Você está na página 1de 110

OBSTETRÍCIA

96 INTENSIVO

27 Fisiologia da gestação

1. Fecundação, nidação e decidualização


A fecundação ocorre no terço distal da tuba uterina (porção ampular), formando o zigoto. O embrião alcança a
cavidade uterina por volta do 4º ou 5º dia pós-fecundação, no estágio de mórula. Quando se encontra no estágio de
blastocisto, o embrião fixa-se e invade o endométrio, ocorrendo a nidação. Esse processo acontece cerca de 7 a 10
dias após a ovulação.
A partir da ocorrência da implantação, o trofoblasto,
componente embrionário, e a decídua, componente ma-
terno, contribuem para a formação da placenta. As células
endometriais sofrem transformação decidual e são morfo-
logicamente volumosas, poliédricas ou arredondadas, com
núcleo arredondado e vesicular, citoplasma claro e circun-
dado por membrana translúcida. A partir do trofoblasto,
são formadas as vilosidades coriônicas, que se dividem
em cório frondoso (ou viloso), na área de implantação do
embrião, e cório liso, no lado contralateral. São funções
da decídua proteger o ovo da destruição e assegurar-lhe o
alimento na fase inicial do seu desenvolvimento.
Figura 1 - Decídua marginal
Seguem as divisões topográficas da decídua e do cório:
As decíduas parietal e basal apresentam 3 camadas: superficial, média e profunda (ou basal). As 2 primeiras
destacam-se com a dequitação. A zona basal remanescente irá refazer o endométrio após o parto.

2. Hormonologia na gestação inicial


A gonadotrofina coriônica humana (HCG), produzida pelos tecidos embrionários iniciais (sinciciotrofoblasto),
tem como principal função evitar a involução do corpo lúteo e fazê-lo secretar quantidades maiores de estrogênio e
progesterona nos primeiros meses de gravidez, mantendo a natureza decidual do endométrio necessária à implan-
tação do embrião e manutenção da gravidez. O corpo lúteo exerce esse papel da 6ª à 7ª semana, quando as células
do sinciciotrofoblasto da placenta progressivamente assumem essa função até a plenitude, ao redor da 12ª semana
de gestação. Entre a 13ª e a 17ª semanas de gestação, o corpo lúteo irá involuir.
A placenta é fonte de hormônios esteroides, enzimas fetais e enzimas placentárias, que trabalham conjunta-
mente na produção de estrogênios. O colesterol materno é o principal precursor da progesterona produzida pela
placenta. A produção de progesterona não depende das enzimas fetais, mas de enzimas placentárias.
Os estrogênios secretados pela placenta são formados quase inteiramente a partir do DHEAS e 16-OH-DHEAS,
produzidos tanto nas glândulas adrenais da mãe quanto nas suprarrenais fetais. Portanto, a produção de estro-
gênios placentários depende de substratos fetais, e a excreção de estriol (estrogênio de maior produção) materno
poderia ser um índice do estado do feto.

Funções dos hormônios na gestação


Progesterona
- Inibe a contratilidade uterina e a lactação;
- Desenvolve o parênquima mamário e o metabolismo hídrico;
- Imunossupressão relativa;
- Promove o aumento das secreções tubárias e do útero e a decidualização.
Estrogênio
- Crescimento uterino e das mamas e genitália externa da gestante;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 97

Estrogênio
- Promove o relaxamento das articulações sacroilíaca e sínfise pubiana, facilitando a passagem do feto pelo canal
do parto;
- Aumenta o fluxo sanguíneo local.
Gonadotrofina coriônica humana
- Produzida pelo sinciciotrofoblasto a partir do 3º dia pós-fertilização;
- Principal função: manter o corpo lúteo;
- Detectada no sangue materno a partir do 8º dia após a fecundação;
- Atinge seu pico entre 60 e 90 dias de gestação e declina a partir do 2º trimestre;
- Sua concentração é duplicada a cada 48 a 72 horas no 1º trimestre.
Somatotrofina coriônica humana
Promove o desenvolvimento das mamas e a formação de tecidos proteicos, diminui a sensibilidade materna a insuli-
na (maior disponibilidade de glicose para o feto) e promove a liberação de ácidos graxos livres das reservas maternas
(lipólise).

3. Diagnóstico de gestação
Os sinais, sintomas e achados laboratoriais que sugerem ou determinam a gravidez podem ser classificados em
evidência presuntiva, sinais de probabilidade e sinais de certeza de gravidez.

A - Sinais de certeza
a) Batimento cardíaco fetal:
Ultrassonografia transvaginal: embrião com comprimento cabeça–nádegas ≥7mm (de 7 a 8 semanas);
Sonar Doppler: 12 semanas;
Pinard: 18 a 20 semanas.
b) Movimentação fetal (16 a 20 semanas de gestação)
Existe discórdia na literatura quanto ao fato de ser movimentação fetal referida pela mãe ou percebida pelo
médico.

B - Sinais e sintomas de presunção gravídica


Atraso menstrual (principalmente em mulheres com ciclos menstruais regulares);
Presença de náuseas ou vômitos (supostamente pelo aumento do HCG);
Polaciúria (a anteflexão acentuada do útero comprime a bexiga e causa micção frequente);
Alterações mamárias (mastalgia, aumento da circulação venosa).

C - Evidências prováveis de gestação


Eram usadas no passado para diagnóstico. Esses sinais podem ser notados nos órgãos genitais e em outros
órgãos e sistemas do organismo materno e são conhecidos por seus epônimos.
Órgãos Características
- Cloasma (máscara gravídica): hiperpigmentação difusa ou circunscrita, escura e mais nítida nas áre-
as muito expostas à luz (face, nariz e região zigomática), por provável hiperfunção do lobo anterior
Face da hipófise (hipersecreção de hormônio melanotrófico);
- Sinal de Halban: lanugem na testa, nos limites do couro cabeludo.
98 INTENSIVO

Órgãos Características
- Sinal de Hunter (aréola secundária);
Mamas - Rede venosa de Haller;
- Tubérculos de Montgomery (hipertrofia das glândulas sebáceas).
- Sinal de Holzapfel: peritônio rugoso devido à congestão do útero;
- Consistência uterina amolecida;
- Contrações de Braxton Hicks;
Superfície - Sinal de Hegar e Goodel: amolecimento do istmo e colo;
- Sinal de McDonald: o útero pode ser refletido como dobradiça, pelo amoleci-
mento do istmo;
Útero - Sinal de Landin: amolecimento localizado do istmo.
- Sinal de Piskacek: abaulamento localizado no local de implantação do ovo;
Forma
- Sinal de Nobile-Budin: preenchimento dos fundos de saco laterais.
- Sinal de Puzos: rechaço fetal;
- Sinal de Osiander: pulso vaginal;
Outros
- Sinal de Hartmann: sangramento decorrente de implantação ovular que pode
ocorrer após cerca de 7 a 8 dias da concepção.
Sinal de Jacquemier, Jacquemier-Kluge ou Jacquemier-Chadwich (coloração violácea da vagina, do
Vulva e vagina
vestíbulo e do meato urinário)

4. Ultrassonografia no início da gestação


Permite identificar o saco gestacional intraútero quando os níveis séricos de beta-HCG são de 2.000mUI/mL
(por vezes até com valores inferiores). Os batimentos cardíacos do embrião devem ser identificados, com segurança,
quando este atinge 7mm de comprimento cabeça–nádegas (entre 6 e 7 semanas).
A frequência cardíaca embrionária deve estar entre 90 e 180bpm. O saco gestacional pode ser avaliado quanto
à sua forma, regularidade, local de implantação e medida de seus diâmetros.
A gestação será dita anembrionada quando não se identifica embrião em saco gestacional com diâmetro má-
ximo >25mm ou quando não se identifica imagem de vesícula vitelínica com saco gestacional de 11mm de diâmetro
médio.

5. Resumo de conceitos
Fecundação União dos gametas
Segmentação Série de divisões celulares sucessivas no zigoto
Nidação Fixação e invasão do embrião no endométrio
Transformação decidual Modificação histológica sofrida pelo endométrio

6. Resumo de achados ultrassonográficos –


via transvaginal
Características Achados de imagem
- Identificação de saco gestacional in-
- Beta-HCG = 2.000 (ou menos);
traútero;
- Diâmetro do saco gestacional: - Identificação de embrião dentro do
· Máximo – >25mm; saco gestacional;
- Comprimento cabeça–nádegas = - Identificação de batimentos cardía-
7mm. cos embrionários.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 99

28 Modificações locais e sistêmicas no organismo


materno

1. Modificações locais

A - Útero
Volume
Hipertrofia e hiperplasia celular (estímulo hormonal): ao final da gestação, o útero gravídico pesa cerca de 1kg e tem ca-
pacidade de 4 a 5L.
Consistência
Há amolecimento de todo o órgão, principalmente nas regiões do istmo (sinal de Hegar) e do colo uterino (sinal de Goodell).
Forma
Até a 20ª semana de gestação, possui forma esférica; depois, ocorre transformação para forma cilíndrica.
Situação
- No 1º trimestre: acentuada a atitude fisiológica de anteversoflexão (compressão vesical e polaciúria);
- No 2º e 3 º trimestres: dextroversão do órgão; o colo de útero é deslocado posteriormente.
Coloração
Maior afluxo sanguíneo à região genital leva a coloração violácea.

B - Ovários
Corpo lúteo
- Esteroidogênese inicial;
- Mantido pelo HCG até 12 semanas, quando então involui com a queda deste hormônio.

C - Vulva e vagina
Volume, consistência e forma
- Sofrem tumefação, ficando edemaciadas, moles e flexíveis;
- Tecido conjuntivo mais frouxo, musculatura lisa hipertrofiada (suportar a distensão durante o parto).
Afluxo sanguíneo e secreções
- Maior afluxo sanguíneo à região genital, leva a coloração violácea da vagina, do vestíbulo e do meato urinário (sinal de
Jacquemier, Jacquemier-Kluge e Jacquemier-Chadwick);
- Pulso vaginal ao toque (sinal de Osiander);
- Aumento das secreções vaginais e da concentração de glicogênio livre, com diminuição do pH.

D - Mamas
Volume, consistência e forma
Aumento do volume
Afluxo sanguíneo e pigmentação
- Veias superficiais tornam-se dilatadas (rede venosa de Haller) e visíveis sob a pele;
- O mamilo torna-se saliente e mais pigmentado, com glândulas sebáceas hipertrofiadas (tubérculos de Montgomery);
- Hiperpigmentação e aparecimento da aréola secundária (sinal de Hunter).
100 INTENSIVO

2. Modificações sistêmicas
Sistemas Alterações
Há relaxamento, hidratação e maior distensão de ligamentos e cartilagens, especialmente o pube, e as arti-
Osteoarticular
culações sacroilíacas e sacrococcígeas (aumento da vascularização devido ao estrogênio e da progesterona).
- Aumento da pressão intraperitoneal e diminuição da resistência do esfíncter esofágico inferior favo-
recem o refluxo gastroesofágico;
- Ação da progesterona: maior tempo de esvaziamento gástrico e diminuição do peristaltismo intesti-
nal (favorece pirose retroesternal, sensação constante de plenitude gástrica e constipação intestinal).
Digestório Ação na musculatura lisa da vesícula biliar, diminuindo a contratilidade e o trânsito do órgão (aumenta
o risco de formação de cálculos biliares);
- Aumento nos níveis séricos de fosfatase alcalina; diminui a concentração plasmática de albumina em
cerca de 20%, aumento da produção de alfa e betaglobulinas;
- Anorexia e náuseas são relativamente comuns no 1º trimestre da gestação (associadas a produção de HCG).
- Aumento da frequência cardíaca de repouso e do débito cardíaco (elevação de 30 a 50% no rendimento
cardíaco);
- Redução dos níveis da pressão arterial (principalmente a diastólica e no 2º trimestre): a placenta, terri-
Circulatório tório de baixa resistência, funciona como fístula arteriovenosa e diminui a resistência vascular perifé-
rica. No 3º trimestre esses níveis ascendem até atingirem valores pré-gravídicos, próximos ao termo;
- O útero aumentado comprime a veia cava inferior, dificultando o retorno venoso, podendo acarretar o
aparecimento de edemas e varizes nos membros inferiores, na vulva e no plexo hemorroidário.
- Aumenta de até 50% da volemia (valores máximos próximos à 28ª semana): aumento do volume plas-
mático e do número de células sanguíneas; os valores da hemoglobina e do hematócrito diminuem
entre o 3º e o 5º meses de gestação, pois o aumento do volume eritrocitário é inferior ao do volume
plasmático (“anemia dilucional”);
Sangue - Relativa leucocitose (leucograma podendo atingir até 15.000 células);
- Plaquetas diminuem ligeiramente em número (hemodiluição e aumento do consumo);
- Nível de fibrinogênio e fatores de coagulação se elevam no plasma, exceto os XI e XIII. Estado “pró-
-coagulante” da gestação gera maior suscetibilidade à ocorrência de trombose vascular e/ou trombo-
embolias.
- Hiperventilação, aumentando a pO2 e diminuindo a pCO2 arterial (alcalose respiratória, compensada
pela excreção renal do bicarbonato);
Respiratório - O volume corrente aumenta de 30 a 40%; diminuição progressiva do volume expiratório de reserva e
do volume residual, com consequente redução da capacidade residual funcional. Entretanto, a capaci-
dade total pulmonar não é alterada.
- Aumento em até 50% do fluxo plasmático renal e taxa de filtração glomerular, com aumento no clear-
ance de creatinina, ureia e ácido úrico (diminuição nas concentrações plasmáticas destes substratos),
aumento na filtração da glicose (sem alteração de sua capacidade de reabsorção tubular, levando a
glicosúria) e aumento da filtração proteica em até 300mg ao dia na urina das gestantes;
Urinário
- A redução da atividade peristáltica nos ureteres (ação miorrelaxante da progesterona) e a dextrorro-
tação do útero provocam estase urinária ureteral e refluxo vesicoureteral. Somados a isso, a alteração
da imunidade da gestante e a alteração da composição urinária (mais glicose e aminoácidos, além de
pH mais alcalino) predispõem a infecção urinária.
- Aumento da produção de prolactina e T3 e T4 (mas as frações livres destes no plasma não aumentam,
pois as proteínas carregadoras dos hormônios tireoidianos também aumentam, pela ação do estro-
gênio);
- FSH e LH diminuem;
Endócrino - TSH inalterado. Aumento da glândula tireoide, sendo possível a palpação já no 1º trimestre;
- Aumento da produção e ação de hormônios placentários contrarreguladores da insulina (lactogênio
placentário, estrogênio, progesterona e cortisol), tendendo ao aumento da glicemia materna e ao au-
mento da produção de insulina pelo pâncreas;
- Aumento da secreção de aldosterona, prevenindo a perda de sódio pela urina.
“Marcha anserina”: o centro de gravidade da gestante é alterado com o útero e as mamas pesando fron-
Postura e
talmente e, para equilibrar, a gestante joga o corpo para trás e afasta os pés para ampliar o polígono
deambulação
de sustentação.
- Hiperpigmentação cutânea (cloasma gravídico, aréolas primária e secundária na mama e linha nigra,
no abdome);
Pele
- Estrias gravídicas;
- Telangiectasias na face, no pescoço e no tronco, devido aos altos níveis de estrogênio circulantes.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 101

Sistemas Alterações
- Minerais: redução do cálcio total sem alteração significativa do cálcio iônico (hemodiluição); taxas de
magnésio diminuídas (por volta do 8º mês, nos valores mínimos); concentração de fósforo inalterada;
demanda de ferro elevada, principalmente na 2ª metade da gestação;
- Equilíbrio hidroeletrolítico: retenção hídrica, acarretando retenção proporcional de sódio (sistema
renina–angiotensina–aldosterona, visando manter a osmolaridade plasmática). A quantidade total
de sódio e potássio é maior na gestação, porém, por estarem diluídos, sua concentração sérica está
diminuída;
Metabolismo - Carboidratos: hipoglicemia de jejum (consumo contínuo de glicose pelo feto); hiperglicemia pós-pran-
dial (aumento da resistência periférica a insulina), estimulando hiperplasia e hipertrofia de células
betapancreáticas e uma hiperinsulinemia compensatória;
- Proteínas: aumentadas em valores absolutos, porém, em virtude da hemodiluição gestacional, suas
concentrações séricas estão diminuídas;
- Lipídios: lipólise (estimulada pelo glucagon, HPL e GH) aumenta a disponibilidade de ácidos graxos
livres no plasma materno. A lipólise e a hiperinsulinemia facilitam a ocorrência de cetose materna em
vigência de jejum prolongado.

29 Assistência pré-natal

1. Recomendações gerais
A assistência pré-natal adequada tem como objetivo primário a adoção de medidas preventivas, terapêuticas
e de promoção à saúde que favorecem, em última instância, a redução da morbimortalidade materna e neonatal.
Todas as gestantes devem realizar o pré-natal, que deve ser iniciado logo após o diagnóstico de gravidez.
Como prevenção de malformações fetais e defeitos no sistema nervoso central (tubo neural), é indicado o uso
do ácido fólico nos 3 meses que antecedam a concepção até a 8ª semana de amenorreia. A dose utilizada é de 0,4 a
0,8mg/d (rotina) e de 4mg/d no caso de mulheres com antecedentes obstétricos de malformação do tubo neural ou
com dieta pobre em ácido fólico (pressupõe baixos níveis séricos de ácido fólico).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a anemia por deficiência de ferro um grave problema de
saúde pública no Brasil e, por meio do Programa Nacional de Suplementação de Ferro, recomenda a suplementação
de 40mg de ferro elementar diariamente até o final da gestação.
O Ministério da Saúde e a FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) reco-
mendam, no mínimo, 6 consultas, porém, considerando pacientes que tiverem intercorrências durante a gestação
ou gestantes de alto risco, o número de consultas aumenta. As consultas deverão ser mensais até a 28ª semana,
quinzenais entre 28 e 36 semanas e semanais no termo. Não existe alta do pré-natal.

2. Antecedentes
Deve ser realizada uma anamnese minuciosa na busca de dados que permitam a avaliação ginecológica e obsté-
trica atual e pregressa, em virtude de guiar o pré-natal de maneira adequada. Na anamnese, devem estar presentes:
Idade (extremos de idade versus riscos);
Etnia (doenças e anatomia associadas a etnia);
Queixa atual (leucorreia, edema, varizes, entre outras);
Hábitos e antecedentes pessoais (doenças atuais e crônicas, medicamentos, vícios);
Antecedentes ginecológicos e obstétricos.
É necessário investigar a presença de doenças ginecológicas, como mioma, pólipos, moléstia inflamatória pélvi-
ca aguda, entre outras, que possam vir a interferir na gestação atual.
102 INTENSIVO

Nos antecedentes obstétricos, devem-se investigar patologias presentes em gestações anteriores, como
doença hipertensiva específica da gestação, diabetes gestacional, história de aborto, malformações fetais.
Também é importante saber:
Via dos partos anteriores;
Antecedentes familiares (doenças hereditárias, por exemplo);
História obstétrica atual.

3. Cálculo da idade gestacional e data provável do parto


Para o cálculo da idade gestacional, é preciso saber a Data da Última Menstruação (DUM).
A regra de Näegele é utilizada para o cálculo da Data Provável do Parto (DPP), e também se utiliza a DUM:
Somam-se 7 ao dia e, no mês, retiram-se 3; em caso de mudança de mês, subtraem-se 2 do mês.
Exemplos
1 - DUM = 13.09.2016. 13 + 7 = 20; 9 - 3 = 6
Logo, DPP = 20.06.2017.
2 - DUM = 27.11.2015. 27 + 7 = 34 (30 + 4) = muda-se o mês; 12 - 2 = 10
Logo, DPP = 04.10.16.

A ultrassonografia do 1º trimestre é útil quando a paciente não se recorda da DUM. A medida do comprimento
cabeça–nádega do embrião/feto nesse exame apresenta erro de apenas 5 dias (para mais e para menos); deverá
ser considerada a idade gestacional estimada pela ultrassonografia quando a diferença entre a idade gestacional
pela DUM e por esse exame superar 5 dias.

4. Exame físico
Deve ser completo, avaliando o peso e a pressão arterial, examinando as mamas em busca de alguma alteração
na própria mama, na aréola ou nos mamilos, realizando a medida da altura uterina; quando esta está alterada,
deve-se pensar nas possíveis patologias:
Aumentada: macrossomia fetal, gemelaridade, polidrâmnio, erro de data;
Diminuída: oligoâmnio, restrição do crescimento fetal, situação transversa, erro da data.
A medida é feita com a fita métrica, da sínfise púbica até o fundo uterino. Devem-se realizar, também, a pal-
pação obstétrica e, além do exame físico obstétrico-ginecológico, em busca de patologias que possam interferir no
canal de parto: exame especular e toque vaginal.
Ganho de peso na gestação (de acordo com o estado nutricional da gestante antes da gravidez)
- Baixo peso: 12,5 a 18kg;
- Adequado: 11,5 a 16kg;
- Sobrepeso: 7 a 11,5kg;
- Obesidade: 5 a 9kg.

Exame físico durante a consulta pré-natal


Exame Comentário Nível de evidência
A avaliação de patologias abdominais e visceromegalias, mesmo após 36
Palpação abdominal B
semanas, deve ser estimulada.
É recomendada em todas as consultas pré-natais, principalmente após as
Aferição da pressão
20 semanas de gestação nas pacientes previamente hígidas, como rastrea- C
arterial
mento para pré-eclâmpsia.
Presente em 80% das gestantes, deve ser considerado na suspeita diagnós-
Avaliação de edema tica de pré-eclâmpsia, tanto na observação direta (cacifo) quanto no ganho C
de peso exagerado interconsultas.
É recomendado em todas as consultas pré-natais como parte da avaliação
BCF da vitalidade fetal e serve também como atitude tranquilizadora para a C
gestante.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 103

Exame físico durante a consulta pré-natal


Nível de
Exame Comentário
evidência
A contagem dos movimentos fetais de rotina não é necessária,
embora a presença deles sugira boa vitalidade fetal. No monitora-
Movimen-
mento de patologias, recomendam-se os métodos de contagem de A
tos fetais
Sadovsky (normal >4 após cada refeição) e Cardiff (normal >12 em
12 horas).
Medida Teste simples e sem custos, o qual sugere crescimento fetal e quan-
da altura tidade de líquido amniótico normais se proporcionais com a IG; é re- B
uterina comendado em todas as consultas do pré-natal.
Recomendado em todas as consultas do pré-natal, com especial
Peso da
atenção na primeira, na qual é calculado o IMC e planejado o ganho B
paciente
esperado de peso para a gestação.
BCF: Batimentos Cardíacos Fetais; IG: Idade Gestacional; IMC: Índice de Massa Corporal.

5. Exames subsidiários de acordo com o Ministério da


Saúde
A - Exames gerais
Roteiro para a solicitação de exames no pré-natal de baixo risco
Período Exames
- Hemograma;
- Tipagem sanguínea e fator Rh;
- Coombs indireto (se Rh negativo);
- Glicemia de jejum;
- Teste rápido de triagem para sífilis e/ou VDRL;
- Teste rápido diagnóstico anti-HIV;
- Anti-HIV;
1ª consulta ou 1º - Toxoplasmose lgM e lgG;
trimestre - Sorologia para hepatite B (HBsAg);
- Exame de urina e urocultura;
- Ultrassonografia obstétrica (não é obrigatório);
- Citopatológico de colo de útero (se for necessário);
- Exame de secreção vaginal (se houver clínica);
- Parasitológico de fezes (se houver indicação clínica);
- Eletroforese de hemoglobina (se a gestante for negra, tiver antecedentes familiares de anemia fal-
ciforme ou apresentar história de anemia crônica).
- Teste de tolerância a glicose com 75g (se a glicemia estiver acima de 85mg/dL ou se houver fator de
2º trimestre risco – 24ª e 28ª semanas);
- Coombs indireto (se for Rh negativo).
- Hemograma;
- Glicemia em jejum;
- Coombs indireto (se Rh negativo);
- VDRL;
- Anti-HIV;
3º trimestre - Sorologia para hepatite B (HBsAg);
- Repetição do exame de toxoplasmose se lgG não reagente;
- Urocultura + urina tipo I;
- Bacterioscopia de secreção vaginal (a partir de 37 semanas de gestação). A pesquisa do Streptococ-
cus do grupo B deve ser realizada entre 35 e 37 semanas de gestação. Quando positivo, a paciente
deve ser tratada no momento do parto.
Fonte: Brasil, 2005.
104 INTENSIVO

B - Ultrassonografia
Segundo a OMS, a ultrassonografia durante o pré-natal não é indicada para gestações de baixo risco. A partir
da 8ª semana de gestação, no entanto, pode ser solicitada para avaliar o saco gestacional e os batimentos cardíacos
fetais e confirmar a idade gestacional.
A medida da translucência nucal tem como finalidade rastrear cromossomopatias, e o período em que deve ser
realizada é entre 11 e 13 semanas e 6 dias de idade gestacional.
A ultrassonografia morfológica, por sua vez, deve ser realizada no período entre a 20ª e a 24ª semanas de
gestação. É a partir dela que se podem observar as malformações fetais. A ultrassonografia obstétrica tem como
base a avaliação do crescimento fetal, o volume do líquido amniótico, a localização e a maturidade placentária, a
apresentação e o bem-estar fetal, por meio do perfil biofísico do feto.

6. Realização de ultrassonografia
Resumo de aplicação (não recomendado para baixo risco, de acordo com a OMS)
Época Principais utilidades
- Datação da gestação (erro de 5 dias);
1º trimestre - Verificação do número de fetos, da corionicidade e da amnionicidade nos casos de gestações gemelares;
- Rastreamento de cromossomopatias (translucência nucal – 11 a 13 semanas e 6 dias).
- Datação da gestação (erro de 10 a 15 dias);
2º trimestre
- Morfológico.
- Crescimento e desenvolvimento fetal;
- Posição e maturidade da placenta;
3º trimestre
- Líquido amniótico;
- Provas de vitalidade fetal (perfil biofísico fetal e Doppler).

7. Vacinação
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, durante o pré-natal as gestantes devem ser vacinadas contra tétano,
difteria e pertussis (DTPA), além de receberem as vacinas contra o vírus influenza e o da hepatite B.
Todas as vacinas de vírus vivos atenuados estão contraindicadas durante a gestação, e esta deve ser evitada
nos 30 dias que sucedem a aplicação dessas vacinas. Assim, as gestantes não devem ser vacinadas, por exemplo,
contra febre amarela, rubéola, sarampo, caxumba, poliomielite (Sabin), varicela etc.
Imunobiológico Recomendação Esquema
Três doses com intervalos de 60 dias entre elas. Também é possível
considerar o intervalo de 30 dias entre as doses, para não se perder a
Vacina dupla do tipo
Gestantes em qualquer oportunidade de vacinação. Caso a gestante tenha recebido a última
adulto – dT (difteria e
período gestacional dose há mais de 5 anos, deve-se antecipar o reforço tão logo seja
tétano)
possível. A última dose deve ser feita até no máximo 20 dias antes da
data provável do parto.
Vacina contra influen- Gestantes em qualquer
É realizada em dose única durante campanha anual contra influenza.
za (fragmentada) período gestacional
Três doses com intervalo de 30 dias entre a 1ª e a 2ª e de 180 dias en-
Vacinação contra Gestantes após o 1º
tre a 1ª e a 3ª. Na impossibilidade de se realizar a sorologia anti-HBs,
hepatite B trimestre de gestação
deve-se avaliar o estado vacinal da gestante e vaciná-la, se for o caso.
Fonte: Brasil, 2001.

