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Artigo Original DOI:10.

5902/2179460X14468

Ciência e Natura, Santa Maria, v. 37 Ed. Especial PROFMAT, 2015, p. 95 – 102


Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM
ISSN impressa: 0100-8307 ISSN on-line: 2179-460X

Frações Contínuas, Determinantes e Equações Diofantinas


Lineares
Continued Fractions, Determinants and Linear Diophantine Equations

Resumo
Delfim Dias Bonfim*1 e Gilmar Pires Novaes 2
O presente artigo se destina à apresentação de um método de resolução de equações diofantinas lineares, utilizando, para tal
1
Colégioe determinantes.
finalidade, os conceitos de frações contínuas Dom Alano Marie Du Noday,
Inicialmente, TO, Brasil
apresentamos a definição de fração contínua simples,
sua interpretação geométrica e alguns teoremas fundamentais relacionados a esse conceito. Posteriormente, relacionamos as
frações contínuas simples finitas com os determinantes. Finalmente, apresentamos a definição de equação diofantina linear e
demonstramos o método para resolvê-la 2
Universidade Federal do
utilizando os conceitos Tocantinsmencionados.
anteriormente , TO, Brasil
Palavras-chave: Frações contínuas, Determinantes, Equações diofantinas lineares.
Frações Contínuas, Determinantes e Equações Diofantinas
Lineares
Abstract

This article is intended to present a method for solving linear diophantine equations, using for this purpose, the concepts of
Continued Fractions, Determinants and Linear Diophantine Equations
continuous fractions and determinants. Initially we present the definition of simple continued fraction, geometric interpretation
and some fundamental theorems related to this concept. Subsequently we relate the finite simple continued fractions with
determinants. Finally we present the definition of linear Diophantine equation and we demonstrate the method to solve it using
the concepts mentioned above.
Keywords: Continued Fractions, Determinants, Linear Diophantine Equations.

Resumo

O presente artigo se destina à apresentação de um método de resolução de equações diofantinas lineares, utilizando, para tal
finalidade, os conceitos de frações contínuas e determinantes. Inicialmente, apresentamos a definição de fração contínua simples,
sua interpretação geométrica e alguns teoremas fundamentais relacionados a esse conceito. Posteriormente, relacionamos as
frações contínuas simples finitas com os determinantes. Finalmente, apresentamos a definição de equação diofantina linear e
demonstramos o método para resolvê-la utilizando os conceitos anteriormente mencionados.
Palavras-chave: Frações contínuas, Determinantes, Equações diofantinas lineares.

Abstract

This article is intended to present a method for solving linear diophantine equations, using for this purpose, the concepts of
continuous fractions and determinants. Initially we present the definition of simple continued fraction, geometric interpretation
and some fundamental theorems related to this concept. Subsequently we relate the finite simple continued fractions with
determinants. Finally we present the definition of linear Diophantine equation and we demonstrate the method to solve it using
the concepts mentioned above.
Keywords: Continued Fractions, Determinants, Linear Diophantine Equations.

Recebido: 21/06/2014 Aceito: 10/08/2014


* delfimd@yahoo.com.br
Ciência
Ciência ee Natura
Natura, v. 37 Ed. Especial PROFMAT, 2015, p. 95 – 102 2
96
Ciência e Natura 2

