetado em telão, em cartaz ou banner de forma que os ouvintes
possam verificar os nomes das obras que estão sendo executadas, além de ficarem
com a referência de nome e compositor, se quiserem procurar para ouvir mais
tarde. Uma vez estabelecida a ordem e feito o programa, evite alterá-los no dia
da apresentação, pois pode causar confusão na plateia e executantes, se precisar
alterar providencie que isto seja comunicado verbalmente, por você ou pelo
mestre de cerimônia, de forma clara.

Outra preocupação que você deve ter é o local onde será a apresentação.
Você conhece o lugar? Tem fácil acesso? Os integrantes do grupo vão pegar trânsito
e se atrasar? Como é o palco ou espaço que você irá apresentar? Tem espaço para
o grupo inteiro no palco? Como é a acústica do local, muito reverberante, ou
muito seca? Tem vazamento de ruído externo? É UM GINÁSIO DE ESPORTES?

Caso você não conheça o ambiente onde será a apresentação,


recomendamos que você vá sozinho alguns dias antes para conhecer o espaço,
a fim de identificar problemas e pensar em soluções. Você precisa prever quanto
tempo será necessário para organizar o espaço e aparelhagem de som, com
quanto tempo de antecedência será necessário chegar no dia para preparar tudo
e passar som, pensando que o grupo precisará se habituar ao espaço acústico que
irão se apresentar.

É muito importante que você estabeleça regras claras para a conduta


no dia da apresentação, não importando a faixa etária e contexto do grupo. É
preciso estar bem decidido qual será a vestimenta para o dia e certificar que todos
poderão ir com a roupa combinada. Estabeleça horário de chegada, prevendo a
possibilidade de atrasos, mas também não insista que os integrantes cheguem cedo
demais causando cansaço e, possivelmente, evasão do local da apresentação. Você
não quer procurar o fulano faltando cinco minutos para começar o espetáculo, só
para descobrir que ele foi comprar bala no outro quarteirão!

Planeje como será utilizado o tempo antes da apresentação. Será feito


passagem de som? Ensaio propriamente dito? Terá aquecimento logo antes da
apresentação? Lembre-se de reservar um tempo para concentração, tanto sua
como do grupo.

120
ENSAIO E PERFORMANCE

3.2 CONDUÇÃO
Você chegou cedo e arrumou o espaço? Aqueceu o grupo? Fez aquela
passada no repertório? Checou se está tudo certo com aparelhagem de som e
espaço físico? Verifique pessoalmente as coisas para garantir que está tudo
certo! Estes momentos anteriores à apresentação são críticos, é muito importante
que você faça valer os acordos estabelecidos, principalmente se você estiver
trabalhando com jovens.

Agora, chegou o grande momento: a apresentação vai começar!


Recomendamos que minutos antes da entrada no palco, você fale com o grupo
inteiro desejando uma boa apresentação, transmitindo segurança aos integrantes.
Cada grupo vai estabelecendo frases de efeito e rituais que são proferidos nestes
momentos, isto tem muito valor para a constituição da identidade do grupo.

Existem inúmeras tradições de performance para variadas formações


instrumentais, envolvendo entrada em palco, aplauso, bis e agradecimento. A
ideia do concerto de música erudita traz uma série de protocolos, mais ou menos
rebuscados, dependendo do contexto, por exemplo se é um concerto de gala em
um grande teatro ou uma apresentação ao ar livre em um parque.

Não é nosso objetivo aqui fazer um tratado dos protocolos a serem


observados em uma sala de concerto. Mas de forma geral pode-se estabelecer
que a vestimenta é social para os músicos, mas pode ser casual para os ouvintes,
existe a veste tradicional que o regente usa que é o fraque. Em bandas é comum os
uniformes de estilo militar, tendo em vista as origens destas formações. Em coros
existem diferentes possibilidades de uniformização, mais recentemente, em coros
que trabalham com música popular está cada vez mais comum o uso de roupas
casuais uniformizadas para apresentações.

Com relação à entrada no palco, geralmente os músicos do conjunto


entram primeiro se acomodando em seus lugares e ajustando seus instrumentos
e partituras, frequentemente são aplaudidos neste momento. Aí, caso seja uma
orquestra, o spalla (primeiro violinista) se levanta e toca uma nota Lá continuamente
para os outros músicos afinarem seus instrumentos por esta referência. Depois
o spalla senta-se novamente e todos os músicos se levantam para a entrada do
regente, que geralmente faz um gesto de agradecimento aos aplausos, sobe em
um pódio (que facilita sua visualização pelos músicos), se vira para orquestra e se
prepara para dar a entrada. Caso seja um coro os cantores ficam em pé o tempo
inteiro, frequentemente sobre um tablado em degraus, sendo as filas de trás mais
altas, para facilitar a visualização do regente.

Quando se tem obras em mais de um movimento, a etiqueta diz que não


se deve aplaudir entre movimentos, mas é comum as pessoas da plateia não
saberem o que é uma obra em mais de um movimento e aplaudirem a cada vez
que o grupo pare de executar. Você pode optar por esclarecer esta questão para

121
REGÊNCIA EM AÇÃO

a plateia antes de começar a apresentação ou simplesmente dispensar a regra e


deixar o público aplaudir quando tiver vontade, você aguardando os aplausos
terminarem para recomeçar.

Ao final do concerto é comum que se acendam as luzes do palco, a


orquestra ou banda se levanta (coro já está de pé) e fazem um gesto cortês de
agradecimento, talvez dependendo o tipo de concerto você possa empregar
outras formas de agradecer à plateia. Nos últimos anos, alguns locais e regentes
têm buscado ressignificar ou até mesmo dispensar certos protocolos. Cabe a
você decidir.

Independentemente de quais rituais foram feitos até o momento que


se iniciará a música, agora é você, regente, diante de seu grupo, de costas para
a plateia e é momento de começar. Olhe para os seus comandados, mantenha
contato visual com alguns, mantenha a calma e transmita segurança e serenidade
para o grupo através de suas comunicações faciais e gestuais.

Se algo der muito errado no início de uma música do programa é melhor


que você interrompa a execução e inicie novamente com bastante calma. Se já
estiver passado muito tempo do início, tente identificar o que está causando o caos
e busque se comunicar com o grupo com o gesto para solucionar. Afinação caiu?
Estão correndo o andamento? Estão arrastando? Tem um naipe desencontrado?
Busque resolver no meio da obra, ou peça mais atenção e calma antes de iniciar a
próxima música do concerto.

Lembre-se de que após a performance é momento de comemorar e


celebrar. Se houve problemas e situações, reflita sobre o que aconteceu e fale com
o grupo inteiro no ensaio seguinte.

3.3 AVALIAÇÃO DE RESULTADOS


Acreditamos ser essencial para o desenvolvimento do grupo no longo
prazo a capacidade de refletir e avaliar suas performances. É igualmente importante
você enquanto regente ter esta capacidade e ajudar que seus liderados fiquem
cada vez mais conscientes de suas ações musicais e do processo como um todo.

O ensaio seguinte a uma apresentação é o melhor momento para fazer


esta reflexão, as emoções da performance já passaram, tanto de euforia quanto
de frustração, as memórias já se acomodaram. Comente sobre suas percepções
da performance, destaque o que fez você se sentir satisfeito com o grupo e o que
poderia melhorar, evidenciando o caminho a percorrer.

122
ENSAIO E PERFORMANCE

Ensine o seu grupo a diferenciar performance individual e coletiva, pois,


geralmente músicos menos experientes só conseguem avaliar (ou não) o seu
próprio desempenho, sem perceber como os outros foram. Às vezes, o integrante
ficou superfrustrado e com raiva porque a apresentação foi um desastre, só que
a maioria do grupo sentiu o oposto, ou seja, este integrante achou que o grupo
inteiro tinha ido mal com base na sua autopercepção (que não necessariamente
é precisa).

Conduza este momento de avaliação, contraponha as percepções que vão


aparecendo, se alguém falou algo que você não tinha percebido acolha a fala. No
final é sempre importante sintetizar em poucas palavras o que se aprendeu com
a performance e como poderiam melhorar para a próxima vez.

Nós estudamos alguns pontos importantes para o planejamento,


condução e avaliação de ensaios e performances. Destacamos a importância de se
alimentar o ciclo preparação, ação e reflexão para a construção de uma regência
cada vez mais competente. Lembre-se sempre de questionar internamente suas
próprias ações, ao mesmo tempo que mantém a segurança necessária para a
condução adequada do grupo.

123
RESUMO
Você aprendeu que:

• Zelar por uma comunicação precisa e clara em ensaios e performances é


primordial para o desempenho adequado da regência.

• O planejamento de um ensaio engloba diversas previsões de situações-problema


e decisões sobre como organizar o tempo e o espaço do ensaio, estabelecendo
estratégias que ajudem você e o grupo a alcançarem os objetivos.

• A condução de um ensaio com pessoas reais vai sempre desafiar o seu plano,
esteja aberto para aceitar a imprevisibilidade e ajustar o seu plano de acordo
com as necessidades reais do momento do ensaio.

• Refletir sobre a sua prática de regência na condução de ensaio é primordial


para planejar melhor seus ensaios e desenvolver recursos mais eficientes para
lidar com o grupo durante o ensaio.

• A preparação para a performance envolve inúmeros aspectos não musicais que


concorrem para que a realização musical ocorra, entre eles organização de
espaço físico e estabelecimento de regras e combinados.

• O momento da performance pode envolver protocolos de concerto ou não, mas


o mais importante é sua disponibilidade para o grupo, transferindo segurança
e calma.

• O hábito de realizar uma reflexão coletiva sobre a performance ajuda no


desenvolvimento de longo prazo do grupo.

124
AUTOATIVIDADE

1 O planejamento é parte essencial de todo o trabalho com regência, incluindo


ensaios e performances. De acordo com o planejamento do regente, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Planejar é muito importante, pois planos detalhados são garantia de


ensaios bem-sucedidos.
( ) O planejamento da performance começa quando o regente está escolhendo
o repertório a ser executado.
( ) O regente é responsável apenas da preparação musical de uma
apresentação.
( ) O plano de ensaio deve levar em consideração o tempo, estratégias e
atividades.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – V – V.
b) ( ) F – V – F – V.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) V – F – F – F.

2 A condução de ensaios e performances é dotada de imprevistos. Com base


nas atitudes esperadas de um regente nestas situações, analise as sentenças
a seguir:

I- O estabelecimento de regras de conduta é importante para o convívio em


ensaios e performances.
II- Nunca interrompa uma execução em meio de uma performance,
independentemente do que aconteça.
III- É importante o equilíbrio emocional do regente na condução de ensaios,
evitando desrespeitar os integrantes do grupo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A avaliação e reflexão são partes importantes da prática do regente, a fim de


que seus planos e ações futuras sejam beneficiados pelas suas experiências
e erros passados. De acordo com a prática reflexiva do regente, assinale a
alternativa CORRETA:

125
a) ( ) Assim que acabar a performance procure conversar com o grupo sobre
o que saiu de errado.
b) ( ) A reflexão com o grupo inteiro só é importante quando a apresentação
não foi boa.
c) ( ) O regente nunca deve perguntar para os integrantes qual avaliação que
eles fazem dos ensaios.
d) ( ) Os integrantes do grupo podem perceber coisas valiosas para o
crescimento do regente e do grupo.

4 A avaliação de ensaios e de performances é uma ação muito importante para


a continuidade e melhoria do trabalho do regente. Existem diversas formas
de se realizar este processo, podendo incluir a participação do grupo.
Disserte sobre procedimentos, critérios e questionamentos que devem
estar presentes no processo de avaliação de resultados na regência, tanto
de ensaios quanto de performance, bem como de que forma o regente deve
conduzir este processo.

126
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

1 INTRODUÇÃO
Nós almejamos evidenciar algumas das particularidades de se trabalhar
com regência instrumental e regência vocal. É fato que muito do que temos abor-
dado ao longo deste livro são princípios gerais que se aplicam a qualquer tipo
de formação musical, não obstante algumas particularidades precisam ser desta-
cadas. Trataremos um pouco sobre o histórico, contexto atual e particularidades
técnicas da regência de formações vocais e instrumentais.

Nem todos os regentes têm prática sólida para reger todos os tipos de
grupos, na verdade é comum que regentes acabem por se especializar em alguma
das formações tradicionais: orquestra, banda e coral. Ainda assim, é importante
que tenhamos algum conhecimento básico sobre a regência de formações que não
são nossa especialidade, pois isto sempre nos tornará regentes mais capacitados
e versáteis.

2 FORMAÇÕES VOCAIS
Optamos por adotar para este livro o termo formação vocal por entender
que existem diferentes práticas de canto coletivo que se autodenominam
diferentemente de canto coral. Sobre esta terminologia, a própria definição do
que é um coral, ou coro, é difusa. Lakschevitz (2009, p. 8) abordou no primeiro
capítulo de sua tese a problemática de se circunscrever o que é um coro: “O
que define um coro? Quais os seus componentes fundamentais? Que elementos
contribuem para que um grupo de pessoas seja chamado de ‘coro’ ou ‘coral’?”

O autor busca definições em dicionários de língua portuguesa e de música,


além de textos técnicos, discute a diferença entre coro profissional e amador, usa
regulamentos de concursos e outros para concluir que:

[…] as diferentes formas pelas quais a atividade coral é descrita, ao


invés de apontarem a direção para uma definição clara dos termos
investigados, colaboram para aumentar as variáveis envolvidas
nessa busca. Dentre as muitas e variadas definições de música coral
verificadas neste texto, apenas dois autores sugerem a compreensão
de tal atividade da forma mais abrangente possível. Harry Robert
Wilson (1959:1) considera que “quando um grupo de pessoas

127
REGÊNCIA EM AÇÃO

canta junto, simultaneamente, formal ou informalmente, isso é


música coral”. Somando às causas determinantes de tal critério a
gritante dificuldade de identificação de elementos que poderiam ser
considerados essenciais nessa atividade, Figueiredo (2006a:8) sugere:
“só não conheço um coro que não tenha cantores...” (LAKSCHEVITZ,
2009, p. 57-58).

No entanto, existem certos grupos, gêneros musicais e tipos de prática


vocal que vinculam a noção de coro a um tipo específico de sonoridade vocal,
ou então, a uma prática vinculada à música erudita de concerto. Desse modo,
surgiram diferentes nomenclaturas: grupo de canto, grupo vocal e até mesmo
estrangeirismos como vocal ensemble.

Para este livro, estas diferenciações não serão levadas em conta, portanto,
utilizaremos todos estes termos como sinônimos, sendo que regência coral e
regência vocal estão falando da mesma coisa, do mesmo modo que grupo vocal,
formação vocal, grupo de canto, coro ou coral.

2.1 HISTÓRICO E REPERTÓRIO


Ao partirmos da perspectiva da história da música europeia, a música
vocal é a que se tem registros mais extensos e antigos, pois foi a partir dos tratados
teóricos e do surgimento da notação musical na música católica medieval que se
pode hoje saber detalhes das práticas musicais deste período. Durante todo o
período medieval e renascentista, a música vocal foi a forma predominante de se
fazer música secular e sacra.

A marca da música vocal na história da música é notável, dando origem


à própria música instrumental na Europa, ao estilo contrapontístico e diversas
técnicas composicionais. Ainda hoje, ao estudarmos harmonia, exercitamos
encadeamentos com condução a quatro vozes, com regras calcadas na música
vocal. Dentro da música comercial do século XX e XXI observamos que a melodia
cantada é quase onipresente, frequentemente acompanhada de arranjos vocais.
A música vocal ainda predomina no teatro musical, trilhas sonoras de desenhos
animados e dentro da música religiosa de diversas denominações.

Falar de todo o repertório vocal de diferentes gêneros e culturas musicais


seria insano, mas é possível estabelecer alguns períodos bem distintos do
repertório vocal. O primeiro, abrangendo a Idade Média e o Renascimento, é
caracterizado pela primazia da música vocal sobre qualquer prática instrumental
na música europeia, frequentemente, as práticas instrumentais, neste período,
eram subordinadas à música vocal. É neste período que a notação musical como
conhecemos hoje desenvolveu boa parte dos seus recursos mais fundamentais,
período em que também percebemos a transformação da música monódica para
a música polifônica.

128
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

DICAS

A obra “Super Flumina Babylonis”, de Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594),


é um bom exemplo do estilo de composição vocal polifônica da Renascença.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=pbHz3-CNh6U&pbjreload=101&ab_channel=AAM
MS1967.

No período chamado de barroco, observa-se o começo da tradição de se


compor música instrumental, mas muito ainda vinculada à música vocal. É neste
período que se percebe o surgimento da ópera e dos oratórios, além de outros
tipos de obras para coro e orquestra, como cantatas, ainda se mantendo a tradição
de se compor exclusivamente para coro.

DICAS

Na obra “Sì ch'io Vorrei Morire”, de Claudio Monteverdi (1567-1643), percebemos


uma mudança de escrita musical que começa a apresentar seções homofônicas com
partes polifônicas, representando mudança na escrita vocal no início do período barroco.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=DVlU7iQfffE&ab_channel=pannonia77.

Já a obra “Aleluia”, de Georg Friedrich Händel (1685-1759), é representativa da


escrita para coro e orquestra do final do período barroco.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=IUZEtVbJT5c.

Durante o período clássico e romântico, houve a predileção por música


instrumental para orquestras sinfônicas, grupos de câmara, para piano e a música
vocal solo, como canções, se tornando proeminente. Neste período, a música coral
foi cada vez mais destinada principalmente para óperas e obras sacras, ainda que
obras escritas para coro nunca tenham parado de ser compostas.

129
REGÊNCIA EM AÇÃO

DICAS

A ária e coro “Libiamo, ne’ lieti calici” da ópera La Traviata, escrita por Giuseppe
Verdi (1813-1901), representa a escrita coral da ópera do século XIX.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=afhAqMeeQJk&ab_channel=MetropolitanOpera.

Durante o século XX, ocorreu um ressurgimento da obra coral dentro


das composições eruditas, mas, principalmente, com a diversificação de gêneros
musicais que integravam o arranjo vocal, incluindo o advento do teatro musical,
a própria música comercial, a popularização da prática de fazer arranjos corais
de inúmeros gêneros musicais. A própria linguagem composicional para coro
mudou muito no século XX, juntamente com todas as mudanças na música
em geral.

DICAS

A obra “Beba Coca Cola”, do brasileiríssimo Gilberto Mendes, representa uma


das vertentes composicionais da música coral do século XX.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=6DKRtGjIaD4&ab_channel=bercoesplendido.

A obra “The Seal Lullaby”, de Eric Whitacre (1970-), também representa a


composição coral contemporânea.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=fuLDD7O29T4&ab_channel=JFrue.

Ainda que a formação mais tradicional seja a de coro a quatro vozes, com
dois naipes femininos (soprano e contralto) e dois naipes masculinos (tenor e
baixo), formações vocais podem ser de diversos tipos de características. Existem
coros exclusivamente femininos ou exclusivamente masculinos, dependendo
das tradições de cada localidade ou dificuldade de se conseguir cantores do outro
sexo. Podem ocorrer também obras que pedem dois coros, ou seja, dois grupos
são posicionados em diferentes locais, sendo que cada coro tem partes escritas
especificamente.

130
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

Foi muito comum ao longo da história a constituição de coros de meninos


cantores, que remonta à época em que mulheres não podiam cantar na Igreja e as
vozes mais agudas eram executadas por meninos. Hoje existem coros de meninas
cantoras, bem como coros infantis mistos e coros de adolescentes, que sempre
trazem o desafio dos rapazes estarem durante o processo de mudança de voz.

Coros vocacionais de terceira idade se tornaram muito comuns no


período pós 2ª Guerra Mundial, principalmente pelo aumento da sobrevivência
após a aposentadoria e o aumento da expectativa e qualidade de vida das
pessoas. Hoje é frequente vermos pessoas com mais de 75 anos de idade serem
bastante ativas física e socialmente, participando semanalmente de atividades
fora de casa, como corais.

Uma jornada de pesquisa sobre grupos vocais no Youtube nos mostra


que não há mais limite para quais gêneros musicais envolvem grupos vocais,
nem para a diversidade de combinações possíveis de tipos de voz e quantidade
de integrantes.

DICAS

Há uma biblioteca virtual de obras corais chamada “Choral Public Domain


Library” com mais de 35 mil obras corais.

Link: https://www.cpdl.org/wiki/index.php/Main_Page/pt.

2.2 CARACTERÍSTICAS
Conforme mencionamos anteriormente, a formação mais comum de grupo
vocal é o coro tradicional com quatro naipes: soprano, contralto, tenor e baixo.
Destacamos que a nomenclatura dos naipes do coro são funções desempenhadas
na composição musical, não podendo ser confundidas com a classificação vocal.
Por exemplo, a raridade de se ter pessoas com voz verdadeiramente de contralto
e baixo faz com que estas funções geralmente sejam desempenhadas por cantores
de voz média, mezzosoprano e barítono, respectivamente, ou então, pode
acontecer de homens falsetistas cantarem as linhas de contralto.

Isto nos traz a uma particularidade do trabalho com coros, você precisará
fazer a classificação vocal de cada um dos integrantes, além de ser professor de
canto. Classificação vocal não é tarefa fácil de se fazer e é necessária muita prática
para começar a compreender os parâmetros e desenvolver a percepção auditiva

131
REGÊNCIA EM AÇÃO

para identificar os tipos de vozes. Não iremos entrar em detalhes em metodologia


de classificação vocal, apenas gostaríamos que você compreendesse o princípio
físico e acústico que causam a diferenças de tessitura e timbres na voz.

O princípio dos tipos diferentes de voz se dá pelo mesmo princípio pelo


qual instrumentos da mesma família, tem tessitura e timbres diferentes, por
exemplo violino, viola e violoncelo. O que percebemos nestes instrumentos,
além da variação do tamanho da caixa de ressonância (corpo do instrumento),
há a variação no comprimento e diâmetro das cordas. O mesmo ocorre com as
dimensões das pregas vocais e das estruturas ressonantes entre indivíduos.

O estudo de Ximenes Filho et al. (2003) mediu as dimensões das pregas


vocais de 24 pessoas (13 homens e 11 mulheres), encontrando que as pregas vocais
de homens são estatisticamente mais compridas e largas que as das mulheres e
que pessoas mais altas têm pregas mais compridas, mas sem alteração nas outras
dimensões. Com base nos achados no estudo podemos extrapolar que a variação
de tamanho dos corpos de diferentes indivíduos também se aplica às pregas
vocais, sendo que os homens tendem a ser maiores que mulheres.

Mas como saber que a variação de tessitura e timbre das vozes está
relacionada ao tamanho das estruturas anatômicas ajuda a classificar vozes?
Nenhum regente tem a capacidade de medir o tamanho de prega vocal dos seus
cantores, isso nem seria muito útil, pois a classificação vocal depende de outros
fatores. Portanto, é preciso fazer a classificação ouvindo as pessoas cantando e
falando, pois, a voz é um instrumento vivo, que pode ser influenciado por hábitos
e questões psicológicas que, muitas vezes, podem ocultar sua natureza orgânica.

Ao reger coros, o trabalho de técnica vocal é uma constante e não pode


estar, de forma alguma, restrito à seção de aquecimento vocal nos ensaios. Não
basta que você aponte os equívocos de execução, é preciso que você apresente
as soluções técnicas para as dificuldades do seu grupo. É necessário lembrar
constantemente dos fundamentos técnicos da voz, disciplinando o grupo a
respirar adequadamente, apoiando a voz, abrindo a boca, articulando o texto,
sustentando afinação e tudo mais que for necessário para garantir a execução.

Outra caraterística importante para o trabalho com coros é a disposição


no espaço físico. O canto é, provavelmente, o instrumento que mais depende
do retorno em tempo real para que se possa manter a afinação e sonoridade
adequada. Por exemplo, um cantor que não está conseguindo ouvir a si mesmo e
os colegas tenderá a aumentar a força da sua voz instintivamente, gerando uma
queda na qualidade sonora e na afinação, aumentando também o desgaste vocal.
Por este motivo, o posicionamento dos cantores no espaço é vital para que todos
do grupo consigam ouvir da melhor maneira possível.

A posição ideal para isto é um círculo fechado com o regente no centro,


permitindo que todo o som produzido pelo grupo seja concentrado no centro.
Isto possibilita ao regente e aos cantores uma melhor percepção do grupo (Figura

132
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

11). A posição em círculo traz o problema de o regente ficar de costas para metade
do grupo, dificultando a comunicação. Pode-se resolver isto fazendo um círculo
integrando o regente (Figura 11).

FIGURA 11 – POSICIONAMENTO CIRCULAR DO CORO

FONTE: Zander (2003, p. 182)

Aa duas opções apresentadas na Figura 11 são muito boas para ensaios


e para o desenvolvimento da percepção musical dos integrantes, entretanto, são
inadequadas para a apresentação musical no formato que temos hoje, com palco
com plateia, pois a projeção do som do coro ficaria direcionada para dentro do
grupo e não para o público. Por este motivo, as formações mais utilizadas em
coro, tanto para ensaios como para apresentações é o semicírculo (Figura 12).

FIGURA 12 – POSICIONAMENTO DO CORO EM SEMICÍRCULO

FONTE: Zander (2003, p. 183)

Com relação à separação dos naipes dentro do conjunto existem diferentes


possibilidades, sendo que apresentamos na Figura 13 as mais comuns para coros
a quatro vozes. Na primeira imagem da esquerda, as vozes agudas (Sopranos e
Tenores) ficam à esquerda do regente e as vozes graves (contraltos e baixos) à
direita. Na segunda e terceira imagem da Figura 13, os naipes são agrupados em
blocos, sendo cada bloco composto por duas ou três fileiras, e posicionados um
ao lado do outro na ordem S-A-T-B ou S-T-B-A. Destacamos que, dependendo do
repertório, podem ser utilizadas disposições diferentes das mencionadas aqui.

133
REGÊNCIA EM AÇÃO

FIGURA 13 – NAIPES DO CORO

FONTE: Zander (2003, p. 184)

É muito importante que, ao posicionar o seu grupo, você sempre fique


atento à capacidade dos integrantes de se escutarem. Também é pertinente você
organizar o grupo em filas com a ordem estabelecida antes de entrar para que a
entrada no palco seja de forma organizada.

2.2.1 Contexto social brasileiro


No Brasil existem pouquíssimos coros que oferecem remuneração, seja
cachê ou salário, aos seus cantores, alguns exemplos são o coro da Camerata
Antiqua de Curitiba, coro da OSESP e o Coro Lírico Municipal de São Paulo. No
entanto, existem alguns coros não remunerados com excelente qualidade técnico
musical como o coro Ars Nova, da UFMG, na regência de Carlos Alberto Pinto
da Fonseca.

A predominância dos grupos vocais no Brasil se dá por cantores amadores


e voluntários, ou seja, as pessoas se reúnem para cantar, sem experiência prévia ou
remuneração. Geralmente, os coros não exigem experiência musical prévia, mas
dependendo dos objetivos e do projeto em questão pode haver testes seletivos
para participar. O contexto geral de coros varia para cada região do país, sendo
que há estados com grande tradição coral e outros não.

Isto gera um contexto particular em que na maioria das vezes quem trabalha
com estes grupos precisa realizar um trabalho de educação musical de base, tanto
de técnica vocal, como de conhecimentos musicais. Não estamos falando aqui
de estudar teoria musical e sim de entender os elementos da música de forma
prática e aplicada ao repertório. Frequentemente, o regente é o único profissional
da música contratado para trabalhar com estes grupos, se responsabilizando pelo
desenvolvimento musical dos cantores de forma ampla.

134
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

2.2.2 Particularidades no gesto


A regência mais comum em grupos vocais é feita à mão livre. Geralmente,
coros não passam muito dos 40 integrantes e, quando passam, geralmente são
grupos montados especificamente para a realização de uma grande obra com
orquestra, como a 9ª Sinfonia de Ludwig van Beethoven (1770-1827) ou a 8ª
Sinfonia de Gustav Mahler (1860-1911). O número reduzido de cantores e o fato
de cantarem em pé e dispensarem o uso de estante, faz com que o grupo ocupe
um reduzido espaço físico, permitindo uma melhor visualização do regente,
facilitando a compreensão do gesto.