Recomendações de imunização antitetânica


Observar história de imunização antitetâ-
Condutas
nica comprovada pelo cartão de vacina
Iniciar esquema vacinal o mais precocemente possível, independentemente da
Sem nenhuma dose registrada
idade gestacional, com 3 doses, com intervalo de 60 dias ou, no mínimo, 30 dias.
Completar as 3 doses o mais precocemente possível, com intervalo de 60
Menos de 3 doses
dias ou, no mínimo, 30 dias.
3 doses ou mais, a última há menos de 5 anos Vacinar contra pertussis (acelular) – 1 dose – após 27 semanas de gestação.
3 doses ou mais, a última há mais de 5 anos Aplicar 1 dose de reforço – com componente pertussis (acelular) – DTPA.
Fonte: Ministério da Saúde.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 105

30 Relações uterofetais

1. Introdução
As relações do feto com a bacia materna e com o útero definem a estática fetal.

2. Atitude fetal
Relação das diversas partes fetais entre si.
Geralmente, o concepto apresenta-se em flexão generalizada, o que será chamado “ovoide fetal”.

3. Situação fetal
Relação entre o maior eixo uterino com o maior eixo fetal.
Podem existir 3 situações: longitudinal, transversal ou oblíqua. A longitudinal é a mais frequente nas gesta-
ções a termo, e o feto repousa seu maior eixo sobre o maior eixo uterino. A transversa é muito incomum (1%) nas
gestações a termo e pode estar relacionada a multiparidade, placenta prévia, leiomiomas submucosos e anomalias
uterinas. A oblíqua é instável, de transição, e, posteriormente, irá tornar-se longitudinal ou transversa.

4. Apresentação fetal
É a região fetal que ocupa a área do estreito su-
perior da pelve materna e nela irá se insinuar. É defi-
nitiva no penúltimo ou até mesmo no último mês da
gestação. Nas situações longitudinais, podem ocorrer
2 apresentações: cefálicas ou pélvicas. Nas situações
transversas, o ombro está em contato com a região
do estreito superior da bacia, e temos, obrigatoria-
mente, a apresentação córmica.
Em 96,5% das gestações, observa-se o feto em
apresentação cefálica: em apresentação cefálica fle-
Figura 1 - Pontos de referência e linhas de orientação fetais
tida em 95,5%; e cefálica defletida em 1%.

Figura 2 - (A) Apresentação cefálica; (B) apresentação pélvica e (C) apresentação córmica

A - Apresentação cefálica fletida


É a mais comum. A cabeça fetal posiciona-se com o mento próximo ao esterno, deixando como seu ponto de refe-
rência a fontanela posterior ou lambda. Pode ser chamada também de cabeça fletida de vértice, occipício ou craniana.
106 INTENSIVO

B - Apresentação cefálica defletida


Em algumas situações, o mento do feto afasta-se do esterno em uma variedade de graus, o que denominará
as deflexões.
A deflexão do polo cefálico pode ocorrer em 3 graus:
Parcial deflexão (1º grau): apresentação bregmática;
Parcial deflexão (2º grau): apresentação de fronte;
Deflexão máxima (3º grau): quando o pescoço fetal está muito distendido e o dorso fetal encosta no polo
cefálico; apresentação de face.

Figura 3 - (A) Apresentação cefálica fletida; (B) defletida de 1º grau; (C) defletida de 2º grau e (D) defletida de 3º grau

C - Apresentações anômalas (pélvica e córmica)


A apresentação pélvica ocorre em 3 a 4% das gestações a termo. Uma questão a lembrar é que a frequência das
apresentações pélvicas é maior nas gestações pré-termo do que nas gestações a termo. Diversos fatores podem pre-
dispor às apresentações pélvicas, como malformações fetais ou uterinas, gemelaridade, prematuridade, anencefalia
ou hidrocefalia, tumores uterinos, vícios pélvicos, brevidade de cordão umbilical, inserção anômala da placenta etc.
O ponto de referência será sempre o sacro, e a linha de orientação é o sulco interglúteo.
Em 0,5% das gestações, observa-se o feto em apresentação córmica, correspondente à situação transversa.

5. Posição fetal
É a relação do dorso fetal com pontos de referência do abdome materno; pode ser direita, quando o dorso
do feto se localiza à direita do abdome materno, ou esquerda, quando o dorso se localiza à esquerda do abdome
materno. A posição mais comum no final da gestação é à esquerda, pois o útero é pouco rodado para a direita, e a
presença do cólon sigmoide e do reto, à esquerda, impulsiona o dorso fetal anteriormente.

6. Variedade de posição
É a relação entre os pontos de referência fetal com os da pelve materna. Os pontos de referência fetais e as
linhas de orientação variam com a apresentação.
Para nomear as variedades de posição, é utilizado o emprego de 3 letras, que definem a apresentação, o lado
materno para o qual esse ponto está voltado e a sua variedade. A 1ª letra refere-se ao feto (O – Occipício, M – Mento,
e assim por diante). A 2ª e a 3ª referem-se aos pontos de referência maternos (lado materno para o qual se orienta
esse ponto e a variedade de posição, respectivamente).
Apresentações Pontos de referência Letras utilizadas Linhas de orientação
Cefálica fletida Lambda O Sutura sagital
Bregma (1º grau) Bregma B Sagitometópica
Fronte (2º grau) Glabela N (Naso) Sutura metópica
Face (3º grau) Mento M Linha facial
Pélvica Sacro S Sulco interglúteo
Córmica Acrômio A --
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 107

A variedade de posição OEA está as-


sociada a cabeças fetais fletidas, que favo-
recem o parto vaginal, e é a posição mais
comum. O maior diâmetro da cabeça fetal
que se apresenta à pelve materna nesta
variedade de posição é o suboccipitobreg-
mático (±9,5cm).
A posição OEP apresenta graus de
deflexão da cabeça fetal, favorecidos pelo
promontório materno, o que dificulta a
passagem do feto. Nestes casos, o maior
diâmetro da cabeça fetal que se apresenta
à pelve materna é o occipitofrontal (±12cm)
ou occipitomentoniano (±13,5cm), levando
a partos com mais complicações.

Figura 4 - Oito variedades de posição na apresentação cefálica fletida:


(OP) occipitopúbica; (OEA) occipitoesquerda anterior; (OET) occipitoes-
querda transversa; (OEP) occipitoesquerda posterior; (ODA) occipito-
direita anterior; (ODT) occipitodireita transversa; (ODP) occipitodireita
posterior e (OS) occipitossacra

31 O trajeto

1. Canal de parto
Estende-se do útero à fenda vulvar e
possui a forma de um “J”;
Há 3 estreitamentos anulares: o ori-
fício cervical, o diafragma pélvico e a
fenda vulvovaginal;
É composto pelo trajeto mole, cons-
tituído pelo segmento inferior do
útero, pelo colo de útero, pela vagina
e pela região vulvoperineal; e pelo
trajeto duro, constituído pelos 2 os-
sos ilíacos, sacro e cóccix.

- Bacia
Composta por 8 ossos: 2 ílios, 2 ísquios,
2 pubes, o sacro e o cóccix. Os ossos ílio, Figura 1 - Bacia
ísquio e pube fundem-se e formam o osso
ilíaco.
108 INTENSIVO

Os ossos unem-se entre si pelas articulações: sínfise púbica (une os 2 pubes), sinostoses sacroilíacas (unem os
ossos ilíacos ao sacro) e sacrococcígea (articula o cóccix com o sacro). Por ação hormonal, essas articulações tornam-
-se mais frouxas durante a gestação.

2. Estreitos da bacia
Estende-se do promontório até a borda superior da sínfise púbica, sendo delimitado por pube, linha ter-
Superior
minal, promontório e asa do sacro.
Médio É formado pelo terço inferior do sacro, pela espinha isquiática e pela borda inferior da sínfise púbica.
Tem o formato de 2 triângulos com base comum, o diâmetro bituberoso. O triângulo anterior é formado
Inferior pela borda inferior da sínfise púbica e pelos ramos isquiopúbicos. O posterior tem seu ápice na ponta do
sacro, e os lados correspondem aos ligamentos sacrotuberais.

Figura 2 - Estreito superior Figura 3 - Estreito médio

Figura 4 - Estreito inferior

3. Principais diâmetros da bacia


Estreito superior
Equivale à distância entre a face interna da sínfise púbica e o promontório. Mede 10,5cm e
Conjugado verdadeiro
corresponde ao espaço real do trajeto da cabeça do feto. O conjugado obstétrico equivale ao
(obstétrico)
conjugado diagonal - 1,5cm.
Delimitado pela borda inferior da sínfise púbica e pelo promontório, mede 12cm. Por meio do
Conjugado diagonal toque vaginal, essa medida auxilia na estimativa do conjugado obstétrico (este, em geral, 1,5cm
menor do que o conjugado diagonal).
Conjugado anatômico Equivale à distância da borda superior da sínfise púbica até o promontório, com valor de 11cm.
Diâmetro transverso Equivale à distância entre a linha terminal de um lado ao outro, geralmente a 4cm do promon-
médio tório: 13cm.
Diâmetros oblíquos Inicia-se nas eminências ileopectíneas e termina na articulação sacroilíaca, com uma medida de
esquerdo e direito aproximadamente 12cm.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 109

Estreito médio
É o menor diâmetro da pelve, medindo de 10 a 10,5cm, e está no sentido transverso de uma a
Diâmetro biciático
outra espinha isquiática.
Estreito inferior
Corresponde à linha entre a borda inferior do osso púbico até a ponta do cóccix, com uma medi-
Conjugata exitus da de 9,5cm. No desprendimento e na movimentação da cabeça fetal, pode haver um aumento
de 1,5cm a 2cm com a retropulsão do cóccix.
Diâmetro bituberoso Mede 11cm, é transverso e vai da face interna de uma tuberosidade isquiática à outra.

4. Tipos de bacia

Figura 5 - Tipos de bacia

Tipos de bacia Características Frequência


Ginecoide Feminina típica – ideal para partos vaginais 50 a 62%
Antropoide Semelhante à dos antropoides superiores (macacos) 18,5 a 25%
Androide Bacia masculina – pior prognóstico para parto vaginal 11 a 20%
Platipeloide Rara – achatada – favorece as variedades transversas 5 a 8%

5. Exame clínico

A - Pelvimetria interna
É a avaliação clínica dos diâmetros internos da bacia pelo toque vaginal.
Principais medidas
Ângulo subpúbico ≥90°
Proeminência (a apagada favorece o parto vaginal) e distância entre elas (esperado: de 10 a
Espinhas ciáticas
10,5cm)
Conjugata exitus Mobilidade do cóccix (9,5 a 11cm)
Conjugado diagonal Promontório não atingível ao toque vaginal sugestivo de medida adequada (>12cm)

Figura 6 - Diâmetros da bacia – pelvimetria interna


110 INTENSIVO

B - Pelvimetria externa
É realizada com aparelhos chamados pelvímetros e tem sido abandonada pela prática obstétrica, pois a corre-
lação entre as medidas externas da bacia e seus estreitos não é muito precisa.

6. Bacia mole
A bacia mole é constituída pelo diafragma pélvico e pelo diafragma urogenital.
O diafragma pélvico apresenta, como seus componentes, os músculos levantadores do ânus e os músculos
isquiococcígeos. Já o diafragma urogenital, que está localizado abaixo do diafragma pélvico, é representado pelos
músculos bulbocavernoso, isquiocavernoso, transverso superficial do períneo e esfíncter externo do ânus.

Figura 7 - Musculatura perineal

32 O parto

1. Introdução
A sequência de contrações uterinas coordenadas e involuntárias que resultam no apagamento e na dilatação do
colo uterino, simultaneamente à descida fetal, quando associadas aos puxos e às contrações voluntárias da parede
abdominal, na expulsão dos produtos da gestação, denomina-se trabalho de parto. E o conjunto dos movimentos
passivos que o feto executa no transcurso do canal de parto é denominado mecanismo de parto.

2. Mecanismo de parto nas apresentações cefálicas fletidas


Ocorre em 95,5% das gestações. Pode ser dividido em 6 fases: insinuação, descida, rotação interna, despren-
dimento do polo cefálico, rotação externa e desprendimento do ovoide córmico;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 111

A insinuação consiste na passagem do diâmetro biparietal pelo estreito superior da bacia. A sutura sagital é
a linha de orientação;
Durante a insinuação e a descida, ocorrem movimentos de inclinação lateral da apresentação, denominados
assinclitismo;
O assinclitismo é anterior quando a sutura sagital está mais próxima do sacro e posterior quando essa sutura
está mais próxima do pube. A ausência de flexão lateral quando a sutura sagital está equidistante desses
reparos anatômicos é chamada sinclitismo;
A descida ocorre quando há progressão do polo cefálico do estreito superior ao inferior da pelve materna;
A altura da apresentação é definida pelos planos de DeLee; o plano zero é considerado o nível das espinhas
isquiáticas; acima desse, temos os planos -1 a -5; abaixo, estão os planos +1 a +5;
A rotação interna tem por finalidade colocar a linha de orientação no diâmetro anteroposterior do estreito
inferior da bacia materna. O lambda loca-se abaixo do pube;
Desprendimento cefálico: a cabeça fetal desprende-se com o auxílio da retropulsão do cóccix; nas cefálicas
fletidas, o desprendimento é por movimento de deflexão;
Rotação externa: restituição do occipício à orientação observada antes da rotação interna;
Desprendimento do ovoide córmico: desprendimento da cintura escapular e do polo pélvico.
Cefálicas fletidas
Ponto de referência Occipício (lambda)
Linha de orientação Sutura sagital
Desprendimento Deflexão

3. Mecanismo de parto em apresentação bregmática


Cefálicas defletidas de 1º grau
Ponto de referência Bregma
Linha de referência Sutura sagitometópica
Desprendimento Flexão seguida por deflexão
Vício pélvico, feto pequeno, laceração perineal, rotura prematura das membranas
Causas
ovulares e placenta prévia

4. Mecanismo de parto em apresentação de fronte


Cefálicas defletidas de 2º grau
Ponto de referência Raiz do nariz ou glabela
Linha de referência Sutura metópica
Apresenta maior frequência de distocias dentre as apresentações cefálicas, sendo
Mecanismo de parto
indicação de cesárea quando há persistência após dilatação total
Vício pélvico, tumores prévios, multiparidade, vícios de conformação uterina, feto
Causas
volumoso, placenta prévia ou malformações fetais (dolicocefalia)

5. Mecanismo de parto em apresentação de face


Cefálicas defletidas de 3º grau
Ponto de referência Mento
Linha de referência Linha facial
112 INTENSIVO

Cefálicas defletidas de 3º grau


Desprendimento Flexão; indicação de parto cesárea nas variedades de posição mentoposterior
Polidrâmnio, amniorrexis precoce com saída intempestiva do líquido amniótico, ventre mater-
Causas
no “em pêndulo”, vício pélvico, tumores prévios, bócio fetal congênito e malformações fetais

6. Apresentações pélvicas
Normalmente, o ponto de referência nessas apresentações é o sacro e a linha de orientação é o sulco interglúteo.

A - Insinuação
Leve assinclitismo posterior, o bitrocantérico se dispõe em um dos diâmetros oblíquos (passa de 12cm para 9,5cm).

B - Descida e rotação
O bitrocanteriano é orientado em relação ao diâmetro anteroposterior.

C - Desprendimento pélvico
Diferente da apresentação cefálica, o modo da apresentação é laterolateral, e não anteroposterior.

D - Desprendimento das escápulas


Geralmente, a escápula anterior é a 1ª a se apresentar, e, logo em seguida, com a retropulsão do cóccix, a es-
cápula posterior também se apresenta.

E - Desprendimento da cabeça derradeira


Flexão da cabeça e rotação, permitindo que o suboccipício fique localizado abaixo do pube. A cabeça fetal irá se
desprender, liberando em seguida as circunferências suboccipitomentoniana, suboccipitofrontal e suboccipitobreg-
mática (manobra de Bracht).

7. Assistência clínica ao parto


Importante
O trabalho de parto consiste em 1 a 3 episódios de contrações uterinas regulares a cada 5 minutos e dilatação cervical
≥3cm com colo fino e apagado.
Clinicamente, o parto pode ser dividido em 4 períodos: período de dilatação, período expulsivo, dequitação
e 4º período;
Pródromo de trabalho de parto: presença de contrações uterinas irregulares e arrítmicas; inicia-se entre 30
e 36 semanas de gestação e pode durar semanas;
Pode ocorrer saída do tampão mucoso endocervical, precedendo o parto em vários dias.

A - Período de dilatação
Esse período é dividido em 2 etapas:
Fase de latência: há contrações uterinas regulares, início da dilatação cervical e descida do polo cefálico. As
contrações, apesar de presentes, não são suficientes para o esvaecimento e a dilatação completa cervical;
Fase ativa: o progresso franco da dilatação é iniciado, e então esta fase é caracterizada como fase ativa do
trabalho de parto, quando é esperada dilatação em média de 1cm/h.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 113

Diagnóstico: contrações uterinas rítmicas, dolorosas e coordenadas, com intervalos ≤10 minutos e duração
de 45 a 60 segundos;
Durante o período de dilatação do trabalho de parto, a frequência das contrações uterinas varia de 2 a 5 epi-
sódios a cada 10 minutos. A intensidade mínima necessária para que ocorra dilatação do colo é de 15mmHg;
Importante
Tríplice gradiente descendente: a contratilidade uterina obedece ao sentido descendente da propagação, há maior dura-
ção da contração próxima ao seu ponto de origem, e a sua intensidade é decrescente, à medida que se aproxima do colo.
A amniotomia é considerada precoce quando a rotura ocorre com dilatação do colo <6cm, oportuna quando
a dilatação é de 6 a 8cm e tardia após esse momento.

B - Período expulsivo
Acontece quando a dilatação cervical está finalizada e termina com o desprendimento total do feto;
A duração deste período pode variar, principalmente levando em consideração a paridade da paciente e a
realização de analgesia de parto;
Há metrossístoles involuntárias de intensidade de 50mmHg, com frequência de 5 contrações em 10 minutos,
aparecimento dos puxos para auxiliar a impelir o feto por meio do canal de parto;
A episiotomia hoje é vista como procedimento de exceção e não é necessária em todas as pacientes.

C - Dequitação
Inicia-se após o desprendimento fetal e é finalizado com a saída da placenta. Ajudam no descolamento, na des-
cida e na expulsão da placenta e asseguram a hemostasia. Ocorre entre 5 e 10 minutos após o período expulsivo e
é considerada prolongada quando ultrapassa 30 minutos.

D - 4º período
Caracterizado pela 1ª hora após a dequitação. Nesse intervalo de tempo, esperam-se a estabilização dos sinais
vitais maternos e a consolidação da hemostasia uterina, que acontece por 2 mecanismos principais:
Miotamponamento: oclusão dos vasos miometriais pela retração muscular (globo de segurança de Pinard);
Trombotamponamento: os vasos são obliterados por trombose vascular.

8. Hemorragia puerperal
É a hemorragia pós-parto que cursa com perda sanguínea suficiente para causar instabilidade hemodinâmica
de grande importância.
Os sinais e sintomas clínicos podem variar entre palpitações, vertigem, fraqueza, sudorese, taquicardia, agi-
tação, palidez, podendo chegar a oligúria/anúria e colapso;
Fatores como macrossomia fetal, gemelaridade, hemorragia pós-parto, parto cesárea em gestação prévia,
dequitação prolongada, parto assistido, trabalho de parto prolongado, entre outros, são predisponentes para
a ocorrência de hemorragia puerperal;
Existem 4 principais fatores responsáveis para a ocorrência da hemorragia puerperal. São os chamados 4T´s:
Tônus: alteração do tônus uterino;
Trauma: trauma de canal de parto;
Tecido: retenção do tecido placentário ou de membranas;
Trombina: coagulopatias.
Nas situações de alteração de tônus uterino, a conduta seria massagem uterina bimanual, drogas que ajudam
na contratilidade das fibras musculares do útero, sendo as mais utilizadas a ocitocina, a metilergometrina e o miso-
prostol, e medidas cirúrgicas, como ligadura de artérias uterinas, das artérias hipogástricas, sutura de B-Lynch ou
histerectomia, deverão ser realizadas quando todas as alternativas já citadas falharem.
114 INTENSIVO

9. Resumo de conceitos
Tempos Ações
- Passagem do diâmetro biparietal através do estreito superior da bacia;
Insinuação e descida - Passagem do polo cefálico ao estreito inferior da pelve materna;
- Flexão e assinclitismos.
Rotação interna e despren- - Colocação de linha de orientação no diâmetro anteroposterior da bacia materna;
dimento cefálico - Auxílio da retropulsão do cóccix; movimento de deflexão (nas cefálicas fletidas).
Rotação externa e despren- - Retorno do occipício à orientação observada antes da rotação interna;
dimento do ovoide pélvico - Desprendimento da cintura escapular e do polo pélvico.
- Contrações rítmicas e regulares:
Dilatação: fases de latência
· Até 3cm de dilatação; alterações cervicais de forma lenta;
e ativa
· Após 3cm de dilatação; aproximadamente 1cm/h.
- Início após dilatação total (10cm); duração conforme paridade e analgesia;
Expulsivo
- Risco de sofrimento fetal agudo.
- Mecanismo central ou lateral; duração de até 30 minutos (maioria dos casos em 5 minutos);
Dequitação e 4º período
- Hemorragias: alteração de tônus responsável por 70% dos casos.

33 Tocurgia

1. Cesárea
Conceitualmente, na cesárea, o nascimento ocorre por meio de incisão cirúrgica abdominal, ou seja, laparotomia
e incisão uterina (histerotomia).

A - Fatores que aumentam a chance de parto cesárea


Indução do parto;
Mecônio;
Idade materna avançada;
Oligoâmnio;
Obesidade materna;
Excesso de espirais no cordão umbilical.

B - Principais indicações
a) De emergência
O intervalo de tempo padrão entre a indicação de uma cesárea de emergência e a sua execução é de 30 minutos.
Fatores:
Sofrimento fetal;
Anormalidades cardiotocográficas (desaceleração intraparto – DIP II –, desacelerações variáveis graves, bra-
dicardias prolongadas);
Síndromes hemorrágicas agudas:
Placenta prévia com sangramento grave;
Descolamento prematuro de placenta: partos vaginais reservam-se aos casos de parto vaginal iminente,
frequência cardíaca fetal tranquilizadora e estabilidade hemodinâmica materna.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 115

Traumas maternos;
Iminência de rotura uterina;
Cesárea post mortem;
Prolapso do cordão umbilical;
Acidentes de procedimentos invasivos: amniocentese/cordocentese;
Sofrimento fetal por insuficiência placentária crônica grave;
Desproporção cefalopélvica.
b) Eletivas
Cirurgia planejada por uma série de razões maternas, fetais e placentárias.
Causas fetoanexiais:
Apresentações anômalas:
Apresentação pélvica (não é indicação absoluta de cesárea):
Apresentação córmica;
Apresentação cefálica defletida de 2º grau;
Macrossomia fetal;
Gestações múltiplas (não é indicação absoluta de cesárea);
Aloimunização fetomaterna;
Placenta prévia centro total/acretismo placentário;
Placentas prévias marginais devem ter via de parto individualizadas;
Inserção velamentosa do cordão com vasa prévia.
Causas maternas:
Cesárea prévia: mulheres com 2 ou mais cesáreas apresentam risco de ruptura uterina de 0,9 a 3,7%. A
maioria absoluta dos serviços trata a iteratividade como indicação absoluta de cesárea;
Miomectomia e outras cirurgias uterinas com incisão vertical do miométrio;
Tumores prévios, fatores obstrutivos (distocia de trajeto);
Doenças infecciosas:
HIV: carga viral >1.000 cópias/mL ou carga viral desconhecida (dosada na 34ª semana), cesárea eletiva
com 38 semanas;
Herpes genital: quando existem lesões ativas no momento do parto (reduz o risco de infecção herpética
neonatal, rara, mas grave);
Correção de incontinências anal e urinária e fístulas.
c) A pedido (opção materna)
A cesárea a pedido é o parto por via abdominal, de gestação com feto único, vivo e a termo, na ausência de
qualquer fator médico ou obstétrico como indicação.

C - Complicações
a) Morbidade materna
As complicações mais frequentes são infecção puerperal, hemorragia e tromboembolismo. Os motivos mais
comuns de reinternação, nas situações de cesárea, são infecções pélvicas ou de ferida cirúrgica, tromboembolismo,
infecção puerperal e hemorragia pós-parto.
b) Placenta prévia e acretismo placentário
A incidência de placenta prévia aumenta em pacientes com cesárea anterior. O risco é maior conforme o maior
número de cesáreas prévias.
c) Lesões urológicas
As lesões urológicas iatrogênicas podem ocorrer em cirurgias ginecológicas e nas cesáreas. A bexiga e a porção
terminal dos ureteres são os locais mais frequentemente lesados.
116 INTENSIVO

d) Rotura uterina em gestações subsequentes


Trata-se da complicação mais temida nas parturientes com cesáreas prévias, com importância especial nos
casos selecionados para indução do parto em gestações futuras.
e) Gravidez ectópica na cicatriz uterina de cesárea
A gravidez ocorre do lado externo da cavidade uterina, mas é completamente recoberta por tecido miometrial
e tecido fibroso, em geral na região do segmento uterino.
f) Dor pélvica
Pacientes submetidas a cesárea apresentam risco aumentado de dor pélvica crônica.
g) Transfusão sanguínea
Cesáreas sucessivas aumentam a necessidade de transfusão sanguínea.

2. Fórcipe
Fórcipe Critérios
- O couro cabeludo é visualizado no introito vaginal, sem, contudo, entreabrir os grandes lábios;
- O polo cefálico atingiu o assoalho pélvico;
De alívio
- A sutura sagital está no diâmetro anteroposterior ou nos diâmetros oblíquos anterior/posterior;
- A rotação não deve exceder 45°.
- O polo cefálico está abaixo do plano +2 de DeLee e não atingiu o assoalho pélvico;
Baixo - Algum grau de rotação pode estar presente: ≤45° nas variedades oblíquas anteriores para occipitopúbica ou
oblíquas posteriores para occipitossacra, ou >45°.
Médio O polo cefálico está insinuado, porém não atingiu o plano +2 de DeLee.
Alto Não está incluído na classificação.