1 Introdução 2.1 Interpretação geométrica da Definição 1


1 Introdução 2.1caso
No Interpretação geométrica
particular em que da Definição
a é um número 1
inteiro po-
1
Em geral, para resolver equações diofantinas lineares, sitivo, podemos fornecer uma
No caso particular em que a1 interpretação
é um númerogeométrica
inteiro po-
utilizamos
Em geral, opara algoritmo
resolver deequações
Euclides de "trás paralineares,
diofantinas frente". da Definição 1 para a representação de um número por
sitivo, podemos fornecer uma interpretação geométrica
Neste artigo, aprentaremos um método
utilizamos o algoritmo de Euclides de "trás para frente". alternativo. Em meio de frações contínuas. Para tal finalidade, conside-
da Definição 1 para a representação de um número por
outras palavras, mais precisamente,
Neste artigo, aprentaremos um método alternativo. Em demonstraremos remos
meio de frações contínuas. Para tal finalidade, conside-
um
outrasmétodo para resolução
palavras, de equações
mais precisamente, diofantinas li-
demonstraremos 1
remos x = a1 + .
neares
um método utilizando
para frações
resolução contínuas e determinantes.
de equações diofantinas li- 11
a +
x = a1 + 2 a + .
O primeiro
neares utilizando resultado
frações (Teorema
contínuas 1) nos mostra a es-
e determinantes. 3 1.
treita a2 + ..
O relação
primeiro entre as frações
resultado contínuas
(Teorema simples
1) nos e finitas
mostra a es- a3 + .
etreita
os números racionais. O segundo resultado
relação entre as frações contínuas simples e finitas (Teorema Inicialmente, devemos construir um . . retângulo de di-
2) nosnúmeros
e os fornece as relaçõesOque
racionais. nos permitem
segundo resultado obter tanto
(Teorema mensões 1 × x. Em
Inicialmente, seguida,
devemos construiremos
construir quadrados
um retângulo de di-
o2)numerador quanto o denominador
nos fornece as relações que nos permitem obter tantodo i-ésimo conver- “gulosos”
mensões 1dentro × x. Emdesse retângulo,
seguida, isto é, sempre
construiremos colo-
quadrados
gente de uma quanto
o numerador dada fração, de forma recorrente,
o denominador do i-ésimoou seja,
conver- cando o maior quadrado dentro do espaço
“gulosos” dentro desse retângulo, isto é, sempre colo- ainda livre.
agente
partirdede uma condições iniciais
dada fração, deeforma
dos quocientes
recorrente,parciais
ou seja, Por exemplo,
cando o maior naquadrado
Figura 1 adentro
seguir,do
temos 1, a2 livre.
a1 =ainda
espaço = 2,
da fraçãode
a partir contínua.
condições Apresentaremos (terceiro resultado
iniciais e dos quocientes parciais aPor
3 = 2, . . ., ou seja,
exemplo, na Figura 1 a seguir, temos a1 = 1, a2 = 2,
-daTeorema 3) a Fórmula
fração contínua. do determinante,
Apresentaremos (terceiroa qual, em
resultado a3 = 2, . . ., ou seja,
particular,
- Teorema nos 3) amostra
Fórmula quedo o máximo divisor acomum
determinante, qual, em de 1
x = 1+ .
dois convergentes consecutivos é 1.
particular, nos mostra que o máximo divisor comum de 2 + 11
x = 1+ 2+1 .
doisAlternativamente ao métodoérecorrente
convergentes consecutivos 1. descrito no
2 + ...
Teorema 2, veremos que, usando
Alternativamente ao método recorrente descritodeterminantes, pode-no 2+ .
mos obter2,o numerador e ousando
denominador de um conver- ..
Teorema veremos que, determinantes, pode- Figura 1: Interpretação geométrica de frações contínuas.
gente
mos obterconhecendo
o numerador apenas e oosdenominador
quocientes parciais, sem a
de um conver-
necessidade dos convergentes precedentes. Figura 1: Interpretação geométrica de frações contínuas.
gente conhecendo apenas os quocientes parciais, sem a
A partir da
necessidade dosdefinição
convergentes de equação diofantina linear,
precedentes.
demonstraremos um resultado (Proposição
A partir da definição de equação diofantina 1) quelinear,
nos
fornece condições necessárias e suficientes
demonstraremos um resultado (Proposição 1) que nos para que uma
dada
fornece equação diofantina
condições linearepossua
necessárias suficientessolução.
para Usando
que uma
frações contínuas, mostraremos
dada equação diofantina linear possua solução. (Teorema 4) que,Usando
quando
tais equações
frações possuem
contínuas, solução, essas
mostraremos (Teoremasão infinitas.
4) que, quando
taisMostraremos,
equações possuem também, como essas
solução, obter sãosoluções particu-
infinitas.
lares, e, por consequência,
Mostraremos, também, as comosoluções gerais, departicu-
obter soluções equa-
ções diofantinas lineares usando frações
lares, e, por consequência, as soluções gerais, de equa- contínuas e de-
terminantes,
ções diofantinas lineares usando frações contínuas e es-
mostrando, assim, que esses conceitos de-
tão intimamente
terminantes, relacionados.
mostrando, assim, que esses conceitos es-
tão intimamente relacionados.
2 Frações Contínuas Figura 1 - interpretação
Observamos, assim,geométrica
que os de funções contínuas
quocientes parciais
2 Frações Contínuas a1 , aObservamos,
2 , a3 , . . . representam a quantidade de quadrados
assim, que os quocientes parciais de
Inicialmente, definiremos fração contínua simples, sua cada tamanho.
a1 , a2 , a3 , . . . representam a quantidade de quadrados de
representação geométrica associada
Inicialmente, definiremos e algunssimples,
fração contínua resultados
sua cada Caso a fração contínua simples seja finita, podemos
tamanho.
essenciais.
representação geométrica associada e alguns resultados escrever
Caso aexpressão
a (1) como
fração contínua simples seja finita, podemos
essenciais.1. Uma fração contínua simples ou regular é
Definição escrever a expressão (1) como
1
uma expressão
Definição 1. da Uma forma
fração contínua simples ou regular é a1 + ,
1 1
uma expressão da forma 1 a1 + a2 + a + ,
a1 + , (1) 3 .1 1
11 a2 + . .+
a +
a1 + 2 a + , (1) a3 + . a1
3 1. . .+ n
a2 + .. a
a3 + . a qual denotaremos por [ a1 , a2 , a3 , . . .n, an ] ou
..
sendo a2 , a3 , . . . números inteiros positivos e a1 um número a qual denotaremos por [ a1 , a2 , a3 , . . . , an ] ou
inteiro
sendo aqualquer. Os termos a1 , a2positivos
, a3 , . . . são
e a1denominados 1 1 1
2 , a3 , . . . números inteiros um número a1 + .
quocientes parciais.Os termos a1 , a2 , a3 , . . . são denominados
inteiro qualquer. a12 + a13 + · · · + a1n
a1 + .
quocientes
Podemos, parciais.
ainda, denotar (1) por [ a1 , a2 , a3 , . . .] ou a2 + a3 + · · · + a n
Neste caso, podemos aplicar o mesmo processo de
Podemos, ainda, denotar
1 1(1) por [ a1 , a2 , a3 , . . .] ou construção
Neste caso, acima para um
podemos retângulo
aplicar o mesmocom processo
dimensõesde
a1 + × q (com pacima
pconstrução q inteiros
< q, p,para positivos).com dimensões
a12 + a13 + · · · um retângulo
a1 + p × q (com p < q, p, q inteiros positivos).
a2 + a3 + · · ·
97 Bonfim e Novaes : Frações contínuas, determinantes e equações diofantinas lineares
3 Autores: Título curto do artigo