Outro motivo para a opção da regência sem batuta no canto coral é dado
por Zander (1979, p. 57), ao mencionar que a marcação de tempos não é apenas o
princípio da regência:

com a capacidade técnica é que começa a verdadeira arte, a arte


que consiste em expressar as nuances da língua em que se canta, da
palavra, e, enfim, conscientizar os elementos ligados à obra. Para poder
preencher estas condições expressivas do coro a cappella é preciso que
ambas as mãos estejam livres.

De fato, a voz possui particularidades de execução diferentes de outros


instrumentos. Primeiramente, o fluxo respiratório e a sustentação diafragmática
da expiração devem ser sempre considerados, pois o cansaço das musculaturas
envolvidas leva a uma queda na afinação e diminuição da projeção sonora. Em
segundo lugar, a musculatura laríngea tende a se cansar com facilidade em
cantores pouco experientes e com pouco condicionamento físico, conduzindo
novamente a uma queda na afinação e redução da qualidade sonora.

O cansaço físico imposto a cantores durante a execução faz com que seja
necessária uma resistência física e psicológica para a manutenção da qualidade
da execução, aí que entra o gesto do regente. Quanto mais iniciante for o coro,
mais o seu gesto vai ter que comunicar lembretes de técnica vocal durante a
execução, o que só funciona se já haver um trabalho vocal consistente ao longo
dos ensaios, onde o entendimento destes gestos vai sendo construído junto com
a técnica vocal do grupo.

Tendo em vista a natureza da produção sonora da voz, o gesto da regência


coral tende a ser mais legato que em outras formações, facilitando a sustentação
das notas de forma contínua. A respiração do regente junto com o grupo é muito
importante, tanto por motivos técnicos como por motivos expressivos. É importante
que suas entradas sejam acompanhadas de respirações perceptíveis (não ruidosas)
para o grupo, respirações expressivas também são bem-vindas na regência coral.

Frequentemente, os cantores de coro cantam praticamente de cor,


precisando muitas vezes apenas de um apoio para lembrar o texto. Esta
característica faz com que a cantores de coro passem mais tempo em média

135
REGÊNCIA EM AÇÃO

olhando para o regente que instrumentistas de bandas e orquestras, portanto


o contato visual entre regente e cantores é uma parte importante da própria
natureza da regência coral.

3 FORMAÇÕES INSTRUMENTAIS
É importante ter em mente que quando falamos de formações
instrumentais nos referimos a um universo maior de possibilidades do que
quando mencionarmos formações vocais. Temos dois grandes grupos de
formações instrumentais: orquestras e bandas. Orquestras se constituem a partir
de um núcleo de cordas friccionadas, enquanto bandas são construídas a partir
de instrumentos de metais e/ou percussão.

Além destes dois tipos tradicionais, podemos nos deparar com ou-
tros grupos menos frequentes como orquestra de violões, guitarras e outras
formações diversificadas. Entretanto, focaremos em orquestras e bandas, a
fim de evitar dispersar o assunto.

3.1 HISTÓRICO E REPERTÓRIO


O conceito da música instrumental como uma entidade própria separada
da música vocal começou a se formar no final do renascimento. Foi neste momento
que na música europeia instrumentos começaram a ser empregados mais
frequentemente para dobrar as linhas melódicas de obras vocais, geralmente para
reforçar a sonoridade de um dos naipes vocais ou para substituí-lo por completo.

Outra prática instrumental comum neste período era a redução de obras


vocais para serem tocados principalmente por instrumentos de cordas pinçadas,
como vihuela e alaúde. Estes instrumentos utilizavam uma forma de escrita
chamada tablatura, sendo que este foi o primeiro registro que se tem notícia de
uma “partitura”, em outras palavras, todas as partes escritas juntas na mesma
folha de papel.

No período barroco iniciou-se uma proliferação de obras compostas


exclusivamente para formações instrumentais. Surgiram diferentes gêneros
musicais como as tocatas, cantatas, danças e concertos, onde a música
instrumental começou a amadurecer uma linguagem própria. O período barroco
produziu inúmeras combinações instrumentais pouco usuais à nossa percepção
contemporânea, isto porque até aproximadamente metade do século XVII não
era comum a prática de especificar a instrumentação nas partituras. Sendo
que a escolha da instrumentação era feita com o que se tinha à disposição. A
instrumentação desejada começou a ser indicada precisamente pelo compositor a
partir do fim dos anos de 1600.

136
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

DICAS

Johann Sebastian Bach (1685-1750) compôs uma série de seis concertos que
representam muito bem a música instrumental do período Barroco. Ouça o Concerto de
Brandenburgo n° 5 no link: https://www.youtube.com/watch?v=_V7oujd9djk&ab_channel=
EuroArtsChannel.

No período clássico, os gêneros musicais instrumentais se tornaram o


centro das atenções na Europa. Com o Iluminismo trazendo a racionalidade como
um valor central para a sociedade europeia da época, foi iniciado um movimento
para purificar a “animalidade” das emoções. Assim, a música instrumental
começou a ser preferida talvez por causa da ideia de “música pura”, pois os sons
dos instrumentos musicais eram “livres” das paixões humanas.

Este período foi também marcado pela consolidação das cordas


friccionadas como centrais na música instrumental europeia se consolidando
inquestionavelmente como o núcleo formante das orquestras, bem como a
adição regular de naipes de madeiras (flauta transversal, oboé, clarinete e fagote)
nas orquestrações. O Classicismo criou dois gêneros musicais bem conhecidos
de música erudita: a sinfonia e a sonata. Enquanto a sonata era um gênero
musical direcionado quase que exclusivamente ao pianoforte, as sinfonias eram
composições pensadas para orquestras.

DICAS

Ouça a Sinfonia n° 40 de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) como


exemplo de orquestração deste período.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=jzUJWDU_1Rg&ab_channel=SinfonicadeGalicia.

No século XIX, período denominado Romantismo, as orquestras foram


crescendo em número de executantes e variedade de instrumentação. Foram
incorporados definitivamente à orquestração instrumentos de metais (trompete,
trombone, trompa e tuba) e instrumentos de percussão (bumbo, pratos e tímpanos).
O desejo por orquestrações mais e mais grandiosas foi uma característica marcante
do período, também reflexo do período de grande prosperidade econômica das
nações europeias, impulsionado por uma nova onda de colonialismo e pela
revolução industrial.

137
REGÊNCIA EM AÇÃO

DICAS

Ouça a Abertura 1812 de Piotr Ilitch Tchaikovski (1840-1893), o compositor


incluiu na orquestração canhões que deveriam ser disparados durante a música. A gravação
que forneceremos é um arranjo para banda sinfônica.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=0F5k70xwGSk&ab_channel=AMANOJun-ichilassiek.

O século XX foi crucial para a reformulação tanto de formações, quanto


de práticas musicais. Até o final do século XIX, a orquestra sinfônica era a única
formação instrumental para se fazer “música artística”, enquanto as bandas
existiam exclusivamente para suas finalidades militares, não sendo conhecidas
fora das forças armadas. Desse modo, as bandas começaram a ter repertório a ser
composto especificamente para suas formações no século XX. Isto faz com que
uma parte significativa do repertório executado sejam arranjos, tanto de obras
clássicas compostas para orquestra, quando de gêneros de música popular.

As mudanças políticas, econômicas, sociais causadas pelo rápido avanço


tecnológico e as duas grandes guerras do século XX levaram ao declínio das
potências europeias e à ascensão dos EUA ao patamar de superpotência global.
O advento da gravação do som, do cinema e do rádio capitaneou uma revolução
da forma como a música era produzida e consumida.

A música popular comercial surgiu e dominou em poucos anos o mercado


global de música. As orquestras agora tocavam não apenas em salas de concerto,
mas ao vivo em cinemas e estações de rádio, fazendo trilhas para desenhos
animados. Nos EUA surgiu a prática de se manter bandas de marcha em escolas
de educação básica, ajudando a popularizar a formação.

Hoje orquestras e bandas trabalham com repertório original para a


formação, mas também fazem arranjos de obras eruditas e populares, bem como
fazem parcerias com bandas de música comercial.

DICAS

Você sabia que há uma biblioteca virtual de partituras gratuitas para inúmeras
formações instrumentais chamada “International Music Score Library Project” ou IMSLP? O
site trabalha com partitura de domínio público, veja lá se tem algo que interessa.

Link: https://imslp.org/wiki/Main_Page.

138
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

3.2 CARACTERÍSTICAS
Para reger grupos instrumentais é preciso lidar com a compreensão dos
princípios técnicos e musicais de diferentes instrumentos, além de conhecer de
forma satisfatória o repertório de determinada formação. Por exemplo, se você
é um pianista que está regendo uma banda e deseja que o grupo execute um
trecho em dinâmica piano, você precisa saber que executar esta dinâmica em
instrumentos de metais é algo que exige muita técnica. Dependendo do nível
técnico do grupo, eles não podem dar a dinâmica que você está pedindo, o
mesmo vale, por exemplo ao se requerer um fortíssimo de um coro que não
tem experiência.

Esta particularidade envolve ter leitura fluente em diferentes claves,


saber lidar com partituras com maior número de sistemas, saber lidar com
instrumentos transpositores, entre outras habilidades. Isto se destaca da
regência vocal, na qual frequentemente o número máximo de partes são quatro,
duas com clave de sol, uma com clave de sol oitava abaixo e uma clave de
fá. O regente vocal não precisa ter conhecimento sobre tantos instrumentos,
mas ele precisa um conhecimento muito aprofundado sobre a técnica de um
instrumento em particular, a voz.

Com relação a quais instrumentos podem ser utilizados, a diversidade


pode ser grande, tanto em bandas, como em orquestras. Orquestras sempre
terão um núcleo de cordas com dois naipes de violinos, um de viola, um de
violoncelo e um de contrabaixo. A partir deste núcleo podem ser inseridos
um núcleo de madeiras, que pode ser bastante variável dependendo da obra,
mas que costuma incluir pelo menos um naipe de flautas transversais e um
de clarinetes, podendo ser incorporados oboé, corne inglês e fagote, algumas
obras podem exigir contrafagote, saxofone e flautim. Depois das madeiras vem
a família dos metais, podendo ser utilizados trompetes, trombones, trompas
e tubas. Por último, o núcleo de percussão, com tímpanos, bumbo, pratos,
marimba, triangulo, carrilhão e muito mais. Outros instrumentos que podem
compor uma orquestra são harpas e piano.

139
REGÊNCIA EM AÇÃO

FIGURA 14 – DISPOSIÇÃO DOS INSTRUMENTOS EM UMA ORQUESTRA SINFÔNICA

FONTE: <http://www.mnemocine.com.br/filipe/symphonic.htm>. Acesso em: 29 jan. 2021.

DICAS

Há um site chamado “Brincando de Orquestra”, onde você pode ir colocando


cada um dos naipes da orquestra para tocar sozinhos, podendo escolher qual toca junto
de qual. É muito bom para treinar a percepção dos instrumentos da orquestra. Link: http://
www.brincandodeorquestra.com.br/orquestra-cordas#.

Já quando o assunto é bandas não há padrões claros de formação


estabelecidos, existem inúmeros tipos de bandas e de nomenclaturas cujo
entendimento podem variar de lugar para lugar. Para fins didáticos vamos
estabelecer que existem duas grandes categorias de bandas com base na hierarquia e
predominância de instrumentação: as de percussão e as melódicas.

140
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

A Associação de Bandas e Fanfarras do Vale do Itajaí (ABAFAVI) faz uma


caracterização de formações de bandas no regulamento do XIV campeonato
estadual de bandas e fanfarras do estado de Santa Catarina (ABAFAVI, 2019).
No regulamento, em seu Artigo 11, parágrafo 1°, inciso I, a associação prevê as
seguintes categorias técnicas: “banda de percussão; banda de percussão marcial;
banda de percussão melódicas simples; banda de percussão sinfônica; fanfarra
simples; fanfarra c/ 1 pisto; banda marcial; banda musical de marcha; banda
musical de concerto; banda sinfônica” (ABAFAVI, 2019, p. 3). No artigo 13, o
regulamento define cada uma destas formações, traremos apenas a banda marcial
como exemplo:

VII – Banda marcial, contendo:


a) instrumentos melódicos: família dos trompetes, família dos
trombones, família das tubas e saxhorn, e instrumentos de sopro
das categorias anteriores sendo obrigatória a utilização de pelo
menos 02 (dois) representantes de duas famílias instrumentais;
b) Instrumentos de percussão: bombos, bombos sinfônicos, linha de
tambores, linha de pratos, linha de caixas, tenors, instrumentos
de percussão sem altura definida, tímpanos, marimbas, campanas
tubulares, Glokenspiel, família dos vibrafones, família dos
xilofones, liras, sendo obrigatória a utilização de pelo menos 04
(quatro) tipos destes instrumentos distintos;
c) Instrumentos facultativos: trompas (ABAFAVI, 2019, p. 5).

FIGURA 15 – BANDA MARCIAL – BANDA MUNICIPAL DE SCHROEDER – SC

FONTE: ABAFAVI (2019, s. p.)

As bandas também podem ser classificadas de acordo com a locomoção, as de


concerto e as de marcha. É possível que as bandas de marcha também façam algum
tipo de coreografia para complementar o espetáculo, principalmente as de percussão.

141
REGÊNCIA EM AÇÃO

FIGURA 16 – ITADRUMS – GRUPO DE PERCUSSÃO RUDIMENTAR, PERTENCENTE À BANDA


MUNICIPAL DE ITAPEMA

FONTE: ABAFAVI (2019, s.p.)

A disposição dos músicos em bandas em palco não é tão determinada


como em orquestras, mas existem alguns princípios. Por exemplo, em formato
de concerto, as percussões ficam atrás, enquanto em marcha separam-se os
instrumentos graves e agudos, podendo o regente optar por um ou outro para ficar
à frente. A Figura 17 apresenta algumas opções de disposição dos instrumentos
em bandas marciais.

FIGURA 17 – DISPOSIÇÃO DOS INSTRUMENTOS EM BANDAS

FONTE: Adaptada de Green (1997, p. 253-254)

142
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

3.2.1 Contexto social brasileiro


No contexto brasileiro atual podemos encontrar orquestras e bandas em
diferentes contextos. As orquestras são as formações que gozam de maior prestígio
na música de concerto europeia e, consequentemente, foram supervalorizadas
pelas elites políticas e econômicas do Brasil desde a colonização. Houve períodos
em que este prestígio na política brasileira, orquestras estatais foram instituídas,
mantidas principalmente por governos estaduais, municipais ou universidades.

Para entrar nestes grupos era necessário fazer concurso público e os


músicos ingressam na carreira pública do ente federativo que mantém a orquestra,
no entanto, há uma tendência nas últimas décadas destas orquestras não fazerem
mais concursos públicos para quadro efetivo, o que conduzirá a uma gradual
mudança entre servidores estatutários para músicos com contratos temporários.
Neste campo podemos trazer como exemplos a Orquestra Sinfônica do Estado
de São Paulo (OSESP), Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP), Orquestra Sinfônica
Brasileira (OSB), entre outras.

Com relação a bandas estatais, dado o histórico militar destas formações,


elas são vinculadas às forças armadas (marinha, exército e aeronáutica), ou então
à polícia militar ou corpo de bombeiros militar. Nestes casos, frequentemente, é
preciso ter participado do serviço militar obrigatório para homens, e ingressar
na carreira militar da corporação que se almeja através de concurso público,
tanto para homens como para mulheres. Tanto as bandas, como as orquestras
profissionais são muito poucas no Brasil, conduzindo a apenas um grupo seleto
de profissionais conseguirem trabalhar nestes locais.

Outro perfil de grupos instrumentais são os que sobrevivem com verbas


de projetos culturais governamentais de nível municipal, estadual e/ou federal,
além de receberem doações de pessoas físicas e jurídicas. Temos como exemplo
no estado de Santa Catarina a Orquestra Sinfônica de Santa Catarina (OSSCA),
que é uma organização sem fins lucrativos, que através de verbas governamentais
diretas, projetos culturais e doações consegue manter um corpo de instrumentistas
com cachês.

No entanto, é mais comum que grupos que dependem de projetos


de incentivo à cultura consigam apenas remunerar seus regentes e os custos
operacionais (quando conseguem). Frequentemente, estes grupos estão
vinculados a associações e fundações que mantêm também projetos de educação
musical. Temos como exemplo a Banda de Música de Santo Amaro da Imperatriz,
a Banda Municipal de Blumenau, conjuntamente o programa de bandas escolares
da Prefeitura Municipal de Blumenau.

Além dos mencionados anteriormente, bandas e orquestras podem


também ser mantidas por projetos sociais amplos. Nestes casos, o trabalho está
diretamente relacionado à educação musical em comunidades em situação de
vulnerabilidade social.

143
REGÊNCIA EM AÇÃO

Em qualquer um dos contextos mencionados neste subtópico, é possível


a existência de bandas ou orquestras escolares, onde além de tocar no conjunto os
participantes podem receber aulas do seu instrumento, leitura, teoria e percepção
musical. Estes projetos podem também estar inseridos em contextos do ensino
regular, com parcerias firmadas com secretarias de educação.

De qualquer maneira, esta breve contextualização nos serve para verificar


que o trabalho do regente com orquestras e bandas na maioria dos contextos é
eminentemente um trabalho de educação musical de base. Além de ser necessária
toda uma atuação na gestão humana e administrativa dos grupos.

3.2.2 Particularidades no gesto


O primeiro ponto a se considerar para perceber o gesto em grupos
instrumentais é o fator que, geralmente, estes grupos ocupam um espaço
significativo em comparação com coros, pois é necessário contabilizar espaço
para as cadeiras, estantes de partituras e para os próprios instrumentos, sendo
necessário um distanciamento mínimo entre os instrumentistas para evitar que
fiquem se batendo. Ou ainda em caso de bandas de marcha ao ar livre… enfim,
você entendeu a ideia.

Isto pode ocasionar que o regente fique bem distante da maioria dos
músicos do grupo, ou então que a visibilidade do gesto seja afetada. Neste
caso, torna-se pertinente o uso da batuta como um prolongamento do braço e
permitindo uma visualização mais clara da marcação dos tempos e entradas.

Além do uso da batuta, o regente deve levar em consideração as


características particulares de cada grupo. Por exemplo, uma banda de estudantes
que ainda está batalhando para tocar junto, mantendo o andamento, precisa que
o regente os auxilie com o seu gesto. Mencione para os integrantes que há muito
mais na interpretação musical do que tocar no tempo certo, mas naquele momento
faça um gesto que deixe muito claro os tempos, o andamento e as entradas, pois
são estas coisas que o grupo mais precisa.

Diferentemente de cantores de coros amadores, a maioria dos


instrumentistas tem algum tipo de leitura musical, isto também deve ser levado
em conta na hora de se comunicar gestualmente com o grupo.

Vimos o histórico, repertório e contextos de formações vocais e instru-


mentais. Mencionamos também algumas particularidades do gestual de regên-
cia, bem como as características de se trabalhar com bandas, orquestras e coros.

144
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

LEITURA COMPLEMENTAR

O REGENTE PROFESSOR: REFLEXÕES EM GRUPOS


AMADORES E ESTUDANTIS

Marcos Botelho

Reger uma banda, uma orquestra, um coral etc. de estudantes ou mesmo


amadores, requer do regente mais habilidades de professor do que de maestro.
Este cargo envolve mais questões do que somente a música propriamente dita,
envolve administração, liderança, organização, ensinar e transformação. Mas
não podemos deixar a música de lado. Reger é comunicação, passar a mensagem
com o corpo sem palavras. Entretanto, com grupos amadores e/ou de estudantes
esta comunicação é mais restrita. Nestes casos, os ensaios podem e devem ser
transformados em aulas. Devemos ressaltar que: “O ensino é sobre mudança, os
valores dedicados do professor baseiam-se na importância do assunto e seu valor
para a vida do aluno e da sociedade” (JOHNSON, 2002, p. 3).

Uma vez ouvi de um grande regente após um concurso de bandas


amadoras: “A música não tem culpa de ser tocada por profissionais ou amadores.
Ela deve ser bem tocada”. Pensando assim, acredito que estar à frente de grupos
amadores e/ou estudantis é muito mais difícil do que profissionais. Os desafios
são maiores, e confesso que para mim mais gratificantes.

Elliot (2005) afirma que a realização dos objetivos da educação musical


passa pelo desenvolvimento da capacidade de escuta, musicalidade,
composição e improvisação e acrescenta que tais capacidades são de
fundamental importância para o processo educacional musical. O autor
defende o ensino musical prático, em que ocorra uma visão mais ampla do
ensino do instrumento, mais reflexivo e aprofundado. A performance de obras
musicais envolve a compreensão de várias camadas de significados incluindo
vários tipos fazeres musicais.

A filosofia da educação musical prática recomenda que a realização


dos valores da música e do ensino da música devam enfatizar os aspectos
da interpretação. Acrescenta que a improvisação, condução, composição
e audição aguçada têm relação direta com a formação dos instrumentistas.
Ainda indica que o ensino musical deve abranger o maior número possível de
diversidade de fazeres musicais.

Millican (2013) afirma que para ser um professor de música instrumental


eficiente, o professor deve possuir conhecimento das habilidades motoras para
executar seus instrumentos de forma bastante abrangente, desta forma constroem
em seu próprio domínio o conteúdo relacionado à música e à habilidade de
performance. Os professores precisam ter uma imagem mental clara dos aspectos
visuais e auditivos do ato de tocar os instrumentos que estão ensinando e serem

145
REGÊNCIA EM AÇÃO

capazes de interagir com os alunos, assim como às visualizações e concepções


dos próprios alunos para alcançar tais objetivos. Johnson ainda complementa: “a
qualidade mais importante de qualquer bom professor deveria ser transmitir
conhecimento musical e acompanhar o progresso do estudante” (JOHNSON,
2002, p. 1).

Lehman et al. (2007) afirmam que alguns atributos dos professores


interferem na relação do processo cognitivo do aluno. A qualidade das observações
dos professores sobre a execução dos alunos faz com que aos poucos consigam
“internalizar o professor” e alcance metas e objetivos traçados. Instruções objetivas
fazem com que o aluno crie internamente imagens e metáforas próprias.

O aprendizado do estudante de música ocorre quando o professor


completa o ciclo de instrução, no qual consiste em 1 – o professor
apresentar uma tarefa de performance ao estudante, 2os estudantes
responderem por meio da implementação ou aplicação da instrução
e 3o professor realizar um feedback para a execução do estudante
(LEHMAN et al., 2007, p. 186).

Algumas decisões devem ser tomadas antes de se começar o trabalho,


se já tem o seu trabalho repense, avalie e reavalie suas posições constantemente,
não existe fórmula secreta, nem receita mágica, mas trabalho duro e profissional
preparado. Estas decisões devem ser continuamente reavaliadas e por vezes
alteradas. Estas possibilidades podem ser conjugadas.

QUAL O PRINCIPAL INTUITO DO MEU PROJETO?

• Integral: englobando todos os princípios que compreendam a formação dos


músicos, tanto nas dimensões profissionais, artísticas e humanas.
• Integrado (caso seja em uma escola): os trabalhos de todos os docentes
incidam na educação dos músicos, construindo um projeto integrado e
coordenado com as outras disciplinas.
• Motivador: que estimule e desperte o interesse pelo estudo, que potencie a
capacidade de criação, que se mostre aberto a novas tendências e metodologias.
• Profissional: voltado para a profissionalização dos alunos.

COMO SERÁ MINHA RELAÇÃO INSTITUCIONAL?

• Funcional: meu grupo existe para servi a instituição a qual é filiada, tem principal
função tocar nas atividades cotidianas, participar das solenidades etc.
• Pedagógica: meu grupo tem como principal função a formação musical.
Tanto o repertório quanto as apresentações estão vinculadas à um programa
pedagógico para o desenvolvimento de habilidades musicais.
• Entretenimento: o grupo é voltado para atividades de entretimento, tanto para
o público como para seus músicos.
• Social: o grupo é voltado para questões sociais, tirar pessoas de risco social,
inclusão social etc.

146
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS QUE DEVO ESTIMULAR EM MEU


GRUPO?

• Disciplina: o compromisso deve vir da organização, prazos, horários e


comprometimentos devem ser exemplos vindo de quem está no comando.
Estas qualidades devem ser estimuladas, são habilidades necessárias para toda
a vida.
• Organização: agenda de eventos, preparação de ensaio, previsão de
atividades etc. Devem fazer parte da rotina do grupo.
• Estímulo: criar o hábito pela busca da superação que permita aos músicos
sempre crescerem. Criar marcos e apontá-los ajuda. Mostre o que faziam antes
e como evoluíram.
• Respeito: respeitar um ao outro, demonstrando que todos são importantes
para o bom andamento do grupo. Respeito pela música, compositores etc.
Companheirismo: não estimular a competitividade entre os músicos. Mas
fazer com que um apoie o outro, mostrar ao mais jovem e inexperiente que
ele pode alcançar o mais avançado com esforço. Do mesmo modo, que o
mais avançado deve ajudar o mais jovem, pois já foi um dia um iniciante.
Criar este círculo virtuoso de apoio estimula o desenvolvimento e cria
laços importantes.

PLANEJAMENTO

Após observadas as questões anteriores devemos começar a organizar o


nosso trabalho. Este planejamento é fundamental para qualquer trabalho bem-
sucedido. Esta atividade passa desde a carga horária de aulas e ensaios até o
repertório a ser trabalhado.

Em relação ao tempo devemos ter em mente qual nosso objetivo,


logicamente que para profissionalizar se deve considerar mais tempo. Mais o
importante ter uma carga compatível com nossos objetivos. Logicamente que
encontros diários é a melhor escolha. Como sabemos o músico deve praticar todos
os dias o seu instrumento. Entretanto, nem sempre é possível, mas é necessário
criar-se subterfúgios para tal. Pode-se estimular ensaios de naipes espontâneos,
grupo de estudos (amigos se reúnem para estudar e/ou ensaiar o repertório) etc.
Enfim deve-se pensar de acordo com a especificidade de cada grupo.

França (2000) afirma que:

É essencial encontrarmos um equilíbrio entre o desenvolvimento da


compreensão musical e da técnica, pois somente quando um indivíduo
toca aquilo que pode realizar confortavelmente é que podemos avaliar
mais efetivamente a extensão de sua compreensão musical (FRANÇA,
2000, p. 59).

McGill (2007) ressalta que a simples repetição não é suficiente, tal atividade
deve ser envolvida em uma prática e preparação musical, acrescenta que em tal
atividade deva ser levado em conta o acréscimo de dificuldade paulatinamente.

147
REGÊNCIA EM AÇÃO

“Descartando a falsa barreira entre técnica e musicalidade permitirá falarmos de


música como algo com significado unificado e coerente” (MCGILL, 2007, p. 267).
Portanto, o conhecimento não é adquirido somente por mera repetição, ele deve ser
envolvido em um ambiente musical. É uma habilidade que é interiorizada sim com
o tempo e repetições, mas uma habilidade técnica desprovida de sua musicalidade
de nada serve para a construção de um músico de alta performance.

Santos & Hentschke acrescentam que a prática instrumental deve


privilegiar uma natureza racional e calculada das ações, contendo uma postura
intencional frente às situações de prática onde o foco de interesse é atingir o
domínio das condições de performance. Os autores afirmam que os processos
e crenças pessoais devem ser levados em conta no planejamento da prática para
estabelecer o que será feito. Aspectos situacionais, físicos, musicais e emocionais
devem ser englobados nos planejamentos das tarefas. Os autores acrescentam
que os programas motores se interconectam com habilidades especificamente
cognitivas automatizando, deste modo, todos os processos de execução.
Ressaltam que a combinação entre regularidade (quantidade de horas de prática)
e a qualidade das decisões tomadas (como metas, concentração, auto avaliação,
flexibilidade das estratégias, etc) são os fatores para sucesso na qualidade final de
performance (SANTOS & HENTSCHKE, 2009).

ENSAIOS

Os ensaios devem ser no mínimo semanais, não devem ter mais de 3 horas
de duração. Acredito que duas horas e meia são ideais, quando os alunos são muito
jovens este tempo tem que ser reduzido. É importante que os ensaios devam ser
planejados para serem eficazes. Não estamos lindando com profissionais, muitas
vezes os músicos estão ali por vontade própria, assim tornar o ensaio em um
ambiente prazeroso é essencial.