A - Tipos

Figura 1 - Fórcipe e seus constituintes: (A) fórcipe de Kielland; (B) fórcipe de Simpson-Braun; (C) fórcipe de Luikart e (D) fórcipe de
Piper

B - Indicações e condições maternas e fetais para aplicação do fórcipe


a) Indicações maternas
As principais indicações maternas são doença cardíaca, comprometimento pulmonar, neuropatias, exaustão
durante o trabalho de parto, falha de progressão após determinado período de espera ou período expulsivo prolon-
gado. A abreviação do período expulsivo deve ser realizada com fórcipe baixo ou de alívio.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 117

b) Indicações fetais
São aquelas situações associadas ao sofrimento fetal, que exigem o fim do período expulsivo de forma rápida
e segura.
c) Fórcipe profilático
DeLee defendeu o uso do fórcipe para abreviar o período expulsivo e diminuir os riscos de hemorragia cerebral
do feto, proteger os tecidos pélvicos e reduzir a perda de sangue materna. De acordo com ele, essa medida reduziria
o esforço físico e o desconforto das pacientes no período expulsivo e foi denominada “fórcipe profilático”.
d) Condições de aplicação
Maternas
- Colo completamente dilatado;
- Bolsa rota;
- Estreitos médio e inferior compatíveis com volume cefálico.
Fetais
- Concepto vivo;
- Cabeça insinuada;
- Volume cefálico normal.

34 Gestação gemelar

1. Introdução
A gestação múltipla é definida como aquela proveniente de 1 ou mais ciclos ovulatórios, resultando no desen-
volvimento de mais de 1 embrião ou na sua divisão, independentemente do número de conceptos.

2. Incidência
Alguns fatores demográficos interferem na frequência de gestações dizigóticas; sua ocorrência é mais comum
quando há história familiar materna e com o aumento da idade materna e da paridade. No entanto, o uso cada vez
mais frequente de medicações para a indução da ovulação e a transferência de múltiplos embriões por ciclo de re-
produção assistida são os principais responsáveis pelo aumento acentuado observado ao longo das últimas décadas.

3. Fatores de risco
Utilização de técnicas de reprodução assistida;
Idade materna;
Multiparidade (1,5% em primigestas e 3% em quartigestas);
Etnia: maior incidência em negras quando comparadas a caucasianas e asiáticas (1/155);
Demora da passagem do ovo fecundado nas trompas;
Ocorrência de microtraumas no blastocisto durante a manipulação realizada nos procedimentos de reprodução
assistida.

4. Zigoticidade e corionicidade
As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo a zigoticidade ou a corionicidade:
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo, e os embriões apresentam códigos
genéticos diferentes;
118 INTENSIVO

As gestações monozigóticas resultam da divisão de massa embrionária inicial única, e os embriões resultan-
tes apresentam código genético idêntico.
Aproximadamente 2/3 das gestações gemelares naturalmente concebidas são dizigóticas, e 1/3, monozigóticas.
Nas gestações dizigóticas, cada embrião desenvolve seus próprios cório e âmnio (são sempre dicoriônicas e dia-
mnióticas). As monozigóticas, por sua vez, têm corionicidade e amnionicidade variáveis, conforme o momento em
que ocorre a divisão da massa embrionária. Em cerca de 25% dos casos, quando a divisão do blastocisto ocorre em
até 72 horas, podem ser encontrados 2 placentas e 2 sacos amnióticos (gestação dicoriônica diamniótica). Em 74%
dos casos, a divisão acontece entre o 4º e o 8º dias após a fertilização, quando já ocorreu a diferenciação das células
que dão origem ao cório, resultando em 1 placenta e 2 cavidades amnióticas (gestação monocoriônica diamniótica).
Em aproximadamente 1% dos casos, a divisão do blastocisto ocorre entre o 9º e o 12º dias após a fertilização, isto
é, quando já se formaram a placa coriônica e o saco amniótico, dando origem às gestações monocoriônicas mono-
amnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos embriões e ocorrem quando o processo
de divisão é tardio (a partir do 13º dia).

5. Diagnóstico
A corionicidade sempre pode ser determinada com exatidão por meio de ultrassonografia realizada preco-
cemente. A presença de monocorionicidade (única placenta) sempre implica monozigoticidade; por outro lado, as
gestações dicoriônicas (2 placentas) podem ter origem monozigótica ou dizigótica. Nesses casos, o diagnóstico pode
ser feito somente quando há discordância entre os sexos fetais ou pode ser investigado por meio de estudos do DNA
(gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser
tanto monozigóticos como dizigóticos).
As complicações fetais são mais frequentes nas gestações monocoriônicas em comparação com as dicoriônicas.
Portanto, na prática, a determinação da corionicidade, em vez da zigoticidade, é o fator mais importante para a
conduta pré-natal e o principal determinante do prognóstico gestacional.
Nas gestações monocoriônicas, a partir da 6ª semana, pode-se identificar mais de 1 embrião (e para cada um,
uma vesícula vitelina) no interior do mesmo saco gestacional, e o âmnio se torna visível a partir da 8ª semana. No
final do 1º trimestre, há a fusão das membranas amnióticas adjacentes, dando origem a um septo fino entre as 2
cavidades amnióticas que se insere de maneira abrupta na placenta, formando o sinal do “T”.
Do ponto de visto clínico, os sinais e sintomas relacionados à gestação gemelar são: volume uterino maior do
que o esperado para a idade gestacional (via de regra, a altura uterina é 5cm maior do que a esperada entre 20 e
30 semanas gestacionais), presença de 2 polos cefálicos à palpação, ausculta de 2 ritmos cardíacos com frequências
diferentes entre si e diferentes da mãe. Todos esses achados são tardios e podem ser facilmente falseados. Atual-
mente, a realização da ultrassonografia durante o 1º trimestre permite diagnosticar, com segurança, praticamente
todos os casos.
Seguem sinais ultrassonográficos para o diagnóstico de corionicidade quando há massa placentária única:

Sinal do “T” Gestação monocoriônica

Sinal do lambda Gestação dicoriônica


SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 119

6. Complicações fetais
Do ponto de vista fetal, a gemelaridade aumenta as chances de complicações como óbito fetal, malformações
fetais, acidentes de cordão e apresentação fetal anômala durante o trabalho de parto. O diagnóstico de baixo peso
ao nascer é frequente devido à maior incidência de prematuridade e restrição do crescimento fetal. Algumas das
intercorrências são exclusivas de gestações múltiplas, como a síndrome da transfusão fetofetal e a discordância
entre os fetos quanto a alterações morfológicas, alterações de vitalidade fetal e alterações do crescimento fetal.
A duração média da gestação gemelar é de aproximadamente 35 semanas e, para as gestações trigemelares, de
32 semanas. Assim, o parto prematuro ocorre em 30 a 50% dos casos, e, devido à alta frequência, a prematuridade
é o principal fator determinante das elevadas taxas de morbidade e mortalidade associadas a esse tipo de gestação.
O prognóstico dos recém-nascidos prematuros de gestações múltiplas é similar ao observado em gestações únicas
da mesma idade gestacional. O risco de parto pré-termo é maior nas gestações monocoriônicas.
Realiza-se a medida do colo uterino pela via transvaginal entre 20 e 24 semanas como uma forma de rastreio e
identificação das gestantes com maior risco de parto prematuro. O colo curto é considerado aquele que está abaixo
do percentil 5 para a idade gestacional, conforme mostrado na Tabela a seguir:
Medida do colo uterino (via transvaginal)
IG
Percentil 5 Média
20 24 42
21 23 41
22 22 40
23 22 39
24 21 39
Fonte: Zugaib e colaboradores. Protocolos Assistenciais da Clínica Obstétrica FMUSP – 5ª edição.

A evidência científica atual ainda não demonstra efetividade no uso da progesterona, pessário e cerclagem
uterina (exceto nos casos clássicos de incompetência istmocervical), ainda que no colo curto, para prevenção da
prematuridade.
Em alguns casos, pode ocorrer a parada do desenvolvimento de somente 1 dos embriões. Exceto pelo diagnós-
tico ultrassonográfico, a maioria desses casos não apresenta quaisquer manifestações clínicas ou repercussões
para o feto remanescente; eventualmente, a gestante pode apresentar queixa de sangramento vaginal. Quando a
parada do desenvolvimento embrionário ocorre durante o 1º trimestre da gestação, frequentemente há reabsorção
completa dos tecidos, e não são encontrados indícios no momento do parto ou no exame histopatológico da pla-
centa (“vanishing twin”).
Nas gestações únicas, o óbito fetal no 2º e 3º trimestres associa-se ao risco de coagulação intravascular disse-
minada materna, fato bem menos frequente nas gestações gemelares. Quando a gestação gemelar é dicoriônica,
a principal complicação do óbito de um dos fetos é a prematuridade, devido à liberação para o sangue materno
de produtos da placenta em reabsorção, estimulando o trabalho de parto. O risco de morte ou sequela para o feto
remanescente é de 5 a 10%. Entretanto, esse risco aumenta nas gestações monocoriônicas (cerca de 10% vão a óbito
e 10 a 30% têm sequelas neurológicas), devido a episódios de hipotensão arterial do feto remanescente (passagem
de sangue do feto vivo para o “sistema fetoplacentário” do feto morto).

7. Complicações específicas
A síndrome de transfusão fetofetal é uma complicação específica e exclusiva das gestações monocoriônicas:
acontece em cerca de 10 a 15% destas. O mecanismo primário da doença consiste na transferência desigual de san-
gue entre as circulações dos 2 fetos por meio de anastomoses vasculares placentárias do tipo arteriovenosas, que
funcionam como se fossem fístulas.
O gêmeo-doador apresenta anemia e grave restrição do crescimento fetal acompanhados de oligúria e oligoid-
râmnio, enquanto o gêmeo-receptor apresenta sobrecarga circulatória e policitemia, o que pode levar a desenvolvi-
mento de insuficiência cardíaca e hidropisia fetal. A ocorrência de polidrâmnio no feto-receptor leva ao aumento da
pressão intrauterina, o que pode prejudicar ainda mais a circulação placentária.
Os casos graves, em que ocorre o desenvolvimento de polidrâmnio agudo, manifestam-se entre 16 e 24 sema-
nas de gestação. Quando não tratados, esses casos estão associados a taxas de mortalidade de 80 a 100%. Isso se
120 INTENSIVO

deve, especialmente, às altas taxas de óbito fetal espontâneo de 1 ou ambos os fetos, abortamento, amniorrexis
prematura e parto prematuro. A morte de um dos fetos (geralmente o receptor morre antes) leva à ocorrência de
alterações hemodinâmicas que resultam em hipovolemia acentuada do feto sobrevivente, com alta morbidade (es-
pecialmente sequelas neurológicas) e alta mortalidade.
Os achados ultrassonográficos que caracterizam a síndrome de transfusão fetofetal estão listados a seguir:
Gestação gemelar com confirmação ultrassonográfica da monocorionicidade durante o 1º trimestre da gesta-
ção. Nos casos sem diagnóstico precoce da corionicidade, o exame ultrassonográfico tardio deverá demons-
trar gestação gemelar com fetos do mesmo sexo, massa placentária única e membrana interamniótica fina;
Os fetos não devem apresentar malformações estruturais;
Polidrâmnio na cavidade amniótica do feto receptor, cuja bexiga urinária se apresenta distendida;
Oligoidrâmnio na cavidade do feto doador, cuja bexiga urinária muitas vezes não é identificável;
O receptor, geralmente, tem biometria compatível à idade gestacional e, nos casos graves, pode apresentar
sinais de comprometimento da função cardíaca, além de hidropisia e alteração do Doppler do ducto venoso;
O doador apresenta, frequentemente, restrição do crescimento fetal e alterações no Doppler das artérias
umbilicais, como aumento dos índices de resistência e/ou diástole zero ou reversa.
Algumas técnicas foram propostas para o tratamento dessa complicação, com o objetivo de melhorar a sobre-
vida dos fetos. A seguir, serão descritas algumas dessas técnicas.

A - Amniodrenagem
O polidrâmnio, quando progressivo, leva ao desconforto materno e torna o útero tenso à palpação. A remoção
do excesso de líquido amniótico por meio da amniocentese, procedimento de fácil execução e que não requer ma-
terial especial, alivia o polidrâmnio associado à síndrome de transfusão fetofetal e reduz o risco de amniorrexis e
trabalho de parto prematuro, prolongando, dessa forma, a duração da gestação. É frequente a formação repetitiva
do polidrâmnio; nesses casos, o procedimento pode ser repetido (de 1 a 6 intervenções durante a gestação).
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de pelo menos 1 feto após o tratamento é de 40%, e a taxa de
sobrevida dos 2 fetos é de 20%. O risco de sequelas neurológicas varia de 17 a 33%.
As complicações do procedimento ocorrem em aproximadamente 5 a 10% dos casos e incluem óbito fetal ou
abortamento em até 48 horas após, além de ruptura das membranas e descolamento prematuro de placenta.

B - Cirurgia endoscópica intrauterina com laser


Essa cirurgia se baseia no exame direto da superfície placentária, por meio de fetoscopia, para identificação
e coagulação com laser dos vasos que cruzam o equador delimitado pela membrana interamniótica e comunicam
uma metade funcional da placenta com a outra. Esse método age especificamente na fisiopatologia da doença. É
um procedimento realizado em poucos centros de referência, pois requer material especializado e treinamento
apropriado.
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de apenas 1 feto após o tratamento é de 75%; dos 2, é de 40%; a
incidência de sequelas neurológicas é de 4,2%.
As complicações associadas ao método são as mesmas que as descritas para a amniodrenagem, entretanto a
morbidade materna é maior, por ser um procedimento mais invasivo.

C - Septostomia
A septostomia consiste na criação de um orifício na membrana interamniótica comunicando as 2 cavidades
amnióticas. É realizada junto com a amniodrenagem, empregando-se o mesmo material. A taxa de sobrevida é
de 40 a 83%, e o mecanismo de atuação se dá pelo efeito combinado do alívio do polidrâmnio com o equilíbrio
entre as pressões das cavidades amnióticas. Essa técnica apresenta os mesmos riscos descritos para a amnio-
centese e o risco específico de entrelaçamento dos cordões, uma vez que a gestação está sendo transformada
em monoamniótica.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 121

D - Feticídio seletivo
a) Transfusão fetofetal
O feticídio seletivo representa a interrupção seletiva da vida de 1 dos gêmeos e deve ser realizado por meio de
técnica que evite o comprometimento circulatório do gemelar sobrevivente. É somente indicado aos casos em que
há sinais de morte intrauterina iminente de 1 dos fetos ou condição não compatível com a vida extrauterina. As
taxas de sobrevida são de, no máximo, 50%, e o número de casos relatados até hoje é pequeno. As técnicas empre-
gadas incluem clampeamento do cordão umbilical por intermédio de fetoscopia e embolização vascular guiada pela
ultrassonografia. Os riscos maternos associados ao tratamento dependem da técnica empregada.
b) Discordância de peso entre os fetos
A discordância de crescimento fetal pode ser definida de diferentes formas:
Diferença de peso em valores absolutos de 250 a 300g entre o gêmeo maior e o menor;
Diferença de peso em valores relativos – 20% entre o gêmeo maior e o menor;
Diferença de desvio-padrão de peso entre os gêmeos em tabela predefinida;
Diferença entre os perímetros abdominais fetais >20mm.
Tal discordância acontece em 5 a 15% das gestações gemelares e está associada ao aumento do risco de óbito
fetal e de mortalidade neonatal nos casos em que, além da discordância de pesos, há crescimento fetal restrito de
1 ou ambos os fetos. Pode ser decorrente de diferenças na formação da placenta e no potencial genético individual
(nas gestações dizigóticas), anormalidades de inserção do cordão, discordância quanto a malformações congênitas
e síndromes genéticas e/ou infecção congênita; nuliparidade materna, gestações monocoriônicas e ocorrência de
síndrome de transfusão fetofetal também estão relacionadas à maior incidência de discordância de crescimento
fetal. Nos casos com discordância de peso fetal sem causa aparente, a morbidade neonatal está relacionada à corio-
nicidade e à ocorrência de restrição do crescimento, e não à discordância propriamente dita.
Não existem evidências que indiquem a resolução dos casos somente em função da ocorrência de crescimento
fetal discordante.
c) Gêmeo acárdico (sequência de perfusão arterial reversa)
A ocorrência de gêmeo acárdico é de cerca de 1% das gestações monocoriônicas e representa o grau máximo
de anormalidade vascular nessas gestações. Por meio de anastomoses arterioarteriais, o gêmeo acárdico recebe
perfusão sanguínea retrógrada do gemelar-doador, o que permite o desenvolvimento de tronco e membros do feto
acárdico, em alguns casos.
O gemelar anormal apresenta múltiplas malformações estruturais, que incluem ausência do coração ou presen-
ça de órgão rudimentar, e ausência do polo cefálico, associada ou não a alterações dos membros superiores. O tron-
co pode estar presente, podendo desenvolver edema acentuado, ou, ainda, apresentar-se como uma massa amorfa.
Tais fetos não sobrevivem após o nascimento, em virtude das múltiplas e graves anormalidades. Sua perfusão
sanguínea intrauterina se mantém graças à presença de anastomose arterioarterial com o outro feto. O gemelar
normal (doador), atuando como bomba para o feto anormal (acárdico), morre em 50 a 70% das gestações, devido a
insuficiência cardíaca congestiva ou parto pré-termo decorrente de polidrâmnio grave.
O tratamento desses casos é realizado por meio da oclusão do fluxo sanguíneo para o gêmeo acárdico, por
ligadura endoscópica, coagulação com laser do cordão umbilical ou embolização dos vasos umbilicais dentro do ab-
dome do feto acárdico por intermédio da injeção de álcool absoluto. Nos casos de gestação em fase tardia (próximo
à viabilidade do feto normal), o tratamento consiste na realização do parto.

8. Gestação monoamniótica
As gestações gemelares monoamnióticas estão associadas ao risco de 50 a 75% de óbito fetal intrauterino
devido, principalmente, ao enovelamento dos cordões umbilicais e à consequente interrupção do fluxo sanguíneo.
Outros fatores associados às perdas fetais são as malformações e o parto prematuro.
O diagnóstico dessas gestações é baseado na demonstração da presença de 2 fetos no interior do mesmo saco
gestacional, sem membrana interposta, ou na demonstração do enovelamento do cordão umbilical no exame de
Doppler com fluxo colorido.
122 INTENSIVO

O momento ideal para a interrupção da gestação é motivo de controvérsia; alguns autores indicam a realização
do parto entre a 32ª e a 34ª semana, enquanto outros questionam se o benefício da realização do parto nessa idade
gestacional, a fim de prevenir o enovelamento e compressão do cordão umbilical, supera o risco conferido pela
prematuridade e suas consequências. A recente revisão do tema, realizado pela Cochrane Database of Systematic
Reviews (2015), enfatiza a falta de evidência científica para respaldar uma ou outra conduta. Assim, o limite deve ser
estabelecido individualmente, de acordo com as condições disponíveis de cuidados intensivos neonatais.

- Gêmeos unidos
A união dos gêmeos é um evento raro, que acomete aproximadamente 1 a cada 50.000 gestações. O diagnós-
tico ultrassonográfico é possível a partir da identificação de gestação gemelar com massa placentária única, falha
na demonstração de membrana interamniótica e fetos que não se separam.
A união pode ser anterior (toracópagos, onfalópagos ou tóraco-onfalópagos), posterior (pigópagos), dos polos
cefálicos (craniópagos) ou caudal (isquiópagos). O prognóstico depende do local de união, dos órgãos envolvidos e
da extensão da união, além da presença de eventuais malformações associadas. Geralmente, o prognóstico é defi-
nido pela possibilidade de correção de cardiopatias frequentemente encontradas. É obrigatória a ecocardiografia
fetal no pré-natal. Quando o prognóstico é ruim, o parto pode ser por via vaginal e depende, especialmente, das
dimensões dos fetos. Nos casos sem possibilidade de vida após o nascimento, pode-se oferecer interrupção da
gestação com autorização judicial.

9. Resolução da gestação e parto


A idade gestacional ideal para a resolução das gestações gemelares é controversa. Recomenda-se a resolução
das gestações monocoriônicas na 36ª semana e das dicoriônicas entre a 37ª e a 38ª semanas.
As complicações mais comuns do parto na gestação múltipla são as distocias funcionais, apresentação fetal
anômala, prolapso de cordão, descolamento prematuro de placenta e hemorragias pós-parto.
A via de parto ainda é discutível. Alguns estudos sugerem que a cesárea eletiva poderia reduzir em até 75% o
risco de óbito perinatal em gestações a termo. As complicações relacionadas ao parto vaginal devem-se, principal-
mente, ao risco de óbito do 2º gemelar por anóxia.
Para a escolha da via de parto, são consideradas as apresentações dos fetos e a idade gestacional. Quando o 1º
gemelar ou ambos são cefálicos, não havendo outras complicações, pode-se optar pela via vaginal. Nos casos em
que o 1º gemelar não é cefálico ou apresenta peso estimado menor do que o 2º (com diferença ≥500g ou 20%), opta-
-se pela cesárea. O mesmo vale para 2º feto não cefálico com peso estimado <1.500g.
Após o nascimento do 1º gemelar, é importante clampear o cordão precocemente para evitar a exsanguinação do
outro feto. Após o nascimento e clampeamento do cordão do 1º gemelar, reavalia-se a frequência cardíaca fetal e a
apresentação do 2º gemelar. O intervalo entre os partos, antigamente relacionado a piores resultados para o 2º feto
quando maior que 25 a 30 minutos, hoje já transcorre sem período de tempo limite, desde que o traçado cardiotoco-
gráfico seja tranquilizador. Entretanto, a recomendação ainda é de conduta ativa após o nascimento do 1º gemelar.
Caso o 2º gemelar esteja em apresentação cefálica, aguarda-se a evolução com monitorização fetal contínua, usando
ocitocina ou amniotomia da 2ª bolsa, se necessário. Ocorrendo insinuação e boa evolução nesse período, procede-se
à assistência ao parto vaginal. Se a apresentação do 2º gemelar não for cefálica ou não ocorrer boa insinuação deste
feto, a ultrassonografia pode ser útil para auxiliar versão externa cefálica, extração pélvica, ou versão interna do 2º
gemelar. Para a versão interna, deve-se optar pela manutenção da bolsa do 2º gemelar íntegra, até que a parte fetal de
interesse esteja em mãos. Para esta manipulação intrauterina, pode-se usar nitroglicerina intravenosa ou anestésicos
inalatórios, a fim de relaxar a musculatura uterina e evitar o enluvamento fetal pelo útero contraído.
Algumas distocias são específicas de gestações gemelares. Entre elas, destacam-se:
Compactação: insinuação completa e simultânea dos polos fetais de ambos os gêmeos, impedindo sua descida;
Colisão: contato de um gêmeo com o outro, impedindo a descida de um deles;
Encravamento mútuo: adaptação completa da superfície inferior do mento de 1 dos gêmeos ao mento do
outro gemelar;
Impactação: encaixe de parte de 1 dos gêmeos com o outro, com insinuação simultânea.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 123

35 Puerpério

1. Definição
Compreende o período a partir da dequitação ao retorno das condições pré-gravídicas do organismo materno.
É importante lembrar, entretanto, que é nesse período que a mama atinge o seu desenvolvimento máximo. Tem
duração de 6 a 8 semanas e pode ser dividido em:
Imediato: a partir do 1º ao 10º dia;
Tardio: do 11º ao 42º dias;
Remoto: a partir do 43º dia.

2. Modificações locais

- Útero, vagina e vulva


A involução uterina ocorre com a redução aproximada de 1cm por dia; no 12º dia pós-parto, o fundo uterino está
na altura da borda da sínfise púbica.
Os lóquios originam-se da ferida placentária e nos primeiros dias de pós-parto constituem-se basicamente de
sangue vivo (lochia rubra). Depois de 3 a 4 dias, tornam-se serossanguíneos e de coloração acastanhada (lochia
flava ou fuscha) e por volta do 10º dia, apresenta-se seroso e amarelo-claro (lochia alba).
O colo uterino fecha-se no decorrer das contrações do pós-parto e adquire o aspecto de fenda.
A vulva está inicialmente edemaciada, e as pequenas lacerações cicatrizam de forma rápida (4 a 5 dias). O canal
vaginal de início dilatado, com paredes lisas, frouxas, edemaciadas e hiperemiadas, sofre acentuada redução do
diâmetro e retorno do pregueamento nas semanas seguintes, embora raramente retorne às dimensões de uma
nulípara.
A crise vaginal, descamação do epitélio até às camadas profundas de origem hormonal, tem seu pico em torno
do 15º dia pós-parto. As lactantes apresentam um retardo na recuperação da atrofia vaginal e podem apresentar a
“dissociação uterovaginal” (simultaneamente, encontram-se endométrio hiperplásico e vagina atrófica).
O retorno da menstruação depende se a mulher amamentou ou não. Caso ela não tenha amamentado, em
aproximadamente 45 dias, a menstruação retornará.

3. Modificações sistêmicas
É normal a temperatura estar um pouco elevada em até 24 horas após o parto.
A pressão arterial tende a normalizar-se no puerpério imediato. O débito cardíaco se eleva, com a melhora do
retorno venoso, e a volemia tende a permanecer elevada até 6 semanas do pós-parto.
Pode haver queda da hemoglobina e do hematócrito compatível com as perdas sanguíneas do parto.
A lactopoese inicia-se com o aumento de ocitocina, prolactina e hormônio do crescimento; sendo assim, o estro-
gênio e a progesterona apresentam-se diminuídos.

4. Cuidados no puerpério
Avaliar rigorosamente os sinais vitais e o sangramento vaginal;
Estimular a deambulação precoce;
124 INTENSIVO

Avaliar sinais de trombose venosa profunda, relato de dores nos membros inferiores e edema súbito ou
aparecimento de flogose local;
A atividade sexual pode ser restabelecida 40 dias após o parto;
Exercícios físicos podem ser iniciados após 1 mês do parto;
Avaliar as condições emocionais das puérperas. Atenção aos distúrbios psiquiátricos (blues puerperal, de-
pressão puerperal e psicose puerperal).

5. Amamentação
Os cuidados com as mamas e o incentivo e a orientação quanto à amamentação devem ser iniciados no pré-
-natal. Estimular a amamentação logo após o nascimento irá reforçar o vínculo mãe–filho e prevenir problemas
mamários, além de auxiliar na involução uterina.
A mastite puerperal tem, como manifestações clínicas, mama endurecida, hiperemiada e com hipertermia local,
mastalgia, podendo ser acompanhada de febre alta e prostração. O agente etiológico principal é o Staphylococcus
aureus. O tratamento a ser realizado implica a não suspensão da amamentação, a ordenha, a aplicação de compres-
sa fria, analgésicos e anti-inflamatórios, bem como antibioticoterapia com cefalexina 2g/d, por 10 dias. As mastites,
quando não tratadas, podem evoluir para abscesso mamário. O tratamento do abscesso, quando presente, consiste
na drenagem cirúrgica da coleção purulenta e na antibioticoterapia.