O Teorema a seguir relaciona frações contínuas sim- Inicialmente, vamos considerar a seguinte pergunta:
ples e finita aos números racionais. Omitiremos a de- Será possível obter o n-ésimo convergente de uma fra-
monstração desse resultado, a qual pode ser obtida em ção contínua, sem antes obter todos os convergentes
BONFIM (2014), MOORE (1964) e OLDS (1963). precedentes àquele?
Veremos que a resposta a essa pergunta é afirmativa,
Teorema 1. Qualquer fração contínua simples e finita
bem como apresentaremos um modo diferente de re-
[ a1 , a2 , . . . , an ] representa um número racional. Reciproca-
solver esse problema usando determinantes. Para esse
mente, qualquer número racional pode ser representado por
propósito, necessitaremos apenas dos números inteiros
uma fração contínua simples finita.
a1 , a2 , . . . , an , obtidos da expansão de um dado número
Definição 2. Denominamos convergente de ordem i da em forma de fração contínua.
fração contínua [ a1 , a2 , . . . , an ] o número Na definição a seguir, usamos as terminologias fun-
ção n-linear e alternada. A primeira significa que a fun-
pi 1
ci = = a1 + , 1 ≤ i ≤ n. ção é linear em cada uma das suas n variáveis. A se-
qi 1 gunda, por sua vez, significa que a função é antissimé-
a2 +
a3 + . trica.
. .+ 1
ai Definição 3. O determinante de uma matriz quadrada A
O Teorema a seguir mostra como obter os numera- de ordem n, denotado por det( A), é a única função (escalar)
dores e os denominadores do i-ésimo convergente de f que possui as seguintes propriedades:
forma recorrente. Omitiremos a demonstração desse • f é n-linear e alternada nas linhas da matriz A.
resultado, a qual pode ser obtida em BONFIM (2014),
MOORE (1964) e OLDS (1963). • f ( In ) = 1, em que In denota a matriz identidade de
ordem n.
Teorema 2. O numerador pi e o denominador qi do i-ésimo
p Para o cálculo concreto do determinante de uma ma-
convergente ci = i da fração contínua [ a1 , a2 , a3 , . . . , an ]
qi triz quadrada A de ordem n, podemos usar o conhecido
satisfazem as equações desenvolvimento de Laplace, como segue: escolhemos con-
{ venientemente uma coluna j de A, de modo que
p i = a i · p i −1 + p i −2
, i = 1, 2, 3, . . . , n,
q i = a i · q i −1 + q i −2 n
det( A) = ∑ (−1)i+ j · aij · det( Aij ),
com as condições iniciais j =1
{ {
p −1 = 0 p0 = 1 sendo Aij a matriz obtida de A por supressão da sua
e .
q −1 = 1 q0 = 0 i-ésima linha e sua j-ésima coluna. De modo análogo,
podemos, alternativamente, escolher convenientemente
uma linha i de A, tal que
3 Determinantes e as frações contí-
n
nuas det( A) = ∑ (−1)i+ j · aij · det( Aij ).
i =1
Nesta seção, apresentaremos a relação existente entre as Inicialmente, para os nossos propósitos, vamos obter
frações contínuas e os determinantes. o numerador pi do i-ésimo convergente. Primeiramente,
Teorema 3 (Fórmula do Determinante). A relação analisaremos os cinco primeiros, os quais, conforme o
� � Teorema 2, satisfazem as equações
� p i p i −1 � i
� � 
� qi qi−1 � = pi · qi−1 − pi−1 · qi = (−1) (2)
 a1 · p0 + p −1 = p1