A importância de o aluno ter uma rotina diária (ou mesmo com poucas
folgas) de estudo é fundamental, pois:

Um número de estudos de treinamentos em situações reais compara


eficientemente práticas de 1 a 8 horas por dia. Os estudos mostram
essencialmente que não há benefício quando se excede 4 horas por
dia e que os benefícios reduzem com práticas superiores a 2 horas.
Alguns estudos utilizando-se práticas de digitação tem demonstrando
que o tempo de prática eficiente pode ser de uma hora por dia [...].
As conclusões destes estudos é que, de modo geral, as situações de
treinamento devem ser estendidas por longos períodos como semanas,
meses e anos (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-ROMER, 1993, p. 370).

Lehmannet et al. (2007) ainda nos lembram que a rotina de estudo deve
sempre buscar imitar situações reais de performance. A prática não só nos permite
executar uma determinada peça de música, mas também ajuda a estabelecer
representações cognitivas que suportam as habilidades musicais.

148
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

Em suma, a prática não só exige a repetição de coisas semelhantes, mas


exige também que dificuldade seja crescente um desafio a ser vencido, uma
meta a superar [...]. Prática também leva a uma faixa estreita e reprodutível da
performance (LEHMANN et al., 2007, p. 67-68).

Santos & Hentschke (2009) ainda nos alertam para a diferença entre
quantidade e qualidade de horas de estudos,

Argumentos sobre a quantidade de horas acumuladas na


prática referem-se a condições intrínsecas e fundamentais para
o instrumentista desenvolver, fortalecer e refinar as habilidades
fisiológicas no instrumento. Argumentos sobre qualidade de prática
refletem sobre condições procedimentais existentes na prática de
instrumentistas, sejam esses estudantes ou profissionais, ponderando
sobre quais condições favorecem um nível de excelência artística nas
situações de prática (SANTOS; HENTSCHKE, 2009, p. 75).

O aquecimento é uma atividade fundamental na prática de grupos


amadores e/ou de alunos. A realização de exercícios em conjunto tem a função de
preparar os músicos fisicamente para o ensaio, desenvolver a técnica individual,
aumentar a concertação e criar uma uniformidade no grupo. De modo geral, estes
exercícios são repetitivos e desestimulantes, devemos procurar estratégias para
torná-los mais atraentes. Recomendo que estas atividades não devam demorar
mais que 30 minutos.

O objetivo mais importante do aquecimento é formular e conectar


os conceitos musicais mais adequadas com respostas físicas mais
eficientes. A razão se tocar é fazer música e o processo de criação
musical deve começar logo no início de sua prática (JOHNSN,
2002, p. 45).

Ao iniciar o aquecimento os primeiros exercícios a serem realizados são


para a preparação física, alongamentos, exercícios respiratórios etc. Em seguida
exercícios de notas longas e escalas lentas, sempre com intuito de aquecer,
mas também de padronizar a afinação e o equilíbrio. Por fim, pode-se realizar
exercícios de técnica em conjunto, ou com alguns pontos que pretende melhorar
na prática da banda, como por exemplo, articulação. Lembre-se que estará
fazendo uma atividade coletiva, então procure que um aluno ajude o outro, e
sempre busque uniformidade na execução.

ESCOLHA DO REPERTÓRIO

O repertório deve ser funcional, ou seja, para cada finalidade do seu


grupo a escolha deva ser diferente. Embora não podemos esquecer que deva
ter uma base pedagógica e artística. Um repertório desmotivador irá afastar os
alunos, por outro lado se a execução e preparação traz prazer, estimula todos os
componentes.

149
REGÊNCIA EM AÇÃO

Repertório pedagógico: analise o nível técnico do seu grupo, planeje


atividades por um período específico (um semestre, um ano, um mês), estabeleça
metas a serem alcançadas (melhorar a afinação, a articulação, preparar-se para
um concurso etc). Com este planejamento pronto busque peças que auxilie a
alcançar as metas definidas. Por exemplo: se sua meta é melhorar a articulação,
peças sejam escritas mais em “blocos”, como quando o grupo todo faz o mesmo
ritmo, ou que uma melodia articulada é “imitado” e/ou repetido por vários naipes
no decorrer da obra.

Repertório artístico: faça um diagnóstico do seu grupo, quais são os


pontos fortes (qual naipe é melhor, qual instrumentista se destaca etc.), quais
as fraquezas (falta algum naipe, músicos muito iniciantes etc.). Uma pequena
pesquisa com os integrantes sobre o que gostariam de tocar também é muito útil.
Baseado destas análises escolha peças que se enquadre. Importante o repertório
ser variado constantemente, para manter o interesse nos ensaios. Pode haver um
rodízio, deixe de tocar uma peça por um tempo e retorne ela ao repertório após
um intervalo, por exemplo, no ano seguinte.

PREPARAÇÃO PARA O ENSAIO

O regente/professor deve se preparar para o ensaio como se fosse dar


uma aula. Deve estudar e conhecer profundamente as músicas. O mínimo que
se espera do profissional a frente de um grupo é que saiba o que está regendo.
Conhecer o autor, o estilo e gênero é OBRIGAÇÃO do regente. Ele deve
conduzir o ensaio, mas para isso deve se preparar. Sua função não é estar à
frente do grupo balançando os braços e dando ordem aleatoriamente. Lembre-
se seu papel também é de um professor, transforme seu ensaio em uma aula.
Por exemplo, se for tocar uma valsa, explique o que é, como é dançada, quais
os diferentes tipos etc. Na internet, facilmente se encontram quase todas estas
informações, se não encontrar busque com um colega. Não é vergonha não
saber sobre um assunto específico, vergonha é não querer aprender. Também
na internet encontramos gravações e exemplos de quase todo o repertório.
Existem gravações de excelente qualidade, de grupos que são referências. Se
não localizar exatamente a música que procura, busque por algo semelhante,
por exemplo se for tocar um maxixe e não localizar gravação da obra específica,
pesquise por maxixes. Veja as semelhanças com a peça que pretende tocar.

Faça uma análise da partitura antes da primeira leitura com a banda.


Entenda a forma da música, pontos de repouso, mudanças de andamento. Em
seguida, localize os pontos que possam trazer dificuldades no ensaio. Tente criar
estratégias para sanar os problemas antes do ensaio. O ensaio é para ensaiar,
não para o regente conhecer a música. A partitura é seu instrumento, se não for
capaz de lê-la e criar mentalmente como ela soa, toque partes separadas dos seus
instrumentos, ouça gravações com acompanhando com a partitura.

150
REGÊNCIA VOCAL E REGÊNCIA INSTRUMENTAL

PLANEJAMENTO DO ENSAIO

Devemos compreender dos tipos de planejamento: da preparação da peça


e do ensaio propriamente dito. Da preparação da peça, planeje quantos ensaios
serão necessários. Se possível já trace uma meta de execução da peça e deixe claro
para os músicos, por exemplo esta peça é para tocar na apresentação do dia tal.

O planejamento do ensaio propriamente dito é mais complexo. Deve-


se dividir o tempo bem, não necessariamente igualmente entre as músicas.
Algumas músicas são mais simples que outras, concentre-se nas mais
complexas. Se o problema se concentra em um naipe ou grupo específico,
nunca deixe o restante da banda por muito tempo sem fazer nada. Por exemplo,
pode-se pedir para o grupo que está sem atividade que bata palmas marcando
o tempo, ou mesmo pode-se dar um intervalo para este grupo específico, ou
mesmo deixar para o final do ensaio e dispensar uma parte da banda e ficar
trabalhando com um grupo específico.

Devemos ter em mente que a simples repetição não vai fazer com que os
alunos acertem os problemas. Algumas estratégias podem ser usadas em partes
específicas para sanar os problemas:

• Diminuir o andamento: a mais básica de todas, diminuir o andamento,


acertar lentamente e ir gradualmente aumentando a velocidade para chegar
ao andamento desejado.
• Cantar: pedir para que os alunos cantem ou solfejem o trecho com problema,
esta estratégia é muito útil quando o aluno tem dificuldade de ler algum ritmo
específico. Sem o instrumento ele se concentra somente o ritmo.
• Construir estruturalmente: dividir a estrutura da música (base, ostinati,
contracantos e melodia), ensaiar separadamente e depois ir agregando as partes
separadas. Importante sempre começar do mais simples ao mais complexo.
• Criar exercícios específicos para os trechos complicados: por exemplo, se for
ensaiar um maxixe e os alunos tiverem dificuldades em tocar os ritmos, faça
com que eles cantem antes as estruturas rítmicas das síncopes. Também pode
fazer com que cantem alguma música com os ritmos sincopados e depois
demonstre as semelhanças com a peça a ser ensaiada.

MATERIAL DE ENSINO COLETIVO

Existem vários métodos de ensino coletivo no mercado, podemos citar o


“Tocar Junto” do Marcelo Eterno, o “Da capo” do Joel Barbosa e o “Medalist Band
Method” de James Polyard. Todos estes livros podem ser de grande ajuda no nosso
trabalho diário. Entretanto, como o nome diz são “métodos”, devemos estudar e
compreender a metodologia por traz dos exercícios. Estes livros não são fórmulas
mágicas. Assim, eles são cadernos de exercícios, a maneira correta de aplicar estes
exercícios cabe ao professor estudar. Deste modo, deve-se estudar e compreender
a metodologia, a forma de utilização. Cada um destes métodos tem diferenças nas
formas de utilização.

151
REGÊNCIA EM AÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elliot nos mostra que: “musicalidade é o que os fazedores de música


fazem, com uma prática musical específica e relaciona com sons dentro de
um conhecimento musical de uma prática específica (ELLIOT, 1995, p. 55).
O mesmo autor, ainda afirma que o desenvolvimento do estudante só ocorre
em ambiente de práticas genuínas. A reflexão prática é fundamental para o
desenvolvimento da musicalidade porque o fazer musical existe a partir de
uma série de hábitos, sentimentos, rotinas etc. Desenvolver a musicalidade é,
em parte, criar uma conscientização de um fazer musical, incluir julgamentos
bem informados sobre a natureza do fazer e da obra musical em cada contexto
(ELLIOT, 1995).

Johnson (2002) ainda afirma que para ensinar música, antes de


qualquer coisa, deve-se ser um bom músico, a musicalidade pode-se
manifestar de várias formas. As mais óbvias como intérprete, maestro ou
compositor, mas ensinar a si próprio também pode e deve ser encarado como
uma forma de expressão musical. Executar boa música requer não somente
fazer sons com sentido artístico, mas também um sólido conhecimento de
estilos, teoria e história, tais questões requerem que o músico tenha uma
sofisticada audição.

Assim, reger um grupo de amadores ou estudantes não é uma atividade


fácil. Ter conhecimentos musicais e de educação musical são condições básicas
para esta função. Particularmente, considero a função de regente/ professor mais
difícil e mais complexa da de um regente somente. Embora ache que é muito
mais gratificante. O trabalho não começa e termina na hora do ensaio, como em
qualquer atividade musical a preparação e estudo são fundamentais. Do mesmo
modo que o músico deve estudar a sua parte antes do ensaio, o regente deve
estudar a partitura. A parte administrativa deve ser muito bem concebida e,
principalmente, organizada. Flexibilidade é outra importante qualidade deste
profissional, problemas vão existir sempre, a capacidade de adequação é essencial.
Em muitos casos, problemas pessoais de seus músicos podem e necessitam ser
levados em conta no planejamento. Lembre-se é um sacerdócio, muitas vezes
sem apoio, sem dinheiro, sem salário, sem quase tudo, mas o prazer de ver seus
músicos tocando bem, e em muitos casos, tendo a vida modificada é o melhor
pagamento de todos.

Resumindo: trabalho, estudo, planejamento, problemas e principalmente


SATISFAÇÃO são palavras que NUNCA estarão de fora de sua vida sendo um
regente-professor.

FONTE: BOTELHO, M. O regente professor: reflexões em grupos amadores e estudantis.


In: LANDI, M. S. N.; GONÇALVES, I. B. C. M. (Org.). A formação do regente: competências
formativas, possibilidades de ação e desafios profissionais. Fortaleza: EdUECE, 2019.
(Coleção IRIM; v. 1). Livro eletrônico. Disponível em: https://www.pesquisairim.com/2018-i-
simp%C3%B3sio. Acesso em: 10 maio 2021.

152
RESUMO
Você aprendeu que:

• Formações vocais e instrumentais possuem históricos, tradições e repertório


diferentes.

• Comumente regentes se especializam em uma das formações tradicionais:


banda, coro ou orquestra, sendo importante ter conhecimentos básicos de
como funciona cada uma das formações.

• Cada formação tem características que necessitam uma comunicação gestual


adequada, ainda que os padrões gerais sejam os mesmos.

• O contexto social brasileiro possui predominantemente grupos constituídos


por participantes voluntários, com pouca experiência musical prévia.

153
AUTOATIVIDADE

1 O trabalho com o canto coral é permeado de situações que não acontecem


com a regência de formações instrumentais. Sobre esse assunto, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A classificação vocal é baseada nas diferentes tessituras e timbres, causadas


por diferenças anatômicas entre indivíduos.
( ) A respiração do regente é muito importante para a condução de grupos vocais.
( ) A capacidade dos cantores se escutarem adequadamente não é importante
para a manutenção da afinação e sonoridade do coro.
( ) Os cantores do coro podem ser organizados de diferentes formas no
palco, mas deve-se buscar manter juntos cantores do mesmo naipe.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) F – V – F – F.

2 Cada formação musical possui uma construção ao longo do tempo, cujas


tradições podem variar de região para região do mundo. Com relação ao
histórico da música vocal e instrumental, analise as sentenças a seguir:

I- Bandas só começaram a existirem fora das forças armadas no século XX.


II- A orquestra sinfônica foi recebendo gradativamente novos naipes de
instrumentos ao longo de sua história.
III- Coro ou coral é a denominação utilizada para se referir a um grupo de
canto exclusivamente dentro da estética da música erudita de concerto.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Cada formação musical possui suas particularidades que precisam


ser conhecidas pelo regente. Com relação ao trabalho com formações
instrumentais, assinale a alternativa CORRETA.

154
a) ( ) Diferentemente das formações vocais, grupos instrumentais não
precisam se preocupar com afinação, pois os instrumentos já trazem as
notas prontas.
b) ( ) Os grupos instrumentais no Brasil frequentemente remuneram os seus
músicos e não apenas o regente.
c) ( ) Tradicionalmente não se usa batuta para a regência de orquestras.
d) ( ) A disposição dos instrumentos no espaço físico é bem estabelecida com
orquestras, enquanto para bandas o regente tem um pouco mais de
autonomia para decidir.

4 Ao contrário de instrumentos musicais que já vêm de fábrica com sua


classificação de tessitura estabelecida, a voz necessita ser classificada por um
profissional com certa experiência. Discorra a respeito das razões anatômicas
que permitem tão grande variedade de tessituras e de timbres vocais.

5 Dependendo do tipo de formação musical que se rege, podem ser


necessários ajustes com relação ao gesto de regência, inclusive com o uso ou
não da batuta. Disserte a respeito de algumas particularidades gestuais da
regência de bandas, coros e orquestras, considerando grupos de diferentes
níveis de capacidades musicais.

155
156
REFERÊNCIAS
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jun. 2003.

158
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo, você deverá ser capaz de:

• aproximar as áreas de regência e educação musical;

• identificar os conhecimentos pedagógicos pertinentes à regência;

• elaborar soluções para algumas situações-problema no ensino musical;

• conhecer particularidades de espaços formais e não formais de atuação;

• preparar-se para atuar como regente em diferentes contextos.

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

159
160
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Nós enfocaremos a interconexão entre as áreas de regência e educa-
ção musical. Vamos estudar em que consiste um preparo pedagógico para a
regência, falaremos sobre os contextos não formais e formais de atuação da
regência, respectivamente.

Para falar sobre preparo pedagógico para a regência é pertinente estudar


a formação docente. Como tudo que estamos abordando neste livro, formação
docente é um assunto bastante complexo, merecendo um estudo especial por si
só, o que não seremos capazes de fazer aqui. Independentemente, apresentaremos
uma introdução abordando algumas perspectivas teóricas sobre a formação
de professores, para situar você, acadêmico, no tocante quais conhecimentos
contribuem para o preparo pedagógico.

Refletiremos, também, com o reconhecimento do ensaio musical como


propiciador de processos de ensino e aprendizagem musical, essencial para
correlacionar a regência e educação musical. Posteriormente, discutiremos alguns
conhecimentos pertinentes à função do regente educador, envolvendo princípios
de psicologia, sociologia e neurociência. Em seguida, buscaremos definir didática
musical, apresentando diferentes perspectivas que podem ser adotadas no
ensino musical. Por fim, destacaremos por quais motivos a experiência prática
com o ensino musical, não somente com regência, é importante para o trabalho
do regente.

2 FORMAÇÃO DOCENTE
Ao se falar em preparo pedagógico, é pertinente mencionar que nem
sempre existiu a preocupação com a formação docente. Ao longo de boa parte da
história entendia-se que quem tivesse conhecimento sobre alguma área saberia,
automaticamente, ensiná-la. Ou ainda, alguns filósofos argumentavam que o
conhecimento de uma pessoa só amadurecia, verdadeiramente, quando ela o
ensinava, sem, no entanto, reconhecerem que havia conhecimentos particulares
ao próprio ato de ensinar. Na sociedade brasileira, estes entendimentos perduram
até hoje, frequentemente associados a um desmerecimento da profissão docente,
principalmente por não ser vista como uma profissão de “sucesso”, a não ser que
você seja professor universitário... de universidade pública... e olhe lá!

161
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

“Sucesso” é um conceito altamente relativo, sendo que seus significados


são estabelecidos culturalmente. A partir da música podemos refletir sobre uma
percepção cultural de sucesso que tem em seu centro um pensamento sintetizado
pela famosa frase “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Primeiramente,
gostaríamos de avisar que vamos nos referir ao entendimento que a pessoa
comum vai ter ao ler esta frase de forma descontextualizada, pois quando ela foi
empregada pelo dramaturgo irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), em sua
peça “Man and Superman”, ela se encontra em outro contexto, que não cabe a nós
aqui descrever, significando algo um pouco diferente.

No entendimento comum em nossa sociedade brasileira, o que significa


“sucesso” para um profissional da música? Frequentemente, ser um músico que
esteja na folha de pagamento da indústria musical, seja como artista solo ou de
grupos, ser famoso, gravar músicas originais, não importando se as composições
musicais são próprias, feitas por outrem, ou ainda criados por algoritmos
computacionais. Outra possibilidade de ser “bem-sucedido” com música é ser um
“maestro” de música clássica, ou um instrumentista de uma orquestra famosa,
ou compositor. O interessante deste último entendimento, é que muitos que
considerariam estas atuações como bem-sucedidas, nem ouvem música erudita.
De forma geral, o sucesso profissional com música está relacionado ao trabalho
com execução e composição musical, desde que estas funções permitam que o
músico se torne famoso, pois “Quem sabe faz”.

Frequentemente com a música há uma idolatria dos músicos autodidatas,


alimentada pelo culto ao gênio inato que nasceu com o “dom” da música.
Isto, juntamente com “quem não sabe, ensina”, coloca a profissão de professor
de música uma posição peculiar. Não é incomum um professor de música ser
questionado se “você sabe tocar mesmo, ou só dá aula?” Por este motivo, também
há certa rejeição à ideia de que regentes são educadores, pois isto diminuiria a
aura encantada e o sucesso dos maestros. Por mais que existam estes equívocos
no senso comum, no âmbito acadêmico, trabalhamos com a perspectiva de
valorização da docência enquanto uma profissão de alta complexidade.

Passaremos agora para como o regente educador musical é percebido


dentro da área de educação musical. Se, por um lado, temos uma literatura técnica
que enaltece processos de educação musical desempenhados por regentes, por
outro, é comum que especialistas em educação musical, por vezes, rejeitem a
figura do regente educador musical. Isto se dá, pois, frequentemente, regentes não
possuem formação pedagógica, fazendo com que seus métodos de ensino possam
estar arraigados nas estratégias de ensino através das quais eles aprenderam. Esta
crítica, realizada por alguns educadores musicais, tem uma razão de ser, pois
quem trabalha com regência, comumente teve sua formação em conservatórios
de música, em cursos de bacharelado em música, ou ainda “na vida”.

162
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

A formação pedagógica de bacharéis em música para ensinarem o seu


instrumento foi alvo de diferentes pesquisas. Com relação a este assunto, Louro
(2004, p. 117) assegura que “a presença ou não de disciplinas pedagógicas [em
cursos de bacharelado em música está relacionada à disciplina instrumento, na
medida em que, muitas vezes, ela é considerada a disciplina onde se aprende a
ensinar o instrumento por imitação da metodologia empregada pelo professor”.
Frequentemente, a disciplina será conduzida pelo próprio professor do
instrumento, que pode compreender que “a metodologia de ensino que a gente
vai passar é mais ou menos a que a gente recebeu” (LOURO, 2004, p. 116).

Assim, neste livro, estamos comprometidos com a concepção de que a


profissão docente é multidisciplinar, pois, além dos conhecimentos técnicos de
uma área, são necessários diferentes conhecimentos não vinculados diretamente
aos conteúdos que se ensina, para desempenhar adequadamente suas funções.
O reconhecimento da existência de conhecimentos específicos da docência, bem
como a busca pela identificação de quais são estes conhecimentos, foram o início
da própria caracterização de uma identidade profissional docente.

Uma das maiores contribuições do movimento pela profissionalização


do ensino, iniciado na década de 1980, foi o reconhecimento da
existência de saberes específicos que caracterizam a profissão docente,
saberes desenvolvidos pelos professores tanto no seu processo
de formação para o trabalho quanto no próprio cotidiano de suas
atividades como docentes (CARDOSO; DEL PINO; DORNELES,
2012, p. 1).

Todavia, organizar estes conhecimentos caracterizantes da docência


não é uma tarefa fácil. É improvável que qualquer teoria, por si só, consiga
proporcionar um entendimento amplo do universo da docência. Não objetivamos
realizar aqui uma discussão aprofundada e detalhada sobre o assunto, mas
podemos estimular você, acadêmico, a pensar a respeito da função docente
como um todo. Para tanto, apresentaremos, de forma sintética, a sistematização
dos saberes docentes de Maurice Tardif, como também as considerações trazidas
por Mizukami (2013) sobre formação docente.

Tardif (2002) elabora uma reflexão a respeito dos saberes envolvidos na


atividade docente e seu impacto na formação profissional. Cardoso, Del Pino e
Dorneles (2012) organizaram os saberes docentes propostos por Tardif conforme
mostra o Quadro 1.

163
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DOS SABERES DOCENTES

Saber Definição
Conjunto de saberes que, baseados nas ciências e na erudição, são transmitidos
Saberes da aos professores durante o processo de formação inicial e/ou continuada.
Formação Também se constituem o conjunto dos saberes da formação profissional os
Profissional conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino
(saber-fazer), legitimados cientificamente e igualmente transmitidos aos
professores ao longo do seu processo de formação.
São os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diferentes
campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências
Saberes
biológicas etc.). Esses saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo
Disciplinares
da história da humanidade, são administrados pela comunidade científica e o
acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais.
São conhecimentos relacionados à forma como as instituições educacionais
Saberes fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos e que devem
Curriculares ser transmitidos aos estudantes (saberes disciplinares). Apresentam-se,
concretamente, sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos,
métodos) que os professores devem aprender e aplicar.
São os saberes que resultam do próprio exercício da atividade profissional
dos professores. Esses saberes são produzidos pelos docentes por meio da
Saberes
vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações
Experienciais
estabelecidas com alunos e colegas de profissão. Nesse sentido, “incorporam-se
à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de
saber-fazer e de saber ser”.

FONTE: Cardoso, Del Pino e Dorneles (2012, p. 2-3)

Cabe destacar que os modelos que estamos apresentando aqui foram


elaborados com a realidade da escola regular de educação básica em mente,
bem como não almejam focalizar em nenhuma área específica do conhecimento,
tratando dos princípios gerais da docência. Deste modo, ao buscar aplicar os
modelos à realidade da função educativa na regência, com certeza adequações
deverão ser feitas, pois os autores aqui citados não estavam levando em conta
esta área específica em suas pesquisas.

Por exemplo, no Quadro 1, há menção dos saberes curriculares, que no


caso da regência não se aplicam diretamente como está ali descrito, a não ser
nos casos em que o grupo que você rege seja subordinado a alguma instituição
que possua um programa curricular. Entretanto, o regente terá que regularmente
pensar nos objetivos, conteúdos e métodos, elaborando pequenos “currículos”
para os grupos em que está trabalhando.

Sobre os saberes apresentados no Quadro 1, Cardoso, Del Pino e


Dorneles (2012, p. 3) destacam que “Tardif chama a atenção para a posição de
destaque ocupada pelos saberes experienciais em relação aos demais saberes dos
professores”, justamente por ser o único saber, de fato, construído pelo próprio
profissional, relacionando-se com sua própria prática. Todos os outros saberes
são construções históricas de diferentes pesquisadores, educadores e cientistas,
mas o saber experiencial foi desenvolvido pelo indivíduo e pertence a ele mesmo.

164
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

Uma crítica que comumente é feita à teoria dos saberes docentes de Tardif
(2002) é a natureza catalográfica da teoria, que busca contabilizar saberes, o que
muitas vezes, para o leitor desavisado, não evidencia a complexa mobilização de
inúmeros saberes simultaneamente diante de uma situação prática. Entretanto, o
próprio autor aborda esta situação ao afirmar que

o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação


com o trabalho deles na escola e na sala de aula […], embora os
professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em
função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos
ligados a esse trabalho (TARDIF, 2002, p. 7-8).

Em outras palavras, qualquer conhecimento ou habilidade só se


materializa enquanto competência se o profissional conseguir integrá-los em
função da situação de trabalho que está se apresentando.

Mizukami (2013, p. 24) escreve sobre a preparação profissional da docência


considerando “o ensino como uma profissão numa sociedade democrática, em
constante transformação”. Um dos pontos importantes trazidos pela autora é a
dimensão temporal da formação docente:

Os processos de aprender a ensinar, de aprender a ser professor e


de se desenvolver profissionalmente são lentos. Iniciam-se antes
do espaço formativo dos cursos de licenciatura e prolongam-se por
toda a vida, alimentados e transformados por diferentes experiências
profissionais e de vida (MIZUKAMI, 2013, p. 23).

Com base em sua reflexão teórica, a autora estabelece três pontos principais
para a formação de professores: conhecimento sobre os alunos e seus contextos,
conhecimento da matéria e do currículo e conhecimento sobre o ensino de maneira
geral (MIZUKAMI, 2013). A Figura 1 sintetiza o entendimento da autora.

165
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

FIGURA 1 – SÍNTESE DA PREPARAÇÃO DE PROFESSORES

Preparando professores para


um mundo em mudança

O Ensino como Profissão

Conhecimento
da matéria e dos
Conhecimento dos alunos objetivos curriculares
e de seu desenvolvimento
em contextos sociais • metas educacionais e
propósitos em relação a
• aprendizagem habilidades, conteúdos
• desenvolvimento humano e matéria
• linguagem
Uma visão de
prática
profissional

Conhecimento do ensino

• ensino da matéria
• ensino para estudantes diversos
• avaliação
• manejo de classe

Aprendizagem em uma democracia

FONTE: Mizukami (2013, p. 25)

Pode-se entender que, para a autora, o mundo em constante mudança e a


aprendizagem em uma democracia são aspectos que afetam todos os processos da
formação docente, isto pode ser verificado na Figura 1, onde estes conceitos estão
contemplados no círculo maior que engloba todos os outros. Outra característica
da referida imagem se dá nas intersecções dos círculos internos, onde se encontra
uma “visão de prática profissional”, ou seja, é um entendimento de que a profissão
docente inclui simultaneamente as dimensões contidas nos três círculos.

Novamente, nós precisamos fazer o esforço de adaptar o modelo à realidade


educacional que temos na regência de grupos. Não há dúvidas que conhecimento
dos conteúdos e habilidades musicais são indispensáveis, como falamos bastante,
do mesmo modo que é importante também saber estabelecer metas educacionais,
manejar grupos, entre outros.
166
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

Já o círculo que abrange do “conhecimento dos alunos” contribui para


que você possa diagnosticar situações que possam afetar a compreensão e
aprendizagem de habilidades e conhecimentos musicais. Talvez o benefício
mais evidente ao se exercitar o saber sobre o mundo dos alunos, ouvindo-os, é
a possibilidade de você falar a linguagem deles, fazendo paralelos entre o que
você está ensinando ao que eles vivem, além de auxiliar você a identificar quais
processos didáticos são mais eficazes.