6. Recomendações de contracepção a mulheres lactantes


O retorno da ovulação é variável, logo a infertilidade causada pela amamentação é imprevisível. Assim, medidas
de planejamento familiar devem ser instituídas para os bem-estares materno e do recém-nascido.
Dispositivos intrauterinos (DIUs) de cobre ou de levonorgestrel podem ser usados no puerpério da lactante.
Estes últimos podem ser inseridos até 72 horas pós-parto – o que aumenta a chance de expulsão do mesmo – ou,
idealmente, 6 semanas pós-parto.
O diafragma está indicado na 6ª semana após o parto.
Já os métodos hormonais, quando se fala em contraceptivos combinados, são contraindicados por interferirem
no leite materno.
Os progestogênios isolados estão indicados. Podem-se utilizar os orais, os injetáveis, os implantes subdérmicos
e o DIU de levonorgestrel.

36 Síndromes hipertensivas na gestação

1. Introdução
São a maior causa de morbimortalidade materna e fetal, sendo 45% das mortes maternas por eclâmpsia.
As síndromes hipertensivas na gestação compreendem:
Hipertensão Arterial Crônica (HAC);
Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG);
Eclâmpsia;
Síndrome HELLP;
Hipertensão gestacional;
HAC + DHEG superajuntada.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 125

2. Pré-eclâmpsia
Compreende: desenvolvimento de hipertensão e proteinúria após a 20ª semana de gestação, com desapare-
cimento até 12 semanas após o parto. Constitui exceção moléstia trofoblástica gestacional, situação na qual
pode aparecer antes da 20ª semana;
Hipertensão: Pressão Arterial (PA) >140x90mmHg (2 medidas);
Proteinúria: >300mg/dL ou >1g/L ou 1+ em 2 medidas de amostra isolada de urina;
Fatores de risco: paridade (primigestas), história familiar de Pré-Eclâmpsia (PE), extremos de idade de vida
reprodutiva, gestação múltipla, gestação molar, HAC, hidropisia fetal, doenças do colágeno;
Pacientes com PE podem apresentar o fluxo uteroplacentário diminuído, que diminuirá a oxigenação do te-
cido trofoblástico, aumentando o tromboxano A2 e diminuindo as prostaciclinas, ocasionando vasoespasmo
generalizado e, então, aumento da PA; com isso, ocorre alteração da coagulação e da permeabilidade capilar,
podendo gerar insuficiência placentária com restrição do crescimento fetal, sofrimento fetal crônico e, even-
tualmente, óbito intrauterino.

Classificação (Ministério da Saúde)


Grave
- Pressão diastólica ≥110mmHg;
- Proteinúria ≥2g/24h ou 2+ em fita urinária;
- Oligúria (<500mL/d ou 25mL/h);
- Creatinina >1,2mg/dL;
- Sinais de encefalopatia hipertensiva (cefaleia e distúrbios visuais);
- Dor epigástrica ou no hipocôndrio direito;
- Evidência clínica e/ou laboratorial de coagulopatia;
- Plaquetopenia (<100.000/mm3);
- Aumento de TGO, TGP, DHL e bilirrubinas;
- Presença de esquizócitos em sangue periférico (hemólise).
Outros sinais que podem sugerir o diagnóstico
- Acidente vascular cerebral;
- Sinais de insuficiência cardíaca, ou cianose;
- Presença de restrição do crescimento fetal e/ou oligoâmnio.

Conduta na PE:

Avaliação laboratorial e sua justificativa para gestantes que desenvolvem hipertensão após a 2ª
metade da gravidez ou que apresentam agravamento de hipertensão prévia
Exames Justificativas
A hemoconcentração apoia o diagnóstico de PE e é um indicador de gra-
Hemoglobina e hematócrito vidade. Os valores podem estar diminuídos, entretanto, se a doença é
acompanhada de hemólise.
Contagem de plaquetas A trombocitopenia sugere PE.
Hipertensão na gravidez com proteinúria deve ser considerada PE (pura
Quantificação da excreção de proteína na urina
ou sobreposta) até prova em contrário.
Níveis anormais ou em elevação da creatinina, especialmente com oli-
Nível sérico de creatinina
gúria, sugerem PE grave.
Níveis séricos aumentados de ácido úrico sugerem o diagnóstico de PE –
Nível sérico de ácido úrico quanto mais, elevado pior o prognóstico – e correlacionam-se com restri-
ção de crescimento intrauterino.
Níveis séricos de transaminases em elevação sugerem PE grave com
Níveis séricos de transaminases
envolvimento hepático.
Nível sérico de albumina, desidrogenase lácti- Em gestantes com doença grave, estes exames indicam a extensão da
ca, esfregaço sanguíneo e perfil de coagulação lesão endotelial (hipoalbuminemia, desidrogenase aumentada, hemóli-
(TAP, KPTT e coagulograma) se e coagulopatia), incluindo trombocitopenia.
126 INTENSIVO

Figura 1 - Acompanhamento pré-natal – conduta na pré-eclâmpsia leve

Figura 2 - Acompanhamento pré-natal – conduta na pré-eclâmpsia grave

Situações de emergência hipertensiva: hidralazina 5mg IV, a cada 15 minutos, para reduzir níveis da pressão
arterial média em 30%;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 127

Tratamento da eclâmpsia: internar, assegurar vias aéreas pérvias e oxigenação adequada, aspiração de se-
creções e sonda vesical de Foley, administrar sulfato de magnésio e anti-hipertensivo; estabilização materna
e resolução da gestação, independentemente da idade gestacional;
Durante a administração do sulfato de magnésio, deve-se avaliar o reflexo patelar, o débito urinário (>25mL/h)
e a frequência respiratória. Caso um desses parâmetros esteja alterado, deve-se administrar:
Antídoto: gluconato de cálcio a 10% (10mL IV, por 3 minutos).
Síndrome HELLP: a síndrome HELLP, cuja denominação é resultado de um acrônimo dos 3 critérios estabe-
lecidos para a sua presença (H = Hemolysis – hemólise; EL = Elevated Liver enzymes – aumento das enzimas
hepáticas; LP = Low Platelets – plaquetopenia), é uma complicação da PE.
Critérios diagnósticos
- Alterações eritrocitárias (esquizócitos);
Hemólise - Aumento de bilirrubina total (>1,2mg%);
- Aumento de DHL (>600UI/L).
Elevação de enzimas hepáticas AST e/ou ALT >70UI/L
Plaquetopenia <100.000 plaquetas/mm3

Tratamento da síndrome HELLP


- Parto;
- Corticoterapia: benefício materno duvidoso em aumentar as plaquetas:
· Considerar uso de dexametasona 10mg, IV, 12/12h, se plaquetas ≤50.000 (assunto controverso na literatura).
- Transfusão de plaquetas se <20.000mm3 ou <50.000mm3 na cesárea;
- Via de parto: indicação obstétrica.

Atenção
De acordo com o Ministério da Saúde:
- PE leve: gestação não deve ultrapassar 40 semanas;
- PE grave: gestação não deve ultrapassar 34 semanas.

3. Hipertensão arterial crônica


É classificada com a presença de nível pressórico ≥140x90mmHg, termo que se refere a qualquer doença hi-
pertensiva antes da gestação e inclui, também, hipertensão essencial latente, identificada pela 1ª vez antes da 20ª
semana de gestação. Pode ser classificada:
Quanto ao aparecimento: em primária (93%) ou secundária (nefropatias, feocromocitoma, coarctação de aorta);
Quanto às associações: não complicadas ou complicadas (cardiopatias, nefropatias, PE sobreposta);
Quanto aos valores pressóricos: PA diastólica <110mmHg (leve) ou PA diastólica ≥110mmHg (grave).
A conduta na HAC não complicada é o controle com dieta e baixas doses de hipotensor, acompanhamento am-
bulatorial e da vitalidade fetal (a partir de 34 semanas) e levar a gestação até 40 semanas.
Na HAC complicada com PE sobreposta, proceder à internação; caso a vitalidade esteja preservada, manter até
a 37ª semana; se houver piora materna ou fetal, está indicada resolução.

37 Diabetes e gestação

1. Definição
O Diabetes Gestacional (DG) é caracterizado por intolerância a carboidratos e glicose de gravidade variável,
diagnosticado pela 1ª vez na gestação e que não atenda aos critérios utilizados para o diagnóstico de diabetes
mellitus fora do período gestacional.
128 INTENSIVO

Do início da gestação até a 24ª semana, ocorre a 1ª fase, que é anabólica; com o aumento do Hormônio Lac-
togênio Placentário (HLP), ocorrerão hipertrofia e hiperplasia das células beta, haverá aumento da insulina, com
consequente diminuição da glicemia materna de jejum e, então, inibição da gliconeogênese.
A partir da 24ª semana até o final da gestação, ocorre a 2ª fase, considerada catabólica; a placenta aumentará
a produção de hormônios hiperglicemiantes (hormônios diabetogênicos: HLP, progesterona, hormônio de cresci-
mento e hormônio liberador de corticotrofina) e haverá aumento da resistência periférica a insulina materna, oca-
sionando hiperinsulinismo, com diminuição da reserva de glicogênio e gordura e então aumento da gliconeogênese.
Nas portadoras de DG, o aumento da quantidade de produção de insulina pelo pâncreas materno não é suficien-
te para controlar a alta resistência periférica a insulina.

A - Classificação
A classificação do DG pode ser a seguinte:
Diabetes pré-gestacional:
Tipo 1 ou insulinodependente;
Tipo 2;
Diabetes por outras causas: alterações locais/genéticas.
DG:
A1: controle com dieta e exercício;
A2: controle necessita de insulina.

B - Rastreamento
O rastreamento pode ser clínico ou laboratorial. A gestante será considerada de alto risco para DG, com rastre-
amento clínico positivo, se tiver 1 dos itens a seguir:
Fatores de risco
- Idade igual ou superior a 35 anos;
- IMC >25kg/m2 (sobrepeso e obesidade);
- Antecedente pessoal de DG;
- Antecedente familiar de diabetes mellitus (parentes de 1º grau);
- Macrossomia ou polidrâmnio em gestação anterior;
- Óbito fetal sem causa aparente em gestação anterior;
- Malformação fetal em gestação anterior;
- Uso de drogas hiperglicemiantes (corticoides, tiazídicos);
- Síndrome dos ovários policísticos;
- Hipertensão arterial crônica.
Na gravidez atual, em qualquer momento
- Ganho excessivo de peso;
- Suspeita clínica ou ultrassonográfica de crescimento fetal excessivo ou polidrâmnio.

a) Protocolo do Ministério da Saúde


Todas as gestantes (independentemente de apresentarem fator de risco):
Devem realizar dosagem de glicemia de jejum no início da gravidez logo na 1ª consulta do pré-natal, antes de
20 semanas, ou tão logo seja possível;
Rastreamento é considerado positivo se glicose plasmática de jejum é igual ou superior a 85mg/dL e/ou na
presença de qualquer fator de risco para o DG;
Ausência de fatores de risco e glicemia de jejum ≤85mg/dL: rastreamento negativo; repetir a glicemia de
jejum entre a 24ª e 28ª semana de gestação.
Gestantes com rastreamento positivo (glicemia de jejum de 85mg/dL a 125mg/dL e/ou com qualquer fator de risco):
Confirmação diagnóstica: Teste Oral de Tolerância a Glicose (TOTG) 75g, 2h:
Jejum (95);
Após 1 hora (180);
Após 2 horas (155).
Dois valores alterados confirmam diagnóstico.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 129

b) O estudo HAPO
O HAPO Study (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome) incluiu 16 centros hospitalares com aproxi-
madamente 25.000 gestantes. As mulheres foram submetidas ao TOTG de 75g de glicose entre a 24ª e a 32ª sema-
nas de gestação, com análises no tempo zero (jejum), 1 e 2 horas após a sobrecarga de glicose.
Na análise dos resultados neonatais desse estudo (macrossomia, hipoglicemia e valores do peptídio C do cor-
dão), as glicemias de jejum, de 1 e 2 horas após a sobrecarga foram identificadas como preditoras independentes
do resultado neonatal adverso. A partir dessa informação se concluiu que apenas um valor anormal seria suficiente
para o diagnóstico de DG. Essa é a justificativa para a modificação nos critérios de diagnóstico, os quais passam a
considerar que 1 ou mais valores anormais no TOTG já permitem o diagnóstico de DG.
No consenso da International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG), ficou definido
que o TOTG de 75g de glicose é de escolha para o diagnóstico do DG; que o teste deverá ser aplicado a todas as
gestantes entre a 24ª e a 28ª semanas de gestação e que deverá ser incluída análise das glicemias de jejum (8
horas) e 1 e 2 horas após a sobrecarga de 75g de glicose. Definiu-se, assim, o diagnóstico de DG: quando a paciente
apresentar 1 ou mais valores maiores ou iguais aos valores de referência do TOTG 75g, (glicemia de jejum ≥92mg/dL,
de 1 hora após a sobrecarga ≥180mg/dL e de 2 horas após a sobrecarga ≥153mg/dL). Esses valores de corte foram
estabelecidos pela IADPSG.
O diagnóstico de diabetes prévio à gestação (overt diabetes) será firmado quando a glicemia de jejum for maior ou
igual a 126mg/dL (com 2º exame confirmatório), o que é semelhante ao parâmetro para mulheres não gestantes. Nes-
se caso, a paciente terá seu seguimento pré-natal baseado nos mesmos princípios do tratamento de pacientes com
diabetes tipo 1 ou 2. Será fundamental a investigação de complicações maternas e fetais, como risco aumentado de
malformações. Além da utilização da glicemia de jejum para o diagnóstico de diabetes pré-gestacional, pode-se ainda
utilizar qualquer um dos critérios habitualmente considerados fora da gestação, ou seja, glicemia ocasional maior ou
igual a 200mg/dL acompanhada de sintomatologia ou hemoglobina glicada (HbA1C) maior ou igual a 6,5%.
Após a publicação do consenso, em março de 2010, grande parte das associações médicas adotou esses novos
critérios para o diagnóstico de diabetes durante a gravidez, incluindo a American Diabetes Association (ADA) que
modificou suas recomendações para o diagnóstico de DG, abandonando o TOTG com sobrecarga de 100g, e reco-
mendou que fossem seguidos os critérios estabelecidos pelo consenso do IADPSG para o diagnóstico de DG.

2. Diabetes gestacional
Exames complementares nos casos de DG
- Hemoglobina glicada;
- Glicemia capilar;
- Colesterol total;
- Colesterol (HDL);
- Triglicérides;
- Creatinina;
- Ácido úrico;
- Pesquisa de elementos anormais/sedimento na urina;
- Eletrocardiograma;
- Clearance de creatinina;
- Potássio;
- Proteinúria de 24 horas;
- Microalbuminúria;
- Ecografia gestacional de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde.

Indicação de avaliação fetal de acordo com gravidade do diabetes


Gestantes diabéticas Gestantes diabéticas
DG bem controla-
insulinodependentes sem insulinodependentes com
do com dieta
vasculopatia vasculopatia
Ultrassonografia e ecografia 18 a 20 semanas
18 a 20 semanas 18 a 20 semanas
inicial ou no diagnóstico
Início da contagem de movi-
Não indicada 26 a 28 semanas 26 a 28 semanas
mentos fetais
130 INTENSIVO

Indicação de avaliação fetal de acordo com gravidade do diabetes


Gestantes diabéticas Gestantes diabéticas
DG bem controla-
insulinodependentes sem insulinodependentes com
do com dieta
vasculopatia vasculopatia
Início da avaliação do cresci-
28 semanas 28 semanas 26 a 28 semanas
mento fetal
Periodicidade da avaliação do
Cada 4 semanas Cada 4 semanas Cada 4 semanas
crescimento fetal
Cardiotocografia basal ou
Não indicada Início em 32 semanas Início em 28 a 32 semanas
perfil biofísico fetal
Periodicidade da cardiotocogra- 2 vezes por semana, podendo 2 vezes por semana, podendo
Não indicada
fia basal ou perfil biofísico fetal alternar os 2 exames alternar os 2 exames
Dopplerfluxometria da artéria
Não indicada Não indicada Indicada
umbilical fetal
Possivelmente, anterior ao
Com evidência de maturidade
Limite para o parto 40 semanas termo, dependendo das con-
pulmonar ou 38 semanas
dições materno-fetais

A - Tratamento
Baseia-se em:
Dieta fracionada:
1.800 a 2.000 calorias;
50% carboidratos;
30 a 35% lipídios;
15 a 20% proteínas;
Menos de 10% de gorduras não saturadas.
Atividade física auxilia no controle dos níveis glicêmicos, pelo aumento da atividade da insulina ao receptor,
diminuindo a resistência periférica à sua ação e aumentando o consumo de glicose;
Insulinoterapia é indicada quando dieta e exercício físico não alteram os níveis glicêmicos. Tem, como base,
NPH 0,3 a 0,5UI/kg/d, 2/3 pela manhã e 1/3 às 22 horas; e dose empírica de 0,7UI/kg/peso;
Conduta obstétrica:
DG controlada: até 40 semanas;
DG associada a hipertensão arterial crônica, macrossomia fetal, difícil controle metabólico: antecipar o
parto;
Via de parto dependerá das condições obstétricas.
Controle glicêmico:
Nas gestantes com diagnóstico de DG, o controle glicêmico deve ser feito com glicemias de jejum e pós-
-prandiais semanais. O controle também pode ser realizado com avaliações de ponta de dedo;
Após 7 a 14 dias de dieta, realizar perfil glicêmico ambulatorial, por meio de glicemia de jejum, 1 hora após
o café e 1 hora após o almoço, sendo considerados anormais valores maiores ou iguais a 95mg/dL (jejum) e
140mg/dL (1 hora após as refeições). Se a gestante apresentar 1 dos valores alterado com a dieta adequa-
da, está indicada insulinoterapia;
A medida da glicosúria não é útil na monitorização do controle metabólico na gravidez;
Nas gestantes com diagnóstico de diabetes pré-gestacional e naquelas em uso de insulina, o controle
glicêmico deve ser mais rigoroso, com medições diárias pela manhã em jejum, antes do almoço, antes do
jantar, 1 ou 2 horas após o almoço e 1 ou 2 horas após o jantar. Medições adicionais podem ser realizadas
ao deitar e durante a madrugada (2 a 3 horas), especialmente em gestantes que apresentarem sintomas
de hipoglicemia noturna. Para tal, as gestantes devem ser orientadas na monitorização domiciliar das
glicemias capilares e para o uso adequado dos glicosímetros, devendo ser acompanhadas por pessoal de
enfermagem treinado.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 131

Conduta durante o trabalho de parto – gestantes em trabalho de parto espontâneo


- Dosagem de glicemia na admissão;
- Suspender uso de insulina;
- Permitir ingestão de líquidos claros na fase de latência;
- Iniciar solução salina;
- Monitorizar glicemia de 2 em 2 horas na fase de latência e de 1 em 1 hora na fase ativa;
- Níveis de glicemia capilar: mantidos entre 70 e 110mg/dL;
- Se glicemia <70mg/dL: soro glicosado a 5% a 100 a 150mL/h;
- Se glicemia >100mg/dL: insulina (IV) 1,25UI/h.
Indução programada do parto:
Início da manhã;
Se preparo do colo (exemplo: misoprostol):
* Manter a dieta e o regime usual de insulina até início do trabalho de parto e, depois, seguir com protocolo
de trabalho de parto espontâneo.
Se indução (ocitocina):
* Manter dose usual de insulina na noite anterior, suspender insulina no dia da indução e seguir com pro-
tocolo de trabalho de parto espontâneo.
Cesárea programada:
Programar para o início da manhã;
Suspender dieta na noite anterior. Oferecer um lanche reforçado e líquidos em maior quantidade antes
do jejum;
Manter dose de insulina na noite anterior;
Suspender insulina da manhã;
Soro glicosado a 5% 100 a 150mL/h até o parto;
Monitorizar glicemia de 4 em 4 horas até o parto;
Fluidos intraparto a critério do anestesiologista.

B - Complicações fetais e maternas


a) Maternas
Polidrâmnio, trabalho de parto prematuro, doença hipertensiva específica da gravidez, risco de hipotonia, he-
morragia pós-parto e lesões do canal de parto, risco aumentado de rotura prematura das membranas ovulares,
monilíase vaginal. Piora de lesões em órgãos-alvo maternos devido à descompensação do diabetes.
b) Fetais
Malformações fetais e congênitas, macrossomia fetal, síndrome do desconforto respiratório, abortamentos,
hipoglicemia, óbito fetal, traumas de parto, icterícia, policitemia, risco aumentado de obesidade e diabetes mellitus
na idade adulta, hipertensão e dislipidemia na vida adulta.

38 Lúpus eritematoso sistêmico e gestação

1. Introdução
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma das doenças autoimunes mais frequentes, com predomínio no sexo
feminino e incidência maior em adultos jovens. A gravidez parece não interferir no curso da doença.
132 INTENSIVO

2. Etiopatogenia
Uma série de fatores biológicos (estresse, cirurgias, infecções, puberdade, gestação, puerpério), químicos (uso
de determinados medicamentos: hidralazina, procainamida, isoniazida, difenil-hidantoína etc.) ou físicos (exposição
solar) pode exacerbar a doença, causada pela perda da tolerância imunológica do indivíduo a vários autoantígenos.
Essa intolerância imunológica leva à formação de autoanticorpos que determinam, por meio de mecanismos de
hipersensibilidade, agressão a suas próprias células e tecidos.

3. Classificação
Existem 2 formas clínicas bem distintas de LES:
Cutâneo: acometimento apenas da pele, podendo, eventualmente, evoluir para a forma sistêmica da doença;
Sistêmico: comprometimento de diversos tecidos e órgãos.

4. Diagnóstico
São necessários 4 dos sinais/sintomas descritos:
Critérios para a confirmação do diagnóstico
Eritema malar Lesão eritematosa fixa na região malar, plana ou em relevo
Lesão eritematosa, infiltrada, com escamas ceratósicas aderidas e tampões foliculares,
Lesão discoide
que evolui com cicatriz atrófica e discromia
Exantema cutâneo como reação não usual à exposição à luz solar, de acordo com a história
Fotossensibilidade
do paciente ou observado pelo médico
Úlceras orais/nasais Usualmente indolores, observadas pelo médico
Não erosiva, envolvendo 2 ou mais articulações periféricas, caracterizadas por dor e ede-
Artrite
ma ou derrame articular
Pleuris (caracterizada por história convincente de dor pleurítica, atrito auscultado pelo
Serosite médico ou evidência de derrame pleural) ou pericardite (documentada por eletrocardio-
grama, atrito ou evidência de derrame pericárdico)
Comprometimento renal Proteinúria persistente (>0,5g/d ou 3+) ou cilindrúria anormal
Alterações neurológicas Convulsão (na ausência de outra causa) ou psicose (na ausência de outra causa)
Anemia hemolítica ou leucopenia (<4.000/mm3 em 2 ou mais ocasiões) ou linfopenia
Alterações hematológicas (<1.500/mm3 em 2 ou mais ocasiões) ou plaquetopenia (<100.000/mm3 na ausência de
outra causa)
- Anticorpo anti-DNA nativo ou anti-Sm ou presença de anticorpo antifosfolípide com base
em:
Alterações imunológicas · Níveis anormais de IgG ou IgM anticardiolipina;
· Teste positivo para anticoagulante lúpico; ou
· Teste falso positivo para sífilis, por, no mínimo, 6 meses.
Título anormal de anticorpo antinuclear por imunofluorescência indireta ou método equi-
Anticorpos antinucleares valente, em qualquer época, e na ausência de drogas conhecidas por estarem associadas à
síndrome do lúpus induzido por drogas

5. Gestante lúpica
A corticoterapia mudou a história do tratamento e a evolução da doença. Antes do advento da corticoterapia, o
LES reduzia a fertilidade das pacientes ou, até mesmo, impedia a concepção.
Ainda assim, o lúpus está associado a maior chance de abortamento, óbito fetal, prematuridade, restrição do
crescimento fetal, pré-eclâmpsia e diabetes gestacional.
Os anticorpos anti-DNA das gestantes lúpicas aumentam o risco de óbito fetal por fazerem ligações com impor-
tantes moléculas de implantação da placenta.

6. Seguimento pré-natal da gestante lúpica


Idealmente, deve ser realizada consulta pré-concepcional, com o intuito de planejar o melhor momento para ocorrer
a gestação, fornecer informações acerca dos riscos e verificar as condições de saúde materna e as medicações utilizadas.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 133

Os principais fármacos usados pela gestante lúpica são corticoide, AAS®, reposição de cálcio e vitamina D.
Tratamento de LES na gestação (Ministério da Saúde)
Riscos (Food and
Drogas Doses Comentários
Drug Administration)
1 a 2mg/kg/d VO, dose
Prednisona B Pode ser utilizada em pulsoterapia.
única diária
Recomenda-se na presença de anticorpos
antifosfolípides e na presença de acometi-
AAS® 80 a 100mg/d C/D
mento renal, mesmo com função normal;
suspender 4 semanas antes do parto.
0,1 a 0,2mg/kg/d VO,
Tacrolimo C --
dose única diária
1mg/kg/d VO, dose úni- O uso deve ser cauteloso na doença ativa de
Azatioprina D
ca diária difícil controle.
Micofenolato 1g, 2x/d D Evitar gravidez após 6 meses do último uso.
Cloroquina 250mg/d VO C Há controvérsias sobre uso na gestação.
Ciclofosfamida e meto-
-- X Não usar.
trexato

7. Contracepção
Mulheres lúpicas devem ser orientadas a não utilizarem estrogênios para contracepção, e, pelo risco de tromboem-
bolismo, aquelas que apresentem anticorpos antifosfolípides estão absolutamente impedidas de utilizar esse hormônio.

8. Síndrome do lúpus neonatal

A - Definição e incidência
O lúpus neonatal é mais raro (1 a 2% dos recém-nascidos) e pode ocorrer pela passagem placentária de anti-
corpos maternos (anti-Ro e anti-La). O mecanismo ainda não está plenamente estabelecido e pode acarretar rash
cutâneo, trombocitopenia, leucopenia, anemia e disfunção hepática no recém-nascido. São alterações transitórias
que desaparecem com 6 a 8 meses de vida.
O acometimento cardíaco mais frequente é o bloqueio atrioventricular, que ocorre entre 18 e 24 semanas e,
raramente, após 30 semanas. Acredita-se ser consequência de lesão dos feixes do sistema de condução do coração
fetal pela deposição de complexo antígeno–anticorpo neste sítio.

B - Conduta
Nos casos em que o diagnóstico de bloqueio atrioventricular é feito ainda durante a vida intrauterina, seu
tratamento deverá ser realizado quando houver alteração da frequência cardíaca fetal já antes da 16ª semana de
gestação, quando for observada alteração de condução de instalação recente ou nos casos graves que apresentam
congestão cardiopulmonar, insuficiência cardíaca grave e miocardite.