 a2 · p1 + p0 = p2

é verdadeira para todo i ≥ 0, sendo pi e qi o numerador e o a3 · p2 + p1 = p3 . (3)
denominador, respectivamente, do i-ésimo convergente (ci ). 

 a · p + p = p
 4 3
 2 4
Demonstração. Pode ser obtida em BONFIM (2014), a5 · p4 + p3 = p5
MOORE (1964) e OLDS (1963). Podemos reescrever a expressão (3) da seguinte ma-
Pelo Teorema 2 temos que os numeradores e os de- neira 
nominadores de um convergente são obtidos de forma  p −1 + a 1 · p 0 − p 1 = 0


recorrente, ou seja, usamos a representação do número 
 p0 + a2 · p1 − p2 = 0
em frações contínuas e as condições iniciais para obter- p1 + a3 · p2 − p3 = 0 . (4)
mos os numeradores e denominadores dos convergen- 

 p2 + a4 · p3 − p4 = 0


tes subsequentes. p3 − a5 · p4 − p5 = 0
Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial PROFMAT, 2015, p. 95 – 102 98
Ciência e Natura 4

De acordo com o Teorema 2 temos que p−1 = 0 e Isso significa que, para o cálculo de p5 , necessitamos
p0 = 1. Substituindo essas informações na expressão apenas dos termos a1 , a2 , a3 , a4 e a5 , decorrentes da
(4), resulta que expansão em fração contínua do número dado.
 Para obter o denominador qi do i-ésimo convergente,

 p1 = a1 que ocorre no Teorema 2, procedemos de maneira aná-

 a2 · p1 − p2 = −1
 loga. A única alteração consiste nas condições iniciais,
p1 + a3 · p2 − p3 = 0 . (5) em que q−1 = 1 e q0 = 0. Assim, obtemos a seguinte



 p2 + a4 · p3 − p4 = 0 expressão para o denominador q5 , ou seja,

p3 − a5 · p4 − p5 = 0
� �
� 1 −1 0 0 0 ��
Dessa forma, temos cinco equações lineares nas cinco �
� 0 a2 −1 0 0 ��
incógnitas p1 , p2 , p3 , p4 e p5 . Isso significa que podemos �

q5 = � 0 1 a3 −1 0 ��
resolver o sistema acima para obter o valor de qualquer �
� 0 0 1 a4 −1 ��
uma dessas incógnitas, que, em verdade, são os nume- � 0 0 0 1 a5 �
radores dos convergentes c1 , c2 , c3 , c4 e c5 , respectiva- � �
mente. Vamos concentrar nossa atenção na obtenção da �
� a2 −1 0 0 ��
incógnita p5 , a qual será dada por � 1 a3 −1 0 ��
q5 = � . (8)
� 0 1 a4 −1 ��
� � �
� −1 0 0 0 − a1 �� � 0 0 1 a5 �

� a2 −1 0 0 −1 ��

� 1 a3 −1 0 0 �� Portanto, a partir das expressões (7) e (8), obtemos o

� 0 1 a4 −1 0 �� p5

� convergente c5 = , sem a necessidade dos convergen-
0 0 1 a5 0 � q5
p5 = � �. (6) tes precedentes.