Nós estabelecemos algumas reflexões e referências sobre a formação


docente, continuaremos nos referindo a estas sistematizações enquanto falamos
de outros assuntos. As teorias aqui apresentadas podem ser contestadas, outras
podem ser estabelecidas, mas o que desejamos que você guarde é que a profissão
professor é complexa, multidisciplinar, e o seu exercício engloba uma mobilização
coordenada de conhecimentos e habilidades em uma situação real de trabalho em
busca da solução de situações de ensino e de aprendizagem.

3 O ENSAIO COMO MOMENTO DE EDUCAÇÃO


MUSICAL
Para se estabelecer o perfil do regente educador é premente que se
constitua o seu espaço de trabalho como um ambiente educacional. Ou seja,
se não reconhecermos o ensaio e a performance como espaços de educação
musical, de que forma poderemos considerar o regente um educador? Isto se
torna pertinente, pois todo o desenvolvimento profissional do regente enquanto
educador musical será mais frutífero se ele puder identificar a regência de fato
como atividade educativa e direcionar seus esforços também para este setor, além
do técnico-musical.

Se um regente entende a sua atuação exclusivamente sob o ponto de vista


da interpretação musical e da técnica de regência, dependendo do contexto, sua
atuação pode ficar limitada e não conseguir construir a performance que ele almeja.
Pois, para solucionar os problemas na construção da performance é necessário
diagnosticá-los de forma adequada, de modo que, se acharmos que uma técnica
gestual elaborada e uma concepção musical primorosa são suficientes para
reger um grupo, podemos não perceber muitos problemas que inviabilizarão
nossa atuação. Podemos estabelecer uma analogia com a medicina, é preciso um
diagnóstico certeiro, levando em conta muitas variáveis, para que um médico
possa prescrever o tratamento adequado.

A autopercepção do regente como um educador musical contribui para


que ele possa considerar muitas outras questões que um regente puramente
intérprete não vai nem saber que existem. Por exemplo, um regente intérprete vai
saber identificar erros de execução e vai corrigi-los explicando e/ou demonstrar

167
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

a diferença entre o certo e o errado, seja descrevendo ou demonstrando, já um


regente educador vai saber o porquê de o erro ter ocorrido, qual processo cognitivo
se passou com o instrumentista para que ele executasse equivocadamente.

Esta diferença entre as autopercepções profissionais também guiam todas


as preocupações do regente, bem como sua identidade profissional. O regente
intérprete se satisfaz quando a execução foi corrigida e está de acordo com o seu
plano interpretativo, o regente educador continuará refletindo para identificar
as causas do problema e de que forma ele pode melhorar a sua atuação para
se antecipar ao erro, educando o seu grupo antecipadamente ao surgimento do
problema. Por este motivo, é muito importante a postura reflexiva do regente em
busca da melhoria de sua atuação.

Esta comparação que estamos fazendo aqui é dicotômica, sendo difícil


que as pessoas no mundo real se comportem de modos tão rígidos como estamos
descrevendo. O que desejamos que você assimile é que sua forma de conceber
a sua atuação vai moldar o que você detecta como sendo situação problema.
Sempre lembrando que o regente que estamos construindo ao longo deste livro
ele é multifacetado, ele é educador musical, mas ele é intérprete também, ele é
gestor humano etc.

NOTA

Dicotomia é a separação de algo em duas partes com características


antagônicas. Alguns exemplos clássicos são: amor e ódio, corpo e alma.

A área da regência no Brasil que já construiu uma tradição em pesquisar


aspectos de educação musical é a regência coral. Você pode fazer um teste simples,
pesquise no Google os termos “coral e educação musical”; “orquestra e educação
musical”; e “bandas e fanfarras e educação musical”. Você verá um número maior
de resultados de artigos, teses e dissertações em canto coral sob uma perspectiva
de educação musical do que nas outras duas. Isto não quer dizer que não existam
trabalhos de educação musical em orquestras e bandas, apenas menos pessoas
fazem pesquisas nestes grupos, quando comparados com canto coral.

O momento em que os processos de educação musical ocorrem é


primariamente o ensaio, sendo que a apresentação musical, por ser menos
frequente, adota um aspecto secundário nesta perspectiva.

168
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

Ainda que reconheçamos os ensaios de coros, bandas e orquestras como


espaços de educação musical, é preciso ponderar que tipo de educação musical
se faz nestes ambientes. Há muitas décadas, autores na área de educação musical
têm questionado modelos pedagógicos que focam quase que exclusivamente
a execução musical, selecionando conteúdos e atividades que corroborem
diretamente para a sua realização. Estas propostas desistem de abordar outras
perspectivas da prática musical, como a composição e a apreciação, além de não
buscarem desenvolver um senso crítico com relação à música e cultura humana.
França e Swanwick (2002, p. 8) argumentam:

Composição, apreciação e performance são os processos fundamentais


da música enquanto fenômeno e experiência, aqueles que exprimem
sua natureza, relevância e significado. Esses constituem as
possibilidades fundamentais de envolvimento direto com a música,
as modalidades básicas de comportamento musical. Cada uma delas
envolve diferentes procedimentos e produtos, conduzindo a insights
particulares em relação ao funcionamento das ideias musicais. A
abordagem integrada dessas modalidades representa hoje uma forte
corrente da teoria e da prática da educação musical: para que sejam
educadas musicalmente, as crianças devem ser introduzidas nesses
métodos, procedimentos e técnicas fundamentais do fazer musical
[...]. Entendemos que essa forma de educação musical tem natureza
e objetivos diferentes do ensino musical especializado, no qual,
geralmente, a performance instrumental é tida como a referência de
realização musical. Embora legítimo e necessário, esse pode não ser o
formato de educação musical mais adequado a todas as crianças.

Em outras palavras, estejamos conscientes que o modelo de educação


musical que frequentemente é adotado em coros, bandas e orquestras é limitado
e, na maioria das vezes, fornece ferramentas para que os integrantes executem o
repertório, sendo poucas vezes adotadas estratégias de apreciação crítica e muito
menos trabalhos de composição e improvisação musical. Esta constatação não
invalida os processos que são desenvolvidos nestes espaços, apenas reconhece
suas limitações e seus vínculos com a tradição de ensino da música erudita, ainda
que se faça música popular nestes grupos.

Já que falamos em Keith Swanwick, talvez seja pertinente comentar um


pouco sobre o modelo de educação musical que integra as dimensões do fazer
musical “C (L) A (S) P”.

No modelo, Swanwick enfatiza a centralidade da experiência musical


ativa através das atividades de composição – C –, apreciação – A – e
performance – P, ao lado de atividades de “suporte” agrupadas sob as
expressões aquisição de habilidades (skill acquisition) – (S) – e estudos
acadêmicos (literature studies) – (L). Os parênteses indicam atividades
subordinadas ou periféricas – (L) e (S) – que podem contribuir para
uma realização mais consistente dos aspectos centrais – C, A e P.
Conhecimento teórico e notacional, informação sobre música e
músicos e habilidades são meios para informar (L) e viabilizar (S)
as atividades centrais, mas podem facilmente (e perigosamente)
substituir a experiência musical ativa (FRANÇA; SWANWICK,
2002, p. 17).

169
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

A advertência feita pelos autores sobre os riscos de se priorizar os


aspectos de suporte em detrimento da experiência musical ativa está baseada
em um histórico de tradição pedagógica que centralizava a experiência didático-
musical no aprendizado da leitura, da teoria musical e da técnica instrumental
pura, descontextualizadas do fazer musical. Esta tradição pertence à constituição
histórica de grupos musicais como bandas, coros e orquestras.

E
IMPORTANT

O modelo C (L) A (S) P de Keith Swanwick não é o único em educação musical,


existem muitas reflexões e argumentos diferentes para formas diferentes de educação
musical. Integre o que você aprendeu nas disciplinas de educação musical e de estágio
com o que estamos aprendendo aqui na disciplina de regência, busque fundamentar cada
vez mais a sua prática pedagógica.

Apresentamos aqui estas reflexões em educação musical para que você


esteja sempre refletindo sobre as qualidades e limitações dos processos de
educação musical que esteja conduzindo. Ainda que o foco da regência seja a
execução musical, podemos sempre buscar integrar outras perspectivas, seja
propondo atividades de apreciação, sempre com discussão crítica do que foi
ouvido, seja fazendo jogos de improvisação coletiva, através de propostas mais
ou menos estruturadas. Quem sabe, em uma apresentação, vocês não executam
uma peça composta coletivamente pelo grupo?

Naturalmente, cada grupo terá o seu perfil de integrantes e, dependendo


dos valores e motivações, podem ter maior ou menor aceitação de diferentes
metodologias de trabalho. Por isto, analise cuidadosamente esta questão,
experimente algumas linhas de trabalho e veja qual tem melhor resultado,
lembrando que a maneira como você conduz estratégias de ensino, tradicionais
ou não, é determinante para o seu sucesso perante o grupo.

A motivação dos integrantes pode afetar o resultado didático do seu


trabalho, pois se o que leva os integrantes a participar é principalmente ter
gente para conversar e socializar, ou somente aparecer nas apresentações, você
terá dificuldades em engajá-los em atividades em que seus conhecimentos e
habilidades musicais seriam desenvolvidos. Por mais que você entenda o espaço
do ensaio como propiciador de educação musical, nem sempre o grupo terá o
desejo de aprender música verdadeiramente, aí cabe o processo de você ajudá-los
a compreender a importância de se aprender.

170
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

4 CONHECIMENTOS DAS ÁREAS DE CIÊNCIAS HUMANAS


O estudo histórico e epistemológico do conhecimento humano é fascinante!
A humanidade caminhou de um entendimento mágico sobre o funcionamento
dos fenômenos naturais a uma compreensão detalhada do funcionamento da
realidade como um todo. Apreciemos, então, o método científico, que propiciou
uma revolução nunca vista antes na história humana e permitiu que você hoje
esteja fazendo este curso EAD na Uniasselvi. Sem o método científico, você
não teria smartphone, nem computador, nem internet, nem carro, nem energia
elétrica, muitas das coisas que você depende para viver hoje só foram inventadas
por causa da revolução que o método científico causou no pensamento humano.
Mas o que é o “método científico”?

Chibeni (2006, p. 2), ao escrever um texto didático a respeito do pensamento


científico, aponta que:

na verdade, não há um método científico no sentido de uma receita


universal para se fazer ciência. O escopo da ciência é tão amplo
e diversificado que, mesmo sem muita pesquisa filosófica, já é de
se desconfiar que é quimérica a ideia de um procedimento único,
aplicável a todas as áreas.

Uma das coisas importantes de se saber a respeito de ciência, é que a filosofia


é a origem de toda a busca pelo conhecimento. Se analisarmos etimologicamente o
termo, vamos encontrar que:

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e sophia.


Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito
entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos,
sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e
respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo
saber, deseja saber (CHAUI, 2000, p. 19).

Na Europa do século XIX, pode-se observar a separação das chamadas


Ciências Humanas da Filosofia, criando identidade própria. Algumas das
principais áreas destas ciências foram a psicologia e a sociologia, sendo que elas, já
na segunda metade do século XX, começaram a ser aproveitadas para os estudos
da educação. Em outras palavras, hoje existem as áreas chamadas psicologia da
educação e sociologia da educação, além da própria filosofia da educação.

A filosofia da educação se ocupa em questionar e refletir a respeito dos


princípios fundamentais, valores e raciocínios que devem orientar tudo que
se busca fazer com educação. A psicologia da educação tem como objeto as
características psicológicas impactam os processos de ensino e aprendizagem,
principalmente no nível individual. A sociologia da educação estuda as relações
micro e macrossociais envolvidas na educação, envolvendo questões sociais
dentro de organizações escolares, ou de situações da sociedade em geral que
afetam, inequivocamente, a educação.

171
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Se cruzarmos os objetos de estudo das áreas apresentadas aqui com o


modelo apresentado por Mizukami (2013) na Figura 1, vamos identificar que elas
se relacionam com a dimensão do “conhecimento do aluno”, além de auxiliar
no desenvolvimento do próprio “conhecimento do ensino”. Você estudou
no primeiro módulo do seu curso na UNIASSELVI alguns dos princípios da
psicologia e da sociologia da educação, dê uma revisada!

As teorias psicológicas do desenvolvimento são muito frequentemente


abordadas em disciplinas de psicologia da educação, com autores notáveis como
Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962).
Cada teoria terá um foco peculiar para investigar o desenvolvimento cognitivo
humano, sempre tendo a consciência de que “nenhuma teoria da aprendizagem
desenvolvida irá esgotar e fornecer um entendimento total do assunto” (PRADO-
NETTO; COSTA, 2017, p. 223).

Todas as teorias do desenvolvimento apontam para a interação, seja do


indivíduo com objetos ou com outras pessoas, como central para a aprendizagem,
ainda que cada uma traga uma explicação e uma descrição específica de quais
interações são mais importantes. Para Piaget a criança constrói estruturas
cognitivas cada vez mais complexas, em processos de assimilação e acomodação,
através da interação com objetos do mundo físico (PRADO-NETTO; COSTA,
2017). Já Vygotsky parte de uma perspectiva de que a “a aprendizagem sempre
inclui relações entre pessoas” (PRADO-NETTO; COSTA, 2017, p. 219), desse
modo a interação social entre seres humanos, a linguagem e a cultura são os
mecanismos do desenvolvimento do conhecimento.

Henri Wallon trabalha com a ideia de que a personalidade contempla


parâmetros de inteligência (relação do indivíduo com o mundo físico) e
afetividade (relação do indivíduo com outras pessoas). Para este pesquisador, o
desenvolvimento parte das

etapas e dos conflitos no decorrer da vida, sendo a linguagem e


a cultura que fornecem ao pensamento as ferramentas para a sua
evolução; a sua interação com o mundo biológico não depende
apenas do seu amadurecimento inte­lectual, mas de habilidades mais
complexas para interagir com a cultura existente entre o sujeito e seu
meio (PRADO-NETTO; COSTA, 2017, p. 219).

Não temos intenção de nos aprofundar mais nas diferentes teorias, mas
gostaríamos de sintetizar alguns princípios educacionais que podemos derivar a
partir das ideias centrais que apresentamos.

172
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

Pode-se afirmar que a construção do conhecimento e das habilidades


musicais obedece a um crescente de complexidade a partir do contato do
aluno com o novo e subsequentemente ele irá assimilar e acomodar a novidade
cognitivamente. Mas cuidado! Este crescente de complexidade não linear e nem
é o mesmo para todas as pessoas, não confunda esta noção com pedagogias
tradicionais de música que esquartejam o discurso musical em unidades simples
e sem significado, para depois de anos de estudo o aluno “poder” fazer música.
Não há nenhum consenso sobre o que é mais simples e mais complexo em música,
sendo que este movimento do simples para o complexo só pode ser avaliado
tomando o progresso individual como referência.

Nós aprendemos com interação, seja com o mundo natural ou com outros
seres humanos. A aprendizagem musical se dá por interação com o instrumento
musical, com o material som, com colegas de mesma capacidade musical e com
pessoas mais experientes. Além disso, há um contexto social e histórico através do
qual nos relacionamos com música, o que afeta a forma como se aprende música.
Leve sempre em conta que, além da manipulação do som e dos conhecimentos, a
educação musical se baseia e relacionamentos humanos.

Considere também que a afetividade é uma dimensão do ensino e da


aprendizagem, tanto quanto a inteligência. A forma como o indivíduo se sente em
relação a suas interações com outras pessoas pode potencializar ou inibir o seu
desenvolvimento. O aprendizado musical é permeado de rupturas, frustrações
e abandonos de estruturas cognitivas antigas, você enquanto educador musical
deverá conduzir seus alunos através destes processos.

Por último: escute sinceramente seus alunos. Entendemos como escuta o


processo de perceber o outro ser humano em sua individualidade e particularidades,
acolhendo os seus pensamentos e sentimentos, ainda que não concordemos. Basílio
(2017, s.p.), ao falar sobre a escuta em escolas de ensino regular, comenta que “o
ponto de partida para trabalhar com a escuta é entendê-la como um processo perene e
criar condições para que ela ocorra de forma qualificada”.

A escuta atenta de seus alunos inicia um processo de reciprocidade


essencial para a atividade docente. Quanto mais seus liderados sentirem que
são reconhecidos e valorizados por você, maiores as chances de eles ouvirem
e valorizarem você, o que aumenta a coesão do grupo, além de facilitar a
implementação das propostas pedagógicas. Afinal, por que eu vou escutar o
professor se ele não está nem aí para quem eu sou?

A sociologia da educação se ocupa como os processos sociais impactam


e são impactados pelos processos educacionais, com destaque para o contexto
escolar. Segundo Fernandes (2010, p. 16), a

173
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Sociologia da Educação envolve tanto o estudo dos múltiplos processos


sociais que se desenvolvem na sala de aula e nas escolas, quanto os
sistemas escolares e as relações amplas entre a educação e a estrutura
social. Seu foco de atenção direciona-se tanto para a escolarização, para
o processo educacional na escola, quanto para a educação de maneira
mais ampla, considerando, inclusive, os processos educacionais
informais por meio dos quais o homem se torna um ser social.

A autora também aponta que a história da sociologia enquanto área de


investigação é marcada por entendimentos dicotômicos: a sociologia do consenso
versus a do conflito; a macrossociologia versus a microssociologia.

NOTA

A perspectiva do consenso entende que a sociedade é um sistema


complexo que é “formado por diversas partes que se articulam para produzir estabilidade
e solidariedade” (FERNANDES, 2010, p. 16). No paradigma do “conflito, representado,
principalmente, pelas teorias marxista e neomarxista, a sociedade é vista como um conjunto
de grupos em constante conflito, em que se estabelecem processos de dominação de
uns sobre os outros” (FERNANDES, 2010, p. 17). A abordagem microssociológica analisa os
processos sociais cotidianos e as relações humanas na construção social, enquanto nas
investigações macrossociológicas “as relações de poder na educação e no currículo têm
sido discutidas com particular atenção, propondo-se a análise do currículo em termos
estruturais e relacionais” (FERNANDES, 2010, p. 19).

A autora argumenta em favor da superação destas dicotomias e o


reconhecimento de que cada uma contribui de uma forma única e indispensável
para a explicação dos fenômenos sociais. A área de sociologia da educação
contribui principalmente para construir um conceito do que é a educação dentro
de nossa sociedade.

Na área de regência, importa compreendermos os contextos sociais


específicos que atuamos e suas particularidades. Por exemplo, ao atuarmos em
projetos sociais, nós precisamos ter um entendimento do que é a pobreza, fatores
contribuintes para a sua existência, de que forma isto impacta o indivíduo, como
ela pode ser agravada por valores familiares e concepções de vida, entre outros.
Do mesmo modo, ao atuarmos em grupos com boa condição financeira, teremos
contato com valores particulares daquele ambiente.

174
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

A questão é: processos educacionais são perpetuadores ou modificadores


de injustiças e relações de dominação? Fernandes (2010, p. 17-18) aponta que

a instituição escolar pode servir ao poder constituído e, ainda assim,


colaborar, a longo prazo, para sua ruína, como evidenciam claramente
a história das escolas elementares na Inglaterra e França que, ao
contribuírem para a socialização, controle e disciplinarização da classe
operária, contribuíram, também, com a generalização da leitura e
escrita, para a constituição da consciência de classe e a organização
dos proletários.

Este é um questionamento pertinente, pois a regência, bem como a própria


existência de grupos como orquestras, coros e bandas, é parte de um processo
histórico de conflitos e acomodações, grandes e pequenas, que fizeram com que
esta prática seja parte do tecido social contemporâneo. Não temos respostas para
esta reflexão, mas pense a respeito do assunto em todo contexto em que você
estiver atuando.

Por fim, gostaríamos de destacar as contribuições que a neurociência tem


feito para a educação, ainda que não seja propriamente uma área das ciências
humanas. O cérebro é o órgão do corpo que é responsável pela coordenação das
atividades orgânicas, bem como é ele que permite o aprendizado. Nesse sentido,
compreender os fundamentos da fisiologia cerebral é de suma importância para que
o educador possa adequar as suas práticas às capacidades biológicas dos alunos.

Cardoso e Queiroz (2019) argumentam em favor da inclusão deste


tipo de conteúdo em cursos de licenciatura: “a neurociência traz significativas
contribuições no processo ensino aprendizagem, dando aporte aos professores,
subsidiando suas práticas pedagógicas. Todavia […], constatou-se a ausência dos
conhecimentos neurocientíficos na formação desses profissionais (CARDOSO;
QUEIROZ, 2019, p. 46).

Segundo as autoras, as contribuições desta área para a educação são


significativas. Uma delas é a descoberta que a plasticidade cerebral, ou seja, a
capacidade de o cérebro criar conexões e eliminar as antigas a partir de estímulos,
se mantém durante toda a vida do indivíduo, causando mudanças físicas na
arquitetura cerebral. As autoras ainda destacam que

a memória consolida aprendizagem e para que esta ocorra de forma


efetiva, depende de outros fatores, como, a motivação, estímulos
externos, experiências sensoriais, entre outros. Geralmente quando
relacionamos memória à aprendizagem atrelamos de forma pejorativa,
pois muitas vezes reduzimos a decorar mecanicamente respostas,
datas, nomes, lugares, fórmulas, ou seja, memorização para repetição;
destacamos que não é isso que a neurociência preconiza, mas sim as
memórias de longo prazo, estreitamente vinculadas à emoção, que
não se perdem ao longo do tempo, memórias que são adquiridas,
armazenadas e evocadas sempre que necessário (CARDOSO;
QUEIROZ, 2019, p. 45).

175
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Como as autoras mencionam, as memórias de longo prazo são muito


estimuladas pelas emoções, o que não significa que a repetição seja dispensável.
Quando avaliamos as teorias da psicologia da educação a partir de uma perspectiva
neurocientífica, identificamos que elas sistematizam os tipos de estímulos (objetos
e interação) que direcionam a plasticidade no aprendizado, ainda mencionando o
aspecto importante do afeto para a memorização de longo prazo.

5 DIDÁTICA MUSICAL
A didática é o ramo da pedagogia que se ocupa dos processos práticos
do ensino e da aprendizagem. É a área que investiga métodos e estratégias
de ensino, incluindo-se o planejamento educacional e a implementação dos
pressupostos teóricos da educação em prática pedagógica. Originalmente era
uma área “neutra” da pedagogia, ou seja, percebia-se a didática como aplicável
a qualquer área que se desejasse ensinar. No final do século XX começaram a
surgir os estudos especializados em didática, como a didática da matemática e a
didática da música.

Assim, a didática musical é a área da educação musical que estuda os


processos de ensino e seus efeitos na aprendizagem musical. No entanto,
consideremos que “a didática não pode significar apenas o aspecto técnico da
metodologia de ensino. Essa exclusividade desvincula o ‘como’ do ‘para quê’ e
‘para quem’ ensinar” (FERNANDES, 2001, p. 49). Fernandes (2001) considera
que a didática não pode se isentar da crítica social, sem a qual o ensino seria
principalmente mecanismo de perpetuação das estruturas vigentes, em vez de
transformação.

Com relação à didática da música em particular, Fernandes (2001)


identificou cinco tendências da educação musical no Brasil: a tradicional, a
escolanovista, a criativa, a contextualista e a “pró-criatividade”. Comentaremos
um pouco sobre as quatro primeiras, por acharmos as mais pertinentes para a
nossa discussão.

A tendência tradicional se vincula aos preceitos estabelecidos por


conservatórios de música europeus no século XIX. O repertório empregado é
cuidadosamente selecionado para excluir “todo material de qualidade questionável,
isto é, música popular e a música étnica e, geralmente, a contemporânea
erudita também, levando a uma quase exclusividade clássico romântica”
(FERNANDES, 2001, p. 52). Esta tendência se pauta, tão somente, na aquisição
de habilidades e conhecimentos que propiciem a execução instrumental ideal,
“enfatizando somente o ‘como fazer’ e o ‘que fazer’, negligenciando o ‘por que
fazer’. Isso ocorre pela imposição de uma verdade absoluta: a transmissão e
o cultivo da música tradicional e a verdadeira função da educação musical”
(FERNANDES, 2001, p. 53). Por fim, destaca-se que didática musical tradicional
é, principalmente, individual, centrada na figura do mestre transmitindo seus
conhecimentos ao aprendiz.

176
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

A tendência escolanovista, adotada na educação musical brasileira a partir da


década de 1930, testemunhou um “deslocamento da visão do aluno herdeiro para o
aluno como participante ativo, explorador e descobridor” (FERNANDES, 2001, p. 54).
O ensino era sempre grupal, focado na educação infantil, e trouxe uma mudança
na atitude do professor, que estava mais atento ao que é feito pelo aluno em aula. A
mudança de paradigma foi bastante influenciada pelas descobertas psicológicas do
desenvolvimento cognitivo infantil, conforme mencionamos no subtópico anterior.
No entanto, o “material musical básico é o folclore e músicas pedagógicas criadas,
abrangendo a música tradicional (tonal e modal) e as fontes sonoras corporais,
vocais e instrumentais (com instrumentos tradicionais adaptados ou criados com
fins didáticos)” (FERNANDES, 2001, p. 54). Deste modo, o repertório musical ainda
era selecionado pelo currículo e pelos professores, só que agora com a finalidade
de construção de uma “identidade nacional”, através das músicas folclóricas, e a
construção de uma cultura escolar infantil, não necessariamente conectadas com o
mundo musical vivido pelas crianças.

A tendência criativa se estabeleceu no Brasil a partir da década de


1960, sendo um dos expoentes deste movimento o compositor Hans-Joachim
Koellreutter. Segundo Fernandes (2001, p. 54), esta perspectiva de educação
musical entende que “o ensino criativo tem maior importância do que o ensino
repetitivo/imitativo. Essa teoria privilegia aspectos e procedimentos da música
contemporânea erudita”. Esta tendência existiu, principalmente, em institutos
especializados em música e universidades, ainda que se possa considerar que
alguma implementação na educação básica possa ter ocorrido. Nesta tendência,
não há uma prescrição de repertório a ser executado, mas identifica-se uma
predileção por jogos e improvisações que se assemelham a técnicas composicionais
contemporâneas. O aluno, então, não é o receptáculo do conhecimento da
perspectiva tradicional, ele

passa a ser tratado como inventor, improvisador, compositor,


necessariamente apresentando uma expressão própria, que deve ser
valorizada ao máximo. Esse fato gera uma mudança no papel do
professor, que deixa de ser um diretor musical, um recreador ou um
técnico, para ser um estimulador do processo de desenvolvimento da
expressão pessoal do aluno, questionando, informando e ajudando os
alunos a se expressarem criativamente (FERNANDES, 2001, p. 54-55).

A tendência contextualista, apontada por Fernandes,

introduz um novo conceito de escola: a escola hoje deve considerar


as inúmeras influências externas que recebe do seu meio, inclusive
no que se refere as suas diversas culturas simultâneas, à educação
voltada para a terceira idade e a veiculação feita pela mídia de
diversos elementos culturais distintos, inclusive a cultura musical
afro-americana. Especificar o que é comum na tradição da escola de
cada comunidade, e também identificar as ocorrências de intervenções
de outros elementos e o grau de aceitação/rejeição, torna-se
relevante. Muitas vezes, dentro de uma mesma sala de aula, existem
diferentes gostos, diferentes quereres e diferentes culturas musicais
(FERNANDES, 2001, p. 55-56).

177
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Esta tendência começa, de fato, a perceber o aluno como um sujeito


que possui experiências musicais, muitas vezes, bastante sofisticadas, antes
de pisar em uma aula de música, que até então desconsiderava suas vivências,
independentemente da linha didática: “só com essa ligação da música usada na
aula com a música culturalmente vivida e que a educação musical começou a ter
relevância para os alunos no século XX” (FERNANDES, 2001, p. 56).