39 Toxoplasmose e gestação

1. Agente etiológico
Toxoplasma gondii, protozoário que tem o gato como hospedeiro definitivo (ciclo reprodutivo) e outros mamífe-
ros, como o homem, como hospedeiro intermediário (ciclo proliferativo).
134 INTENSIVO

2. Transmissão
Ingestão de oocistos por contato com fezes de felinos, direto ou indireto (jardinagem, animais de estimação);
outros animais de estimação podem estar contaminados e serem carreadores da infecção;
Ingestão de alimentos contaminados (carne mal cozida ou crua, verdura mal lavada);
Contato de terra contaminada nas mucosas ou tecidos lesionados;
Transmissão vertical:
Mais comum no 3º trimestre, porém mais grave no 1º trimestre;
Durante infecção aguda e primo-infecção (na infecção crônica, somente em casos de imunossupressão
grave, como infecção pelo HIV e uso prolongado de corticoide).
Observação
Existem 2 formas de infecção: a circulante (taquizoíto) e a latente (cistos).

- Prevenção da infecção
Lavar as mãos ao manipular alimentos;
Lavar bem frutas, legumes e verduras antes do consumo;
Não ingerir ovos e carnes cruas ou mal cozidos, incluindo embutidos (salame, copa etc.);
Beber água filtrada e evitar contato com água de lagoa;
Evitar contato com o solo e terra de jardim; se indispensável, usar luvas e lavar bem as mãos após;
Evitar contato com fezes de gato no lixo ou no solo;
Após manusear a carne crua, lavar bem as mãos (de preferência usar luvas), assim como toda a superfície
que entrou em contato com o alimento e todos os utensílios utilizados (não utilizar a mesma faca e a mesma
tábua para cortar carne, frutas e legumes);
Não consumir leite e seus derivados crus, não pasteurizados, seja de vaca ou de cabra;
Propor que outra pessoa limpe a caixa de areia dos gatos e, caso não seja possível, limpá-la e trocá-la diaria-
mente, utilizando luvas e pazinha;
Alimentar os gatos com carne cozida ou ração, não deixando que estes ingiram caça;
Lavar bem as mãos após contato com os animais.

3. Diagnóstico

A - Materno
a) Clínico
A maior parte das gestantes é assintomática, e o seu diagnóstico normalmente é realizado durante os exames
de rotina do pré-natal.
As manifestações clínicas mais frequentes, quando presentes, são linfonodomegalia, febre, hepatoesplenome-
galia e eventual rash cutâneo.
b) Laboratorial: sorologia materna
Perfil sorológico:
IgG positivo: cicatriz sorológica;
IgM positivo: possível infecção aguda;
Teste de avidez, imunofluorescência indireta;
Determinação da avidez de IgG: maturidade da resposta imunológica, maior capacidade de ligação e avidez
da imunoglobulina. Se o resultado do teste for uma resposta baixa à IgG, sugere-se primoinfecção recente;
quando o resultado revelar uma resposta alta à IgG, indica-se infecção tardia. O intervalo de tempo para
modificar o valor do teste de avidez, ou seja, elevar a IgG, pode variar, não havendo tempo específico.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 135

B - Fetal e recém-nascido
a) Infecção fetal
Invasivos:
Cordocentese (pesquisa de IgM no feto);
Amniocentese (padrão-ouro, PCR no líquido amniótico).
Não invasivo:
Ecografia.
b) No recém-nascido
Raio x de crânio, ultrassonografia transfontanela, fundo de olho e análise anatomopatológica da placenta.

4. Infecção congênita
É dividida em 2 grupos:
Infecção congênita: doença adquirida por meio da infecção materna no 2º ao 6º mês de gestação;
Infecção assintomática: doença adquirida no 3º trimestre de gestação.
Pode causar óbito fetal, abortamento, prematuridade, restrição do crescimento fetal e toxoplasmose congênita.

5. Toxoplasmose congênita
Coriorretinite, hidrocefalia e microcefalia, calcificações cerebrais, convulsão e retardo mental, hepatoespleno-
megalia, pneumonite e erupção cutânea.

6. Tratamento
Início imediato (gestante sintomática ou não): espiramicina 3g/d (diminui o risco de transmissão vertical, mas
não trata o feto);
Se o feto estiver infectado, intercalar espiramicina com sulfadiazina (3g/d) + pirimetamina (50mg/d) + ácido
folínico (15mg/d) a cada 3 semanas;
A sulfadiazina deve ser interrompida nas 2 semanas que antecedem o parto.
Resultados
Situação Interpretação Conduta Ecografia Seguimento
IgG IgM
Imunidade remota;
gestante com
Não há necessidade de
Positiva Negativa doença antiga -- --
sorologias.
ou toxoplasmose
crônica
Repetir a sorologia
Realizar programa de
Negativa Negativa Suscetibilidade -- de 2 em 2 ou 3 em 3
prevenção primária.
meses.
- Fazer automatica-
1ª sorolo- mente o teste de
gia no 1º avidez de IgG na
mesma amostra: - Ecografias normais:
trimestre da
· Avidez forte: infec- manter espiramici-
gestação ção adquirida antes na até o parto;
Possibilidade de da gestação. Não há Ecografia - Ecografia alterada:
necessidade de mais mudar para esque-
Positiva Positiva infecção durante a fetal
testes e ecografia ma tríplice (após as
gestação mensal; mensal 18 semanas);
· Avidez fraca: - Investigação com-
possibilidade de pleta do recém-
infecção adquirida -nascido.
na gestação. Iniciar
espiramicina ime-
diatamente.
136 INTENSIVO

Resultados
Situação Interpretação Conduta Ecografia Seguimento
IgG IgM
- Iniciar espiramicina
imediatamente;
- Ecografias normais:
- Repetir sorologia em
manter espiramici-
3 semanas;
na até o parto;
1ª sorolo- - IgG positivo: confirma Ecografia
Infecção muito - Ecografia alterada:
gia no 1º a infecção; fetal mudar para esque-
Negativa Positiva recente ou IgM - IgG continua negativa:
trimestre da mensal na ma tríplice (após as
falso positivo suspender espirami-
gestação infecção 18 semanas);
cina. Prevenção pri-
- Investigação com-
mária e repetição da
pleta do recém-
sorologia de 3 em 3
-nascido.
meses e no momento
do parto.
Imunidade remota;
gestante com
Não há necessidade de
Positiva Negativa doença antiga -- --
novas sorologias.
ou toxoplasmose
crônica
Programa de prevenção
primária. Repetir a
Negativa Negativa Suscetibilidade sorologia de 2 em 2 ou -- --
de 3 em 3 meses e no
momento do parto.
- Se a gestação
- Ecografias normais:
tiver menos de 30
manter espiramici-
semanas: iniciar
na até o parto;
espiramicina;
Possibilidade de Ecografia - Ecografia alterada:
1ª sorologia - Gestante com 30
mudar para esque-
após o 1º Positiva Positiva infecção durante a semanas ou mais fetal
ma tríplice (após as
trimestre gestação de gestação: iniciar mensal 18 semanas);
diretamente com
- Investigação com-
esquema tríplice;
pleta do recém-
- Fazer teste de avidez
-nascido.
de IgG.
- Iniciar espiramicina
imediatamente; - Ecografias normais:
- Repetir sorologia em manter espiramici-
3 semanas; na até o parto;
Infecção muito - IgG positivo: confirma Ecografia - Ecografia alterada:
a infecção; mudar para esque-
Negativa Positiva recente ou IgM fetal
- IgG continua negativa: ma tríplice (após as
falso positivo suspender espira- mensal 18 semanas);
micina; - Investigação com-
- Prevenção primária; pleta do recém-
- Repetição da sorolo- -nascido.
gia de 3 em 3 meses.
Exceção: 1ª sorologia
(negativa) bem no
início da gestação e
exame subsequente
no final da gestação
ou no momento do
parto com IgG muito
Amostras Possibilidade de
alta: possibilidade
subse- falso negativo da
de infecção durante
quentes, na IgG na amostra an-
a gestação com IgM
gestante, Positiva Negativa terior, por método -- --
muito fugaz.
inicialmente inadequado; pro-
Analisar também a
com IgG-/ vável imunidade
possibilidade de IgM
IgM- remota
falso negativo.
Se possibilidade de
infecção adquirida na
gestação, iniciar com
esquema tríplice.
Investigação completa
do recém-nascido.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 137

Resultados
Situação Interpretação Conduta Ecografia Seguimento
IgG IgM
Repetir a sorologia
Manter o programa de
Negativa Negativa Suscetibilidade -- no momento do
prevenção primária.
parto.
A paciente e/ou médi-
co devem ser avisados - Ecografias
pelo laboratório, para normais: manter
não retardar a condu- espiramicina até o
ta. Se a gestação tiver parto;
Certeza de Ecografia - Ecografia alterada:
menos de 30 semanas:
Positiva Positiva infecção durante a fetal mudar para esque-
iniciar imediatamente ma tríplice (após
gestação mensal
com espiramicina. Se as 18 semanas);
a gestação tiver 30 - Investigação com-
Amostras semanas ou mais: ini- pleta do recém-
subse- ciar diretamente com -nascido.
quentes, na esquema tríplice.
gestante, - Iniciar espiramicina
inicialmente imediatamente;
com IgG-/ - Repetir sorologia em
IgM- 3 semanas;
- IgG positivo: confirma - Ecografias
a infecção; normais: manter
- Se a gestação tiver espiramicina até o
30 semanas ou mais: parto;
Infecção muito iniciar diretamen- Ecografia - Ecografia alterada:
Negativa Positiva recente ou IgM te com esquema fetal mudar para esque-
falso positivo tríplice; mensal ma tríplice (após
- IgG continua negativa: as 18 semanas);
suspender espirami- - Investigação com-
cina; pleta do recém-
- Prevenção primária; -nascido.
- Manter sorologia de
2 em 2 ou 3 em 3
meses e no momento
do parto.

40 Infecções bacterianas na gestação

1. Introdução
Doenças bacterianas são uma importante causa de morbidade obstétrica, especialmente prematuridade, e de-
vem ser rapidamente investigadas, diagnosticadas e tratadas. Nas situações de doenças sexualmente transmissí-
veis, os parceiros também devem ser tratados.

2. Clamídia
A Chlamydia trachomatis (clamídia) é considerada uma das causas mais comuns de doença sexualmente transmissível.
A infecção materna pode manifestar-se sob a forma de uretrite não gonocócica, cervicite mucopurulenta, sal-
pingite aguda ou conjuntivite, apesar de tratar-se de infecção assintomática na maioria dos casos.
A transmissão para o feto acontece por contato direto após a rotura das membranas. Dos recém-nascidos de
mães com infecção cervical, 1/3 desenvolve conjuntivite de inclusão e 10% apresentam pneumonia nos 3 primeiros
meses de vida.
Nas gestantes infectadas, porém assintomáticas, a presença dessa bactéria no colo uterino acarreta maior taxa
de parto prematuro, rotura prematura de membranas e mortalidade perinatal. Da mesma forma, a infecção recente,
138 INTENSIVO

diagnosticada pela presença de anticorpos do tipo IgM, aumenta o risco de parto prematuro e rotura prematura de
membranas. Não há evidências de que a infecção por clamídia esteja relacionada a maior incidência de corioamnio-
nite ou endometrite puerperal.
O diagnóstico da infecção, essencialmente laboratorial, consiste na identificação da bactéria ou de elementos
que indiquem sua presença em material coletado da endocérvice ou da uretra da gestante.
O exame laboratorial mais sensível e específico para o diagnóstico é a imunofluorescência direta (altas sensi-
bilidade e especificidade). Outros métodos diagnósticos que podem ser empregados são citologia com coloração
pelo Giemsa, sorologia e cultura. A realização da cultura é limitada pela necessidade de utilizar meios especiais, com
custo muito elevado.
O tratamento deve ser feito com azitromicina 1g, dose única; outras opções são o uso de estearato de eritromi-
cina, na dose de 500mg, via oral, a cada 6 horas, durante 7 a 10 dias ou amoxicilina, na dose de 500mg por via oral a
cada 8 horas, durante 7 dias; o uso de tetraciclinas e seus derivados, doxiciclina, levofloxacino, ofloxacino e estolato
de eritromicina está formalmente contraindicado durante a gestação.

3. Linfogranuloma venéreo
Esta doença sexualmente transmissível é provocada por clamídias dos sorotipos L1, L2 e L3. Apesar de infre-
quente, a doença pode complicar a gestação e o parto.
A infecção genital primária é assintomática ou oligossintomática. A infecção primária é caracterizada por pe-
quena úlcera genital ou reação inflamatória da mucosa afetada. Essas lesões desaparecem espontaneamente em
poucos dias e, cerca de 2 a 6 semanas após a lesão inicial, ocorre o acometimento dos linfonodos inguinais, às
vezes com supuração local. Além do processo inflamatório, pode haver comprometimento do sistema linfático do
trato genital inferior e de tecidos vizinhos. Fibrose do canal de parto, estenose do reto e elefantíase vulvar podem
resultar de tal comprometimento. Nesses casos, pelo elevado risco de roturas perineais, o parto por via vaginal é
contraindicado.
A confirmação do diagnóstico pode ser alcançada por meio de reação imunológica específica ou por biópsia das
áreas atingidas.
O tratamento, durante a gestação, deverá ser feito com sulfas ou eritromicina, na dose de 500mg, via oral, a
cada 6 horas, durante 21 dias. O uso da azitromicina não tem respaldo na literatura, ainda que seja eficaz no trata-
mento.

4. Gonorreia
A gonorreia é uma doença infecciosa aguda, transmitida pelo contato sexual, causada por um diplococo Gram
negativo intracelular, a Neisseria gonorrhoeae.
A gravidez parece alterar, significativamente, a evolução da infecção gonocócica; nesse período, a doença apre-
senta-se com uma variedade de sintomas clínicos, que vão desde um quadro assintomático ou oligossintomático
até curso com formas graves. Na maioria das vezes, a infecção atinge o colo de útero, a uretra e as glândulas
vestibulares e parauretrais. Os sintomas, iguais aos da doença na mulher não grávida, incluem corrimento vaginal
(mucopurulento, amarelado e fétido), disúria e polaciúria, que aparecem dentro de 1 semana após a infecção.
Quando a infecção acontece antes da obliteração da cavidade uterina pela fusão coriodecidual (por volta da 18ª
semana), pode ocorrer disseminação ascendente, envolvendo a cavidade uterina e tubas, levando a salpingite aguda
e, invariavelmente, abortamento espontâneo infectado.
O diagnóstico é obtido pela visualização dos diplococos Gram negativos intracelulares em esfregaços dos lo-
cais suspeitos. Infelizmente, a sensibilidade do método é alta apenas nos quadros de uretrite em homens. Para
as mulheres, para a confirmação diagnóstica, além do esfregaço, sempre deve ser realizada cultura em meio de
Thayer-Martin.
Se disponíveis, técnicas de biologia molecular, PCR e captura híbrida são exames padrão-ouro. A mesma amos-
tra pode dispor de testagem também para Chlamydia trachomatis. Pesquisar simultaneamente uretra e endocérvi-
ce aumenta as chances de resultados positivos em pessoas infectadas por gonococo.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 139

Sempre que houver infecção por gonococo, pensar em tratar infecção por clamídia concomitantemente. A coin-
fecção com tricomoníase não é fator raro. As opções de tratamento da gonorreia e da clamídia estão descritas na
Tabela a seguir:
Agentes Opções Medicamentos Doses Vias Intervalos Duração
1ª Azitromicina 1g VO 1x Dose única
6/6h 7 dias
Clamídia 2ª Eritromicina 500mg VO
12/12h 14 dias
3ª Amoxicilina 500mg VO 8/8h 7 dias
1ª Ceftriaxona 250mg IM 1x Dose única
2ª Azitromicina 2g VO 1x Dose única
Cefotaxima 500mg IM 1x Dose única
Gonococo 3ª
Cefoxitina 2g IM 1x Dose única
4ª Ampicilina 2 a 3g VO 1x Dose única
Para alérgicas Espectinomicina 2g IM 1x Dose única

5. Estreptococo do grupo B
O estreptococo beta-hemolítico do grupo B (Strepto-
coccus agalactiae – EGB) coloniza o trato gastrintestinal
baixo e a vagina em 15 a 30% das mulheres de maneira
assintomática. Em apenas 1 a 3% das gestantes coloniza-
das, causa infecções graves.
A infecção pelo EGB tem sido associada a várias
complicações, entre as quais aborto infectado, parto
prematuro, rotura prematura de membranas ovulares,
corioamnionite, endometrite, endocardite, osteomielite
e sepse puerperal, assim como graves infecções fetais e
neonatais.
A infecção neonatal é adquirida do trato genital ma-
terno. A bactéria atinge a cavidade amniótica por dissemi-
nação ascendente a partir do colo de útero, independente
da integridade das membranas, assim como na passagem
do feto pelo canal de parto.
O diagnóstico é feito por meio das culturas vaginal e
anorretal. Melhores resultados são observados quando
se usam meios de cultura seletivos, que incluem antibi-
óticos inibidores do crescimento de outras bactérias. A
bacterioscopia pelo Gram não é recomendada, em razão
das baixas sensibilidade e especificidade (pela presença
frequente de estafilococos e outros estreptococos).
O achado em uroculturas rotineiras, mesmo em pe-
quena quantidade, indica colonização materna intensa
e maior suscetibilidade à infecção. Essas gestantes são
mais propensas a rotura prematura de membranas, parto
prematuro e óbito intrauterino. Gestantes diabéticas são
particularmente propensas a endocardite pelo EGB, e seus
Figura 1 - Corrimento vaginal sem microscopia
conceptos constituem grupo de alto risco para infecção.
A melhor época para a realização de cultura está entre 35 e 37 semanas de gestação. Esse procedimento em perí-
odo gestacional mais precoce permite uma melhor avaliação em relação ao risco de trabalho de parto prematuro, en-
tretanto o tratamento das gestantes em períodos mais precoces permite a recolonização dessas mulheres já tratadas.
A profilaxia no período intraparto é realizada com penicilina G na dose de 5.000.000UI, como dose de ataque,
e 2.500.000UI, a cada 4 horas até o parto. Como alternativa, pode ser empregada ampicilina 2g na dose de ataque,
140 INTENSIVO

e 1g, a cada 4 horas até o parto. Diante de alergia a penicilina, pode-se empregar clindamicina 900mg IV, a cada 8
horas, até o parto, ou eritromicina 500mg IV, a cada 6 horas, até o parto. Caso a cepa seja resistente ou a susceti-
bilidade a eritromicina ou clindamicina seja desconhecida, com risco de anafilaxia ao uso de penicilina e derivados,
prescrever vancomicina 1g, a cada 12 horas, até o parto.
O American College of Obstetricians and Gynecologists orienta a não realização rotineira da profilaxia em ges-
tantes colonizadas submetidas a cesariana antes da ruptura de membranas.
Fatores de risco para infecção pelo EGB
- Trabalho de parto prematuro;
- Rotura prolongada de membranas (>18 horas);
- Febre durante o trabalho de parto;
- História de infecção do trato urinário por EGB;
- Recém-nascido infectado em gestação prévia.

Observação
De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, gestantes com cultura negativa para EGB na atual gestação não precisam
de profilaxia em nenhuma situação.

6. Cancro mole
Doença de transmissão sexual, caracteriza-se por múltiplas úlceras dolorosas, de bordas não endurecidas, loca-
lizadas principalmente nos grandes e pequenos lábios, no introito vaginal e na vagina. Surgem após período de in-
cubação de até 8 dias. Em geral, as lesões são acompanhadas de linfadenopatia inguinal homolateral extremamente
dolorosa. As lesões iniciais são pequenas pápulas eritematosas, que logo se transformam em pústulas vesiculares,
as quais se rompem, surgindo as úlceras características.
O diagnóstico clínico é confirmado pela identificação do Haemophilus ducreyi em esfregaços da borda ou da base
das lesões ulceradas e corados pelos métodos de Gram ou Giemsa. Também é útil a cultura desse material ou de
aspirados do bubão, em meios especiais, uma vez que a bactéria cresce com dificuldades somente em ágar sangue.
Pela frequente associação a sífilis primária, sempre deve ser realizada investigação sorológica concomitante,
assim como a pesquisa do Treponema em campo escuro.
A gravidez não parece alterar a evolução da doença. Não há relato de contaminação fetal ou neonatal pelo baci-
lo. O tratamento consiste em alívio sintomático das lesões com uso local do permanganato de potássio.
Vários esquemas de tratamento sistêmico podem ser empregados: azitromicina 1g, por via oral, dose única, ou
eritromicina 500mg, via oral, 6/6h, por 7 dias, ou ceftriaxona 250mg, intramuscular, em dose única, ou associação
de sulfametoxazol 800mg e trimetoprima 160mg, via oral, 12/12h, durante 1 semana. As lesões desaparecem 2
semanas após o início do tratamento.

7. Donovanose
A donovanose (ou granuloma inguinal) é causada por bactéria Gram negativa, Donovania granulomatis (Kleb-
siella granulomatis), e se apresenta como reação granulomatosa cutânea crônica na genitália externa e, por vezes,
nas regiões anal e perianal.
Trata-se de doença de transmissão sexual pouco contagiosa, característica de regiões tropicais e subtropicais,
associada a baixo nível socioeconômico e condições precárias de higiene.
O período de incubação varia de alguns dias a 2 meses. Inicialmente, surgem pápulas indolores, que posterior-
mente se ulceram e evoluem como tecido de granulação. Em casos de propagação linfática, pode ser encontrada
linfadenopatia regional.
O diagnóstico é confirmado pela identificação dos corpúsculos de Donovan em fragmentos biopsiados das le-
sões ulceradas e corados pelos métodos de Giemsa ou Wright.
Durante a gestação, a donovanose é tratada com a associação de sulfametoxazol 800mg e trimetoprima
160mg, por via oral, a cada 12 horas, durante 21 dias, ou com cloranfenicol 500mg, por via oral, a cada 6 horas, pelo
mesmo período, observadas as restrições impostas pela gestação ao uso dessas drogas.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 141

Síndromes Sintomas mais comuns Sinais mais comuns Etiologias mais comuns
- Corrimento vaginal e pru- - Vulvovaginite infecciosa:
- Edema de vulva;
rido; · Tricomoníase;
- Hiperemia de vulva;
Corrimento vaginal - Dor à micção; · Vaginose bacteriana;
- Corrimento vaginal e/ou cer-
- Dor durante relação sexual; · Gonorreia;
vical.
- Odor fétido. · Infecção por clamídia.
- Corrimento cervical; - Gonorreia;
- Dor ou desconforto pélvico;
Desconforto ou dor - Dor à palpação abdominal; - Infecção por clamídia;
- Dor durante relação se-
pélvica na mulher - Dor à mobilização do colo; - Infecção por germes;
xual.
- Temperatura >37,5°C. - Anaeróbios.
- Sífilis;
- Úlcera genital;
- Cancro mole;
Úlcera genital Úlcera genital - Aumento de linfonodos ingui-
- Herpes genital;
nais.
- Donovanose.
Fonte: adaptado de “Controle das doenças sexualmente transmissíveis”, Ministério da Saúde.

Figura 2 - Condutas para úlcera genital

8. Infecção urinária na gravidez


O agente etiológico mais prevalente é a Escherichia coli, e há associação entre infecção do trato urinário e piora
do prognóstico gestacional. Dentre as principais complicações, devem-se citar o trabalho de parto e parto prematu-
ros, rotura prematura de membranas ovulares, restrição de crescimento fetal, recém-nascidos de baixo peso e óbito
perinatal. Gestações complicadas por infecção urinária estão associadas ao dobro da mortalidade fetal observada
em gestações normais. Outras complicações da gestação têm sido associadas às infecções urinárias, entre elas pré-
-eclâmpsia, anemia, corioamnionite, endometrite e sepse.
Após o diagnóstico clínico de infecção urinária, devem ser solicitados exames de urina tipo I, urocultura e an-
tibiograma. Na maioria dos casos, a instituição do tratamento é realizada antes do resultado da cultura de urina.
É considerada urocultura positiva quando há 100.000UFC/mL sem tratamento prévio e 10.000UFC/mL quando
houve tratamento prévio. A escolha do antibiótico deve considerar o perfil microbiológico e a sensibilidade dos
agentes etiológicos mais prevalentes aos antibióticos, bem como a segurança da sua utilização durante o período
gestacional (geralmente feito com nitrofurantoína, cefalosporina de 1ª geração ou, ainda, com penicilinas sintéticas).
Gestantes com pielonefrite devem ser internadas. Além dos exames de urina, recomendam-se hemograma
completo, hemocultura, dosagem de creatinina sérica e eletrólitos. A antibioticoterapia deve ser parenteral até o
142 INTENSIVO

paciente permanecer afebril. Quando afebril, pode-se alterar a via de administração para via oral até completar
14 dias de tratamento. Primeiramente, podem ser utilizadas as cefalosporinas de 1ª geração (cefazolina 1g, 8/8h,
e cefalotina 1g, 6/6h) ou, em casos mais complicados, cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona 1g, 12/12h). Esses
esquemas terapêuticos podem ser alterados conforme o resultado do antibiograma. Os sintomas devem regredir
em 48 a 72 horas após instituição do tratamento; caso isso não ocorra, deve-se proceder à investigação de outros
diagnósticos, como concomitância com cálculo do sistema urinário e abscesso renal. Após 1 semana do tratamento,
realizar outro exame de urocultura; se o resultado for negativo, repetir exame mensalmente até o parto. Após tra-
tamento de pielonefrite ou caso a paciente apresente infecções urinárias de repetição, recomenda-se profilaxia com
nitrofurantoína em dose de 100mg, via oral, ao dia até o parto.

41 Sífilis e gestação

1. Agente etiológico
Treponema pallidum (espiroqueta sensível a penicilina).

2. Transmissão
Ato sexual (mais frequente);
A sífilis pode, ainda, ser transmitida mediante amamentação e transfusão sanguínea ou exposição a sangue
ou instrumentos contaminados;
Transmissão vertical (via transplacentária):
Irá resultar em sífilis congênita;
Mais comum no 3º trimestre, porém mais grave no 1º;
Quanto mais precoce a doença, maior a bacteriemia e maior a transmissão;
Nem sempre que houver infecção placentária haverá infecção fetal, e vice-versa.