� −1 0 0 0 0 ��
� a2 −1 0 0 0 �� Por um raciocínio análogo podemos obter o con-
� vergente cn , conhecendo apenas os quocientes parciais
� 1 a3 −1 0 0 ��
� [ a1 , a2 , . . . , an ], isto é,
� 0 1 a4 −1 0 ��

� 0 0 1 a5 −1 �
� �
Analisando o denominador da expressão acima, obser- �
� a1 −1 0 0 0


vamos claramente que seu resultado será (−1)5 , e, de � 1 a2 −1 0 �
0
� �
maneira mais geral, para pn , será (−1)n , pois se trata � .. �

� 0 1 . −1 0 ��
de uma matriz diagonal inferior, cujo determinante é o � 0 0 1 an−1 −1 ��

produto dos elementos de sua diagonal. pn � 0 0 0 1 an �
O próximo passo será permutar a última coluna do cn = = � � .
qn � a2 −1 0 0 ��
numerador com a sua primeira, o que requer um total �
� .. �
de 4 = 5 − 1 (ou n − 1) permutações, lembrando que, ao �
� 1 . −1 0 ��
permutar duas colunas (ou inversão de sinais de uma � 0 1 an−1 −1 ��

coluna), seu determinante (em valor absoluto) não se � 0 0 1 an �
altera. Assim, necessitamos realizar 5 = (5 − 1) + 1
alterações de sinais, sendo as quatro primeiras devido No exemplo a seguir, ilustramos o uso de determi-
à troca de colunas, acrescida de uma inversão de si- nantes, conforme apresentamos anteriormente.
nais da coluna mencionada. Geralmente, precisamos
de n = (n − 1) + 1 alterações de sinais. Realizar as Exemplo 1. Usando determinantes (sem usar os conver-
n = (n − 1) + 1 alterações de sinais do numerador cor- gentes precedentes), obteremos o quarto convergente
responde a executar essas modificações e multiplicar o 225
da fração contínua correspondente ao número .
resultado por (−1)n . Observando que o denominador é 157
(−1)n , temos que esses valores se simplificam, indepen-
dentemente de n ser par ou ímpar. Por consequência, a Pelo algoritmo de Euclides, obtemos
expressão (6) se resume a
225 = 1 · 157 + 68
� �

� a1 −1 0 0 0 �� 157 = 2 · 68 + 21
� 1 a2 −1 0 0 ��
� 68 = 3 · 21 + 5
p5 = �� 0 1 a3 −1 0 �� . (7)
� 0 0 1 a4 −1 �� 21 = 4·5 +1

� 0 0 0 1 a5 � 5 = 5·1 + 0.
99 Bonfim e Novaes : Frações contínuas, determinantes e equações diofantinas lineares
5 Autores: Título curto do artigo

Assim, Definição 5. Uma solução particular arbitrária da equa-


ção diofantina linear ax + by = c (respectivamente,
225 1
= 1+ ax − by = c) é um par ordenado ( x0 , y0 ) de números inteiros
157 1
2+ tal que ax0 + by0 = c (respectivamente ax0 − by0 = c).
1
3+
1 O resultado que segue nos fornece uma condição
4+
5 necessária e suficiente para que uma equação diofantina
= [1, 2, 3, 4, 5] = [ a1 , a2 , a3 , a4 , a5 ]. linear possua solução.

Para fixar ideias, adaptaremos as expressões (7) e (8) Proposição 1. Sejam a e b inteiros positivos tais que
para o caso em que n = 4. Ou seja, d = mdc( a,b). A equação ax + by = c admite soluções
  inteiras se e somente se d divide c.
 a1 −1 0 0 
 Demonstração. Suponhamos que a equação ax + by = c
 1 a2 −1 0 
  admita solução x0 e y0 . Como d divide a e b, segue que
 0 1 a3 −1 

 0 0 1 a4  d divide c = ax0 + by0 . Reciprocamente, se d divide c,
p4
c4 = =   então existe um número inteiro k tal que c = kd. Por
q4  a2 −1 0 

 1 a3 −1 
 outro lado, pelo Teorema de Bachet-Bézout 1 , existem
  inteiros n e m de modo que d = an + bm. Multiplicando
 0 1 a4 
  por k essa última equação, obtemos c = kd = a(kn) +
 1 −1 0 0  b(km). Logo, a equação ax + by = c admite pelo menos

 1 2 −1 0  uma solução, a saber, x = kn e y = km. 
 