Entretanto, há uma dificuldade em se abordar a música desta forma: a


própria diversidade musical, sendo que cada turma é um universo de gêneros
musicais misturados. A partir do momento que o professor escolhe um gênero
musical por achar mais apropriado para abordar os conteúdos que almeja, ele
pode estar diminuindo a significatividade da prática pedagógica para os alunos
que não tiveram suas experiências musicais contempladas. Esta é uma questão
que o professor deverá levar em conta em seus planejamentos de longo prazo.

Uma última reflexão que gostaríamos destacar aqui é a realidade de que


a regência lida principalmente com ensino coletivo instrumental ou vocal. Ou
seja, não é um ensino instrumental particular tradicional, nem uma proposta de
aula de música na escola básica regular. Neste sentido, cabe refletirmos sobre
propostas didáticas que podem vir a colaborar com este ambiente educacional.
Paziani (2016), que investigou a perspectiva da criação musical no ensino coletivo
de instrumentos musicais, constata que

o que ocorre na maioria das vezes é uma transposição de práticas


do dito ensino individual para o ensino coletivo. Essa utilização do
modelo pode funcionar para o aprendizado técnico dos alunos,
mas pode também negligenciar aos mesmos a oportunidade de
vivenciarem práticas que adquirem maior sentido quando aprendidas
em grupo (PAZIANI, 2016, p. 2).

DICAS

Para conhecer mais sobre as tendências de educação musical no Brasil


recomendamos a leitura do livro “Pedagogia Musical Brasileira no Século XX” de Ermelinda
Azevedo Paz, publicada pela editora MusiMed.

Outra opção é o livro “Pedagogias brasileiras em educação musical” organizado


por Teresa Mateiro e Beatriz Ilari.

O livro “Pedagogias em educação musical”, organizado por Teresa Mateiro e Beatriz


Ilari, também é uma boa leitura para compreender os preceitos de diferentes metodologias
de ensino musical. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5128442/mod_
resource/content/0/PEDAGOGIAS_EM_EDUCACAO_MUSICAL-melhor.pdf.

178
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

5.1 PLANEJAMENTO DIDÁTICO


Conversamos sobre o planejamento do ensaio, muito do que traba-
lhamos lá está baseado nos princípios do planejamento didático. Fernandes
(2001, p. 63) destaca a importância do planejamento para a prática docen-
te: “planejamento traz inúmeros benefícios, entre os quais, a prevenção das
vacilações, incertezas e erros, e, talvez, o fim da arbitrariedade, oferecendo
mais segurança no alcance dos objetivos”.

Existem diferentes níveis de planejamento didático. Os planejamen-


tos de longo prazo estabelecem temáticas e os conteúdos a serem abordados,
tempo de execução, fundamentação teórica e estratégias a serem emprega-
das. Podemos chamar este macroplanejamento de projeto pedagógico, ou
de plano de ensino. Caso o projeto pedagógico preveja diferentes etapas,
que, por sua vez, contemplam várias aulas, é possível também fazer os pla-
nejamentos de cada uma destas etapas. Por fim, há o microplanejamento,
que é o plano de aula, onde você prevê detalhadamente o que precisa ser
realizado para que aquela aula contribua para o todo do projeto pedagógico.

179
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

FIGURA 2 – PLANEJAMENTO DIDÁTICO

Fases e Partes do Processo de Planejamento

Conhecimento Determinação
da realidade dos objetivos

Fase de
preparação
Seleção e organização
Replanejamento
dos conteúdos

Fase de Seleção e organização dos


Feedback
aperfeiçoamento procedimentos de ensino

Seleção dos
Avaliação procedimentos
de avaliação
Fase de
desenvolvimento

Estruturação do
Plano em ação
Plano de Ensino

FONTE: Fernandes (2001, p. 63)

Na Figura 2, nós temos o esquema de planejamento que Fernandes (2001)


aborda em seu artigo. Este esquema pode ser empregado em diferentes níveis de
planejamento, adaptado aos propósitos de cada tipo de planejamento. Perceba
que o autor contempla uma perspectiva cíclica de planejamento, partindo do
conhecimento da realidade e da determinação dos objetivos educacionais,
passando pela seleção e organização dos conteúdos, procedimentos de ensino e
avaliação. Depois temos a estruturação do plano de ensino (ou de aula), a aplicação
do mesmo e o início da fase de aperfeiçoamento, com a avaliação, feedback e
replanejamento, onde você revê sua leitura da realidade, reavalia objetivos etc.

Existem inúmeros modelos de planos de ensino e planos de aula com


diferentes campos, veja mais detalhes nos módulos de Didática e Metodologia do
Ensino da Música, Estágio Curricular Obrigatório e Projeto de Ensino.

180
PREPARO PEDAGÓGICO PARA A REGÊNCIA

6 EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA
Independentemente da área em que você atue, ou quanto você estudou
teoria educacional, você só se torna professor na atuação docente. É através da
práxis que a profissionalidade do professor se desenvolve e os seus saberes são
mobilizados em prol da concretização de objetivos educacionais. Conforme vimos
no Quadro 1, a prática profissional é, de fato, o momento em que a totalidade da
história de vida e formação profissional começam a conduzir para um efetivo ser
docente, conforme destaca Grützmann (2019, p. 7):

Há mais de três décadas as diversificadas pesquisas vêm mostrando


alguns pontos importantes, destacando quatro deles: primeiro,
os saberes dos professores são enraizados no seu trabalho e na sua
experiência de vida; segundo, estes saberes estão fundamentados
em sua experiência de vida no trabalho; terceiro, os saberes são
caracterizados pelo contexto de interação com os estudantes, assim, são
saberes com interações humanas, marcados por essa interação; quarto
e último, os saberes também dependem do contexto socioeducativo e
institucional no qual a sua profissão está inserida.

Na área de música, nós temos diferentes contextos de atuação que irão


fornecer diferentes tipos de experiência prática: aulas individuais e coletivas de
instrumentos musicais e/ou teoria musical, aulas de música na educação básica e
em projetos sociais, regência de grupos musicais, entre outros. Cada uma dessas
experiências de ensino tem potencial de contribuir para a construção de sua
prática docente.

Ao ensinar instrumento ou canto de forma individual, você terá possibilidade


de se familiarizar com diversos processos do ensino e da aprendizagem musical:
organizar um programa de estudos para o desenvolvimento musical; contatar
com diferentes necessidades individuais de aprendizagem; buscar soluções para
dificuldades de aprendizagem; conduzir prática musical com dois executantes
(você e o aluno), e outros. O ensino individual permite que você administre as
situações mencionadas em uma escala pequena, podendo observar os resultados
de suas ações de perto.

O ensino coletivo apresenta diferentes modalidades: aula de música na


educação básica, ensino instrumental/vocal coletivo, aulas de teoria/percepção
musical, práticas de conjunto etc. Além das diferentes propostas educacionais,
cada grupo terá suas especificidades com relação a perfil social, faixa etária,
dentre outras. O fato de você conseguir trabalhar bem com aulas particulares
não fará você, automaticamente, desenvolto para conduzir aprendizagem em
grupos, ainda que alguns dos saberes empregados em um contexto possam ser
aproveitados no outro. Além do mais, cada tipo de trabalho em grupo e cada
perfil de público-alvo apresenta seu conjunto específico de desafios.

Isto não quer dizer que não se aproveite nada. Cada contexto em que
atuamos nos treina para sermos mais capazes de identificar as necessidades
específicas e nos adaptarmos, mobilizando saberes pertinentes. No mais, quanto

181
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

mais trabalhamos, mais experiência acumulada teremos, consequentemente mais


capacidade de transferir as experiências de um contexto para serem integradas a
outro, fazendo as adaptações necessárias.

Assim, é sempre recomendável que os seus estudos pedagógicos sejam


mobilizados em prática docente, pois é nela que reside a formação pedagógica
mais sólida. No entanto, a prática docente sem reflexão e conhecimento teórico
se torna dura, repetitiva e ineficiente. Lembre-se sempre do ciclo virtuoso do
estudo, planejamento didático, prática docente, reflexão, replanejamento, mais
estudo, mais prática docente…

Nós buscamos fazer um apanhado amplo sobre alguns pontos que


consideramos importantes para um preparo pedagógico do regente enquanto
educador musical. Começamos apresentando dois modelos teóricos de formação
docente, saberes docentes de Tardif (2002) e formação docente para o ensino e
aprendizagem em uma democracia, discutido por Mizukami (2013).

Em seguida, tecemos reflexões que tinham como objetivo identificar o


ensaio musical como espaço de educação musical. Ponderamos que sim, processos
de ensino e de aprendizagem musical intencionais ocorrem dentro do ensaio
musical, todavia, frequentemente, as propostas educacionais destes espaços são
limitadas, ao pensarmos na educação musical em um sentido mais amplo.

Apresentamos, também, as contribuições que as áreas de neurociência,


psicologia e sociologia da educação nos fornecem. Compreendemos a partir
destas áreas o funcionamento orgânico do cérebro, bem como os vários modelos
de desenvolvimento cognitivo, além de nos aprofundarmos no impacto que as
macro e microestruturas sociais têm na educação de forma geral.

Avaliamos que a didática é a área da pedagogia que estuda os mecanismos


e estratégias de ensino. Apresentamos algumas correntes da didática musical ao
longo do século XX no Brasil, bem como argumentamos a favor da importância
do planejamento didático para a prática docente.

Por fim, destacamos a centralidade da experiência docente na formação


pedagógica. Destacamos que cada contexto de atuação requer a mobilização de
diferentes saberes e que a prática nos torna mais aptos a nos adaptar a diferentes
necessidades de atuação. Lembramos que a atuação sem conhecimento teórico
nem reflexão se torna inalterada ao longo do tempo, perdendo o seu propósito.

O processo de formação docente é ininterrupto e você é o autor dele.


Cursos, leituras, aulas e palestras podem ajudar você na jornada, mas é você
quem opta por fazê-los e com que qualidade e dedicação. Não espere que alguém
dê as repostas prontas, faça perguntas e busque a solução para os seus desafios,
chamando colegas, professores, teóricos, quem você puder, para ajudá-lo.

182
RESUMO
Você aprendeu que:

• O preparo pedagógico pode contemplar diferentes áreas do conhecimento,


além da própria experiência prática.

• A maioria dos diferentes modelos de formação docente estabelecem que


existem diversos tipos de conhecimentos ou saberes, que são mobilizados em
função da prática pedagógica.

• O ensaio musical de grupos como orquestras, bandas e coros pode ser um espaço
rico de educação musical, ainda que precisemos reconhecer as limitações que
existem para a abrangência dos processos educativos que, tradicionalmente,
são feitos nestes grupos.

• As áreas de ciências humanas, bem como a neurociência, têm contribuições


valiosas para compreendermos os mecanismos biológicos e psicológicos pelos
quais o aprendizado se dá, além de ajudar-nos a compreender os propósitos da
educação em nossa sociedade.

• A didática musical investiga de maneira direta os instrumentos e estratégias


de ensino musical, incluindo o planejamento didático.

• A experiência docente é essencial para o preparo pedagógico, sendo que ela


deve vir acompanhada de estudos teóricos e da prática reflexiva.

183
AUTOATIVIDADE

1 O ensaio musical é um momento em que o ensino e aprendizagem de


diversos conhecimentos e habilidades musicais pode ocorrer. De acordo
com trabalho do regente como educador musical, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) A capacidade do regente se perceber como educador é importante para


guiar o seu preparo e atuação.
( ) É recomendável que se alie o preparo pedagógico ao preparo musical
para se atuar como regente educador musical.
( ) O perfil do grupo afeta sua aceitação de diferentes propostas educacionais.
( ) Tradicionalmente, os processos de educação musical realizados em
ensaios de coros, bandas e orquestras privilegiam o desenvolvimento da
capacidade de execução.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) V – V – F – V.
c) ( ) V – F – F – V.
d) ( ) F – V – F – F.

2 As áreas das ciências humanas, bem como a neurociência trazem


contribuições significativas para pensarmos os processos de ensino
e aprendizagem. Com base nas contribuições destas áreas, analise as
sentenças a seguir:

I- A neurociência explica o funcionamento do nosso sistema nervoso central,


descrevendo suas características e limitações.
II- Estudar a sociologia é desnecessário para o professor, pois os processos
de sociedade não interferem no ensino e na aprendizagem.
III- A psicologia da educação estabelece modelos úteis que contêm quais
estímulos promovem o aprendizado, estágios do desenvolvimento
cognitivo e a importância afetiva para a aprendizagem.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Todas as sentenças estão corretas.

184
3 A delimitação do corpo de conhecimento que define a profissão docente
ainda está em processo de construção, mesmo que muito já se tenha
avançado no sentido de identificar conhecimentos e habilidades que
pertencem a boas práticas de ensino e aprendizagem. De acordo com as
teorias de formação docente e a didática, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Conhecer teoria educacional é tudo que se precisa para se tornar um


bom professor.
b) ( ) A tipificação de saberes e competências é algo comum em teorias de
formação de professores, sempre levando em consideração que a junção
de tudo só acontece na prática.
c) ( ) A didática é a área da educação que estuda somente de maneira teórica
os mecanismos da aprendizagem.
d) ( ) O professor precisa ter somente conhecimentos do conteúdo para
conseguir conduzir processos de ensino eficientes.

4 O emprego das expressões “tem didática” ou “não tem didática” é comum


ao se referir às habilidades de algum indivíduo enquanto professor. Disserte
a respeito das tendências da didática musical no Brasil – tradicional,
escolanovista, criativa e contextualistas – refletindo criticamente a respeito
de suas características. Você deverá escrever sobre as características de cada
uma das tendências, além da própria reflexão crítica a respeito delas.

5 Ainda que a educação possua questões teóricas importantes, a docência


se constitui, principalmente, na prática. Disserte a respeito da relação
à importância da experiência pedagógica para a formação docente e sua
relação com estudos teóricos.

185
186
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO
MUSICAL NA REGÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Nós focalizamos significativamente a teoria educacional de forma ampla,
a fim de estimular você a refletir sobre a educação de forma mais abrangente.
Para contrastar, discutiremos algumas situações práticas encontradas pelo regente
educador musical durante sua atuação. Alguns dos assuntos que trataremos que
já foram mencionados, em alguma medida, quando falamos sobre o trato com
o repertório, o ensaio e a performance, bem como particularidades da regência
instrumental e vocal.

Vamos abordar alguns pontos a respeito do trabalho com formações


não convencionais, destacando algumas formas de as organizar musicalmente.
Em seguida, discutiremos com algumas questões musicais a serem
trabalhadas com os estudantes de diversas formações, apontando questões
práticas da solução de problemas em educação musical, além de evidenciar
questões pertinentes de interpretação. Por fim, refletiremos sobre o gestual de
regência no trabalho com educação musical, algumas adaptações que precisam
ser feitas em algumas situações, bem como sua contribuição em processos de
ensino e de aprendizagem musical.

2 LIDANDO COM FORMAÇÕES MISTAS


Durante a maior parte deste livro, trabalhamos com a regência pensada
para as três formações tradicionais (banda, coral e orquestra). Entretanto, com
bastante frequência um regente terá um grupo com formações não convencionais,
que podem incluir quase qualquer tipo de combinação instrumental e vocal,
chamaremos genericamente estas combinações de formações mistas. Ao longo
do livro, temos mencionado com frequência a existência de grupos de formação
mista, mas ainda não discutimos algumas questões pertinentes a se considerar ao
se reger tais grupos.

Ao nos referirmos a formações mistas, estamos falando de inúmeras


possibilidades de combinação. Alguns exemplos possíveis são: 1) voz soprano,
contrabaixo acústico e pandeiro; 2) violão, flauta doce contralto, violoncelo e
clarinete em Si bemol; 3) saxofone contralto, guitarra elétrica, bateria e flauta

187
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

transversal. Considerando o grande número de possibilidades de combinação


instrumental e vocal, o primeiro ponto a se levar em conta é a questão de
repertório, pois, comumente, não haverá repertório original, levando o regente
a adaptar e arranjar obras musicais especificamente para a formação que tem
em mãos.

Comentamos sobre os critérios de escolha e de adequação de repertório,


bem como algumas questões de arranjo. Gostaríamos de destacar que para o re-
gente educador musical é importante se ter em mente as possíveis funções musi-
cais que cada instrumento pode desempenhar na formação. É possível pensar em
funções musicais de instrumentos de diferentes formas, a primeira classificação
que gostaríamos de mencionar é seguinte: melodia, harmonia e ritmo. Destaca-
mos que estamos empregando o termo melodia ao material melódico principal
que caracteriza a obra musical e o termo ritmo associado à função de instrumen-
tos de percussão e não como um dos elementos fundamentais da música.

Então, quando você tratar com formações mistas e vai elaborar um arranjo
é importante você definir quais instrumentos vão desempenhar quais funções
em quais momentos da música. Tomar estas decisões de arranjo é uma questão
de educação musical, pois os elementos musicais que você trouxer no arranjo
servirá como base para aprendizados musicais diversos. Por exemplo, é comum
que músicos de instrumentos melódicos (sopros, metais e cordas friccionadas)
não compreendam muito sobre harmonia, mesmo que estejam, frequentemente,
executando partes de um acompanhamento harmônico, por outro lado,
violonistas principiantes não estão habituados a tocar melodias, sendo mais
comum o acompanhamento com acordes em bloco.

Neste sentido, esteja atento para estar variando as funções desempenhadas


frequentemente para evitar acomodação de um naipe a uma função em particular,
por exemplo, a melodia principal da música estando sempre na voz mais aguda,
sejam cantoras soprano, primeiros, violinos, entre outros. É importante alternar
costumeiramente a melodia principal entre todos os naipes que possuem altura
definida em diferentes arranjos, já que em formações mistas você fará mais
arranjos próprios do que obras originais. Assim, a partir de uma distribuição
equilibrada das funções você proporcionará aprendizados musicais para os
seus alunos.

No entanto, ao fazer esta distribuição da melodia principal esteja atento


ao fato de que “a melodia é mais claramente ouvida quando ocupa um lugar
reservado na extensão da partitura e não entulhada com instrumentos de
acompanhamento na mesma oitava” (GREEN, 1997, p. 231, tradução nossa). Por
este motivo, tenha bastante atenção ao elaborar seus arranjos, principalmente,
quando a melodia não estiver nos instrumentos mais agudos do conjunto.

Algo que pode ajudar você a pensar na reserva de região para a melodia
principal em formações instrumentais mistas é classificar os instrumentos que
constituem o seu grupo a partir do sistema SATB (soprano, contralto, tenor e

188
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL NA REGÊNCIA

baixo), o padrão de quatro vozes. Este padrão se originou na música coral a


quatro vozes e foi alargado para abarcar a música instrumental, principalmente
famílias de instrumentos homogêneos. No Quadro 2, trazemos alguns exemplos
de instrumentos e sua respectiva classificação no sistema SATB.

QUADRO 2 – INSTRUMENTAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO SATB

Função Soprano Contralto Tenor Baixo


Cordas Violino Viola Violoncelo Contrabaixo
Trombone Tuba
Metais Trompete Trompa
Bombardino Bombardino
Sax Alto,
Flauta, Oboé, Clarinete Sax Tenor, Fagote, Contrafagote,
Madeiras Clarinete Alto
Soprano, Sax Soprano Fagote Sax Barítono, Sax Baixo
Corne Inglês

FONTE: O autor (2021)

Digamos que você tenha em mãos um naipe de flautas, um de violas, um


de sax tenor e uma tuba. Pode parecer uma formação pouco usual, mas você tem
um naipe representante de cada uma das vozes do sistema SATB, assim você
pode definir as zonas de atuação de cada instrumento, bem como suas áreas de
intersecção. Caso você tenha, por exemplo, um naipe de clarinete alto, um de
violas, um de violoncelo e um de trombone, você tem dois naipes representantes
das vozes tenor e dois naipes de contralto. Isto não é um problema, você precisará
definir quais naipes serão o contralto 1 (ou mezzosoprano), contralto 2, Tenor 1 e
Tenor 2 (ou barítono), lembrando que esta numeração de divise ocorre sempre do
instrumento mais agudo para o mais grave. Desse modo, você terá quatro vozes
e uma hierarquia de tessituras bem estabelecida.

Existem instrumentos musicais que não se encaixam na classificação


SATB, por exemplo, o piano, que pode executar todas as notas no espectro desta
classificação, além da infinidade de instrumentos de percussão com e sem altura
definida. Há também a possibilidade de se utilizar instrumentos da banda base
de música popular, com guitarra, baixo elétrico, teclados e bateria. A partir do
estabelecimento de funções musicais (melodia, acompanhamento harmônico e
rítmico) e definição de tessituras de atuação (SATB), você pode organizar o que
pareceria uma miscelânia de instrumentos aleatórios.

3 CONSIDERAÇÕES MUSICAIS
O trabalho de educação musical com grupos iniciantes, sob a perspectiva
da regência, independentemente do tipo de formação musical, envolverá o
desenvolvimento da escuta, compreensão e manipulação dos parâmetros
fundamentais da música (afinação, ritmo, dinâmica e sonoridade), bem como
suas implicações para a construção do discurso musical. O trabalho principal

189
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

do regente, neste contexto, será estimular a sensibilidade para a escuta, a


compreensão do que se escuta, além de desenvolver as habilidades do fazer
musical propriamente, tanto individualmente como coletivamente. Em grupos
mais experientes, o foco educativo muda para abarcar processos de interpretação
musical e de técnica instrumental mais sofisticados.

Dentro de um grupo de iniciantes, com nenhuma experiência anterior


com aula de música, você terá uma diversidade de capacidades e compreensões
musicais, com os alunos apresentando diferentes necessidades para aprenderem.
Podemos estabelecer dois estágios complementares no processo de identificação de
problemas na execução dos alunos: 1) sintomas, que são, por exemplo, desafinação
vocal, execução rítmica irregulares, o que depende de sua capacidade de escuta; 2) as
causas cognitivas dos equívocos de escuta, compreensão e de execução.

FIGURA 3 – SÍNTESE COGNITIVA DO FAZER MUSICAL

Escuta

Avaliar a ação Mentalização

Coordenação
Ação musical
mototra

FONTE: O autor (2021)

Para a identificação de causas, é importante conhecer o processo cognitivo


geral que promove o fazer musical (Figura 3), onde o indivíduo precisa ter a
capacidade de distinguir o que ouve, de mentalizar sons, de transformar os sons
em coordenação motora, de efetuar a ação musical propriamente e de ouvir o
resultado sonoro de sua ação, comparando-o com a intenção inicial e avaliando
se o objetivo foi alcançado. Nesta descrição, optamos por não incluir a leitura
musical para não acrescentar mais complexidade, pois ela possui todo um
conjunto de processos cognitivos próprios, que devem estar sincronizados com
os que descrevemos aqui.

190
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL NA REGÊNCIA

Tudo isto ocorre em frações de segundo no cérebro, sendo esperado que


iniciantes tenham dificuldades na execução de um ou de vários destes processos.
Deste modo, para poder auxiliar na resolução dos problemas, você precisará
elaborar hipóteses sobre quais partes do processo cognitivo estão falhando,
a fim de propor soluções adequadas. Por exemplo, um sintoma, como errar
sistematicamente um determinado ritmo, pode ocorrer porque o estudante:
1) não percebe diferença entre a duração dos sons (escuta); ou 2) ele percebe a
diferença, mas não consegue a internalizar mentalmente; ou então, 3) percebe e
mentaliza adequadamente, mas não consegue coordenar motoramente os seus
membros para executar; ou ainda, 4) ao escutar e avaliar a sua execução o aluno
acredita piamente que está idêntico à referência (isto é bastante frequente até em
músicos experientes); por último, 5) ele pode perceber que está fazendo errado,
sabe a diferença, mas não consegue modificar sua execução.

NOTA

Cognição “é o processo de obter, organizar e usar o conhecimento intelectual.


As pessoas realizam operações mentais e armazenam informações na memória para serem
recuperadas posteriormente. As teorias de aprendizagem cognitiva concentram-se no
papel da compreensão: a cognição implica compreender a conexão entre causa e efeito,
entre uma ação e suas consequências. As estratégias cognitivas são planos mentais que as
pessoas usam para entender a si mesmas e o ambiente” (SADOCK; SADOCK, 2007, p. 172).

No nosso exemplo com problema de execução rítmica, através de testes,


você pode tentar isolar o motivo pelo qual o aluno está errando o ritmo. Mostre
sons de diferentes durações e peça para ele classificar, faça exercícios práticos de
bater uma pulsação regular e depois subdivisões regulares dos tempos, estimule-o
a refletir sobre a sua execução, comparando-a com alguma referência, aponte
divergências etc. Tenha sempre em mente que o desenvolvimento de qualquer
conhecimento e habilidade partirá sempre de um estado mais grosseiro para ser,
gradativamente, refinado, portanto, busque sempre trabalhar com um grau de
complexidade musical adequado à compreensão de seus alunos.

191
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

FIGURA 4 – DETALHAMENTO DA PERCEPÇÃO VISUAL

FONTE: O autor (2021)

Na Figura 4, temos uma analogia para o conceito do aprimoramento


da percepção e das habilidades musicais que mencionamos anteriormente. Na
esquerda, temos uma imagem embaçada, com as cores distorcidas, enquanto
na direita há uma imagem com boa definição. Com o aprimoramento dos
conhecimentos e habilidades musicais, o cérebro do indivíduo vai sendo treinado
para processar questões musicais com maior definição.

Em qualquer situação de aprendizado musical, com dificuldades ou não,


a imitação é um recurso indispensável para o aprendizado, seja com os alunos
imitando o professor ou imitando outros alunos. Tocar, cantar, bater ritmo
juntos, através de imitação, ajuda a modelar o aprendizado musical, o que deve
ser complementado com descrições verbais e explicações sobre as regras de
funcionamento da música. É só você pensar que a imitação é um dos maiores
recursos que bebês usam para aprenderem a falar, andar e interagir com o mundo,
então use e abuse deste recurso didático natural.

Um desafio esperado para grupos musicais é a junção das partes em um


todo. Frequentemente, é possível que cada um esteja conseguindo executar bem
sua parte sozinho e com o seu naipe, mas, quando as outras vozes começam a
ser inseridas, pode ser que desande tudo. Isto pode ocorrer por uma dificuldade
de alguns em processar várias informações musicais simultaneamente. Aqui é
importante que você venha adicionando as vozes gradativamente para que
possam ir se habituando aos poucos.

Ao ensinar música ao seu grupo durante a construção da interpretação


musical é importante prestar atenção em alguns princípios básicos. Primeiramente,
a melodia principal precisa estar em um primeiro plano sonoro. Já vimos
anteriormente a pertinência de não escrever acompanhamento instrumental que

192
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL NA REGÊNCIA

compita com a melodia na mesma região de alturas musicais, mas é pertinente que
você, enquanto regente, eduque seus alunos para destacar a melodia na execução:
“quando a melodia não soa claramente, a primeira tentação é para pedir para que
o solista toque mais forte, para projetar mais. Melhor seria, primeiro, diminuir a
dinâmica do acompanhamento” (GREEN, 1997, p. 231, tradução nossa).

Em outras palavras, independentemente de a melodia ser executada


por um solista ou por um naipe dentro do grupo, prefira conciliar os patamares
entre melodia e acompanhamento, primeiramente diminuindo a intensidade do
acompanhamento, em seguida solicitando mais som da melodia, caso a primeira
solução não tenha dado resultado. Ensine os seus estudantes a perceberem estas
nuances, estimule-os constantemente a estarem prestando atenção ao todo, de
modo que eles próprios já façam alguns ajustes por conta própria.

Já que falamos sobre equilíbrio de intensidade entre melodia e


acompanhamento, vamos prosseguir discutindo questões de dinâmica. Segundo
Green (1997), existem duas formas principais de se grafar dinâmicas em uma
partitura:

O mais antigo, historicamente, é a dinâmica em bloco, onde todos os


instrumentos (ou vozes) na partitura são marcados forte ao mesmo
tempo; todos são marcados piano simultaneamente. Se um crescendo
ou diminuendo é desejado, ele é identicamente marcado em todas as
partes […]. Hoje, entretanto, muitos compositores tentam equilibrar
a partitura marcando dinâmicas variadas em meio as diversas seções
da formação. Isto dá uma pista sobre o que o compositor considera
importante (GREEN, 1997, p. 232, tradução nossa).