3. Diagnóstico

A - Clínico
O período de incubação é de cerca de 20 a 30 dias a partir do contato infectante, mas pode variar de 10 a 90
dias. A disseminação linfática regional e, posteriormente, a hematogênica culminam na formação de complexos
imunes capazes de se depositar em qualquer órgão.
a) Sífilis adquirida (materna) – fases primária, secundária e terciária
A sífilis recente compreende as fases primárias e secundárias da doença. As manifestações clínicas frequentes
na gestante podem ser de maior polimorfismo da lesão primária, chamada cancro duro, que geralmente é caracte-
rizada como uma úlcera indolor, de bordas endurecidas e fundo limpo (mas pode ter o bordo mais amolecido e ser
dolorosa ou não). Acompanhada de adenite-satélite, geralmente involui em 4 semanas.
A sífilis secundária é decorrente da disseminação da espiroqueta pelo organismo e surge de 6 a 8 semanas do
aparecimento do cancro duro. As lesões de pele do tipo roséolas (rash maculopapular no tronco e raízes de mem-
bros), de mucosa na região genital (condiloma plano), alopecia “em clareira” e lesões palmoplantares, estas com
ausência de prurido, marcam esta fase, que dura cerca de 2 a 6 semanas.
Na fase terciária, manifesta-se entre 2 e 40 anos após a infecção inicial, e a clínica inclui uma série de mani-
festações sistêmicas, podendo estar presentes alterações cutâneas (nódulos, gomas sifilíticas), cardiovasculares e
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 143

nervosas. A neurossífilis é quadro grave, com invasão do liquor pelo Treponema, podendo deixar sequelas neuroló-
gicas como demência.
A sífilis latente corresponde ao período em que os testes sorológicos para sífilis são positivos na ausência de
lesões primárias ou secundárias. Os portadores dessa forma de sífilis são infectantes nos primeiros 2 anos. Será
classificada como precoce se tiver menos de 1 ano de duração e tardia se esse tempo for maior do que 12 meses.
b) Sífilis congênita – recente (diagnóstico até o 2º ano de vida) e tardia (diagnóstico após 2º ano de vida)
Além da via transplacentária, pode haver contaminação no canal do parto ou na amamentação, se há lesões
ativas na genitália ou nos mamilos, respectivamente.
Se há sífilis congênita, a taxa de perda fetal pode alcançar 40%, incluindo casos de abortamentos espontâneos,
natimortos e óbitos perinatais. Também se associa a crescimento restrito e prematuridade. Acredita-se que a ma-
nifestação mais precoce do acometimento fetal sejam alterações nas enzimas hepáticas, seguidas por alterações
placentárias e hematológicas.
Com relação à criança, a maioria é assintomática ao nascimento, mas, quando tem sintomas, podem evidenciar:
exantema maculopapular, condiloma plano, pênfigo palmoplantar, hepatoesplenomegalia e linfadenopatia; lesões
ósseas (osteocondrite, fronte olímpica, dentes de Hutchinson, tíbia “em sabre”, palato “em ogiva”); coriorretinite;
surdez; retardo mental e hidrocefalia.

B - Laboratorial
a) Provas diretas: identificação do T. pallidum
São usadas na fase inicial da sífilis e consideradas definitivas (não há falsos positivos):
Microscopia em campo escuro: visualização da espiroqueta presente na linfa;
Pesquisa direta com material corado: impregnação pela prata;
Imunofluorescência direta: utiliza o Treponema pallidum morto como antígeno;
Reação de cadeia de polimerase (PCR): detecção de sífilis primária; utilizado para o diagnóstico de sífilis
congênita intraútero por meio de pesquisa de PCR no líquido amniótico.
b) Provas indiretas: testes sorológicos
Pesquisa de anticorpos antitreponêmicos, identificáveis a partir da 3ª semana após o aparecimento do cancro
duro.
Teste não treponêmico:
VDRL: teste inespecífico que identifica as reaginas, anticorpos IgG e IgM contra o antígeno cardiolipina-leci-
tina; reação cruzada (Chagas, mononucleose, hanseníase); útil para rastreamento e controle de tratamento;
quando positivo, realização de teste específico (FTA-ABS); pacientes tratados podem permanecer com baixos
títulos positivos por muitos anos (“cicatriz sorológica”); reações falso negativas (efeito prozona = excesso de
anticorpos “satura” os antígenos na reação);
FTA-ABS (teste específico): o próprio Treponema pallidum é utilizado como antígeno; confirmam a positivi-
dade de testes não treponêmicos e utilizados nas fases com pouca bacteriemia (sífilis terciária).

4. Tratamento
Início precoce e doses adequadas;
Penicilina benzatina 2.400.000UI IM (1.200.000UI em cada nádega), semanalmente, durante 3 semanas se
sífilis latente tardia, terciária ou com evolução sem tempo determinado;
Se sífilis primária, secundária e latente recente, penicilina benzatina 2.400.000UI IM (1.200.000UI em cada
nádega), dose única;
Se a paciente for alérgica a penicilina, proceder a dessensibilização e, caso falhe, administrar estearato de
eritromicina, porém, nesse caso, o feto não é considerado tratado durante a gravidez;
Tratamento do parceiro;
O tratamento deve ser efetuado pelo menos 30 dias antes do parto.
144 INTENSIVO

Classificação da sífilis de acordo com o Ministério da Saúde


Sífilis Recente (menos de 1 ano de evolução) Formas primária, secundária e latente recente
adquirida Tardia (mais de 1 ano de evolução) Formas latente tardia e terciária
Sífilis Recente Casos diagnosticados até o 2º ano de vida
congênita Tardia Casos diagnosticados após o 2º ano de vida

Figura 1 - Avaliação da sífilis no pré-natal

Tratamento inadequado para sífilis materna


- Tratamento realizado com qualquer medicamento que não seja a penicilina;
- Tratamento incompleto, mesmo tendo sido feito com penicilina;
- Tratamento inadequado para a fase clínica da doença;
- Instituição de tratamento dentro do prazo dos 30 dias anteriores ao parto;
- Ausência de documentação de tratamento anterior;
- Ausência de queda dos títulos (sorologia não treponêmica) após tratamento adequado;
- Parceiro sem tratamento ou tratado inadequadamente ou quando não se tem a informação disponível sobre o seu
tratamento.
Observação: a condição de parceiro não tratado caracteriza tratamento materno inadequado, e, por conseguinte, a
criança será considerada caso de sífilis congênita.

42 Infecções virais na gestação

1. HPV na gestação
É um DNA-vírus com mais de 150 tipos já descritos, divididos em 2 grupos: de “baixo risco” (destacam-se 6, 11,
26, 42, 43, 44, 54, 70 e 73) e “alto risco” (destacam-se 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 55, 56, 59, 66 e 68), conforme
seu potencial oncogênico.

A - Transmissão vertical
Estudos mostraram a presença do HPV no líquido amniótico, na secreção de nasofaringe e no lavado gástrico de
recém-nascidos de cesariana com bolsa íntegra. Também já foram identificadas partículas do DNA viral no cordão
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 145

umbilical e na placenta. Esses dados apontam para uma possível transmissão transplacentária do vírus, fenômeno
que ainda carece de mais estudos. As lesões condilomatosas no canal de parto podem levar à formação de verrugas
na pele e outros órgãos do recém-nascido, sendo a mais temida a papilomatose de cordas vocais (papilomatose
laríngea recorrente), que acontece por volta do 6º ano de vida e, felizmente, é rara.

B - Quadro clínico
As lesões de colo uterino, com maior potencial oncogênico, são geralmente assintomáticas e identificadas ape-
nas no exame especular e citológico, mas podem eventualmente causar sangramento genital e sinusorragia. Já as
verrugas genitais, causadas pelos subgrupos de menor oncogenicidade, caracterizam-se por lesões elevadas, róse-
as, eventualmente causando prurido ou ardor, localizadas principalmente na vulva, no períneo e na região perianal.

C - Diagnóstico
Diante do condiloma genital, o diagnóstico é clínico, e a biópsia fica restrita aos casos de dúvida diagnóstica. Já
no caso das lesões de colo uterino, o diagnóstico depende da citologia e colposcopia (com biópsia).
A colpocitologia oncótica faz parte dos exames iniciais da rotina pré-natal na maioria dos serviços, principal-
mente por ser uma oportunidade de avaliação ginecológica da população.
O objetivo da colposcopia durante a gestação é diagnosticar lesão invasiva, pois esta afeta o seguimento da
gestação e parto. As demais lesões são de conduta expectante até o pós-parto.

D - Tratamento da verruga genital


O objetivo do tratamento das verrugas genitais durante a gestação visa permitir o parto vaginal (remover o
fator obstrutivo) e diminuir a transmissão vertical.
No caso de lesões externas, pequenas e isoladas, pode-se indicar o uso do ácido tricloroacético a 70 a 90%, a
eletro ou criocauterização (óxido nítrico ou nitrogênio líquido). Entretanto, em caso de lesões grandes, deve-se reali-
zar dentro do ambiente cirúrgico a ressecção da lesão com eletrocautério, cirurgia de alta frequência (procedimento
que utiliza bisturi elétrico de baixa voltagem e alta frequência) ou com bisturi frio, ou ainda fulguração por laser de
CO2. Nesses casos, efetuar analgesia adequada.
São contraindicados durante a gravidez: podofilina, podofilotoxina e 5-fluoruracila. A segurança do uso do imi-
quimode, da interferona, das sinecatequinas e terapia fotodinâmica ainda não estão bem estabelecidas na gestação.

E - Tratamento das alterações citológicas


Durante a gestação, as alterações citológicas são de conduta expectante, exceto na suspeita de lesão invasiva.
A colposcopia está indicada nos casos de alteração, e a biópsia pode ser realizada na presença de lesão suspeita.

F - Tratamento do carcinoma de colo do útero


O tratamento dependerá do estadiamento, idade gestacional, grau histológico e desejo da paciente, e a via de
parto deve ser a cesariana nos casos de lesão invasiva avançada ou na presença de lesão residual pós-conização
(risco de hemorragia cervical). Se houver apenas lesão microinvasora sem lesão residual após conização, pode-se
optar pela via baixa.

G - Vacinação
A vacina para HPV não contém vírus ou qualquer outro agente biológico infectante (é composta por partes
da cápsula viral e sintetizada por engenharia genética). Ensaios clínicos com gestantes que inadvertidamente se
vacinaram durante a gravidez não demonstraram aumento de intercorrências ou efeitos colaterais ou teratogê-
nese com o uso de todos os subtipos de vacina. Entretanto, a segurança desta na gestação não está estabelecida
146 INTENSIVO

e recomenda-se que ela seja administrada no período pré-concepcional e, caso necessário, completar esquema no
pós-parto, sem prejuízo das doses previamente recebidas e sendo segura na lactação.

H - Via de parto
A cesárea não deve ser indicada apenas como forma de prevenção na transmissão, já que a transmissão trans-
placentária também é possível. Alguns estudos demonstraram infecção neonatal mesmo em parto cesárea, e uma
importante meta-análise mostrou incidência similar de transmissão de HPV entre mulheres submetidas a esse par-
to e por via vaginal. Em vista disso, atualmente a indicação da via de parto deve seguir o protocolo normal para a
paciente em questão.

2. Varicela na gestação
A varicela é uma das doenças causadas pelo herpes-vírus tipo 3. Também conhecida como catapora, é mais
comum em crianças, sendo reconhecida como uma das causas de exantema febril. É uma doença normalmente
autolimitada em pessoas imunocompetentes, por outro lado pode evoluir com diversas complicações graves, como
encefalite e pneumonia viral, acompanhadas de alta mortalidade.

A - Transmissão vertical
Em gestantes infectadas, a transmissão transplacentária pode ocorrer em qualquer fase da gestação, sendo
particularmente mais grave para o feto quando ocorre no 1º trimestre. A transmissão fetal pode acontecer nas 2
apresentações (zóster ou varicela), porém é muito mais rara quando a gestante apresenta herpes-zóster.

B - Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico materno é clínico; em casos de dúvida diagnóstica, pode-se recorrer a técnicas moleculares, como
detecção do DNA viral por PCR em raspagem de lesões de pele ou detecção de antígeno viral por imunofluorescên-
cia. A cultura direta do agente é de difícil execução e tem baixa sensibilidade. Ao detectar infecção materna, deve-se
investigar a possível infecção fetal.

C - Tratamento
O tratamento de gestantes com varicela não complicada ou com herpes-zóster deve ser realizado em regime
ambulatorial, utilizando-se aciclovir 800mg, 5x/d, por 7 dias, e iniciado em até 72 horas após o início dos sintomas.

D - Via de parto
Não há nenhuma orientação específica para o tipo de parto nesses casos, devendo-se seguir o protocolo normal
para a paciente conforme indicação obstétrica.

E - Vacinação e quimioprofilaxia
Por se tratar de vacina com vírus vivo atenuado, sua aplicação durante a gestação é contraindicada, devido ao
potencial risco materno e fetal. Gestantes não imunizadas que acidentalmente tiveram contato com pessoas infec-
tadas são aconselhadas a receberem imunoglobulina antivaricela após a exposição de risco.

3. Infecção por parvovírus durante a gestação


A família dos parvovírus contém diversos subtipos que podem infectar mamíferos, aves e artrópodes. O sub-
tipo de interesse para a espécie humana é o parvovírus B19: é um vírus de DNA fita simples que tem tropismo
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 147

celular pelos precursores dos eritrócitos, podendo acarretar crise aplásica no curso final da infecção (normalmente,
apresenta-se como anemia transitória autolimitada).
A transmissão vertical pode acarretar anemia fetal grave e malformações congênitas para o feto, especialmente
se nas primeiras 20 semanas de gestação.

A - Transmissão vertical
A infecção fetal pode ser especialmente grave se ocorrida antes das 20 semanas, com aumento da incidência
de anemia, hidropisia fetal e óbito fetal (alguns estudos apontam para até 13% de óbito fetal nas mulheres infec-
tadas, especialmente no 1º trimestre gestacional). Os fetos sobreviventes podem desenvolver anemia importante,
trombocitopenia e hidropisia fetal de graus variados de severidade, incluindo edema de pele, insuficiência cardíaca,
derrame pericárdico e pleural; também pode cursar com oligo ou polidrâmnio.

B - Diagnóstico
O diagnóstico de infecção aguda materna durante a gestação consiste principalmente na dosagem de IgM an-
tiviral, o qual pode ser detectado após 10 dias da inoculação. A presença de IgG surge alguns dias depois e pode
persistir por meses ou anos, indicando infecção prévia pelo vírus. O diagnóstico fetal pode ser feito por PCR para
pesquisa do DNA viral no líquido amniótico. Também se pode fazer a pesquisa de IgM antiviral no sangue fetal (cor-
docentese), seguindo o mesmo princípio de evolução citado.

C - Tratamento e acompanhamento
Não existe tratamento específico para a infecção por parvovírus B19. O seguimento dos fetos infectados deve
ser realizado com ultrassonografia semanal, à procura de complicações, principalmente anemia e hidropisia fetal.
Pode ser necessária transfusão fetal intraútero para tratar a anemia fetal.

4. Infecção por influenza


Pacientes gestantes têm maior incidência de complicações por infecção causada por todos os subtipos de in-
fluenza. Dentre os 2 grandes grupos de influenza com importância clínica para o ser humano, o grupo do influenza
A é o mais preocupante, já que pode ocasionar os casos mais graves e com maior taxa de mortalidade.

A - Transmissão vertical
A transmissão transplacentária parece ser rara, e a real incidência não está bem demonstrada nos estudos
atuais. Existem estudos que apontam para um aumento na incidência de malformações fetais em pacientes com
sintomas gripais ou infecção por influenza comprovada no 1º trimestre da gestação.

B - Diagnóstico
Diversos métodos de diagnóstico molecular podem ser empregados. Costuma-se coletar um swab ou aspirado
de nasofaringe, e nesse material se pode realizar a pesquisa rápida de antígenos virais dos subtipos mais relevantes
de influenza A e B.

C - Tratamento
A recomendação atual é iniciar a terapêutica em qualquer momento da hipótese diagnóstica de síndrome gripal,
mesmo sem confirmação laboratorial, e de preferência o mais precoce possível. O oseltamivir é prescrito na dose
de 75mg 2x/d, por 10 dias.
148 INTENSIVO

D - Vacinação
A vacinação deve ser realizada em todas as gestantes, independente do trimestre da gravidez; porém, deve-se
realizar sempre a vacinação com vírus inativado. As vacinas por vírus atenuado (spray intranasal) são contraindi-
cadas na gestação.

5. Infecção por vírus zika


O vírus zika é um flavivírus transmitido pelo mesmo mosquito que transmite a dengue (Aedes aegypti).
Até o momento, não existem terapêutica nem vacina preventiva disponíveis comercialmente. A melhora estra-
tégia é a prevenção, evitando-se áreas endêmicas, com combate ao vetor (Aedes), proteção de partes expostas do
corpo contra a picada do inseto e uso de repelentes.

43 Síndrome da imunodeficiência adquirida e


gestação

1. Introdução
Sua etiologia é o vírus da imunodeficiência humana (HIV), um retrovírus.
A Transmissão Vertical (TV) tem sido a forma mais comum de disseminação do vírus entre crianças, e suas vias
de disseminação não são totalmente esclarecidas, mas podem ocorrer por exposição da mucosa fetal a secreções
ou a sangue materno no intraparto, no aleitamento materno e por via transplacentária.
A TV pode ocorrer durante o trabalho de parto e parto (75% dos casos), na amamentação ou por transmissão
intrauterina, principalmente no 3º trimestre.
O HIV não é teratogênico e não altera o curso natural da gestação, mas associa-se a um maior risco de morbi-
dade materna e fetal, como diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, prematuridade e restrição do crescimento fetal.
Além disso, gestantes em estágios avançados da doença e que a adquiriram por via vertical evoluem de forma
desfavorável com mais frequência.
O diagnóstico da infecção fetal pode ser realizado por cordocentese, porém esse método, por ser invasivo,
apresenta risco de contaminação fetal no momento da punção; o diagnóstico materno, por vezes, ocorre durante as
consultas pré-natais, em que são solicitadas todas as sorologias.
As gestantes normalmente já são imunocomprometidas; logo, quando há gravidez associada à infecção pelo
vírus da AIDS, essas mulheres ficam mais predisponentes a infecções oportunistas, que podem resultar em compli-
cações sérias tanto para a gestante como para o feto.
A infecção mais comum é a pneumonia por Pneumocystis jirovecii, e é possível realizar sua profilaxia primária
com sulfametoxazol e trimetoprima.

Quimioprofilaxia das infecções oportunistas


CD4 Infecção oportunista Quimioprofilaxia
<200 células/mm3 Pneumocystis jiroveci Sulfametoxazol + trimetoprima 800/160mg 3x/sem
<100 células/mm3 Toxoplasmose Sulfametoxazol + trimetoprima 800/160mg diário
Sulfametoxazol + trimetoprima 800/160mg diário
<50 células/mm3 Micobactérias do complexo Avium
associado a azitromicina 1.200mg 1x/sem
Fonte: Protocolos Assistenciais da Clínica Obstétrica/FMUSP - 5ª edição.

2. Assistência pré-natal
As gestantes soropositivas para HIV devem ser seguidas como de alto risco e, portanto, entram nos critérios
do pré-natal de alto risco. Devem ser feitas consultas mais frequentes, exames de rotina com intervalos menores
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 149

do que o normal e exames complementares mais específicos, como ultrassonografia e avaliação da vitalidade fetal
mais frequente.
Durante o período do pré-natal, o obstetra deve solicitar não apenas as sorologias indicadas pelo Ministério da
Saúde, mas também carga viral, PPD e marcadores celulares (CD4+/CD8+), para verificar o nível de progressão da
doença; infecções sexualmente transmissíveis como clamídia e gonococo devem ser pesquisadas também; pacien-
tes em uso de terapia antirretroviral (TARV) devem ser avaliadas quanto a função renal e as enzimas hepáticas e
recomenda-se a realização de genotipagem antes da introdução de TARV em gestantes.
Recomenda-se vacinação de rotina, contudo se deve evitá-la se CD4 <200 células/mm3 ou no último mês de
gestação, haja vista o aumento transitório da carga viral após imunizações (transativação heteróloga).
O Ministério da Saúde orienta a introdução de TARV em todas as gestantes, sendo que esta não deve ser sus-
pensa após o parto. O melhor momento para a introdução da TARV depende da idade gestacional e do quadro clíni-
co da paciente. A orientação de tratamento (não apenas de profilaxia) dependerá de critérios clínicos e laboratoriais.
TARV
Manter esquema terapêutico, exceto com efavirenz, que deve
Pacientes que iniciaram a gravidez em uso de TARV
ser substituído.
Gestantes assintomáticas e CD4 ≥350 células/mm3 Iniciar TARV com 14 semanas.
Gestantes com CD4 <350 células/mm3 Iniciar imediatamente.
Puerpério Manter esquema do pré-natal.
Os esquemas antirretrovirais combinados devem conter ao menos 3 drogas ativas e pertencentes a 2 classes
antirretrovirais diferentes. O esquema preconizado para as gestantes virgens de tratamento inclui a associação de
2 inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (zidovudina, lamivudina, tenofovir, entricitabina,
abacavir) e 1 inibidor de protease (lopinavir, darunavir, indinavir – sempre associados a ritonavir) ou 1 inibidor da
transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (nevirapina e nelfinavir). As opções mais utilizadas são zidovudina
+ lamivudina + lopinavir + ritonavir ou zidovudina + lamivudina + nevirapina. Na escolha entre o nelfinavir e a nevi-
rapina, devem-se considerar a idade gestacional, o grau de imunodeficiência materna, a carga viral, o potencial de
adesão ao acompanhamento clínico e o uso dos medicamentos.
O nelfinavir é o mais indicado a gestantes com idade gestacional inferior a 28 semanas e a mulheres com imuno-
depressão mais acentuada e recomenda-se evitar a introdução da nevirapina em gestantes com CD4 >250 células/
mm3, pelo risco de reação cutânea grave e hepatotoxicidade.

Fatores de risco relacionados à transmissão vertical do HIV


Fatores inerentes ao recém-nascido
- Prematuridade;
- Baixo peso ao nascer;
- Aleitamento materno.
Fatores maternos
- Estado clínico e imunológico ruim;
- Presença de outras doenças sexualmente transmissíveis (vaginose e sífilis);
- Presença de outras coinfecções;
- Mau estado nutricional e uso de drogas ilícitas;
- Ausência ou pouco tempo de uso de antirretroviral.
Fatores obstétricos
- Bolsa rota com mais de 4 horas;
- Via de parto (trabalho de parto prolongado; parto vaginal operatório);
- Presença de hemorragia intraparto;
- Procedimentos obstétricos invasivos.
Fatores virais
- Carga viral elevada;
- Genótipo viral;
- Fenótipo viral.

Imunização para Recomendações


gestantes soropositivas para HIV
Vacina para pneumococo e gonococo Geralmente não são feitas, mas não são contraindicadas.
- É indicado o reforço caso a última dose tenha sido administrada há mais de 5 anos;
Vacina para tétano e difteria (dT) - Se a gestante não for vacinada ou o estado vacinal for desconhecido, indicar
3 doses (esquema padrão).
150 INTENSIVO

Imunização para Recomendações


gestantes soropositivas para HIV
- Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-HBs negativo), em situação
de risco;
Vacina hepatite B
- A dose deve ser o dobro daquela recomendada pelo fabricante: aos zero, 1, 2
e 6 ou 12 meses.
- Recomendada a gestantes suscetíveis (anti-HBs negativo), usuárias de dro-
gas que compartilham seringas e agulhas, aquelas que tenham tido contato
Imunoglobulina humana para sexual desprotegido com pessoas HBsAg positivo ou em caso de vítimas de
vírus da hepatite B (HBIg) violência sexual;
- Deve ser iniciada ainda nos primeiros 14 dias de exposição.
- Recomendada para as gestantes suscetíveis (anti-HAV negativo) coinfectadas
Vacina para vírus da hepatite A (HVA) com hepatite B ou C;
- Realizar 2 doses com intervalo de 6 meses.
Está recomendada anualmente para as infectadas pelo HIV, antes do período da
Influenza
influenza. Vacina inativada trivalente, 1 dose anual, pode ser feita na gestação.
Imunoglobulina para Vírus da Varicela- Está recomendada a gestantes suscetíveis (anti-VVZ negativo), após exposição
Zóster (VVZ) em ambiente doméstico, hospitalar ou com vizinhos próximos.

3. Assistência ao parto
Alguns serviços preconizam a lavagem do canal vaginal quando em trabalho de parto, na tentativa de remo-
ver as secreções maternas;
Está formalmente indicada a administração de zidovudina (AZT) 2mg/kg IV, na 1ª hora, seguida de infusão
contínua de 1mg/kg por hora até o parto. É imprescindível que a parturiente receba, no mínimo, 3 horas de
AZT (1 hora de ataque e 2 horas de manutenção) via intravenosa antes do parto;
Manter AZT durante o trabalho de parto até o clampeamento do cordão umbilical;
O obstetra deve procurar não realizar medidas invasivas tanto no pré-parto como no intraparto, ou seja, a
amniotomia, o uso de fórcipe, o vacuoextrator e a episiotomia, por exemplo, devem ser evitados;
O clampeamento do cordão deve ser imediato e o recém-nascido ser limpo das secreções e sangue visíveis,
evitar aspiração de vias aéreas e contraindicar a lactação. Há indicação de quimioprofilaxia do recém-nascido
com xarope de AZT, que deve ser associado a nevirapina xarope nas pacientes que não usaram TARV na gra-
videz ou têm carga viral desconhecida ou maior que 1.000 cópias/mL no 3º trimestre;
É indicada antibioticoprofilaxia com cefalosporina de 1ª geração nas doses usuais;
Embora haja evidência de que a cesariana possa colaborar para a redução da transmissão perinatal do HIV,
mesmo quando a carga viral é <1.000 cópias/mL, há dúvida se, nessa situação, o benefício adicional ultrapas-
saria os riscos de complicações para a mulher associados a esse procedimento.
O Ministério da Saúde recomenda que a escolha da via de parto obedeça ao seguinte protocolo (Tabela a seguir):
Idade gestacional
Cargas virais Recomendações
(na ocasião da aferição)
Parto por operação cesariana eletiva
1 ≥1.000 cópias/mL ou desconhecido ≥34 semanas
com 38 semanas
<1.000 cópias/mL ou indetectável e fei-
2 ≥34 semanas Via de parto por indicação obstétrica
to uso de TARV

Nas gestantes que não realizaram a profilaxia com antirretroviral e/ou o diagnóstico foi feito na admissão na
maternidade, a medida mais importante é a introdução imediata de AZT intravenoso. Para considerar a via de parto,
o obstetra deverá agir de acordo com a fase em que o trabalho de parto se encontra. A operação cesariana eletiva
é realizada antes do início do trabalho de parto, encontrando-se as membranas amnióticas íntegras ou com ruptura
de menos de 2 horas. Já o parto vaginal é geralmente indicado quando há trabalho de parto franco (dilatação maior
do que 4cm).
Para efeito de indicação da via de parto, considerar também carga viral desconhecida àquela que tenha sido
aferida antes da 34ª semana de gestação.
No trabalho de parto prematuro não há contraindicação para tocólise e corticoterapia, e deve-se manter a
infusão de AZT enquanto perduram as contrações.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 151

Na rotura prematura das membranas ovulares não existe consenso na literatura para o melhor momento do
parto, e a conduta se baseia no protocolo de cada serviço.