 0 1 3 −1 

 0 0 1 4  Exemplo 3. A equação diofantina linear 3x + 9y = 4
c4 =   não possui solução. De fato, basta observar que
 2 −1 0 
  mdc(3,9) = 3 não divide 4.
 1 3 −1 
 
 0 1 4  Se ax + by = c possui solução, é imediato verificar
43 que essa equação é equivalente à a1 x + b1 y = c1 , em
c4 = . a b c
30 que a1 = , b1 = e c1 = tal que mdc( a1 ,b1 ) = 1.
d d d
Observemos que, para obtermos o convergente de- Assim, podemos nos concentrar apenas em ax + by = c,
sejado, devemos calcular os determinantes presentes no tais que d = mdc( a,b) = 1.
numerador (de ordem 4) e no denominador (de ordem
3), que resultam em aplicações relacionadas a esse con- Teorema 4. Se a e b são números inteiros positivos, tais que
ceito. d = mdc( a,b) = 1, então a equação

ax − by = 1 (9)
4 Equações Diofantinas lineares possui infinitas soluções inteiras.
A resolução de vários problemas em Matemática condu- Demonstração. Pelo Teorema 1, podemos representar
zem a equações cujas soluções devem ser números in- a
o número racional como uma fração contínua simples
teiros (possivelmente positivos). Como exemplo típico, b
e finita
citamos um proposto por Euler: a
= [ a1 , a2 , . . . , a n ]. (10)
b
Exemplo 2. (Euler) De quantas maneiras podemos com- p pn
prar selos de 7 e 11 reais, se dispomos de 100 reais? Os dois últimos convergentes cn−1 = n−1 e cn = =
q n −1 qn
a
Iniciamos esta seção com a seguinte definição: constituem o meio adequado para a solução da equa-
b
Definição 4. Uma equação da forma ção ax − by = 1, pois eles satisfazem as relações do
Teorema 3, ou seja,
ax + by = c ou ax − by = c,
pn · qn−1 − pn−1 · qn = (−1)n ,
sendo a, b e c números inteiros não nulos, é denominada
equação diofantina linear. e, substituindo pn = a e qn = b, obtemos

Tais equações receberam este nome em homenagem a · qn−1 − b · pn−1 = (−1)n . (11)
ao matemático grego Diofanto de Alexandria, que viveu 1O Teorema de Bachet-Bézout afirma que: se d = mdc( a,b), então
aproximadamente no século III d.C. existem números inteiros n e m tais que d = an + bm.
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Ciência e Natura 6

Se n é par, segue que x0 = qn−1 e y0 = pn−1 é uma Exemplo 4. Obteremos as soluções gerais das equações
solução particular da equação ax − by = 1. 13x − 17y = 1 e 13x − 17y = −1.
Se n é ímpar, temos que (−1)n = −1. Neste caso,
Usando o algoritmo de Euclides, obtemos
podemos modificar o último termo an da expansão da
fração contínua obtida em (10), substituindo 17 = 1 · 13 + 4

 1 1 13 = 3 · 4 + 1

 por , se an > 1

 a 1 4 = 4·1 +0
 n an − 1 +
1 .
 1 1 13

 por , se a n = 1 e, com isso, = [0, 1, 3, 4]. Ou seja, existe um número

 1 a n −1 + 1 17
 a n −1 +
an par de quocientes parciais. Devemos calcular o conver-
gente c3 , o qual satisfaz
Em outras palavras, se a expressão (10) possui um � � � �
número ímpar de quocientes parciais, podemos � a1 −1 0 � � 0 −1 0 �
� � � �
transformá-la em outra com um número par, ao con- � 1 a2 −1 � � 1 1 −1 �
� � � �
siderarmos p3 � 0 1 a3 � � 0 1 3 � 3
{ c3 = = � � = � � = .
[ a1 , a2 , . . . , an ] = [ a1 , a2 , . . . , an − 1, 1], se an > 1 q3 �
� a2 −1 �
� �
� 1 −1 �
� 4
. � 1 a3 � � 1 3 �
[ a1 , a2 , . . . , an ] = [ a1 , a2 , . . . , an−1 + 1], se an = 1