A autora tece algumas recomendações a regentes no tocante à execução


de dinâmicas. Com relação à interpretação da dinâmica em bloco, ela recomenda
que a melodia principal seja executada “um grau de dinâmica acima do marcado
e o acompanhamento um grau abaixo” (GREEN, 1997, p. 232, tradução nossa).
Ela adverte para que o regente fique atento às diferenças de significado que as
dinâmicas têm para cada instrumento “um forte tocado em uma trompa será
muito mais poderoso que seria em um clarinete contralto. Além do mais, são
necessários quatro violinos para dobrar o poder de dois e dezesseis para dobrar
o poder de quatro. Note que a intensidade cresce pelo quadrado do número de
violinos” (GREEN, 1997, p. 232, tradução nossa). Já na dinâmica variável ela
recomenda um treino para que os instrumentistas consigam ter a capacidade
de tocar a dinâmica esperada de sua parte, apesar de ouvir outra dinâmica de
outros naipes.

Em alguns casos, a obra musical possui um trecho melódico que é


repetido por diversas partes da instrumentação, por vezes, em rápida sucessão,
um motivo recorrente. Nestes casos, o regente deve estar sempre atento à
preservação da dinâmica resultante, para que este motivo melódico esteja sempre
em um mesmo patamar de dinâmica, independentemente de qual instrumento

193
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

esteja executando-o. Para tanto, o regente deverá instruir os seus alunos para
compensarem as diferenças naturais de dinâmicas entre instrumentos, a fim de
preservar a dinâmica geral da linha (GREEN, 1997).

Cada tipo de formação musical terá suas particularidades técnicas que


precisam ser abordadas para que o grupo consiga alcançar seus objetivos musicais.
Grupos de cordas têm aspectos do sentido da arcada para serem sistematizados,
coros têm a necessidade de uniformização do ataque vocal, bandas têm a questão
do equilíbrio sonoro entre as madeiras e os metais e percussão. Esteja sempre
buscando experiências musicais diversificadas, a fim de vivenciar todas estas
questões na prática.

DICAS

O livro “The Modern Conductor”, de Elisabeth Green, é uma excelente referência


para o estudante de regência. A autora aborda extensivamente as questões musicais que
envolvem o trabalho com a regência. Além de ser um livro em inglês, ele, frequentemente,
é bastante caro para o consumidor brasileiro, mas você pode conseguir acesso em algumas
bibliotecas universitárias no Brasil.

4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GESTO DE REGÊNCIA


Neste subtópico, comentaremos algumas particularidades do gestual
de regência na condução de processos de ensino e de aprendizagem musical. A
técnica de regência foi desenvolvida ao longo da história com o propósito musical
de organizar e conduzir artisticamente a performance musical, o que não impede
que seus recursos sejam aproveitados para se ensinar música.

Ao conduzir atividades musicais práticas, independentemente de ser


prática vocal ou instrumental, dependendo das necessidades, pode ser que você
precise tocar ao mesmo tempo que os alunos. Nestes casos, não será possível que
você empregue o gesto de regência de forma integral, pois você estará com, pelo
menos, uma das mãos ocupadas. Por exemplo, caso você esteja tocando piano com
apenas uma mão, é possível fazer as indicações de entrada e marcações de tempo
com a mão que está livre. Já, caso você esteja usando as duas mãos, e a boca se
for instrumento de sopro, é possível empregar a respiração, a cabeça, expressões
faciais e o corpo como um todo para comunicar o essencial como entradas e
cortes, por exemplo. Os princípios deste tipo de regência são os mesmos do gesto
com a mão, adaptado para ser empregado com a cabeça.

194
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL NA REGÊNCIA

FIGURA 5 – GESTO DE ENTRADA COM A CABEÇA

FONTE: O autor (2021)

Ao dar uma entrada sem as mãos, independentemente de qual dos tempos


do compasso em que ela ocorre, o essencial é comunicar o gesto preparatório e o
primeiro tempo de execução. Primeiramente, considere que o plano de regência
agora está na linha do seu queixo (Figura 5), de modo que o gesto preparatório
será um movimento ascendente com a cabeça sincronizado com uma respiração,
ao voltar ao ponto de contato com o plano de regência faça um “quique” com a
cabeça indicando o tempo que você desejou marcar, de modo idêntico à marcação
do primeiro tempo com o gesto padrão. O mesmo princípio, cabeça para cima e
marcação no plano de regência, pode ser aplicado para cortes.

Exercite isso sozinho na frente do espelho, dê entradas e cortes para


você mesmo, podendo pegar o seu instrumento e tocar algumas músicas do
seu repertório de acordo com suas entradas e cortes. Se você sentir que precisa
comunicar alguma coisa a mais pelo gesto, e não está conseguindo com a cabeça,
respiração e expressão facial, você também poderá largar o instrumento para
reger com as mãos algumas vezes.

O gesto de regência também é um recurso importante para auxiliar no


ensino dos fundamentos da música. Você pode explicar o conceito de compasso,
apresentando os tipos diferentes de compasso e mostrando como isto se transfere
para o gesto, auxiliando os alunos a compreenderem melhor o seu gesto. Você pode
reger exercícios de ritmo, cujo objetivo é trabalhar a precisão rítmica do grupo,
a precisão de entradas e corte. De forma geral, você pode trabalhar os princípios
fundamentais de música, como afinação, ritmo e dinâmica, empregando o gesto
como um recurso modelador da execução dos estudantes.

195
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

No caso específico da lida com vozes, é possível empregar alguns gestos


derivados de técnicas de solfejo, denominadas genericamente de manossolfa.
Com treino nestas técnicas gestuais, você poderá fazer gesticulações, inclusive
indicando o ritmo com a velocidade do seu gesto. Tradicionalmente, técnicas
de solfejo implicam, quase que obrigatoriamente, que se cante falando nomes
de notas ou graus da tonalidade, mas é possível você empregar a técnica de
manossolfa para que o grupo cante, com texto, melodias do repertório do grupo,
caso você identifique que isto poderá ajudar o grupo.

DICAS

Existem diversas técnicas estabelecidas para indicar notas com as mãos, a fim
de auxiliar a afinação com a voz cantada, você pode buscar na internet materiais sobre os
diferentes tipos. Veja a técnica de manossolfa adotada por Zoltán Koldály no TCC de Carlos
Fagner da Costa e Silva.

Disponível em: http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/carlossilva.pdf.

Assista também ao vídeo do canal “Mayve Musicalização”, onde são apresentados


exercícios com a técnica de manossolfa de Kodály, incluindo ritmo.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4Hbe58iU4go.

Indo um pouco além do gesto de regência, propriamente, o gesto corporal,


como um todo, é muito importante para o aprendizado musical. Para que a música
saia bem, o instrumentista precisa sincronizar vários movimentos e intenções
musicais. Frequentemente, problemas de execução musical podem ser relacionadas
a movimentos corporais ineficientes, contraproducentes ou dessincronizados. Se
analisarmos o gesto de se bater uma palma em um pulso regular, existem dois
gestos principais ocorrendo, o afastamento e a aproximação das mãos, o primeiro
ocorre na preparação da primeira batida e nos contratempos de todas as batidas
subsequentes, enquanto o segundo marca os tempos. Um equívoco frequente
é o aluno se concentrar apenas no gesto de bater as mãos, dessincronizando
completamente o gesto de afastamento com o tempo desejado. Isto conduzirá,
inevitavelmente, a uma incapacidade de bater as palmas regularmente.

Comentamos isto para que a sua atenção ao gesto vá além apenas do seu
próprio gesto de regência, cuide da fluidez e sincronia dos movimentos de seus
alunos, de como estão respirando etc. É essencial que a corporalidade do seu
aluno seja integrada à sua musicalidade, sem este processo a manifestação de sua
musicalidade poderá ser afetada.

196
CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O ENSINO MUSICAL NA REGÊNCIA

Abordamos algumas questões de ordem prática do ensino musical a partir


da regência, principalmente, pensando em grupos de iniciantes. Começarmos
orientando algumas medidas para o trabalho com formações mistas, apontando
formas de se organizar as funções musicais neste tipo de grupo. Em seguida,
fizemos algumas reflexões sobre o ensino de música na prática, apontando os
processos cognitivos do fazer musical e algumas questões de interpretação
musical. Por fim, discutimos as possíveis contribuições do gesto de regência e
outros tipos de gesto não convencionais para o ensino musical.

197
RESUMO
Você aprendeu que:

• Formações mistas são grupos compostos por quantidades e tipos de


instrumentos musicais muito variados.

• É possível os instrumentos de uma formação musical a partir de sua função


(melodia, harmonia, ritmo) e de sua tessitura dentro de uma determinada
família de instrumentos musicais (SATB).

• É possível identificar dificuldades musicais de alunos a partir de sintomas, ou


seja, quais parâmetros musicais estão saindo errado, ou causas, que apontam
para os motivos cognitivos pelos quais determinado erro está acontecendo.

• A imitação é um recurso didático privilegiado, ainda que não possa ser usado
de forma isolada, sem outros recursos complementares.

• Destacar a melodia e administrar o equilíbrio sonoro em grupos instrumentais


e vocais são essenciais para a interpretação musical, precisando que o regente
eduque seu grupo para tanto.

• É possível comunicar aspectos básicos do gesto com a cabeça e respiração, caso


o regente esteja com as mãos ocupadas tocando junto com o grupo.

• O gesto de regência pode ser um recurso didático importante na condução de


processos de ensino e de aprendizagem musical, podendo ser criados gestos
específicos para comunicar questões pontuais que você queira ensinar.

198
AUTOATIVIDADE

1 O trabalho com formações instrumentais não convencionais é bastante


comum dentro da área de regência. De acordo com esta realidade, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Formações instrumentais mistas são aquelas compostas pela mistura de


instrumentos de timbres homogêneos.
( ) O entendimento sobre as funções musicais desempenhadas pelos naipes
faz parte do que o regente deve ensinar para seus instrumentistas.
( ) O sistema classificatório SATB não se aplica a formações instrumentais
mistas.
( ) Instrumentos de percussão sem altura definida não podem ser integrados
ao sistema classificatório SATB.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – V – V.
b) ( ) F – V – F – V.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) V – F – F – V.

2 A confecção de arranjos musicais é uma importante ferramenta didática


para trabalhar conceitos musicais, além de servirem para adaptar um
repertório para diferentes formações musicais. Com base nas possibilidades
educativas de arranjos musicais, analise as sentenças a seguir:

I- Proporcionar que os diferentes naipes do grupo desempenhem diferentes


funções musicais através dos arranjos é uma forma de diversificar a
experiência musical.
II- Ao distribuir a melodia principal em diferentes naipes deve-se tomar
cuidado para evitar que o acompanhamento ocupe a mesma região de
notas que a melodia está sendo executada.
III- Ao se elaborar um arranjo, deve-se evitar que os instrumentos mais
agudos do conjunto desempenhem a função de acompanhamento, pois
estes instrumentos são inadequados para desempenhar qualquer outra
função a não ser a de melodia principal.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Todas as sentenças estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

199
3 Algumas situações de ensino musical podem exigir que o regente busque
formas alternativas de se comunicar gestualmente. De acordo com estas
necessidades, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Gestos fora dos padrões da regência não devem ser utilizados, pois não
ajudam no desenvolvimento musical dos alunos.
b) ( ) A respiração como meio de comunicação do regente só tem utilidade
quando se rege coros, instrumentos de cordas e de sopro não se
beneficiam deste mecanismo.
c) ( ) Na utilização da cabeça para dar entradas, não é necessário se ater aos
princípios fundamentais da regência, por exemplo o gesto preparatório
e o plano de regência.
d) ( ) É possível que o regente tenha que se comunicar gestualmente com a
cabeça, expressões faciais e/ou respiração, pois frequentemente tocará
juntamente com seus alunos.

4 Os processos cognitivos que permitem o fazer musical são complexos


e intricados, sendo que frequentemente os equívocos de execução são
causados por inconsistências em um ou mais destes processos. Discorra a
respeito da importância do desenvolvimento da escuta para a regulação da
cadeia cognitiva da prática musical.

5 A execução de dinâmicas é essencial para a interpretação musical e é parte


importante do processo de ensino e de aprendizagem musical. Disserte
a respeito das diferentes formas de se grafar a execução de dinâmicas
e as particularidades de como executá-las em diferentes formações
instrumentais/vocais.

200
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

1 INTRODUÇÃO
Esperamos que você tenha gostado da jornada até aqui e desejamos uma
boa leitura deste finalzinho de livro. Falaremos sobre os contextos de atuação
mais comuns para a regência. Para tanto, classificaremos os espaços de atuação
em dois grandes grupos: formais e não formais. Esta nomenclatura tem sua
origem no reconhecimento da intencionalidade do ensino:

Ao discorrer sobre o que denomina de “dimensões da educação”,


Libâneo (2000) esclarece que esta pode ser considerada em duas
modalidades: a educação não-intencional, chamada de informal
ou paralela, e a educação intencional, que é estendida em educação
formal e não-formal (WILLE, 2003, p. 26).

Neste livro, trabalhos com a perspectiva de regência vinculada à educação


musical, o que implica, necessariamente, a intenção de ensinar. Desse modo, nos
ocuparemos em discutir espaços formais e não formais de educação. No entanto, é
pertinente considerar que “educação informal” indica

uma modalidade de educação que resulta do “clima” onde os indivíduos


vivem, em que faz parte tudo o que está imbuído na vida grupal e
individual. São relações educativas adquiridas independentemente da
consciência de suas finalidades, pois não existem metas ou objetivos
preestabelecidos conscientemente. A educação informal perpassaria
as modalidades de educação formal e não-formal, pois o contexto da
vida social, política, econômica e social, bem como a família e a rua,
também produzem efeitos educativos sem constituírem instâncias
claramente institucionalizadas (WILLE, 2003, p. 26).

Evitaremos sempre em falar de ensino informal, por entendermos que


ensino traz sempre uma intenção e um preparo, enquanto a aprendizagem
informal ocorre pelo convívio social sem intenção de caracterizar uma situação
de ensino e de aprendizagem. Assim, a aprendizagem informal ocorrerá em
todos os contextos educacionais instituídos, seja forma ou não formal, mas não se
restringindo a eles, ocorrendo em inúmeras situações de convívio social.

201
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

DICAS

Falaremos pouco sobre a aprendizagem informal em práticas musicais coletivas,


mas você pode conhecer mais sobre o assunto lendo o artigo de André F. Marcelino e
Viviane Beineke, intitulado “Aprendizagens musicais informais em uma comunidade de
prática: um estudo no grupo de maracatu Arrasta Ilha”.

Disponível em: https://revistas.ufpr.br/musica/article/view/38130.

Agora, a distinção entre educação formal e não formal é frequentemente


feita com base no grau de sistematização em questão. Wille (2003) estabelece que:

As modalidades de educação intencional são definidas nos seguintes


termos: educação formal seria aquela estruturada, organizada,
planejada intencionalmente, sistemática, sendo que a educação
escolar convencional seria o exemplo típico. A educação não-formal
seria aquelas atividades que possuem caráter de intencionalidade,
mas pouco estruturadas e sistematizadas, onde ocorrem relações
pedagógicas, mas que não estão formalizadas (WILLE, 2003, p. 26).

Escolas livres de música, festivais de música, aulas particulares,


bandas, coros e orquestras, das mais variadas instituições, são ambientes
que se enquadram na educação não formal. Já a música na educação básica,
conservatórios e institutos de música, escolas técnicas e universidades são
contextos formais de ensino musical. Como todo esforço classificatório,
podem ocorrer exceções e ambientes que estão em um limiar entre o formal e
não formal. Ainda assim, a categorização é útil, já que nos auxilia a organizar
nosso pensamento e treina nossa percepção para identificar diferenças entre
contextos educacionais.

Ao longo deste livro abordamos a regência musical pensando-a,


principalmente, a partir de formações musicais tradicionais (banda, coro e
orquestra). Entretanto, a regência é também uma ferramenta útil para a educação
musical nos mais diversos contextos e propostas de ensino musical, inclusive com
formações musicais mistas não tradicionais.

202
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

2 CONTEXTOS NÃO FORMAIS DE ATUAÇÃO


Abordaremos os contextos não formais, que, de forma geral, são os
mais comuns para a atuação na regência. Buscaremos organizar a discussão
descrevendo as características contextuais e de recursos materiais e humanos,
além de questões pedagógicas pertinentes. As reflexões que apresentaremos
não contemplarão compreensivamente os aspectos dos contextos abordados,
você precisará estar sempre atento à forma como os conhecimentos e
habilidades da regência podem contribuir e quais adaptações são necessárias no
local em que você atua, além de estar sempre buscando uma literatura que ajude
você de forma específica com os problemas que estiver enfrentando.

2.1 PROJETOS SOCIAIS


A primeira coisa que precisamos fazer ao discutir projetos sociais como
um espaço de atuação para regentes é compreender o que são projetos sociais
e por que eles existem. Projetos sociais são “trabalhos desenvolvidos sem fins
lucrativos e que buscam o desenvolvimento social, econômico ou cultural de uma
dada comunidade ou grupos de indivíduos” (PROJETOS SOCIAIS, 2019).

Para existirem projetos que visam ao desenvolvimento social, econômico


e cultural, é preciso que haja desigualdades com relação a estes quesitos dentro de
uma sociedade. Se não houvesse desigualdade, todos que quisessem teriam acesso à
educação musical em escolas de música e conservatórios, por exemplo. Então, para
haver um projeto social contemplando a educação musical, é preciso que haja uma
impossibilidade de acesso daquela população a serviços de ensino musical. Esta falta
de acesso ao ensino musical é sistêmica no Brasil, onde o ensino de música é muito
raramente contemplado na educação básica. Usamos aqui o exemplo da educação
musical, mas em diversas populações, as carências e desigualdades são muito amplas.

A desigualdade socioeconômica é fator ubíquo em projetos sociais,


inclusive entre os participantes do projeto, cada um terá sua história e
condições específicas. Por esta questão, alguns projetos sociais têm uma
vertente assistencialista, que pode predominar sobre as propostas educacionais,
dependendo da perspectiva e compreensão dos administradores de cada projeto
específico. Ainda que estejamos destacando esta característica em particular,
haverá inúmeros exemplos de projetos sociais que não precisarão lidar tanto com
questões de desigualdade.

Agora é importante apontar que sempre existe alguém e/ou alguma


entidade que administra e financia os projetos sociais. É comum que projetos
sociais sejam geridos por entidades pertencentes ao terceiro setor, sendo
financiados por órgãos públicos e/ou instituições privadas.

203
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

NOTA

Estamos empregando o termo “setor” aqui nos referindo a grandes grupos de


agentes sociais e suas funções em uma determinada sociedade. Segundo esta terminologia,
o primeiro setor é o público, representado pelo Estado em suas diferentes instâncias; o
segundo setor é o privado com propósitos lucrativos, representado pela indústria, extratores
de matéria-prima, comerciantes, prestadores de serviço, investidores; o terceiro setor possui
instituições cujo foco é prestar serviços de finalidade pública, sem fins lucrativos, sem serem
geridas pelo Estado, são representadas por organizações, associações e fundações.

Gostaríamos de trazer como destaque sete projetos sociais focados no


ensino de música, que já possuem repercussão nacional: Som+Eu (RJ), Projeto
Guri (SP), Praticatatum (SP), Ação Social pela Música do Brasil (RJ; PB; RO),
Samba para todos (SP), Grupo Cultural AfroReggae (RJ) e Música para Todos (PI).
Todos estes projetos são focados especificamente no ensino musical, mas também é
possível que se tenha um projeto, com foco assistencialista ou educacional, em que
a música é apenas uma das áreas contempladas pelo projeto.

FIGURA 6 – PROJETO GURI

FONTE: <http://twixar.me/8KRm>; <http://twixar.me/BKRm>. Acesso em: 3 abr. 2021.

204
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

DICAS

Leia a matéria “7 projetos que usam a música como ferramenta de


transformação”, lá você terá mais informações sobre os projetos sociais mencionados aqui.

Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/carrossel/7-projetos-que-usam-musica-como-


ferramenta-de-transformacao/. Acesso em: 2 abr. 2021.

Assista também ao vídeo sobre os projetos sociais promovidos pelo grupo cultural
AfroReggae.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B2VOHIXjCjI&ab_channel=MsReever.


Acesso em 3 abr. 2021.

Existem inúmeros projetos sociais desta natureza em várias regiões do


Brasil, busque se informar quais estão ativos em sua região. Lembrando que
estes projetos podem estar vinculados a prefeituras, instituições religiosas, ou
Organizações Não Governamentais (ONGs).

As condições materiais em cada projeto são muito variáveis, alguns


podendo ter instrumentos musicais e acessórios necessários para as atividades
presenciais, outros até dispõem de instrumentos para serem emprestados para
os alunos levarem para casa estudar, outros ainda, possuem poucas condições
materiais. Caberá a você analisar a situação e adequar sua proposta pedagógica à
realidade material que você tem.

No entanto, ressaltamos que espaços com boas condições materiais são,


geralmente, fruto da batalha de algumas pessoas na busca de financiamento,
seja público ou privado. Se você está em uma situação com bastante condição
material, seja grato ao trabalho de quem trabalhou para que aquilo esteja ali para
você usufruir como professor. Caso você não tenha uma boa estrutura material,
saiba que ela não existe sem alguém batalhar por ela, talvez seja você a pessoa que
conquistará melhores condições para o projeto.

O público que participa de projetos sociais são, na maioria, crianças e


adolescentes em situação de vulnerabilidade social, o que no Brasil implica
número significativo de afrodescendentes. Em algumas comunidades, há
situações constantes com criminalidade e tráfico de drogas, também existem
casos frequentes de violência sexual, agressão, abandono parental, e muitos
outros. Neste contexto, a evasão escolar vai se constituindo em uma realidade,
consequentemente, a evasão do projeto social também pode ocorrer.

205
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Esta situação levanta a questão da gestão humana. A liderança é parte


importante da atuação na regência e parte desta função depende que o regente
tenha o respeito dos alunos. No entanto, em diversos contextos, a autoridade do
regente é frequentemente associada à sua competência musical, técnica gestual e
capacidade de conduzir a performance, nos ambientes de projetos sociais, talvez,
estes fatores não contribuam para o estabelecimento da autoridade do regente.

Neste, como em outros ambientes, existem regras não declaradas que


os participantes impõem sobre qualquer pessoa que tente assumir a liderança.
Em qualquer tipo de grupo, poderão existir indivíduos que queiram usurpar
a posição de líder, adotando posturas de questionamento e desconstrução da
liderança do regente. Isto também ocorre em orquestras profissionais, em que
os músicos “testam” um regente novo para ver se ele tem a competência musical
suficiente para conduzir o grupo. Situação similar ocorre com professores na
educação básica, quando começam a trabalhar em uma nova escola, ou em uma
nova turma.

Os jovens neste ambiente podem ter certa rejeição a pessoas que vêm de
fora da comunidade, ou que tenham melhor condição financeira que a maioria
das famílias dos participantes. Até porque, para eles, essa pessoa pertence
a outro grupo social e não ao deles, ou ainda, acreditam que ela está ali para
fazer “caridade”, podendo se sentir humilhada por isto. Não é impossível você
construir uma relação de confiança e respeito, através da empatia, do tratamento
humano e do estabelecimento de regras de conduta, mas sempre reflita sobre
como aquele grupo perceberá você dentro do contexto em que eles vivem.

Juntamente com a rejeição de você enquanto líder, pode existir uma


sabotagem das propostas pedagógicas. Alguns podem achar que como não é
atividade escolar obrigatória, não precisam se dedicar, outros não têm interesse
particular com música, ou então a sua proposta está distante das vivências
dos alunos. Pergunte-se constantemente de que forma você pode estabelecer
um planejamento que aproxime suas aulas da realidade e entendimentos dos
alunos, ao mesmo tempo que eles estejam aprendendo coisas novas e vivenciado
outras realidades.

Por outro lado, o regente pode sim ser alguém pertencente à comunidade, ou
que compartilhe condições similares às dos participantes. Neste caso, a sua história
de vida e suas conquistas poderão servir de inspiração para os jovens ali presentes,
ainda que ele possa ter problemas de natureza similar ao mencionado anteriormente.

Com relação à escolha de repertório, você, provavelmente, terá certa


liberdade, mas tome cuidado em verificar como os participantes vão se envolver
social e emocionalmente com o que você vai propor. A construção de significados
da prática musical é muito importante, então você deve sempre refletir de que
forma o repertório que você está propondo se vincula com as experiências
musicais e de vida dos jovens do grupo que você rege.

206
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

A proposta pedagógico-musical de projetos sociais pode estar organizada


de diferentes formas. Em alguns projetos você terá à disposição diferentes aulas,
com diferentes professores, de instrumento, teoria musical, prática de orquestra,
sendo comum as propostas de orquestra-escola. Nestes projetos, os participantes
têm aulas coletivas de diferentes instrumentos, aulas de fundamentos da
linguagem musical, além da própria prática coletiva de orquestra, banda, coro ou
tudo isso junto. Nestes casos, é frequente que estes projetos empreguem diversos
profissionais. Por este motivo o trabalho em conjunto, alinhando propostas,
metodologias, além de buscar soluções para os desafios dentro da equipe são
partes essenciais em se trabalhar nesta realidade.

Já para os outros projetos sociais, existirá apenas um momento que é a


prática coletiva, quando tudo deverá acontecer. Independentemente do projeto que
se tenha e de sua estrutura, tente fazer o melhor com a estrutura que você tem.

2.2 INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS


Neste subtópico, nós falaremos sobre o trabalho musical relacionado
diretamente com o culto religioso, considerando que há uma diversidade de
denominações religiosas, cada qual com suas tradições musicais. A maioria das
religiões do mundo possuem práticas musicais incorporadas aos cultos religiosos,
sejam elas judaico-cristãs, islâmicas, tradicionais africanas e americanas,
hinduístas, budistas, entre outras.

A regência, da maneira como a estamos trabalhando neste livro, é


uma prática oriunda da Europa, vamos falar principalmente de religiões cujo
desenvolvimento se deu neste continente, a saber, o cristianismo de forma ampla.
No Brasil, as denominações que mais empregam música de uma forma que venha
a ter a atuação de um regente são o catolicismo e o protestantismo, este último
tanto em sua forma tradicional, com o luteranismo, por exemplo, quanto com a
grande diversidade de práticas religiosas pentecostais e neopentecostais.

Ainda que diferentes práticas religiosas tenham suas especificidades


litúrgicas, a música frequentemente tem um papel central em diversas partes do
rito religioso. No entanto, a forma como a música é empregada pode variar muito
em função, gêneros musicais preferidos, instrumentação, critérios para a seleção
de participantes etc. Do mesmo modo, a terminologia adotada para designar
a pessoa que conduz pode variar bastante: mestre de música, maestro, chefe de
grupo de louvor, liderança musical e outros.

Ao trabalhar conduzindo grupos musicais em igrejas, você pode tanto


ser fiel daquela denominação e/ou grupo em particular, ou não. No primeiro
caso, você já estará familiarizado com os rituais, práticas, repertório musical e
particularidades da congregação, já no último, você terá que aprender rápido
sobre estes assuntos, pegue alguém de confiança para acelerar o processo.

207
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Neste sentido, há amplo espaço de atuação para regentes educadores


musicais em instituições religiosas, no entanto, há de se considerar o grau de
aceitação que certas religiões têm com profissionais externos à comunidade.
Dependendo da denominação, você já precisa ser integrante da congregação
para se envolver com aquela prática musical, assim a prática musical deste
grupo será bastante direcionada para os conhecimentos musicais dos integrantes
da congregação. Às vezes, alguns dos músicos destas igrejas recorrem às
universidades para estudarem música formalmente, com objetivo de aprimorar
a prática musical religiosa. Já em outras doutrinas, você pode atuar como músico
e educador musical sem haver exigência de você pertencer àquela religião, esta
aceitação pode ser associada aos princípios do ecumenismo.

NOTA

Ecumenismo é a busca pela superação das divergências históricas entre


religiões, buscando uma união espiritual mais ampla que os contrastes doutrinários. O termo
pode ser empregado para descrever o ecumenismo cristão, onde se busca a união somente de
igrejas cristãs, ou em um sentido mais amplo, para além das fronteiras do cristianismo.