4. Puerpério
Algumas medidas podem ser evitadas ou tomadas no pós-parto e auxiliam a gestante:
A gestante não necessita ficar em isolamento, porém a individualização do quarto pode cursar como benefí-
cio tanto para a gestante como para os profissionais da saúde, que poderão orientá-la e assim tornar efetivas
as medidas profiláticas que são necessárias no puerpério;
A amamentação, nesses casos, está contraindicada, e o uso de top justo ou o enfaixamento das mamas como
1ª medida para suprimir a lactação é aconselhável. A bromoergocriptina (2,5mg, 1 ou 2x/d) ou lisurida (0,2mg,
2 ou 3x/d) podem ser indicadas a algumas pacientes. De acordo com o Ministério da Saúde, a inibição farma-
cológica da lactação deve ser realizada imediatamente após o parto, utilizando-se cabergolina 1mg VO, em
dose única (2 comprimidos de 0,5mg VO);
Faz parte da assistência puerperal a indicação do melhor método contraceptivo para pacientes HIV positivo;
assim, os anticoncepcionais hormonais orais são indicados, a laqueadura tubária pode ser realizada com a
finalidade de prevenir a transmissão vertical, e o DIU (dispositivo intrauterino) é contraindicado. Porém, o uso
do preservativo deve ser associado a todas essas formas de contracepção, por impedir a transmissão sexual
do HIV ou evitar exposições repetitivas ao vírus, fator associado à progressão da doença.
Pilares da prevenção da transmissão vertical do HIV
- TARV na gestação;
- AZT parenteral ao menos 3 horas antes do parto;
- AZT xarope para o recém-nascido;
- Contraindicação da lactação.

44 Rubéola e gestação

1. Agente etiológico
RNA vírus (família Togaviridae, gênero Rubivirus).

2. Transmissão
Partículas de secreções nasofaríngeas; o período de incubação varia de 2 a 3 semanas, e o
Transmissão horizontal –
período de transmissão vai de 1 semana antes até 2 semanas depois do exantema. Crianças
secreções nasofaríngeas
nascidas com rubéola congênita podem eliminar o vírus por até 1 ano, sendo consideradas
(transmissão convencional)
excretoras do vírus e com risco de transmissão, principalmente nos primeiros 3 meses.
Transmissão vertical 90% no 1º trimestre e maiores danos fetais ocorrem até a 16ª semana de gestação.

3. Manifestações clínicas da rubéola adquirida


Geralmente, as manifestações clínicas da rubéola adquirida são leves, e grande parte das pessoas acometidas
cursa assintomaticamente, inclusive gestantes.
As principais manifestações são o exantema maculopapular que se inicia na face, couro cabeludo e pescoço e se
espalha para o corpo, febre baixa, mal-estar, cefaleia, ardor conjuntival, adenomegalias que antecedem o exantema
(cervical, retroauricular e occipital) e artralgia.
152 INTENSIVO

4. Efeitos sobre o feto e o recém-nascido


O feto poderá apresentar certos riscos, que variam de acordo com a idade gestacional com a qual a gestante
foi contaminada. As primeiras 8 semanas são as mais suscetíveis de causar algum dano para o feto, como aborta-
mento, óbito fetal e/ou malformações. O risco de transmissão é maior no 1º trimestre e cai no 2º trimestre e volta a
crescer no 3º trimestre. À medida que a idade gestacional aumenta, os possíveis danos fetais vão diminuindo, mas
uma parcela dos fetos infectados no último trimestre da gestação pode apresentar restrição de crescimento.
As manifestações clínicas mais frequentemente encontradas nos fetos com síndrome da rubéola congênita são
surdez congênita, catarata congênita, microftalmia, retardo metal e cardiopatias congênitas (persistência do ducto
arterioso).

5. Diagnóstico
Clínico
Pouca sintomatologia (artralgia, febre baixa, exantema maculopapular e adenopatia)
Laboratorial
- Sorologia materna:
· IgG positivo: cicatriz sorológica;
· IgM positivo: infecção aguda, investigar infecção fetal.
- O teste de inibição da hemaglutinação foi a prova mais utilizada mundialmente, e, hoje, o teste imunoenzimático (ELISA)
é o mais utilizado na maioria dos centros médicos;
- O teste de avidez consegue informar a época na qual a infecção ocorreu ou informar quanto ao diagnóstico diferencial
em situações como reinfecção, portadores crônicos de IgM e outros casos falsos positivos;
- Para confirmar o diagnóstico na gestante, são necessárias 2 pesquisas sorológicas (uma na fase assintomática e outra
após a sintomatologia):
· Cordocentese (pesquisa de IgM no sangue fetal);
· Amniocentese (PCR no líquido amniótico);
· Biópsia de vilo corial (precoce).
- A rubéola congênita não apresenta tratamento eficaz; a pesquisa da infecção fetal serve para prever condições fetais
futuras e auxiliar o preparo da Neonatologia no pós-parto.

6. Profilaxia (imprescindível)
Profilaxia passiva Não evita a transmissão vertical e é pouco eficaz na melhora do quadro clínico fetal.
Feita por meio da vacina contra rubéola; recomenda-se não engravidar nos primeiros 3 me-
Profilaxia ativa ses subsequentes à imunização, devido ao fato de a vacina ser composta por vírus vivo ate-
nuado e tendo a possibilidade de provocar viremia.

Infecção materna (mês) Percentuais médios de acometimento fetal grave


1º 10 a 90%
2º 12 a 33%
3º 16 a 24%
4º 7 a 8%
5º <1%

45 Anemias e gestação

1. Introdução
A anemia é a doença hematológica mais comum e é definida como a diminuição da capacidade de transportar oxigênio
por unidade de volume de sangue, além de ser fator de associação a intercorrências obstétricas materna e fetal/neonatal.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 153

Parâmetros hematológicos na gestação


Parâmetros Valores de referência
Hb ≥11g/dL ou ≥10,5g/dL (2º trimestre)
Ht ≥33% ou ≥32% (2º trimestre)
Volume Corpuscular Médio (VCM) 80 a 95µ3
Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM) 32 a 36%
Hemoglobina Corpuscular média (HCM) 26 a 32pg
Reticulócitos (eritroblastos que perderam o núcleo) 1 a 2% (50 a 150.000/mm3)
Índice de anisocitose (RDW – Red cell Distribution Width) 11,6 a 14,8%
Ferro sérico 60 a 100µg/dL
Ferritina sérica 15 a 300µg/L
Índice de saturação de transferrina 15 a 30%
Folato sérico ≥3pg/L
Folato eritrocitário ≥150mg/L
Vitamina B12 sérica ≥150pg/mL
HbA1 >95%
Eletroforese de Hb HbA2 2,5 a 3,5%
HbF <1%
Índice médio de 3,6 a 4 lóbulos 20%
segmentação de neutrófilos 5 lóbulos >5%
Leucócitos 5 a 12.000/mL
Plaquetas 150 a 400.000mm3

2. Anemias carenciais
Anemias e diagnóstico diferencial laboratorial
Tipos Hemograma Eletroforese de Hb Exames complementares
- Ferritina <15ng/dL;
Hipocromia e microcitose
Ferropriva Normal - Ferro sérico <50ng/dL;
RDW ↑
- Saturação da transferrina <15%.
- Normocromia e macroci-
- Folato sérico <3µg/L;
tose;
- Folato eritrocitário <150µg/L;
Megaloblástica - Plaquetopenia e leucopenia; Normal
- B12 sérica <2µg/L e sinais neu-
- Hipersegmentação de
rológicos.
neutrófilos.
- Traço falcêmico: HbA
- Afoiçamento das hemácias no
- Normocromia; >HbS (25 a 45%);
sangue periférico (prova de
- Normo ou macrocitose (se - Anemia falciforme: HbS
falcização);
reticulocitose); (75 a 100%);
Falciforme - Leve aumento de bilirrubinas;
- Afoiçamento das hemácias; - Doença SC: HbS = HbC;
- Aumento de DHL;
- Aumento dos reticulócitos; - S-betatalassemia minor:
- Testes de reação em cadeia da
- Leucocitose nas crises. HbS >HbA;
polimerase.
- Aumento de Hb fetal.
- Betatalassemia minor: ↑
HbA2 >3,5% e ↑ HbF >2%;
- Betatalassemia major:
- Eletroforese de Hb no período
↑ HbF e HbA2 >20%;
neonatal;
- Portador de alfatalasse-
- Testes de reação em cadeia da
- Microcitose e hipocromia; mia: normal;
polimerase;
Talassemias - Hemácias “em alvo” (beta - Traço alfatalassêmico:
- Deformações ósseas da face e do
major). ↓ HbA2;
crânio no raio x (beta major);
- Doença da HbH: presença
- Esplenomegalia na ultrassono-
de HbH (beta-4);
grafia de abdome.
- Doença da Hb de Bart:
presença da Hb de Bart
(ômega-4).
154 INTENSIVO

Anemias e diagnóstico diferencial laboratorial


Tipos Hemograma Eletroforese de Hb Exames complementares
- Normocromia e policro- - Hiperbilirrubinemia indireta,
masia; aumento do DHL;
Hemolítica autoimune Normal
- Normo ou macrocitose (se - Coombs direto e indireto positivo
reticulocitose). (em 90% dos casos).
- Granulócitos <500/µL;
- Pancitopenia;
Aplásica Normal - Plaquetas <20.000/µL;
- Reticulócitos <1%.
- Reticulócitos <1%.
- Hemoglobinúria, hemossideri-
núria Coombs negativo, teste de
- Normocromia;
Ham positivo;
Paroxística noturna - Normo ou macrocitose (se Normal
- Citometria de fluxo avaliando a
reticulocitose).
deficiência na membrana eritro-
citária de CD55 e CD59.
- Microcitose e normocromia;
Aumento da fragilidade osmótica
Esferocitose - Esferocitose; Normal
das hemácias
- Reticulocitose.
Fonte: Moron e colaboradores.

46 Trombofilias e gestação

1. Introdução
Trombofilias são doenças que cursam com alterações nos mecanismos de coagulação e anticoagulação. Podem
ser classificadas como hereditárias ou adquiridas e expõem os indivíduos acometidos a maior risco de fenômenos
tromboembólicos ao longo da vida.

Casos para indicação de investigação de trombofilias em mulheres


- Trombose vascular prévia ou atual ou antecedente familiar de tromboembolismo em parente de 1º grau antes de 50 anos;
- Perdas fetais de repetição antes da 10ª semana de gestação (3 ou mais perdas fetais repetidas e inexplicadas), desde que
estejam excluídas anomalias morfológicas e hormonais maternas, bem como causas cromossômicas maternas e paternas;
- Óbito fetal intrauterino não explicado por outras causas;
- Pré-eclâmpsia recorrente ou em alguma de suas formas graves;
- Descolamento prematuro de placenta em gestação prévia;
- Parto prematuro com menos de 34 semanas, de feto morfologicamente normal, em razão de eclâmpsia ou pré-eclâmpsia
grave ou insuficiência placentária;
- Familiares portadores de trombofilia.

2. Classificação

A - Trombofilias hereditárias
a) Fator V de Leiden
O fator V de Leiden é uma herança autossômica dominante e representa uma das formas mais comuns de trom-
bofilia. Essa mutação genética torna o fator V resistente à ação das proteínas C e S.
b) Deficiência de proteínas C e S
A deficiência na atividade das proteínas C e S resulta de várias mutações genéticas. São de herança autossô-
mica dominante e recessiva, respectivamente, com prevalências de 0,2 a 0,5% para indivíduos com deficiência de
atividade de proteína C e de 0,08% para deficiência de proteína S.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 155

c) Deficiência de antitrombina
A deficiência de antitrombina resulta de numerosas mutações pontuais, deleções e inserções gênicas, sendo
geralmente transmitida de forma autossômica dominante.
d) Mutação do gene da protrombina (G20210A)
A protrombina (fator II) é uma proteína com ação pró-coagulante que integra a cascata da coagulação. A mu-
dança de um nucleotídeo da posição 20210 do gene que codifica essa proteína (troca guanina por adenosina) oca-
siona elevação nos níveis séricos de protrombina, gerando estado de hipercoagulabilidade.
e) Hiper-homocisteinemia
A homocisteína é um produto intermediário na conversão de metionina em cisteína. A hiper-homocisteinemia
associa-se a maior risco de tromboses arterial e venosa, em razão de complexos mecanismos que envolvem altera-
ções endoteliais, de função plaquetária e de fibrinólise. É uma trombofilia de causa genética, mas também pode ser
adquirida por deficiência nutricional.

B - Trombofilias adquiridas
- Síndrome do anticorpo antifosfolípide
A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF) caracteriza-se pelo estado de hipercoagulabilidade sanguínea
mediada por autoanticorpos trombogênicos capazes de desencadear eventos tromboembólicos arteriais, venosos e
perdas fetais de repetição. Reconhecidamente, a SAAF é a trombofilia adquirida mais comum.

3. Acompanhamento pré-natal

A - Conduta não medicamentosa


Pacientes com trombofilia devem ser orientadas a utilizar meias elásticas durante toda a gestação, o parto e o
puerpério, a fim de diminuir o risco de trombose nos membros inferiores.

B - Conduta medicamentosa
a) Ácido fólico
As gestações, sempre que possível, devem ser planejadas, e a utilização de ácido fólico (5mg/d) deve ser iniciada
3 meses antes da concepção.
b) Heparina
Pacientes com ciclos menstruais irregulares ou aquelas com dificuldade para realização de teste de gravidez
devem ser orientadas a trocar o anticoagulante oral pela heparina no período pré-concepcional.
c) Ácido acetilsalicílico (AAS®)
Pacientes com diagnóstico de SAAF devem utilizar AAS® (100mg/d) a partir do resultado positivo do teste de
gravidez.
d) Consultas e exames
As consultas de pré-natal devem ser mensais ou quinzenais até 20 semanas de gestação, e quinzenais ou se-
manais a partir de então. Sempre que possível, recomenda-se ultrassonografia obstétrica mensal a partir de 8
semanas de idade gestacional.

4. Conduta no parto e no puerpério


Sempre que possível, o parto deve ser programado (para possibilitar a suspensão temporária da heparina 24
horas antes do parto e AAS® 1 semana antes do parto) e realizado entre 37 e 40 semanas. Alguns autores defendem
a realização do parto com 39 semanas, desde que o quadro clínico materno-fetal o permita. A via de parto é obsté-
trica, e não há contraindicação a maturação cervical e indução do parto.
156 INTENSIVO

5. Profilaxia antitrombótica

A - Gestantes trombofílicas

Figura 1 - Condutas a gestantes com trombofilias

B - Puerpério

Figura 2 - Condutas a puérperas com trombofilias


SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 157

47 Cardiopatia e gestação

1. Introdução
A principal modificação hemodinâmica da gestação é o aumento do débito cardíaco, maior responsável pela
descompensação das gestantes cardiopatas;
Complicações com maior incidência em pacientes cardiopatas: abortamento, retardo do crescimento fetal,
prematuridade espontânea, óbito intrauterino e morte neonatal;
Quando se tem uma gestante com diagnóstico de alguma cardiopatia, os períodos mais preocupantes para
essa paciente serão a 2ª metade da gestação, o parto e o puerpério, devido ao débito cardíaco e à frequência
cardíaca em seus níveis máximos;
Logo, antes de a paciente engravidar, deve-se pesquisar a presença de cardiopatia e especificá-la, pois al-
gumas doenças expressam um risco de óbito materno elevado quando associadas à gravidez: coarctação de
aorta, síndrome de Marfan (com dilatação aórtica), tetralogia de Fallot não corrigida, síndrome de Eisenmen-
ger, hipertensão pulmonar primária, estenose mitral (especialmente com fibrilação atrial), miocardiopatia
periparto e próteses valvares cardíacas (todas).

Principais sinais e sintomas sugestivos de cardiopatia na gravidez


- Presença de sopro diastólico;
- Cardiomegalia inequívoca ao raio x de tórax;
- Presença de sopro sistólico grau III ou IV, rude e com irradiação;
- Presença de fibrilação atrial ou arritmia cardíaca grave;
- Progressão rápida da dispneia;
- Dispneia paroxística noturna;
- Dor precordial ou síncope após esforço físico;
- Cianose e estertores pulmonares.

2. Assistência pré-natal
Assim que se descobre grávida, a paciente cardiopata deve marcar a 1ª consulta pré-natal o mais rápido
possível, para que o diagnóstico precoce auxilie no prognóstico evolutivo da gestação;
O seguimento da gestação deve ser realizado pelo obstetra e pelo cardiologista;
Os exames a serem solicitados são os mesmos de uma gravidez normal, porém se devem incluir, na rotina,
eletrocardiograma, provas de atividade reumática, coagulograma e, quando necessário, ecocardiograma;
A vitalidade fetal deve ser monitorizada a partir da 34ª semana, porém, se a gestante é portadora de cardio-
patia cianótica, deve iniciar com 28 semanas;
A gestante deve manter repouso relativo, podendo realizar atividade física programada quando esta não
está contraindicada, pois o ganho de peso além do normal pode predispor a insuficiência cardíaca;
O trabalho de parto prematuro pode acontecer devido a baixo débito cardíaco ou baixa disponibilidade de
oxigênio e nutrientes ao feto; quando a inibição não está contraindicada, a atosibana e o sulfato de magnésio
são ótimas escolhas para tal fim;
Digitálicos podem ser prescritos e utilizados durante a gestação sem risco para o feto (mesmo esquema
preconizado fora da gestação);
Diuréticos são indicados ao sinal de retenção hídrica; prefere-se a furosemida aos tiazídicos;
Arritmias maternas podem ser tratadas utilizando-se antiarrítmicos habituais: quinidina, propranolol e vera-
pamil. Os métodos elétricos (marca-passo, cardioversão elétrica e cardioestimulação transesofágica) podem
ser utilizados sem qualquer contraindicação;
Anticoagulantes orais ultrapassam a barreira placentária e podem ocasionar malformações fetais (no 1º tri-
mestre) e alterar a coagulação do feto, expondo-o a risco maior de sangramento no momento do parto (3º
158 INTENSIVO

trimestre). A heparina não ultrapassa a barreira placentária e pode ser utilizada no 1º e no 3º trimestres da
gestação. Deve, ainda, ser suspensa 6 horas antes do parto e reiniciada após 4 horas;
Recomenda-se profilaxia contra febre reumática com penicilina benzatina 1.200.000UI IM, a cada 3 semanas,
conforme indicação clínica;
Tipos de profilaxia de endocardite bacteriana e indicações
Condições cardíacas/patologias sujeitas à profilaxia
- Prótese valvar cardíaca;
- Endocardite prévia;
- Defeitos congênitos (cianóticos sem correção; corrigidos com materiais artificiais ou defeitos residuais);
- Portadores de valvopatia após transplante cardíaco.
Procedimentos sujeitos a profilaxias – dentário, oral e do trato respiratório*
- Amoxicilina 2g VO, 30 a 60 minutos antes do procedimento; ou
- Cefalexina 2g VO; ou
- Clindamicina 600mg VO; ou
- Azitromicina 500mg VO; ou
- Claritromicina 500mg VO.
Procedimentos sujeitos a profilaxias – geniturinários e gastrintestinais*
- Ampicilina 2g IV + gentamicina 1,5mg/kg IV, 30 minutos antes e 8 horas depois; ou
- Vancomicina 1g + gentamicina 1,5mg/kg, 1 hora antes.
Observações:
- Não necessitam de profilaxia: anestesia intraoral, ajustes ortodônticos, timpanostomia, intubação traqueal,
broncoscopia flexível, cateterismo cardíaco, endoscopia propedêutica;
- Na ausência de infecção: cesariana, cateterismo uretral, curetagem uterina, parto vaginal não complicado, aborto
terapêutico, esterilização cirúrgica, inserção e remoção de DIU.
* Procedimento dentário ou gengival que produz sangramento, incluindo limpeza, amigdalectomia, adenoidectomia, ci-
rurgia de mucosa, broncoscopia rígida, esclerose de varizes de esôfago, dilatação esofágica, cistoscopia, dilatação ure-
tral, cateterismo uretral na presença de infecção urinária, parto vaginal na presença de infecção e outros procedimentos
cirúrgicos potencialmente contaminados e infectados.
Pacientes em classes funcionais I e II devem ser acompanhadas ambulatorialmente. Havendo descompensa-
ção clínica (classes funcionais III e IV), procede-se à internação. Deve-se hospitalizar 1 semana antes do parto
para a adequação da anticoagulação, quando necessário;
Se a paciente tem indicação de cirurgia cardíaca durante a gestação, esta pode ser realizada dependendo das
condições maternas.

Classificação funcional da insuficiência cardíaca (New York Heart Association)


Classe funcional I Paciente assintomático em suas atividades físicas habituais
Classe funcional II Paciente assintomático em repouso (sintomas são desencadeados pela atividade física habitual)
Classe funcional III Paciente assintomático em repouso (atividade menor do que a habitual causa sintomas)
Paciente com sintomas (dispneia, palpitações e fadiga), às menores atividades físicas e mesmo
Classe funcional IV
em repouso

Classe de risco materno na gestação, parto e puerpério em função da doença cardíaca, de acordo
com a OMS
Risco de acordo com
Classe Patologias Conduta obstétrica
condição clínica
- Não complicadas: estenose pulmonar, ducto
Não há aumento de morbimor- arterioso patente, prolapso de valva mitral; - Pré-natal habitual;
I - Reparadas: defeitos de septo, drenagem - Parto por via obstétrica no
talidade materna. anômala de veias pulmonares; termo.
- Batimentos ectópicos isolados.
Há pequeno aumento na mor- - Defeitos de septo atrioventricular; - Pré-natal especializado;
II talidade materna ou modera- - Tetralogia de Fallot corrigida; - Parto por via obstétrica
do na morbidade. - Arritmias. com analgesia, no termo.
- Disfunção ventricular esquerda moderada;
- Cardiomiopatia hipertrófica;
- Seguimento rigoroso, pré-
O risco é II ou III, dependendo - Patologia valvar compensada; -natal especializado;
II-III - Síndrome de Marfan sem acometimento
da condição clínica materna. - Parto programado a termo
aórtico;
por via obstétrica.
- Patologia aórtica com anel valvar <45mm;
- Coarctação de aorta reparada.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 159

Classe de risco materno na gestação, parto e puerpério em função da doença cardíaca, de acordo
com a OMS
Risco de acordo com
Classe Patologias Conduta obstétrica
condição clínica
Há aumento significante de - Prótese valvar mecânica;
- Conduta semelhante à da
- Ventrículo direito sistêmico;
III mortalidade materna ou mor- classe II-III;
- Cardiopatia cianogênica não reparada ou
bidade grave. - Atenção à anticoagulação.
paliativa.
- Estenoses valvares graves com repercussão
hemodinâmica; - Parto em qualquer idade
Há risco extremamente alto de - Hipertensão arterial pulmonar de qualquer gestacional se houver des-
mortalidade materna ou mor- etiologia; compensação apesar de
IV - Disfunção de ventrículo sistêmico importan- tratamento;
bidade importante. A gestação te (FE <30% e/ou classe funcional III ou IV - A cesárea está indicada nos
é contraindicada. NYHA); casos de acometimento
- Patologia aórtica com anel valvar >45mm; aórtico, no termo.
- Coarctação congênita grave não corrigida.

3. Assistência ao parto
A presença de cardiopatia não implica a necessidade de antecipar o parto;
A cesárea não é indicação absoluta em cardiopatas, salvo algumas exceções (coarctação de aorta), sendo
assim o parto normal é indicado na maioria das vezes;
Deve-se lembrar de realizar monitorizações materna e fetal no período intraparto;
A analgesia peridural está indicada às cardiopatas por reduzir a tensão do parto, diminuindo a liberação de cate-
colaminas, relaxando o assoalho pélvico, evitando a aspiração do conteúdo gástrico e a depressão respiratória;
O fórcipe de alívio deve ser utilizado no período expulsivo, a fim de minimizar os esforços que podem agravar
as alterações cardiovasculares, e a ocitocina está indicada;
O puerpério imediato é um dos momentos mais perigosos para a cardiopata, pois ocorrem alterações he-
modinâmicas, como o aumento acentuado do retorno venoso, o declínio do espaço intravascular e a perda
de sangue, o que torna a paciente suscetível a insuficiência cardíaca congestiva, edema agudo pulmonar e
diversas arritmias;
No puerpério, medidas profiláticas para o tromboembolismo pulmonar e varizes estão indicadas, e a hepari-
na deve ser retomada 4 a 6 horas após o parto.
Categorias de risco na Conceitos
gravidez
Em estudos controlados em mulheres grávidas, o fármaco não demonstrou risco para o feto
A no 1º trimestre de gravidez. Não há evidências de risco nos trimestres posteriores, sendo
remota a possibilidade de dano fetal.
Os estudos em animais não demonstraram risco fetal, mas também não há estudos contro-
B lados em mulheres grávidas; ou então, os estudos em animais revelaram risco, mas que não
foram confirmados em estudos controlados em mulheres grávidas.
Não foram realizados estudos em animais nem em mulheres grávidas, ou então os estudos em
C
animais revelaram risco, mas não existem estudos disponíveis realizados em mulheres grávidas.
O fármaco demonstrou evidências positivas de risco fetal humano, no entanto os benefícios
potenciais para a mulher podem, eventualmente, justificar o risco (por exemplo, em casos
D
de doenças graves ou que ameaçam a vida, e para as quais não existam outras drogas mais
seguras).
Em estudos em animais e mulheres grávidas, o fármaco provocou anomalias fetais, havendo
X clara evidência de risco para o feto que é maior do que qualquer benefício possível para a
paciente.

Drogas de ação cardiovascular


Diuréticos (risco C e D)
- São utilizados na gravidez em situações especiais, como insuficiência cardíaca congestiva;
- Insuficiência renal, congestão pulmonar secundária à estenose mitral e hipertensão arterial crônica;
- Efeitos colaterais: hiponatremia, hipocalemia, hiperuricemia, alcalose metabólica, hiperglicemia, redução do volume
plasmático e da perfusão placentária;
160 INTENSIVO

Drogas de ação cardiovascular


Diuréticos (risco C e D)
- Diuréticos osmóticos, mercuriais, inibidores da anidrase carbônica e antagonistas da aldosterona não devem ser admi-
nistrados a gestantes. A furosemida é segura, podendo ser prescrita durante todo o ciclo gravídico-puerperal.
Digitálicos (risco C)
- Atravessam a barreira placentária;
- Podem predispor ao trabalho de parto prematuro, pelo efeito inotrópico positivo no miométrio.
Drogas vasoativas (risco C)
Podem predispor ao trabalho de parto prematuro, devido à diminuição do fluxo placentário.
Betabloqueadores (risco C)
- Escolha seletiva: pindolol;
- Podem estar associados a restrição de crescimento intrauterino, trabalho de parto prematuro, bradicardia fetal e hipo-
glicemia fetal.
Antiarrítmicos (risco C)
- Lidocaína, quinidina, procainamida, mexiletina, propafenona, adenosina, amiodarona, verapamil;
- A maioria dos antiarrítmicos pode ser empregada durante a gestação, no entanto o tratamento deve ser criterioso, com
avaliações clínicas periódicas para prevenir efeitos colaterais, muitas vezes sérios.
Inibidores da enzima conversora de angiotensina
São formalmente contraindicados na gestação.