Uma vez que obtivemos a solução particular ( x0 , y0 ) Segue que ( x0 , y0 ) = (4,3) é uma solução particular
da equação (9), decorre facilmente a sua solução geral. da equação 13x − 17y = 1, pois 13(4) − 17(3) = 1.
Para isso, consideremos ( x, y) outra solução de (9). Logo, Portanto, sua solução geral é dada por
{
ax − by = ax0 − by0 = 1. x = 4 + 17t
, t ∈ Z.
y = 3 + 13t
Daí resulta que
Multiplicando 13(4) − 17(3) = 1 por (−1), obtemos
a ( x − x0 ) = b ( y − y0 ). (12) 13(−4) − 17(−3) = −1. Logo, ( x1 , y1 ) = (−4, − 3) é
uma solução particular da equação 13x − 17y = −1.
Como mdc( a,b) = 1, segue que b divide x − x0 . Logo,
Portanto, sua solução geral é da forma
existe um número inteiro t tal que
{
x = −4 + 17t
x − x0 = bt se e somente se x = x0 + bt. (13) , t ∈ Z.
y = −3 + 13t
Substituindo (13) em (12), obtemos
Estudaremos, agora, as soluções das equações
b( at) = b(y − y0 ). ax − by = c e ax + by = c, tais que mdc( a,b) = 1. Tendo
aprendido como resolver a equação ax − by = 1, as solu-
Logo, ções dessas equações decorrem sem dificuldade, como
segue.
y − y0 = at se e somente se y = y0 + at. (14)
• 1o caso: Consideremos a equação ax − by = c,
Portanto, qualquer solução ( x, y) da equação tal que mdc( a,b) = 1.
ax − by = 1 é da forma
{ Dada uma solução particular ( x0 , y0 ) de ax − by = 1,
x = x0 + bt de modo que
, t ∈ Z. (15)
y = y0 + at ax0 − by0 = 1,
Por outro lado, se ( x0 , y0 ) é uma solução particular de multiplicando ambos os membros dessa equação por c,
ax − by = 1, as relações dadas em (15) satisfazem a obtemos
equação dada. De fato, a(cx0 ) − b(cy0 ) = c. (16)

ax − by = a( x0 + bt) − b(y0 + at) Logo, (cx0 , cy0 ) é uma solução particular de ax − by = c.


Portanto, sua solução geral é dada por
= a( x0 − by0 ) + abt − abt
{
= a( x0 − by0 ) = 1. x = cx0 + bt
, t ∈ Z. (17)
y = cy0 + at

Portanto, as soluções dadas, conforme (15), são denomi- • 2o caso: Consideremos a equação ax + by = c,
nadas de solução geral da equação ax − by = 1. tal que mdc( a,b) = 1.
101 Bonfim e Novaes : Frações contínuas, determinantes e equações diofantinas lineares
7 Autores: Título curto do artigo

Inicialmente, é necessário conhecer uma solução par- tranformá-la em uma outra equivalente, com um nú-
ticular de ax + by = 1. Para isso, devemos obter a ex- mero par de quocientes parciais. Como an = a5 = 2 >
a 205
pansão em fração contínua de com um número par 1, consequentemente = [2, 4, 1, 8, 2] = [2, 4, 1, 8, 1, 1].
b 93
p pn a
de convergentes, dos quais cn−1 = n−1 , cn = = � �
q n −1 qn b � −1 0
a1 0 0 �
satisfazem �



a2 −1 0
1 0
aqn−1 − b( pn−1 ) = 1 �



� 0
1 a3 −1 0 �
ou, equivalentemente, �
� 0
0 1 a4 −1 �

p5 � 0
0 0 1 a5 �
aqn−1 + b(− pn−1 ) = 1, (18) c5 = = � �
q5 a2 −1 0
� 0 ��

mostrando, portanto, que x0 = qn−1 e y0 = −( pn−1 ) é �
1 a3 −1 0 ��

uma solução particular de ax + by = 1. 0 � 1 a4 −1 ��

Observamos que 0 � 0 1 a5 �
� �
� 2 −1 0 0 0 ��
ax + by = c · 1 = c · [ a · qn−1 + b · (− pn−1 )], ou seja, �
� 1 4 −1 0 0 ��
a( x − c · qn−1 ) = b(−y − c · pn−1 ) (19) �
� 0 1 1 −1 0 ��

� 0 0 1 8 −1 ��
Como mdc( a,b) = 1, segue que b divide ( x − c · qn−1 ). �
� 0 0
Logo, existe um número inteiro t, tal que 0 1 1 �
c5 = � �
� 4 −1 0 0 ��

x − c · qn−1 = bt se e somente se x = c · qn−1 + bt. (20) � 1 1 −1 0 �
� �
� 0 1 8 −1 ��
De (20) em (19), temos �
� 0 0 1 1 �
b( at) = b(−y − c · pn−1 ). 49
c5 = .
108
Assim,
Segue que x0 = q5 = 49 e y0 = p5 = 108 são solu-
− y − c · pn−1 = at ⇐⇒ y = c · (− pn−1 ) − at. (21) ções da equação 205x − 93y = 1. Com isso, obtemos
205(245) − 93(540) = 5. Logo, (5x0 , 5y0 ) = (245, 540)
Por outro lado, para qualquer número t ∈ Z, uma é uma solução particular da equação 205x − 93y = 5.
substituição direta utilizando (18), (20) e (21), nos for- Portanto, sua solução geral é
nece {
x = 245 + 93t
ax + by = a(c · qn−1 + bt) + b(− at − c · pn−1 ) , t ∈ Z.
y = 540 + 205t
= a · c · qn−1 + abt − abt + b · c · (− pn−1 )
Analogamente, (−5x0 , −5y0 ) = (−245, −540) é uma so-
= c · [ a · qn−1 + b · (− pn−1 )] = c · 1 = c. lução particular da equação 205x − 93y = −5. Conse-
quentemente, sua solução geral é
Portanto, a solução geral da equação ax + by = c tem a
{
forma x = −245 + 93t
{ , t ∈ Z.
x = c · qn−1 + bt y = −540 + 205t
, t ∈ Z. (22)
y = c · (− pn−1 ) − at A seguir, resolveremos o Exemplo 2, devido a Euler,
com o qual iniciamos a seção.
Exemplo 5. Obteremos as soluções gerais das equações
205x − 93y = 5 e 205x − 93y = −5. Exemplo 6. Dispondo-se de 100 reais, quais são as quan-
tias que se podem gastar para comprar alimentos que
Usando o algoritmo de Euclides, obtemos
custam 11 reais e 7 reais?
205 = 2 · 93 + 19 Sabendo que uma quantia (k1 ) é múltipla de 11 e
93 = 4 · 19 + 17 outra (k2 ) é múltipla de 7, podemos escrever k1 = 11x
19 = 1 · 17 + 2 e k2 = 7y, em que x e y são números inteiros positivos.
Assim, a solução do problema consiste em resolver a
17 = 8·2 +1
equação
2 = 2 · 1 + 0. 11x + 7y = 100. (23)
205 Utilizando o algoritmo de Euclides, obtemos
Assim, = [2, 4, 1, 8, 2], que, por sua vez, tem um
93 11
número ímpar de convergentes. Com isso, devemos = [1, 1, 1, 3] = [ a1 , a2 , a3 , a4 ]. Como n = 4, segue
7
Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial PROFMAT, 2015, p. 95 – 102 102
Ciência e Natura 8

que x0 = qn−1 = q3 e y0 = pn−1 = p3 são soluções


da equação 11x + 7(−y) = 1. Usando determinantes,
obtemos
� � � �
� a1 −1 0 � � 1 −1 0 �
� � � �
� 1 a2 −1 � � 1 1 −1 �
� � � �
p3 � 0 1 a3 � � 0 1 1 � 3
c3 = = � � = � � = .
q3 � a2 −1



� 1 −1


� 2
� 1 a3 � � 1 1 �

Logo, ( x0 , y0 ) = (2, 3). Segue de (22) que


{
x = 200 + 7t
(24)
y = −300 − 11t
é solução geral da equação 11x + 7y = 100. A natureza
peculiar do problema exige que os números x e y sejam
positivos, ou seja,
{
x = 200 + 7t >0
.
y = −300 − 11t > 0
Daí, t = −28, uma vez que t ∈ Z. Substituindo esse
valor de t em (24), obtemos
{
x = 200 + 7t = 200 + 7(−28) = 4
.
y = −300 − 11t = −300 − 11(−28) = 8
Logo, k1 = 11x = 44 e k2 = 7y = 56. Portanto, podem
ser gastos 44 reais comprando alimentos que custam 11,
e 56 reais com os que custam 7.

5 Conclusões
Procuramos, no decorrer deste artigo, apresentar um
método alternativo para a resolução de equações dio-
fantinas lineares, usando frações contínuas e determi-
nantes.
Entendemos que esse método, para valores em que
a expansão em frações contínuas não seja muito extensa,
torna-se bem mais interessante do que aquele tradicio-
nalmente abordado, o qual se baseia no algoritmo de
Euclides, de "trás para frente".
De outro modo, acreditamos que, em última análise,
o método mencionado acima está respaldado pelos seus
caracteres de cunho didático, educativo e informativo.

Referências
BONFIM, D. D. (2014). Frações contínuas com aplicações.
UFT.
MOORE, C. G. (1964). An introduction to continued frac-
tions. The National Council of Teachers of Mathema-
tics.
OLDS, C. D. (1963). Continued fractions. Handom House
The L. W. Singer Company.

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