A música na Igreja Católica Apostólica Romana tem uma história de


muitos séculos, tendo passado por diversas vertentes estilísticas. Atualmente, há
inúmeras práticas musicais presentes na Igreja Católica: é possível adotar obras
em latim, língua oficial da liturgia católica antes do Concílio Vaticano II, ou então
na língua portuguesa; há locais que dispõem de coros e/ou orquestras, outros têm
bandas na formação de música comercial (bateria, baixo, violão, guitarra etc.);
as composições podem ser de gêneros musicais bem diversos, o que pode gerar
conflitos geracionais entre os integrantes do grupo, ou ainda com algum pároco.

Lorenzetti (2015) investigou as práticas de ensino musical dentro de


igrejas católicas de Porto Alegre/RS. A autora constata que a atuação dos
músicos, que pode ocorrer de forma voluntária ou como profissional contratado,
é frequentemente regendo grupos vocais e instrumentais, além de dar aulas de
voz, instrumentos e teoria musical. Ela destacou que o profissional para trabalhar
neste contexto precisa de “conhecimentos teológicos, espirituais, técnico-musicais,
bíblico-litúrgico” (LORENZETTI, 2015, p. 124).

Uma das participantes de um dos coros investigados por Lorenzetti


(2015, p. 95) questionava a “formação dos músicos que chegavam para
trabalhar na igreja”, pois, segundo esta participante: “para trabalhar naquele
coro especificamente, era necessário ser responsável, entender as partes da
missa, saber música, saber lidar com idosos e conhecer o limite da exigência”
(LORENZETTI, 2015, p. 95). A autora segue elucidando que a expectativa de

208
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

realização musical do regente não estava compatível com a característica do


grupo. Esta afirmação corrobora com tudo que temos dito ao longo deste livro,
de que o regente precisa identificar as características e necessidades específicas
de cada grupo e ajustar sua atuação de acordo.

Neste caso em particular, talvez tenha faltado a sapiência do regente de


equilibrar, durante os ensaios, momentos de estudo focado do repertório com
momentos de prática musical descontraída. Outro ponto que a autora traz é que
a participante percebia que “ele [o regente] tem exigido demais deles, que não
entende que eles são um coro amador. Disse que ele só critica o repertório e que o
pessoal está saindo triste dos ensaios” (LORENZETTI, 2015, p. 95). Através deste
relato, podemos inferir que talvez este regente não estivesse sabendo valorizar
as pequenas conquistas do processo educativo do grupo, ainda que o repertório
estivesse muito aquém ainda. Não permita que seu grupo saia do ensaio sempre
com a sensação de que nada que eles fazem presta, saiba valorizar os pequenos
ganhos a cada momento.

O luteranismo foi o início do que conhecemos hoje como protestantismo,


que por sua vez é um movimento de secessão da Igreja Católica, que hoje soma
inúmeras denominações cristãs. No Brasil o movimento Luterano é representado
pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB).

Martinho Lutero, além de teólogo, era cantor e compositor de certa


habilidade, o que contribuiu para o estabelecimento da posição central da
música na liturgia luterana. Já em 1524 (7 anos após a publicação das 95 teses) foi
publicado um hinário com alguns dos cânticos compostos pelo próprio Martinho
Lutero, este hinário foi sendo expandido significativamente, ainda durante sua
vida. Cabe destacar que o repertório musical da Igreja Luterana foi grandemente
expandido por Johann Sebastian Bach (1685-1750), dois séculos mais tarde. Muitas
destas composições são realizadas até hoje nos sínodos luteranos.

Uma das modificações criadas por Lutero foi a introdução do coro


congregacional na língua materna, ainda que obras corais católicas continuassem
sendo executadas. Isto reflete um valor de Lutero que “acreditava firmemente
nos poderes educacional e éticos da música e desejava que toda a congregação
participasse da música da liturgia” (GROUT; PALISCA, 2001, p. 224, tradução
nossa). Em contrapartida, na época a liturgia católica não permitia a participação
da congregação na música da liturgia, que era cantada sempre por um grupo seleto.

Weingärtner (2018) investigou as práticas de educação musical em uma


comunidade luterana do município de Blumenau. Em sua pesquisa ela identificou
que as práticas musicais e de educação musical dentro do contexto que investigou
são bem amplas. A autora constatou que no contexto do luteranismo no Brasil,
as comunidades “desenvolvem projetos musicais como: ministérios de música,
formação de diversos grupos instrumentais e vocais, coros, grupos de louvor,
entre outros” (WEINGÄRTNER, 2018, p. 69). Ela destaca ainda que a educação
musical nestes contextos pode ocorrer em “uma aula de música, em um ensaio de

209
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

um grupo musical ou no momento do louvor e, as diferentes vivências ali criadas,


em especial por serem coletivas, trazem profundas descobertas e, portanto,
aprendizados diversos” (WEINGÄRTNER, 2018, p. 70). Em todas as situações
mencionadas, a regência pode ter sua parcela de contribuições para os processos
de educação musical.

Kandler (2011), ao investigar a prática de bandas musicais na região do


meio oeste catarinense, identificou que, das 18 bandas participantes do seu estudo,
oito eram mantidas pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Ela identificou
nestas bandas musicais a presença de uma estrutura organizada, contando com
monitores que auxiliavam na educação musical dos iniciantes, além do próprio
regente. Sobre a educação musical realizada nestes espaços a autora considera:

Mesmo focando o ensino no aprendizado teórico e na execução


instrumental, o processo de musicalização realizado nas bandas
proporciona vivências musicais significativas àqueles que delas
participam. Tanto são significativas essas vivências que, mesmo
realizando o ensino musical da mesma maneira ao longo dos anos,
mantendo em seu repertório músicas tradicionais e direcionando suas
apresentações sempre para os mesmos tipos de eventos, os músicos
permanecem durante um longo tempo nesses grupos. Alguns deles,
como expus neste trabalho, tornam-se maestros e/ou professores no
grupo onde aprenderam a tocar ou então são os responsáveis pela
formação e manutenção de outras bandas (KANDLER, 2011, p. 156).

Neste caso específico, temos a atuação de regentes com ensaios de


bandas, prática bem direcionada para o foco da atividade da regência. No
entanto, observamos que a formação obtida pelos regentes que atuam no
contexto investigado por Kandler (2011) é em prática instrumental, ou seja, eles
tocam naquele grupo e, por se destacarem enquanto instrumentistas, acabam se
tornando os regentes.

A realidade de que o regente ou professor de música é alguém da


congregação que “sabe um pouco mais” comum em grupos de música. Como
estas pessoas não tiveram uma formação musical e pedagógica mais ampla suas
práticas terão a característica de se limitarem ao que o regente viveu como músico,
produzindo uma tendência à reprodução de repertórios e práticas pedagógicas de
geração para geração.

2.3 ESCOLAS DE MÚSICA


Escola de música é um termo empregado para denominar um grande
contingente de entidades, com variadas possibilidades de estruturação
administrativa, pedagógica e de quadro docente. Cunha (2011, p. 71), ao investigar
as características destas instituições, constata que elas

210
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

se caracterizam por serem escolas de caráter privado e sem vínculo


com redes ou sistemas de ensino público, sendo que os alunos
pagam para estudar nessas escolas. Os seus professores, em muitos
casos, são profissionais autônomos com atuação em diversas escolas,
tendo, muitas vezes, atuação concomitante à de músicos intérpretes e
compositores […]. As escolas de música como instituições educativas
estão livres das exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Brasil, 1996) em termos de regulamentação curricular, e
também são livres do controle de agências do Estado ou de instituições
religiosas. Elas não conferem diplomas reconhecidos pelo Ministério
da Educação.

Neste contexto, podemos estabelecer que escolas livres de música são


organizações privadas, em sua maioria, que possuem total autonomia para
estabelecer normas internas e projetos pedagógicos, não sendo sujeitas à regulação
de nenhuma legislação ou instituição pública ou privada. Assim, é frequente
que estas escolas concedam bastante autonomia individual ao professor para
estabelecer estratégias didáticas, repertórios e os conteúdos a serem ensinados,
almejando o atendimento individualizado ao cliente.

Os serviços mais oferecidos por escolas livres de música são aulas


individuais de instrumento, sendo este o seu produto principal, algumas ofertam
aulas de instrumento em grupo como uma opção mais econômica. Elas também
podem ofertar aulas de teoria, de prática de conjunto, de canto coral, de orquestra,
de big band, como opções extras aos seus clientes. Estas atividades extras podem
estar incluídas no pagamento da aula de instrumento individual ou coletiva, ou
serem cobradas à parte.

As características de público-alvo que participam dos grupos coletivos


nestes ambientes podem ser variadas, dependendo da proposta e tamanho da escola.
Eles podem ser constituídos somente por crianças, somente adolescentes, somente
adultos, ou qualquer mistura entre estas faixas etárias, frequentemente misto entre
homens e mulheres. Não é impossível você ter, por exemplo, um coro com seis
crianças pequenas, quatro pré-adolescentes, três adolescentes e cinco adultos.

Esta mistura etária causa uma grande variedade de interesses, experiências,


capacidades e objetivos musicais, sendo que você precisará ter consciência de
como estas questões afetam o seu grupo em particular e buscar soluções para
administrá-las. Qual repertório que terá significado e identificação com o maior
número de integrantes? Como me expressar verbalmente para ser compreendido
tanto por adultos como por crianças, ao mesmo tempo? Quais são as estratégias
didáticas mais adequadas? Vai usar jogos e brincadeiras? Como lidar com o
diferencial de capacidades musicais?

A liberdade que você tem ao reger estes grupos em escolas de música,


ao mesmo tempo que permite uma adaptação constante da sua proposta, pode
também dificultar o trabalho por não existirem princípios musicais e educacionais

211
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

claros a serem seguidos. É comum que esta liberdade venha acompanhada de


uma inexistência de qualquer estrutura curricular por parte da escola, sendo
que você precisará decidir o que é mais importante de ser trabalhado e com
quais objetivos.

As escolas de música possuem um aspecto peculiar que é a relação


empresa e cliente e, como diz o ditado popular, “o cliente sempre tem razão”.
Esta situação pode gerar uma distorção do próprio processo educativo, em que o
cliente impõe o que deseja que seja ensinado e de qual forma, muitas vezes, não
aceitando o processo pedagógico necessário para chegar aos seus objetivos.

Quando crianças e adolescentes são os alunos desta escola, por vezes, estas
exigências podem vir dos seus responsáveis financeiros. Ainda pode acontecer de
que a criança, por si, não está muito interessada em fazer aulas de música, mas
um dos pais quer oferecer “do melhor” para o filho e coloca na aula de música,
podendo até acontecer de ser um dos pais que, de fato, gostaria de aprender
música e por projeção psicológica acaba matriculando seu filho para se realizar
por extensão.

As apresentações musicais que escolas de música organizam com


frequência são de muita importância para os alunos. Se o grupo que você
rege tiver como participantes, principalmente, crianças e adolescentes, as
apresentações terão muita importância para os pais e familiares, além dos
próprios participantes. Por mais que você não vá condicionar as suas propostas
de trabalho ao propósito exclusivo de agradar familiares, mas é necessário que
você planeje antecipadamente estas apresentações.

Assim, é importante buscar equilibrar a situação, agregando valor


educacional ao que se está fazendo para as apresentações. Pense em propostas
onde você possa ter um repertório adequado para a apresentação, mas que
também propicie um crescimento musical e que interesse ao grupo que você rege.

2.4 OUTROS ESPAÇOS


Neste subtópico, mencionaremos alguns espaços de atuação que não
foram contemplados em nenhum dos subtópicos anteriores. Contemplaremos
as associações musicais independentes, projetos extracurriculares em escolas
particulares de ensino regular, projetos de extensão universitárias e ações
educativas com jovens cumprindo medidas socioeducativas.

Algumas escolas de ensino regular podem oferecer projetos


extracurriculares de ensino musical, que podem contemplar coros, orquestras ou
bandas. Nestes casos, o grupo terá, além dos propósitos educativos, a função bem
definida de se apresentar em datas comemorativas na escola. Busque atender às

212
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

demandas que a escola traz para você, contra-argumentando quando elas forem
excessivas e você não esteja conseguindo ter uma proposta pedagógica adequada,
lembrando sempre de valorizar as oportunidades de performance que as datas
festivas oferecem.

A extensão universitária também pode oferecer espaços de atuação


para a regência. Algumas universidades, inclusive as que não oferecem cursos
superiores de música, mantém coros, orquestras e/ou bandas. Por exemplo, a
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que não oferece graduação em
música, através do seu Departamento Artístico Cultural (DAC) criou e mantém
três grupos musicais: o Coral da UFSC, o Madrigal da UFSC e a Orquestra de
Câmara da UFSC. Nestes grupos de extensão universitária é comum a participação
de acadêmicos que estão cursando alguma graduação, técnicos da instituição e
membros da comunidade externa. Podem existir instituições que ofereçam estas
atividades musicais para crianças e adolescentes, mas é mais comum as que
visam ao público adulto.

Fernandes (2012), em sua tese de doutorado, discorre sobre os desafios


do trabalho de educação musical através do canto coral com jovens cumprindo
medidas socioeducativas. O autor destaca que este contexto apresenta
particularidades de atuação diferentes, quando comparado ao trabalho com
adolescentes que não estão com problemas com a lei. Ele menciona que a questão
de se conquistar a credibilidade enquanto educador é um dos grandes desafios,
que segundo o autor deve ser conquistada com relações horizontalizadas e
afetivas. O estabelecimento de normas de conduta para o bom funcionamento
das atividades também é algo a ser construído com bastante empenho.

Há também empresas privadas que mantêm grupos musicais para


seus funcionários, sendo que o canto coral é a atividade mais comum nesta
modalidade. Teixeira (2005) investigou os desafios que coros de empresa impõem
para a formação e atuação de regentes corais. A autora destaca as dificuldades
de se ter um grupo estável e com pouca evasão de cantores, além de mencionar
problemas com o equilíbrio dos naipes, não sendo possível executar boa parte do
repertório já escrito para coro. Além destas questões, a autora menciona que a
atividade coral no ambiente de empresa é vista como uma atividade de lazer e não
educacional, portanto, muitas chefias de setores não liberavam seus funcionários
para a participação do coral.

Podem existir também grupos com instituições sociais próprias, que se


reúnem para constituir um grupo musical. Alguns exemplos incluem: Associação
Coral Florianópolis (ACF), a Sociedade Musical e Cultural Santo Amaro, de
Santo Amaro da Imperatriz (SC), Sociedade Musical Nova Aurora, de Macaé
(RJ) e Sociedade Filarmônica 13 de junho, de Paratinga (BA). A associação é
que contratará o regente, sendo que, às vezes, já existe um plano de trabalho e
proposta pedagógica bem estabelecida de antemão.

213
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

3 CONTEXTOS FORMAIS DE ATUAÇÃO


Dando seguimento a nossa discussão das características de diferentes
espaços de atuação, vamos falar dos contextos formais de atuação, comentando as
contribuições que a regência pode oferecer ao ensino musical.

De maneira geral, no Brasil, contextos formais de ensino musical não


são tão comuns quanto os não formais. Por exemplo, na escola de educação
básica, ainda que nas últimas décadas a presença da música e do teatro tenha
crescido, ainda predomina quase que de forma absoluta o ensino de artes visuais
em detrimento das outras linguagens artísticas. Com relação aos conservatórios
musicais, com currículos formalizados, podemos mencionar alguns exemplos
como o Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier em São João
del Rei (MG), o Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, em
Tatuí (SP) e o Conservatório de Música do Amazonas. Os cursos superiores
em música são relativamente comuns, havendo diversos cursos ofertados por
universidades de todos os estados do Brasil.

3.1 ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA


Primeiramente, gostaríamos de destacar que a regência na educação
musical não pode ser restringida apenas à condução dos grupos tradicionais
que temos mencionado frequentemente neste livro. Ao falarmos em regência na
educação básica, qualquer atividade que envolva prática musical coletiva, seja
vocal ou instrumental, demandará que o professor de música conduza ensaios e
apresentações, em outras palavras, reja.

Em segundo lugar, ao mencionarmos “escola de educação básica”, estamos


nos referindo a um universo permeado de muita diversidade. A Lei n° 9.394, de
1996 (BRASIL, 1996), que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em
seu artigo 21 estabelece que a educação básica é composta pela educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio. Se considerarmos o percurso de um indivíduo
a partir da educação infantil (4 e 5 anos), até o final do ensino médio (17-18 anos de
idade), temos um período de escolarização de, pelo menos, 13 anos!

Além das diversidades inerentes às faixas etárias, temos as desigualdades


presentes no sistema educacional brasileiro. Primeiramente, as desigualdades
econômicas e sociais perceptíveis na divisão entre ensino privado e público,
cada setor apresentando seus desafios peculiares. Além disto, dentro da própria
educação básica pública há desigualdades, dependendo da região e do ente
federativo que sustenta o sistema.

No Brasil, as escolas de ensino básico referências em qualidade são


frequentemente mantidas pelo governo federal. De forma geral, a maneira que
isto pode ocorrer é através dos colégios de aplicação de universidades federais ou

214
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

através de Institutos Federais. Estas instituições federais possuem uma procura


tão grande que, frequentemente, possuem processos de admissão, seja por prova
ou sorteio.

A educação escolar apresenta uma série de desafios para a atuação docente


em música, como a falta de estrutura física e de pessoal, além do tempo restrito
de aula, da tradição do registro de atividades em papel (havendo resistência
para implementação de processos avaliativos práticos), da resistência da equipe
pedagógica a propostas pedagógicas que não envolvam artes visuais, entre
outros. Estas questões particulares da atuação em educação básica são estudadas
de forma extensa na prática de estágio. Lá, você vivenciará estas situações em
primeira mão e terá orientação para como solucioná-las.

Assim, sempre que você pensar em educação musical na educação básica,


tenha consciência de que isto não é uma coisa só, em outras palavras, a diversidade
é uma característica marcante deste contexto. Dentro deste contexto, regência tem
a possibilidade de contribuir com alguns tipos de propostas pedagógicas. Por
exemplo, ser um regente desenvolto contribui para um bom desenvolvimento de
atividades cantadas em sala de aula, ainda que seja apenas em uníssono, tanto
pelas habilidades do regente em conduzir aprendizagem musical, como pelo
auxílio de um gesto de regência consistente no processo.

Bastião (2012) discute as possibilidades e desafios do emprego da prática


de conjunto instrumental na educação básica. A autora aborda este assunto a
partir da perspectiva da formação docente para a atuação na educação básica. A
partir de sua experiência como docente nas disciplinas de estágio na licenciatura
em música, a autora afirma que

existe uma tendência por parte dos licenciandos em conhecer


os principais métodos de ensino, saber como elaborar planos de
aula e planejamentos de curso, transmitir noções teóricas sobre
música (grave-agudo, curto-longo, nome de notas, vida e obra dos
compositores etc.). No entanto, nem sempre eles desenvolvem as
habilidades necessárias para trabalhar de forma prática e expressiva
com a música e seus elementos. Ao mesmo tempo, nem sempre
exemplos musicais são utilizados em sala de aula, ou seja, costuma-se
falar muito sobre música, mas pouco se pratica música com os alunos
(BASTIÃO, 2012, p. 61-62).

É nesta lacuna de formação, constatada por Bastião (2012), que a regência


se sobressai, tanto como disciplina de graduação e objeto de estudo do educador
musical, mas também como uma competência docente em sala de aula. Bastião
(2012) ainda recomenda alguns saberes essenciais para que o educador musical
possa conduzir atividades de prática de conjunto instrumental em sala de aula,
entre eles:

Possuir conhecimentos dos diversos estilos e repertórios musicais,


dando especial atenção ao patrimônio das músicas e manifestações
culturais brasileiras. Saber conduzir (reger) grupos vocais e/ou

215
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

instrumentais. Conhecer técnicas de composição e arranjo vocal e/


ou instrumental. Ter liderança de grupo (ser um bom mediador,
sem tolher nem inibir o aluno). Adequar os conteúdos instrucionais
às características do contexto sociocultural, preferências, perfis e
conhecimentos prévios dos alunos (BASTIÃO, 2012, p. 62).

Assim, boa parte das atividades que envolvam execução musical serão
beneficiadas caso o professor de música tenha a regência moderadamente
desenvolvida. Reiteramos enfaticamente a advertência da autora que a prática
musical seja algo vivo e presente nas aulas de música na educação básica e não
algo que se fala sobre.

A prática do canto coletivo também é uma possibilidade metodológica


para o trabalho na educação básica. Egg (2016) investigou a prática pedagógica,
envolvendo atividades cantadas de um professor de música na educação infantil.
A autora destacou que o professor frequentemente empregava gestual de regência
para conduzir exercícios vocais e a execução do repertório, sendo que “de vez em
quando uma criança imitava os movimentos das mãos, ou seja, toda regência de
Klaus era repetida por alguns” (EGG, 2016, p. 152).

Esta constatação de que a criança imitava o gesto de regência do professor


evidencia a relevância da imitação como canal de aprendizado e assimilação de
hábitos. Neste sentido, cuide bastante para evitar ser um “arauto” da prática
musical, ou seja, um professor que fica anunciando “vamos fazer isso de música,
depois vamos tocar aquilo, pra tocar tem que fazer assim...”. É possível que
você planeje uma aula de prática musical e acabe utilizando o tempo de aula
inteiro para explicar verbalmente o que vai ser feito, não ocorrendo a prática
propriamente. Acredite no grande potencial da imitação na hora de conduzir uma
prática musical, restrinja suas explicações verbais para apenas complementar a
imitação, ou outra estratégia de aprendizado musical que você escolha empregar.
Experienciar a música em primeiro lugar, falar sobre ela pode sempre vir depois.

Destacamos que o emprego da imitação como principal recurso


pedagógico é muito recomendado em atividades práticas focadas em execução
musical. Quando a proposta for baseada em composição e no desenvolvimento
da criatividade musical, o estabelecimento de modelos pelo professor pode
ser um problema, pois tira o propósito de que as crianças explorem materiais
sonoros, criem formas de fazer som, negociem suas composições etc. Beineke
(2015), que aborda estas questões a partir da perspectiva do ensino musical
criativo, destaca que:

Na construção da aprendizagem criativa em sala de aula, pode-se


observar a complexidade da docência, visto que a professora precisa
produzir ações que sustentem a aprendizagem criativa e, ao mesmo
tempo, criar espaços para que a criatividade se desenvolva. Suas aulas
revelam um ambiente de trabalho colaborativo, em que as crianças se
sentem seguras para expressar suas ideias, o que parece ser um reflexo
da valorização e do respeito da professora pelos seus modos de fazer e
pensar música (BEINEKE, 2015, p. 54).

216
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Destacamos, novamente, que a regência, como área do estudo da música,


está centrada na construção e condução da execução musical, o que não a torna
uma ferramenta prontamente empregável na condução de processos pedagógicos
focados na criação musical. Uma preocupação que você deve ter é a diversidade
de objetivos entre diferentes contextos de educação musical: a aula individual de
instrumento, a regência de um grupo musical e a música na educação básica.

DICAS

Consulte a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e verifique quais os


preceitos estabelecidos para a linguagem Música, dentro do componente curricular Arte,
em cada uma das três etapas da educação básica (educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio).

Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versao


final_site.pdf. Acesso em: 20 abr. 2021.

Os alunos de qualquer turma da educação básica, independentemente


de etapa ou faixa etária, apresentarão uma diversidade em questões musicais,
variando bastante em gêneros musicais apreciados, interesse em aprender música,
bem como de experiências prévias com prática musical, alguns já podem tocar
algum instrumento musical. Assim, por mais que a maioria não tiver experiência
com ensino formal de música, sempre haverá vivências musicais anteriores que
não podem ser descartadas no planejamento e execução de atividades musicais.

Haverá identificação da turma com o repertório escolhido? A temática das


músicas está adequada à faixa etária? Caso você escolha temática controversa, como
será realizada o trabalho de crítica e reflexão? E como será justificada esta temática
dentro da comunidade escolar e das famílias? A proposta de prática musical é
factível com as condições materiais e de capacidade musical dos estudantes? De
que forma é possível integrar atividades de composição, apreciação e performance?
Quais conteúdos musicais você pode trabalhar a partir deste repertório? Quais
assuntos transversais pertinentes podem ser desdobrados?

Perceba que estes questionamentos são similares aos que trouxemos


quando falamos sobre escolha de repertório de maneira geral. Uma vez que
se entenda o princípio por trás destas escolhas, fica mais fácil adequar os
questionamentos para diferentes contextos. Para se ter respostas satisfatórias a
estes questionamentos é preciso o desenvolvimento de uma escuta atenta aos
estudantes. Como são suas relações de grupos? Como a música está presente
nestas relações? Existem “tribos” rivais na turma? Quais são as lideranças?

217
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Além destas questões, é importante ter uma boa relação pessoal com a
equipe pedagógica, bem como com os outros professores, pois, frequentemente,
quem trabalha com prática musical na escola precisa da colaboração e da boa
vontade do resto da equipe para questões de barulho e de organizar apresentações.

Os desafios que se impõem aos professores de música que trabalham na


educação básica existem, como para professores de todas as outras disciplinas
escolares. É importante falar dos desafios para que o futuro professor não seja
surpreendido pela realidade, mas é indispensável também evidenciar que a
educação básica proporciona grandes oportunidades para o desenvolvimento
de atividades musicais, principalmente pela própria ausência do ensino musical
neste ambiente no Brasil.

Existe uma fábula sobre dois vendedores de sapato que foram enviados
para um local cuja população local havia sido colonizada por povos europeus
(algumas versões dizem África, outras Índia), a fim de verificar possibilidades
futuras para a venda de calçados. Ao chegar no seu destino o primeiro dos dois
vendedores mandou mensagem para a fábrica dizendo “Péssima oportunidade,
aqui não se usam sapatos”, enquanto o segundo comunicou à fábrica “Aumentem a
produção, pois aqui ninguém usa sapatos ainda, temos uma ótima oportunidade”.

Este conto, frequentemente empregado no meio da gestão empresarial,


mostra como diferentes interpretações da realidade produzem diferentes ações e
atitudes mentais. O fato objetivo para os dois vendedores era o mesmo: não havia
sapatos na população observada. A partir da constatação objetiva, cada um teceu
suas intepretações, fazendo previsões futuras com base nelas. O mesmo pode ser
dito com relação aos desafios encontrados na educação básica, eles existem, ainda
que muito diferentes em cada contexto, qual vendedor será você?

3.2 CONSERVATÓRIOS DE MÚSICA


Conservatórios musicais são instituições direcionadas ao “estudo da
música, habitualmente visando um nível profissional” (SADIE, 1994, p. 214-
215). Tradicionalmente, estas instituições se dedicam exclusivamente para
o ensino instrumental e de matérias teóricas, pautados nos paradigmas da
música de concerto europeia, visando à performance individual e coletiva. Além
da especificidade do repertório, os conservatórios musicais possuem práticas
pedagógica características, como nos aponta Esperidião:

No âmbito da educação musical realizada nos Conservatórios,


observamos que o pensamento de uma educação tecnicista é
predominante. Ao aluno compete adquirir as habilidades necessárias
para a execução instrumental em detrimento de uma educação
musical que contemple o indivíduo como um ser atuante, reflexivo,
sensível e criativo. Ao professor compete a responsabilidade
de transmitir os saberes e os conhecimentos durante o processo
de aprendizagem. Nesse sentido, os currículos dos cursos de

218
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

música dessas instituições priorizam a prática instrumental. Os


conhecimentos estão compartimentados em disciplinas organizadas
de modo linear, sequencial, estanques e fragmentadas, dissociadas
da contemporaneidade musical e descontextualizadas. Os modelos
dos primeiros Conservatórios europeus ainda se perpetuam nessas
instituições. Conforme menciona Béhague (1997), as disciplinas do
currículo contemplam predominantemente a música europeia, “numa
visão elitista e compartimentada do saber” (ESPERIDIÃO, 2002, p. 70).

Se considerarmos o verbete “conservatório” do dicionário Michaelis


On-line, observamos que a palavra se refere a:

ADJ. Relativo à conservação; que se presta a ou que apresenta


propriedades de conservação; conservador, conservativo.
SM. 1 Local, recipiente ou pessoa que conserva ou que se presta a
guardar algo, preservando-o de danos ou deterioração.
2 MÚS Estabelecimento escolar destinado ao cultivo e ensino de
belas-artes, especialmente a música e o canto (CONSERVATÓRIO,
2021, s.p.).

Assim, constata-se que a conceituação de conservatório está baseada no


princípio da preservação das práticas e valores culturais que estimularam a sua
criação. No caso específico dos conservatórios musicais, que foram criados em
países da Europa Ocidental ao longo do século XIX, o propósito é a preservação
do repertório musical dos períodos clássico e romântico, bem como as práticas de
ensino da época.

Estas instituições se modificaram pouco desde sua criação, há quase dois


séculos, o que torna urgente “a construção de um currículo que leve em conta todas
as manifestações musicais como parte inerente ao fazer musical, considerando
a nossa pluralidade e heterogeneidade culturais” (ESPERIDIÃO, 2002, p. 70).
Esperidião (2002) menciona que os currículos e estruturas pedagógicas destas
instituições conduzem, frequentemente, à evasão dos alunos, pois não percebem
aquilo como significativo para a experiência que almejam com música.

A autora ainda destaca que na “elaboração de um currículo de música


observamos uma dicotomia entre música popular e música erudita, deixando
transparecer um conflito de classes e de prioridades sociopolíticas, as quais
influenciam na orientação pedagógica” (ESPERIDIÃO, 2002, p. 70). Este conflito
social de classes, exemplificado pela dicotomia música erudita versus música
popular, fica evidente ao vermos a existência de conservatórios de música
popular, como o Conservatório de Música Popular Brasileira (CMPB), em
Curitiba/PR. Todavia, é preciso considerar que a mudança de repertório abordado
não necessariamente implicará alterações na estrutura curricular e propostas
pedagógicas, podendo existir, em conservatórios de música popular, as mesmas
abordagens da música erudita.

219
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Dentro da estruturação dos níveis de educação no Brasil, os cursos


oferecidos por conservatórios entram na categoria cursos técnicos em música.
Outras instituições que não são conservatórios musicais, como Institutos
Federais, também podem oferecer este tipo de curso. A carga horária mínima
recomendada pelo Ministério da Educação para cursos deste tipo é de 800
horas, sendo comum cursos estarem estruturados com carga horária entre 800
e 1400 horas. Em comparação, um curso de bacharelado em música terá como
carga horária mínima 2400 horas, sendo que cursos de licenciatura em música
duram ainda mais. Todas as cargas horárias mencionadas aqui dizem respeito
ao ensino presencial.

Conservatórios, assim como universidades, frequentemente fazem testes


de seleção de conhecimentos e habilidades musicais para quem deseja ingressar
nos cursos. Assim, é comum que o público atendido nestas instituições já possua
alguma experiência musical formal, no entanto, alguns locais não fazem tal seleção,
podendo ser aceitas pessoas com nenhuma experiência musical formal prévia.

Os indivíduos que optam por fazer um curso conservatorial, pelo simples


fato de terem buscado a instituição, já demonstram, de forma geral, que almejam
ter alguma relação mais aprofundada com música. No entanto, é possível
que alguns estudantes estejam lá só para ter aulas do seu instrumento, não
se interessando por quase nenhuma das outras disciplinas. Isto pode ser uma
característica a se levar em conta se você, como regente, estiver ministrando
disciplinas de prática coletiva.

A faixa etária dos estudantes pode ser variada, dependendo das normas
específicas de cada instituição. Mas, tendo em vista que os cursos oferecidos se
enquadram como cursos técnicos, é mais comum que o público seja composto
por adolescentes e adultos. Por exemplo, o edital de seleção para o CMP de
Itajaí, menciona que os candidatos devem ter concluído, pelo menos, o ensino
fundamental e completar 15 anos de idade até o final do primeiro ano letivo
(ITAJAÍ, 2018).

Assim, a regência irá contribuir nesses cursos com a condução de


atividades práticas coletivas. Programando repertório adequado, planejando,
conduzindo e avaliando ensaios e apresentações, realizando atividades
complementares etc.

Falando em estrutura física, conservatórios possuem estruturas um pouco


mais preparadas para o trabalho com música do que a educação básica, até por
seres especializados no ensino musical. Podem ter instrumentos musicais, salas
de aulas individuais e coletivas, estúdios de gravação, auditório, salas de estudo,
entre outros. Todavia, o tratamento acústico das instalações será uma questão
constante na maioria das instituições de ensino musical no Brasil.

220
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Tendo em vista que o público é composto, principalmente, por interessados


em estudar música seriamente, o trabalho do regente, neste contexto, será mais
focado no desenvolvimento musical dos alunos, ainda que todas as questões
pedagógicas e de liderança mantenham sua importância. Contudo, caso você atue
neste contexto, busque contemplar uma perspectiva ampliada do fazer musical
com seus alunos, contemplando diferentes dimensões do fazer musical, bem
como estimulando-os a pensarem na música como parte de processos históricos,
sociais e psicológicos.

3.3 ENSINO SUPERIOR


De maneira similar aos conservatórios, no ensino superior existem algumas
disciplinas que, tradicionalmente, requerem também uma atuação do professor
como regente. Além da própria disciplina de regência, há também canto coral,
prática de conjunto, prática de orquestra etc. Outras disciplinas, como percepção
musical, dependendo da proposta pedagógica, podem contemplar práticas
musicais coletivas, onde as habilidades de regência podem contribuir.

É pertinente refletir que, conforme vimos no subtópico anterior, a


carga horária de cursos superiores em música, Licenciatura e Bacharelado,
são substancialmente mais extensas que em um curso técnico. Desse modo,
além de estender a duração das disciplinas de tradição conservatorial, há uma
preocupação de diversificar o currículo, contemplando disciplinas da área de
ciências humanas, bem como o desenvolvimento do pensamento crítico e a
iniciação científica. No caso das licenciaturas, haverá a incorporação de um
núcleo de formação pedagógica também, envolvendo disciplinas teóricas e de
estágio docente.

Da mesma maneira que em cursos em conservatórios, disciplinas de


cursos de graduação sempre terão uma ementa, que é uma síntese dos conteúdos
e, às vezes, atividades que devem ser desenvolvidos ao longo da disciplina. A
partir desta síntese o professor deverá elaborar o seu planejamento de ensino
para aquela disciplina.

Vamos verificar a ementa da disciplina de Prática Coral I do curso de


Licenciatura em Música da Universidade do Estado de Santa Catarina: “A prática
da música vocal em conjunto. Desempenho vocal: respiração, afinação, qualidade
sonora e expressividade. Grupos vocais. Estudo de repertório coral a cappella
e/ou com acompanhamento instrumental. Realização de obras corais de épocas
variadas” (UDESC, 2012, p. 33). Percebe-se que o que é previsto está dentro do
cerne da atuação do regente coral: técnica vocal, ensaio de repertório e performance.

221
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Entretanto, devemos ponderar que em um curso de licenciatura em


música, além de aprofundar as habilidades e conhecimentos musicais, deve-
se pensar que as práticas musicais devem trazer valor reflexivo e pedagógico.
Neste sentido, o professor destas disciplinas pode buscar integrar atividades de
formação musical prática e teórica, com o estímulo ao pensamento pedagógico
dos estudantes.

É importante avaliar também o perfil de alunos que, frequentemente,


estão matriculados em cursos de graduação em música. Teremos pessoas das mais
diferentes faixas etárias, a partir dos 18 anos de idade, com inúmeros históricos
musicais e diferentes graus de profundidade em seu envolvimento com música.
Algo muito comum em cursos de licenciatura em música é a presença de alunos
que buscam o curso para poderem estudar música, sem desejar especificamente ser
professores. Este perfil está frequentemente relacionado a músicos populares que
almejam um aprofundamento de sua formação musical, mas não se identificam
com o repertório de música erudita, que é abordada na grande maioria dos cursos
de bacharelado em música no Brasil.

De forma similar aos conservatórios, os cursos superiores em música,


normalmente, têm uma estrutura física e de pessoal razoável para as atividades
musicais. Destacamos que não é necessário ter uma excelente estrutura física
para realizar bons processos de ensino musical, portanto, seja criativo para
potencializar o valor pedagógico de suas aulas com o que você tem à mão.

Com isto chegamos ao final de nosso livro de regência, que bom que você
chegou até aqui em sua leitura. Agradecemos o tempo, atenção e dedicação que
você disponibilizou para estudar o que tínhamos a dizer.

222
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

LEITURA COMPLEMENTAR

ORQUESTRA ESCOLA: EDUCAÇÃO MUSICAL E PRÁTICA SOCIAL

Cristiana de Azevedo Tamonte


Katarina Grubisic

INTRODUÇÃO

Este trabalho descreve uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico, do


curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, sobre
a educação musical de crianças e jovens no projeto social “Orquestra Escola” em
Florianópolis. Este projeto configura-se no espectro das iniciativas comunitárias
que tem caracterizado a democratização das oportunidades culturais e educativas
cuja tendência se expande apartir dos anos 90 do século XX no Brasil. Atingindo
variados setores da sociedade civil, os projetos representam oportunidades
para as camadas da população que estiveram excluídas pelas desigualdades e
concentração de renda de bens materiais e simbólicos.

Nesta pesquisa, procurou-se refletir sobre a convivência entre os


integrantes do grupo, suas relações e conflitos. Nas atividades observadas e nas
entrevistas a pesquisa procurou verificar como esse projeto socioeducativo pode
oferecer múltiplas possibilidades de construção de um ambiente de diferentes
práticas sociais.

Nas últimas pesquisas e práticas na área da Música observa-se que


o conceito de Educação Musical vem adquirindo um sentido mais amplo
atualmente (PENNA, 2008; SOUZA, 2008). Apresenta-se como um conjunto de
práticas sistematizadas para realizar trocas de saberes adquiridos anteriormente
e saberes que o meio oferece.

Dessa maneira, refletir sobre a aprendizagem musical em uma orquestra


como prática social representa um estudo que contribui para fundamentar o
papel da educação musical nos diferentes contextos educativos.

Essa pesquisa teve como instrumentos metodológicos a observação


participativa, um questionário com amostragem para informações estatísticas e
entrevistas abertas dialogadas com sete estudantes da orquestra.

PROJETOS SOCIAIS E INSERÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA MÚSICA

A educação musical em projetos socioeducativos que envolvem o ensino


em orquestras tem sido uma alternativa de acesso democrático para a formação
musical e sociocultural de crianças e jovens que não poderiam arcar com os

223
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

custos de um ensino particular. A aprendizagem musical é um meio de tornar


a prática uma atividade social “contribuindo para que a educação musical não
seja privilégio de uns poucos, mas oportunidade para muitos, se não para todos”
(FIGUEIREDO; SCHMIDT, 2008, p. 6).

A pesquisa sobre projetos sociais surge quando os educadores musicais


buscam alternativas de aprendizagem em outros espaços além da escola. Nos
projetos sociais com orquestras existe um campo para pesquisas na área da
educação musical e áreas afins.

Kater (2004), em estudos sobre projetos de ação social através da música,


aborda o papel da educação musical e a postura do educador nos contextos de
projetos sociais. Para esse autor, na educação musical o educador precisa ter uma
“concepção filosófica, postura política e alguma coragem [...] considerando-se
que as pessoas, a sociedade e o mundo são transformáveis” (KATER, 2004, p. 45).

Segundo Cruvinel (2005), iniciativas em programas sociais que envolvam


ensino coletivo e gratuito de música “vêm contribuindo para o desenvolvimento
sócio-cultural de vários alunos” (CRUVINEL, 2005, p. 17). A autora realiza um
significativo estudo da atuação dos projetos de ensino coletivo de instrumentos
no desenvolvimento musical dos estudantes. “A música na sociedade atual deve
ser entendida como um poderoso instrumento de transformação, não só do
indivíduo, mas do ser humano social” (CRUVINEL, 2005, p. 17).

Vários educadores (ARROYO, 2002; QUEIROZ, 2004; KLEBER, 2008)


apontam que a educação musical precisa avançar para aceitar a diversidade cultural
e buscar as referências de vida do educando, valorizando suas identidades sociais e
culturais. “Uma educação musical só será significativa quando conseguir fazer
da experiência musical uma experiência para a vida na sociedade e na cultura em
geral” (QUEIROZ, 2004, p. 104).

Kleber (2008) analisa a educação musical nos projetos sociais dizendo que
“a música é fruto de práticas sociais que interagem na dinâmica da diversidade
cultural” (KLEBER, 2008, p. 214). Para essa autora, as práticas musicais são fruto
das articulações socioculturais, de caráter coletivo e interativo, refletindo-se na
organização social e no modo de ser dos grupos sociais. Seus estudos falam do
papel da educação musical nos projetos sociais colaborando para minimizar as
desigualdades em busca da dignidade humana. As vivências musicais têm um
grande significado para a reconstrução de novas noções de valores pessoais e
sociais. A educação musical nos projetos sociais precisa reconhecer que “a
produção de conhecimento pedagógico- musical deve considerar múltiplos
contextos da realidade social, dissolvendo categorias hierárquicas de valores
culturais” (KLEBER, 2008, p. 234).

224
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

As atividades musicais envolvem as relações sociais e colocam a criança e


o adolescente em contato com a cultura e a educação musical. Esse processo ocorre
tanto na apreciação da música em si como na atividade de tocar em um grupo.
Para Joly e Joly (2009) os processos educativos em uma orquestra comunitária se
originam na prática social da convivência de um grupo de músicos.

Os estudos sobre projetos sociais com orquestras demonstraram algumas


características comuns a esses projetos como, por exemplo, terem sido criados
por uma pessoa ou grupo com idealismo e muito trabalho. Têm atuado junto
a um grande número de estudantes que não poderiam arcar com os custos do
aprendizado musical. São denominados socioeducativos, pois estão no campo
da educação e inserção social. Utilizam a música em orquestras e trabalham
educação musical em um enfoque artístico, com apresentações públicas.

O PROCESSO EDUCATIVO NO PROJETO ORQUESTRA ESCOLA

O Projeto Orquestra Escola é um projeto social que desde 2006 ensina


música através de aulas, ensaios e apresentações a cerca de cem crianças e
adolescentes com idade a partir de seis anos de várias regiões da Grande
Florianópolis. Tem como principal objetivo o desenvolvimento integral dos
educandos ao formar uma orquestra de cordas e sopro.

A Orquestra Escola realiza apresentações públicas em teatros, praças e


escolas. Esse projeto oferece ensino musical gratuitamente e sem teste de seleção.
Sua concepção de ensino/aprendizagem musical não contempla a idéia de “talento
Inato”, mas de educação para o exercício do fazer artístico a partir do interesse
do educando. O repertório é apresentando com músicas eruditas, populares,
folclóricas e midiáticas. Os estudantes mais experientes tocavam as partes mais
complexas da partitura e os iniciantes as mais simples.

A pesquisa verificou que a Orquestra Escola nos seus aspectos


educacionais, artísticos e sociais foi um campo que ofereceu experiências diversas
aos estudantes envolvidos. O ambiente formado levou a práticas com diferentes
sujeitos, valorizando- se sua singularidade dentro do grupo. Isso gerou uma
grande influência na formação da identidade das crianças e jovens que participam
e também a construção de grupo com objetivos comuns, onde cada integrante
tem sua importância.

Para Penna (2008) o processo de educação musical deve ter como objetivo
uma mudança na experiência de vida do educando e a função do ensino da música
é: “ampliar o universo musical do aluno, dando-lhe acesso à maior diversidade
possível de manifestações musicais” (PENNA, 2008, p. 25).

A Orquestra Escola, ao realizar apresentações para o público, atribui


sentido ao processo de aprendizagem dos estudantes nas aulas e denota uma
responsabilidade com o resultado sonoro e artístico para os integrantes do grupo.

225
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

Na expressão dos estudantes via-se a consciência incorporada por estes de que


o progresso do grupo dependia de cada um. A partir do grupo, cada integrante
procura o seu melhor desempenho, sentindo-se importante e digno de participar
desse processo.

Para Souza (2000), a educação musical não deve ficar na “mera transmissão
de conhecimentos, mas a produção de uma consciência verdadeira que exigiria a
participação de pessoas emancipadas” (SOUZA, 2000, p. 179).

Segundo a psicologia de aprendizagem de Vygotsky (2010), o


desenvolvimento cultural é construído através das interações dos sujeitos com
o seu contexto histórico e cultural. O conhecimento ocorre pelo intercâmbio
social entre o educando e o que o meio lhe oferece, criando-se assim situações
de aprendizagem. Esse autor verificou que o meio social tem uma importância
fundamental na formação do educando sendo “a verdadeira alavanca no processo
educacional” (VYGOSTSKY, 2010).

A EXPRESSÃO DOS EDUCANDOS DA ORQUESTRA

Esta pesquisa analisou a expressão dos sujeitos envolvidos, para captar


impressões e expectativas através de entrevistas semi-estruturadas com sete
estudantes que tocam na orquestra há mais de dois anos. Procurou-se ter uma
amostra de várias faixas etárias e de diferentes instrumentos.

Pelas entrevistas observou-se que vários estudantes utilizavam o


instrumento emprestado do projeto, levando para suas casas para a prática. “Para
ir ao projeto eu pego dois ônibus... trabalho não é. Por que eu carrego o violoncelo
como uma parte do meu corpo” (Bruna, entrevista, 2012).

Segundo relatos das entrevistas, uma vez em contato com o instrumento


novo, o estudante tinha um momento de vacilação, mas era levado a aprender
pelo grupo e pela sua própria vontade de experimentar o novo. “Cheguei lá não
era nada do que eu pensava, viola era um instrumento parecido com violino.
Legal! Eu vou tentar!” (Charles, entrevista, 2012)

A maioria dos entrevistados nunca havia tido alguma aula de música ou de


instrumento. O contato com orquestra, mesmo somente assistindo apresentações,
pode modificar a idéia de aprender música tornando sua participação uma prática
educativa e social, além de artística. “A gente tem a oportunidade de tentar, se eu
não tivesse essa oportunidade, não estaria tocando baixo hoje, por que eu tentei,
consegui e gostei” (Alexandre, entrevista, 2012).

Aprender a tocar um instrumento musical e participar de uma orquestra


foi a oportunidade de aproximar-se de um campo de conhecimento muitas vezes
restrito às camadas sociais mais abastadas. Algo novo e diferente se tornou
próximo e possível.

226
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Pelas entrevistas e observações foi possível confirmar que a educação


musical que ocorria na Orquestra Escola estava firmada na aprendizagem de
um instrumento com objetivo de participação na orquestra para a realização
das apresentações. Com esse pressuposto os estudantes tinham motivação para
aprender a tocar, aprender leitura musical, diferentes técnicas e estilos. Também
os estudantes desenvolviam o fazer musical em grupo, aprendendo a ouvir os
colegas e interagir com eles. A participação na Orquestra possibilitou exercer a
arte almejada, ao mesmo tempo em que propiciou a integração em um coletivo
identitário, com sentimento de pertencimento e afirmação social.

No processo pedagógico da Orquestra Escola, descrito pelos estudantes


nas entrevistas, eles aprendem não somente nas aulas como também em outras
atividades como momentos informais de intervalos, encontros com colegas ou
em casa em contato com material didático/musical específico.

Nos relatos dos entrevistados verificou-se que por ser uma atividade em
grupo a orquestra se identificou como uma forma de interação entre diferentes
integrantes. A estudante demonstra como aprende com seus colegas: “eu aprendi
tudo assim com o Vitor [colega], e também Piratas do Caribe eu aprendi com ele o
começo e o resto eu ficava olhando a Érica [educadora] e tentando tocar”(Thyane,
entrevista, 2012).

Os estudantes iniciantes na aprendizagem procuravam observar e escutar


os que já estavam em estágios mais avançados. Esse processo de ver e ouvir o
outro para tentar fazer da mesma maneira estimula o que os neurocientistas
chamam de “neurônios- espelho”. Se alguém faz um movimento corporal
complexo que nunca realizamos antes, os nossos neurônios-espelho identificam
no nosso sistema corporal os mecanismos proprioceptivos e musculares
correspondentes e tendemos a imitar (LAMEIRA et al. 2006, p. 129).

Todos os estudantes falaram que tocar em um projeto, aprender um


instrumento musical e participar de uma orquestra desencadeia diversas
mudanças em suas vidas. O resultado da convivência com os estudantes da
Orquestra Escola e análise de suas falas descreve a diversidade de concepções de
opiniões e motivos para o fazer musical no projeto. É perceptível a quantidade de
elementos novos que afetam diretamente esses estudantes, desde o momento em
que é dada a oportunidade de fazer parte do projeto até as experiências vividas
no cotidiano da orquestra.

Entendendo o acesso à cultura como um direito universal e a música como


um patrimônio da Humanidade a que deve ser para, a Orquestra Escola realiza a
práxis educativa e, portanto, transformadora do contexto social a que se propõem
desde seus primórdios.

227
REGÊNCIA E EDUCAÇÃO MUSICAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática musical é um ato social e coletivo e deve ser oferecido para todos
como um direito ao ensino musical. O grupo musical de orquestra pode ser o meio
que possibilita importantes interações entre os integrantes. Observou-se com
essa pesquisa que a apreciação musical (ouvir) bem como o fazer musical (tocar)
promoveram o desenvolvimento humano dos estudantes. Além disto, auxiliaram
na promoção de sua cidadania plena, tanto por propiciar a oportunidade do
exercício da arte em sua plenitude, quanto, do ponto de vista social, possibilitar
alternativas àqueles que porventura se encontrassem em situação de risco social.

Existe uma grande diversidade na orquestra formada pelo Projeto


Orquestra Escola: diversidade geracional, étnica, de classe social, de opções
por instrumentos e gêneros musicais diferenciados, de aptidão musical, de
conhecimento específico da teoria/prática musical etc. Com o objetivo comum de
tocar em conjunto todos foram aceitos. O grupo se desenvolve na medida em que
cada um o integrava com seu potencial.

A pesquisa com os educandos indicou que no que concerne a seu


desenvolvimento pessoal dentro do Projeto Orquestra Escola foram encontrados
elementos que formam uma rede de relações como: o contato com a música;
o contato com o nstrumento; a influência dos familiares; as interações com os
colegas; as relações com os educadores; as experiências com o público; as novas
perspectivas de futuro.

Observou-se com estes estudos que interações dentro do grupo


musical promoveram situações de aprendizagem que atuam diretamente
no desenvolvimento humano e constituição do sujeito. Para que isso ocorra é
preciso uma organização pedagógica do projeto planejada, levando-se em conta
o contexto em que os alunos vivem e as suas relações com a educação musical.

Ao fazer parte do grupo musical, os estudantes sentiam sua importância


dentro da orquestra como integrantes de um todo que realizava algo maior do
que simplesmente tocar a sua parte das músicas. Dentro do grupo cada músico
percebia seu papel musical e também sua importância social. A orquestra
constituiu-se como um lócus importante de criação de identidade social e pessoal,
promovendo um contexto de exercício de cidadania, pela vivência grupal, e de
consolidação de uma auto-estima positiva, do ponto de vista pessoal.

A orquestra formou a identidade do grupo com características próprias


que se modificou cada vez que entrava um diferente integrante. Ao mesmo tempo,
o estudante que começava a participar do grupo também ia se modificando e
realizando interações com os demais. O grupo forma e transforma o sujeito, e é
formado e transformado por este em um movimento pleno, dinâmico, de práxis
social coletiva.

228
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

A educação musical em uma orquestra não foi apenas apropriação das


técnicas do instrumento e domínio da arte musical. Conviver e tocar em grupo
foi se relacionar constantemente com o outro e com aquilo que se aprendia.
Além de habilidades musicais consolidaram-se os fatores sociais na prática
musical. Dessa forma, participar desse projeto social com orquestra configurou-se
como uma prática social que proporcionou elementos pedagógicos importantes
para o desenvolvimento dos estudantes como pessoa através da arte e das
práticas musicais.

A Orquestra Escola propiciou uma oportunidade de articulação grupal,


comunitária, construtora de alternativas sociais e pessoais, como lócus educativo
essencial e plural. Alicerçando-se na ação artística, pode abarcar em sua
complexidade, uma gama extensa de grupos e sujeitos que são amalgamados por
esta vivência que os realiza, dignifica e lhes permite visibilidade e amplitude social.
Dessa forma, comprova a possibilidade de percorrer caminhos de realização e
paz social.

FONTE: TAMONTE, C. A.; GRUBISIC, K. Orquestra escola: educação musical e prática social.
In: V Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical, 2012, Goiânia. Anais
Eletrônicos… Goiânia, UFG, 2012, p. 48-57.

229
RESUMO
Você aprendeu que:

• A educação não formal é caracterizada pela intencionalidade de se ensinar, mas


não existindo uma sistematização curricular e institucional, enquanto os contextos
formais, além da intenção, possuem estrutura curricular e institucional estabelecida
e fornecem certificados válidos de conclusão de curso.

• Projetos Sociais são espaços de atuação que podem apresentar desafios


relacionados a desigualdades sociais e econômicas e podem mesclar trabalhos
assistencialistas, educacionais, culturais e esportivos.

• Instituições religiosas oferecem diversas oportunidades de educação musical,


tendo como objetivo o fazer musical na liturgia.

• Escolas de Música podem oferecer para os seus clientes atividades musicais em


grupo, além das aulas de instrumento.

• A escola de educação básica é um ambiente muito diverso, permeado


de desigualdades, entretanto, apresenta grandes oportunidades para o
desenvolvimento musical de crianças que, talvez, não tenham acesso ao ensino
musical de outra maneira.

• Conservatórios musicais são instituições de ensino musical que, de forma geral,


ofertam cursos de música em nível técnico, sendo permeadas por tradições de
repertório e de práticas pedagógicas que, aos poucos, estão sendo atualizadas.

• Os cursos superiores em música se diferenciam dos cursos de nível técnico


por ampliarem as áreas do conhecimento contempladas, por exemplo ciências
humanas e educação, além de aprofundar os estudos musicais.

• A regência é uma ferramenta valiosa a ser empregada em processos de ensino


musical, principalmente se reconhecermos suas vantagens e limitações,
buscando perceber a educação musical em um sentido mais amplo, para além
da execução musical.

230
AUTOATIVIDADE

1 A atuação como regente em projetos sociais é bastante desafiadora


devido a inúmeros fatores, como desigualdade social e criminalidade. De
acordo com esta realidade, classifique V para as sentenças verdadeiras e
F para as falsas:

( ) A escolha de repertório deve ser feita de modo a ter significado para os


alunos.
( ) Você conquistará o respeito dos alunos impondo disciplina, sem abertura
para diálogo, de modo que consiga conduzir as atividades musicais.
( ) Como projetos sociais têm uma vocação assistencialista, a função da
música dentro deles é apenas de recreação.
( ) Não há garantias de que as condições materiais sejam favoráveis ao
trabalho com música, por isto, é importante fazer o que se pode com o que
se tem, ao mesmo tempo que se buscam meios de melhorar a estrutura.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – V – V.
b) ( ) F – V – F – V.
c) ( ) F – F – F – V.
d) ( ) V – F – F – V.

2 A música está intimamente ligada com a maioria das práticas religiosas.


Com base na atuação do professor/regente nestes contextos, analise as
sentenças a seguir:

I- Algumas denominações religiosas aceitam a participação de um


profissional que não seja membro da congregação, outras não.
II- Cada denominação religiosa vai ter sua tradição musical e seus ritos
religiosos, sendo importante o regente estar bem-informado sobre estas
questões para desempenhar bem suas funções.
III- É comum que os regentes neste contexto tenham aprendido música na
própria congregação, podendo conduzir a uma perpetuação de práticas
pedagógicas irrefletidas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Todas as sentenças estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

231
3 Os conservatórios são instituições que se dedicam, especificamente, ao
ensino musical. Com relação às características dos conservatórios musicais,
analise as sentenças a seguir:

I- Os cursos oferecidos por conservatórios se enquadram como parte da


educação básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB/96).
II- A atuação do professor como regente pode ocorrer em diferentes
disciplinas do curso, como prática de conjunto e canto coral, por exemplo.
III- Apesar da histórica predominância da música erudita nos programas
dos cursos, alguns conservatórios já se especializam no ensino da música
popular.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

4 A escola de educação básica é um contexto bastante diverso e que apresenta


desafios próprios à implementação do ensino de música. Discorra a respeito
das contribuições da regência para o ensino musical neste contexto.

5 Escolas de música podem ofertar atividades coletivas, como coro, banda e


orquestra, aos seus estudantes. Escreva sobre as características deste campo
de atuação.

232
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