48 Doenças respiratórias na gestação

1. Introdução
Embora a frequência respiratória não se altere na gestação, a ação da progesterona estimula diretamente o
centro respiratório, acarretando aumento do esforço respiratório e discreta alcalose respiratória, o que pode ser
confundido com dispneia.

2. Asma
A asma é uma doença obstrutiva reversível das pequenas vias aéreas, caracterizada pela hiper-reatividade
brônquica secundária a um processo inflamatório local. Essa resposta inflamatória tem, como origem, vários estí-
mulos, como os alergênicos (fungos, pólen, pelos, penas), os físicos (frio), os infecciosos (gripe), os irritantes (fumaça
do cigarro), os medicamentosos (Aspirina®) e os psíquicos.
O diagnóstico da asma requer sintomatologia clássica – dispneia, sibilância e tosse. Entretanto, por vezes se
faz necessária uma complementação diagnóstica com espirometria – teste padrão-ouro para a avaliação da função
pulmonar.

Classificação da asma de acordo com sua gravidade


Intermitente Persistente leve Persistente moderada Persistente grave
Sintomas diários <1 vez/semana >2 dias/semana e <1 vez/dia Diários, não contínuos Contínuos
Sintomas noturnos Raros >2 vezes/mês >1 vez/semana Frequentes
VEF1 ou PEF ≥80% ≥80% >60% e <80% ≤60%
Variabilidade do PFE <20% 20 a 30% >30% >30%
Limitação das atividades Nas crises Discreta Sim Sim
Uso de broncodilatador Semanal Semanal Diária >1 vez/dia
Uso de corticoide Não Não Não Sim
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 161

Fármacos e posologias habitualmente usados na asma


Corticosteroides inalatórios
Drogas Doses diárias Observação
Budesonida 200 a 1.600µg Iniciar 200µg a cada 12 horas
Beclometasona 250 a 1.000µg Iniciar 250µg a cada 12 horas
Beta-2-agonista de longa duração + corticosteroide inalatório
Drogas Doses diárias
Formoterol + budesonida 12/400µg 1 a 2 inalações/d
Salmeterol + fluticasona 25/125, 25/250 ou 50/250µg 1 inalação 2x/d
Modificador de leucotrieno
Droga Posologia
Montelucaste 10mg, 1 comprimido/d
Beta-2-agonista de ação rápida
Drogas Posologias
Salbutamol aerossol 100µg – 1ª opção 2 inalações a cada 6 horas se houver dispneia
Fenoterol aerossol 100µg De 1 a 2 inalações a cada 6 horas se houver dispneia

Cuidados no trabalho de parto e parto da gestante asmática


- Manutenção das medicações diárias;
- Monitorização fetal contínua;
- Hidratação adequada;
- Analgesia com peridural ou duplo bloqueio;
- Hidrocortisona 200mg IV de ataque e 100mg IV a cada 8 horas até 24 horas de pós-parto para as pacientes com uso
sistêmico e prolongado de corticoide na gestação;
- Evitar análogos de prostaglandina F2-alfa no amadurecimento do colo e indução do trabalho de parto (potencial risco
de broncoespasmo);
- Não existe evidência na literatura de contraindicação ao uso de análogos de prostaglandina E1 (misoprostol);
- Evita-se o uso de derivados da ergotamina (potencial efeito broncoconstritor).

3. Tuberculose pulmonar
A tuberculose é uma doença infectocontagiosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis, conhecido como ba-
cilo de Koch.
A tuberculose pulmonar deve ser suspeitada entre as gestantes com tosse produtiva por mais de 3 semanas.
Em associação, podem ser evidenciados anorexia, astenia, febre, sudorese noturna, hemoptise e emagrecimento.

Exames complementares no diagnóstico da tuberculose


Exames complementares Resultados esperados
Coleta de 3 amostras – presença de bacilo álcool-ácido-
Bacterioscopia de escarro
-resistente
Infiltração nos lobos superiores do pulmão, cavitação, infil-
Raio x de tórax
trados nodulares e retrações
Prova cutânea de tuberculina – teste de Mantoux ou PPD Induração ≥10mm
Cultura de M. tuberculosis e teste de sensibilidade aos an-
Padrão-ouro – identificação do bacilo álcool-ácido-resistente
tibióticos
Histopatologia de material de biópsia Granuloma com necrose de caseificação

Todo caso de tuberculose é de notificação compulsória, e, uma vez feito esse diagnóstico, deve ser realizada
pesquisa de coinfecção pelo HIV.
A infecção fetal é rara e se dá pela via hematológica ou aspiração de líquido amniótico, uma vez que a placenta
foi acometida. A tuberculose congênita acomete principalmente o fígado e o pulmão em sua forma miliar.
162 INTENSIVO

49 Nefropatia e gestação

1. Introdução
Os rins, como todo o organismo materno, sofrem alterações funcionais e anatômicas, adaptando-se às condi-
ções impostas pela gestação.
Parâmetros laboratoriais e função renal na gestação
Modificações e parâmetros avaliados Valores de referência na gestação
↑ depuração e ↓ creatinina sérica 0,4 a 0,7mg/dL
↑ depuração e ↓ ureia sérica <14mg/dL
↑ depuração e ↓ ácido úrico sérico <5mg/dL
- ↑ pH (7,42 a 7,44);
↑ ventilação: alcalose respiratória compensada pelo rim - ↓ PCO2 (até 31mmHg);
- ↓bicarbonato (até 20mEq/L).
↑ filtração e ↓ reabsorção tubular de glicose Glicosúria
↑ filtração e ↓ reabsorção tubular de aminoácidos Aminoacidúria
↑ excreção de proteínas (duplica) Até 300mg em 24 horas

2. Nefrolitíase
A frequência de litíase renal na gestação não difere daquela da mulher não grávida, assim como a gravidez
não parece favorecer a formação de novos cálculos ou piorar as condições da litíase preexistente. A sintomatologia
clássica – dor no flanco do tipo cólica – pode ser mais frusta, e o diagnóstico diferencial com outras causas de dor
abdominal, de difícil determinação. A conduta é clínica na grande maioria dos casos – hidratação e analgesia. Na
presença de doença obstrutiva, a colocação de cateteres duplo J ou nefrostomia pode ser necessária.

- Transplante renal
Após um transplante renal, mulheres previamente inférteis pela insuficiência renal crônica voltam a apresen-
tar ciclos menstruais regulares ao redor do 6º mês de pós-operatório, estando sujeitas a gestação. Sendo assim,
devem-se oferecer métodos contraceptivos àquelas que não desejam engravidar.
O uso de drogas imunossupressoras predispõe a gestante a infecções, principalmente virais, como hepatites,
citomegalovírus, herpes-simples e varicela-zóster. Somado a isso, infecções urinárias de repetição também podem
prejudicar a estabilidade do enxerto e o curso da gestação.

3. Síndrome nefrótica
A síndrome nefrótica na gestação é caracterizada por proteinúria >3,5g em 24 horas. A pré-eclâmpsia predomi-
na como etiologia principal, e, neste caso, a lesão renal que leva a perda proteica é a endoteliose capilar glomerular.
O tratamento é individualizado, de acordo com a etiologia, entretanto controle pressórico, avaliação da função
renal e vigilância da proteinúria devem ser feitas frequentemente. Nos casos mais graves, dieta hipossódica e repo-
sição cautelosa de albumina e/ou plasma fresco podem reverter a questão.

4. Insuficiência renal crônica


A insuficiência renal crônica, ou doença renal crônica, é uma síndrome caracterizada por lesão renal – sedi-
mento urinário alterado, alteração dos rins em exames de imagem e proteinúria >300mg/dL – associada ou não
a redução da filtração glomerular (<60mL/min/1,73m2) ou redução da filtração glomerular isolada, alterações que
perduram por mais de 3 meses.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 163

Insuficiência renal crônica e gestação


Glomerulonefrites crônicas (glomeruloesclerose segmentar Pode ocorrer ou piorar hipertensão, proteinúria e coa-
e focal; nefropatia por IgA, nefrite membranoproliferativa) gulopatia.
Nefrite lúpica Tem bom prognóstico se há remissão prévia da doença.
O prognóstico materno-fetal é ruim, há o risco de óbito
Esclerodermia/arterite nodosa
materno, e ocorre a reativação da esclerodermia.
Não há deterioração da função renal, contudo pode ha-
Nefropatia diabética
ver piora da proteinúria, hipertensão e bacteriúria.
Doença renal policística É controversa se a gestação acelera o curso da doença.
Constitui fator de risco para infecção urinária de repeti-
Cirurgia urológica prévia ção. Esfíncteres artificiais e neouretrais são indicações
relativas de cesárea.

5. Insuficiência renal aguda


Classificação da insuficiência renal aguda e prognóstico na gestação
Taxa de filtração glomeru- Grau de insuficiência
Estágios Características Prognóstico na gestação
lar (mL/min/1,73m2) renal
Dano renal + Função renal normal Bom prognóstico gesta-
1 taxa de filtração glome- ≥90 ou insuficiência renal cional e da evolução da
rular normal leve doença renal
Dano renal + Função renal normal Bom prognóstico gesta-
2 taxa de filtração glome- 60 a 89 ou insuficiência renal cional e da evolução da
rular levemente reduzida leve doença renal
Maior risco de progressão
Taxa de filtração glome-
Insuficiência renal da nefropatia materna,
3 rular moderadamente 30 a 59
moderada prematuridade e restrição
reduzida
do crescimento fetal
Taxa de filtração Elevada morbidade mater-
Insuficiência renal
4 glomerular gravemente 15 a 29 na e sobrevida fetal abaixo
grave
reduzida de 50%
Elevada morbidade mater-
Insuficiência renal
5 Doença renal terminal <15 ou diálise na e sobrevida fetal abaixo
grave
de 50%

50 Isoimunização Rh

1. Introdução
A isoimunização ou aloimunização é causada pela exposição materna a antígenos eritrocitários de superfície
não compatíveis. Primeiramente, é produzida IgM, que não atravessa a barreira placentária, devido ao seu grande
peso molecular; na exposição secundária ao antígeno desconhecido, ocorre a produção de IgG, que ultrapassa a
barreira placentária e adere à membrana dos eritrócitos. Isso ativa o sistema reticuloendotelial fetal, causando
hemólise que pode evoluir para anemia fetal, hidropisia fetal, kernicterus e até o óbito fetal.
A hemorragia fetomaterna é a principal etiologia, mas há outras causas possíveis, como transfusão de sangue
incompatível, transplante e usuárias de drogas intravenosas.
A hemorragia fetomaterna pode ocorrer em procedimentos como biópsia de vilo corial, amniocentese, cordo-
centese, transfusão intrauterina (TIU), manipulação obstétrica (versão interna, extração manual da placenta etc.),
abortamento, gestação ectópica e síndromes hemorrágicas (ameaça de abortamento, placenta prévia, descolamen-
to prematuro de placenta).
Em quase 100% dos casos, deve-se à incompatibilidade ABO e Rh, e agentes atípicos são uma pequena parcela (2%).
164 INTENSIVO

2. Diagnóstico e investigação

Figura 1 - Diagnóstico e investigação

Na 1ª consulta do pré-natal, deve-se solicitar a tipagem sanguínea materna. Se a gestante for Rh negativo,
deve-se determinar o Rh do parceiro. Se o parceiro for Rh negativo, haverá ausência de risco; se Rh positivo ou
desconhecido, deve-se realizar a genotipagem/Coombs indireto.
O teste de Coombs avalia a presença de anticorpos eritrocitários. O teste de Coombs indireto é realizado no
soro materno e indiretamente avalia se o feto está em risco, embora não predisponha com acurácia a gravidade da
doença, e deve ser realizado na 1ª consulta do pré-natal e, posteriormente, a cada 4 semanas, nos casos de gestan-
tes Rh negativo. Nos títulos de anticorpos ≤1:8, o risco é mínimo para acometimento grave; se títulos de Coombs
indireto ≥1:32, indica-se avaliação fetal mais minuciosa.

A - Ultrassonografia
Avalia alterações morfológicas que a doença provoca no feto e na placenta, alterações na atividade biofísica do
feto, no volume do líquido amniótico e no fluxo sanguíneo fetal.

B - Sinais de anemia fetal na ultrassonografia


Espessamento e alteração da ecogenicidade placentária;
Derrame pericárdico: sinal precoce de anemia – alteração na função hepática;
Aumento do líquido amniótico;
Ascite fetal: discreta, devido a hipertensão portal;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 165

Edema subcutâneo;
Derrame pleural;
Dilatação da veia umbilical.

C - Dopplervelocimetria da artéria cerebral média


Avalia a velocidade máxima do fluxo da artéria cerebral média, que, quando aumentada, é preditiva de ane-
mia fetal;
Substituição da amniocentese: ↓ risco de perda da gestação;
É um método não invasivo, que gera resultado imediato;
A avaliação deve ser iniciada na 18ª semana e repetida semanalmente.

D - Cardiotocografia
É um método não invasivo, que avalia a vitalidade fetal, feito para acompanhamento durante seguimento ul-
trassonográfico após a 34ª semana. O padrão sinusoidal à cardiotocografia é característico de fetos comprometidos.

E - Amniocentese
É um método invasivo, de análise, por meio de espectrofotometria, da concentração de bilirrubina no líquido
amniótico, estimando o grau de hemólise fetal. A bilirrubina é transportada pela placenta para circulação materna,
sendo metabolizada no fígado. Uma pequena quantidade entra no ciclo êntero-hepático fetal e é redistribuída e
excretada no líquido amniótico pelo fluido pulmonar.

F - Cordocentese
É um método invasivo, que não deve ser realizado antes da 17ª semana de gestação, pois a hemólise fetal na
aloimunização Rh necessita da maturação do sistema reticuloendotelial, que começa a ocorrer a partir dessa idade
gestacional.
Realiza a avaliação direta do tipo sanguíneo do feto e dos níveis de hemoglobina e hematócrito e é utilizada,
também, como via de tratamento da anemia.

Figura 2 - Seguimento de isoimunização Rh com antecedente de acometimento


166 INTENSIVO

Figura 3 - Seguimento de isoimunização Rh com 1ª gestação afetada

3. Terapêutica fetal
A - Transfusão intrauterina
Iniciada a partir da 18ª semana de gestação e repetida até que se tenha uma idade gestacional segura para
seguir um tratamento neonatal.
O 1º passo dá-se pela cordocentese (guiada por ultrassonografia/local da punção) e pela transfusão na veia.
Devem-se utilizar concentrados de glóbulos tipo O negativo para o antígeno RhD ou outro antígeno para o qual
a gestante seja aloimunizada.
A TIU é repetida visando manter o hematócrito fetal acima de 27 a 30%, tomando-se por base o declínio do
hematócrito fetal de 1% ao dia.
Sobrevida de 94% para fetos não hidrópicos e 74% para fetos hidrópicos.

B - Transfusão intraperitoneal
Realizada quando não se pode fazer a TIU. Em casos de dificuldade de punção vascular:
Placenta localizada na parede posterior;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 167

O concepto, pela sua posição, impede a punção do cordão umbilical;


Não é uma boa via para fetos hidrópicos (absorvem irregularmente o sangue infundido na cavidade peritoneal).

C - Outros
Prometazina: atua por meio da imunossupressão reduzindo ligação Ag-Ac, devendo ser iniciada a partir da
14ª à 16ª semana gestacional;
Imunoglobulina intravenosa: TIU de IgG em altas doses deve ser administrada antes da presença de anemia
na dose de 0,4g/kg, por 3 dias consecutivos, e repetir a cada 3 semanas;
Plasmaférese: substitui o plasma contendo Ac por plasma, albumina e solução salina. Pode ser realizada no
início da gestação.

4. Prevenção
A imunoglobulina anti-D faz um bloqueio dos sítios antigênicos, evitando que os antígenos entrem em contato
com os linfócitos do hospedeiro.
O teste de Coombs indireto deve ser negativo antes da administração da imunoglobulina, indicando que a ges-
tante não foi sensibilizada. O teste de Coombs direto tem como objetivo pesquisar a presença de anticorpos nos
eritrócitos fetais.
Se o Coombs indireto da mãe for negativo e o recém-nascido for Rh positivo, é necessário administrar imunoglo-
bulina anti-D à mãe, visto que há passagem de sangue fetal para a mãe no momento do parto, podendo acarretar
aloimunização da paciente e comprometer fetos RH positivos em gestações futuras. Caso o Rh do recém-nascido
não tenha sido determinado, isto é, seja duvidoso, e a gestante for receber alta, administrar imunoglobulina.
Indicação para administração de imunoglobulina anti-D:
Gestantes Rh não sensibilizadas entre a 28ª e a 34ª semanas;
Pós-parto de recém-nascido Rh positivo em até 72 horas;
Abortamento;
Gravidez molar e ectópica;
Óbito intrauterino;
Feto natimorto;
Após procedimento invasivo;
Síndromes hemorrágicas (repetir a cada 12 semanas até o parto);
Trauma abdominal;
Após transfusão de sangue incompatível.
De acordo com o Ministério da Saúde, a imunoglobulina deverá ser administrada até 72 horas após o parto ou
evento obstétrico, mas há evidências de proteção contra sensibilização se administrada até 13 dias, e há recomen-
dações para que seja administrada em até 28 dias.

51 Drogas e gestação

1. Introdução
Segue a classificação da Food and Drug Administration (FDA) de drogas na gravidez:
Categorias Interpretações
A Estudos bem controlados e adequados, em mulheres grávidas, não demonstram risco para o feto.
Estudos em animais em reprodução não demonstraram risco fetal, mas não existem estudos controlados
B
em grávidas ou estudos em animais em reprodução que mostram efeito adverso.
168 INTENSIVO

Categorias Interpretações
Risco não pode ser excluído: não existem estudos positivos em humanos e em animais para risco fetal ou
C
simplesmente inexistem estudos. Contudo, os benefícios potenciais justificam o risco potencial.
Evidência positiva de risco: dados de investigação ou após liberação no mercado mostram risco para o feto.
D
Mesmo assim, os benefícios potenciais podem sobrepujar o risco.
Contraindicação na gravidez: estudos em animais e humanos, ou relatados de investigação ou após libera-
X
ção no mercado, mostraram risco fetal que claramente é maior do que os benefícios potenciais.

2. Adoçantes artificiais
A sacarina não é teratógena, porém tem potencial carcinogênico; o uso do ciclamato é controvertido. Sacarina
e ciclamato devem ser evitados na gravidez (risco C). A sucralose e o acessulfame-K não são tóxicos, carcinogênicos
ou mutagênicos em animais, mas não existem estudos controlados em humanos (risco B). A Stevia, substância deri-
vada de uma planta nativa brasileira, não produz efeitos adversos sobre a gestação em animais, porém não existem
estudos em humanos (risco B). Quanto ao aspartame, seus componentes (metanol, ácido aspártico e fenilalanina)
são bem tolerados pelo concepto; deve ser dada atenção às portadoras de fenilcetonúria.

3. Aminoglicosídeos
Amicacina, estreptomicina, gentamicina, netilmicina e tobramicina têm potencial de ototoxicidade no feto (risco
D). Neomicina, pouco absorvida, pode ser utilizada (risco C).

4. Analgésicos
Entre os não opioides, baixas doses de ácido acetilsalicílico são seguras, porém o uso contínuo de altas doses
está contraindicado. São seguros, também, o paracetamol e a dipirona, quando ministrados em doses terapêuticas
e descontínuas. Quanto a opioides, codeína, meperidina, metadona e morfina, se ministrados por tempo prolongado
e próximo ao parto, podem causar depressão respiratória e síndrome de privação no recém-nascido (risco C/D).

5. Androgênios
O danazol é contraindicado por determinar malformações genitais e abortamento.

6. Anfenicóis
O cloranfenicol deve ser evitado próximo ao parto (risco C/D); não há estudos controlados do tianfenicol
(risco C).

7. Anorexígenos
Anfepramona, femproporex, mazindol, quitosana e sibutramina são contraindicados durante a gestação. Em-
bora não existam estudos controlados, há relatos de restrição de crescimento fetal, parto prematuro e maiores
morbidades materna e perinatal.

8. Ansiolíticos e hipnóticos
O grande contingente é constituído pelos diazepínicos. Esse grupo de medicamentos era responsabilizado pela
maior incidência de lábio leporino e fenda palatina, porém estudos recentes com alprazolam e diazepam não confir-
maram essas suspeitas (risco D). O flunitrazepam, por sua vez, é contraindicado.
Os barbitúricos fenobarbital (risco D) e tiopental (risco C) podem determinar hemorragia e síndrome de priva-
ção, e deve ser avaliada a relação risco–benefício.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 169

Ainda não há estudos controlados para bromazepam (risco D), buspirona (risco C), clorazepato, clordiazepóxido,
cloxazolam, etomidato, lorazepam (risco D), midazolam, nitrazepam, pimetixeno, triazolam, zaleplona, zolpidem e
zopiclona.

9. Antagonistas dos receptores de angiotensina


Candesartana (risco B/D), irbesartana (risco C/D), losartana (risco B/D), telmisartana (risco B/D) e valsartana
(risco B/D), por não apresentarem estudos controlados, não são indicadas para o uso durante a gestação.
Losartana é considerada uma droga de categoria C no 1º trimestre de gestação e categoria D nos 2º e 3º tri-
mestres.

10. Antiácidos
O uso prolongado de sais de magnésio pode provocar diarreia; os sais de cálcio e alumínio favorecem a cons-
tipação. Altas doses, ministradas por tempo prolongado, podem provocar hipercalcemia e hipermagnesemia no
recém-nascido. Quando necessário, o uso deve ser pontual.

11. Antiagregantes plaquetários


Buflomedil, dipiridamol, pentoxifilina, ticlopidina e tirofibana ainda não foram testados em estudos controlados.
O ácido acetilsalicílico (risco C/D) pode ser empregado em baixas doses. Altas doses (>6g/d), por períodos prolonga-
dos, devem ser evitadas, pois alteram o mecanismo de homeostase materno e fetal.

12. Antiarrítmicos
A amiodarona (risco D) produz malformações em animais, porém há pouca experiência em humanos. A lidocaína
(risco B) pode provocar depressão do sistema nervoso central no recém-nascido, enquanto a adenosina, a mexileti-
na e a propafenona não apresentam utilização em estudos controlados (consideradas risco C). Digoxina, disopirami-
da, procainamida e quinidina, em doses terapêuticas, não apresentam contraindicações e todas apresentam risco C.

13. Anticoagulantes
É fundamental o uso de heparina no período embrionário e próximo ao termo nos casos em que é necessária
a anticoagulação. Entre essas 2 etapas, podem ser ministrados derivados cumarínicos do tipo varfarina. Heparinas
de baixo peso molecular, enoxaparina, dalteparina e nadroparina, apesar de ainda não constarem de estudos bem
controlados, aparentemente, são seguras e usadas rotineiramente na prática clínica.

14. Antidepressivos
O uso de amitriptilina (risco C) e imipramina está associado a malformações. Amineptina, clomipramina (risco
C), mirtazapina, reboxetina e tianeptina, bem como os inibidores da monoaminoxidase, não apresentam estudos
controlados. O emprego de fluoxetina, nortriptilina, paroxetina e sertralina é seguro (apresentam risco C). Estudos
recentes demonstraram que o carbonato de lítio, estabilizador de humor indicado para o tratamento de depressão
bipolar, pode promover malformações cardiovasculares e polidrâmnio, seu risco é D.

15. Antidiabéticos
Hipoglicemiantes orais, acarbose, clorpropamida (risco C), fenformina, glibenclamida (risco C), glimepirida, gli-
pizida (risco C), repaglinida (risco C) e rosiglitazona são contraindicados. Por ser a glicemia muito lábil durante a
gestação, o medicamento mais indicado para o controle da gestante diabética é a insulina.
Estudos recentes indicam que a metformina pode ser droga eficaz para utilização durante a gestação, despro-
vida de efeitos deletérios/teratogênicos para o feto.
170 INTENSIVO

16. Antidiarreicos
A loperamida (risco B) não tem contraindicação; racecadotrila e atropina/difenoxilato (risco C) não apresentam es-
tudos controlados. A furazolidona (risco C) pode provocar anemia em deficientes de glicose-6-fosfato desidrogenase.

17. Antieméticos
O uso da clorpromazina é controvertido; no termo, pode provocar hipotensão no recém-nascido. Metocloprami-
da (risco B), dimenidrinato (risco B), ondansetrona (risco B) e meclizina aparentemente são drogas seguras.

18. Antienxaqueca
Derivados do “ergot” não devem ser utilizados. Isometepteno e propifenazona têm de ser evitados no 1º trimes-
tre e por tempo prolongado. Naratriptana, pizotifeno, rizatriptana, sumatriptana e zolmitriptana não foram objetos
de estudos controlados.

19. Antiepilépticos
Ácido valproico, carbamazepina, clonazepam, fenitoína e primidona promovem malformações múltiplas, prin-
cipalmente da face, são consideradas de risco D; o fenobarbital causa malformações menores, e o clobazam está
associado à hipotonia do recém-nascido. A tendência é a indicação de monoterapia com a menor dose possível.

20. Antiespasmódicos
Embora sejam consagradas pelo uso como medicamentos seguros, a atropina (risco C), a homatropina (risco C)
e a N-butilescopolamina não apresentam estudos controlados.

21. Antifúngicos
Alguns medicamentos, como anfotericina B (risco C), anfotericina B lipossomal, clotrimazol (risco B), miconazol
e nistatina (risco B), pouco absorvíveis, podem ser utilizados. Butoconazol (risco C), cetoconazol (risco C), fluconazol
(risco X/C), griseofulvina (risco D), metronidazol (risco X/B), secnidazol (risco D/C) e tinidazol (risco C) têm uso reco-
mendado a partir do 2º trimestre, por serem potencialmente teratogênicos. Ainda não há estudos controlados sobre
os efeitos de muitos antifúngicos, e são classificados como risco C econazol, fenticonazol, isoconazol, sertaconazol e
tioconazol. O terconazol encontra-se na categoria de risco C/B, o itraconazol na categoria D/C, e o oxiconazol tópico
está classificado como risco B.

22. Antiflatulento
A dimeticona é droga segura para uso durante a gestação (risco B).

23. Anti-helmínticos
Este grupo de medicamentos deve ser utilizado somente após o 2º trimestre, embora albendazol (risco C), me-
bendazol (risco C), piperazina (risco B) e tiabendazol (risco C/B) não sejam teratogênicos ou embriotóxicos. Ivermec-
tina (risco C), levamisol (risco C), niclosamida (risco C), oxamniquina (risco C), pirantel (risco C), pirvínio (risco D/C) e
praziquantel (risco C) não têm estudos controlados.

24. Anti-heparínico
A protamina (risco C), apesar de bastante empregada, não tem estudos controlados sobre seus efeitos durante
a gestação.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 171

25. Anti-histamínicos
A terfenadina (risco D) está associada a abortamento, polidactilia e redução de membros, enquanto a fenira-
mina (risco C/D) promove malformações oculares e auriculares. Astemizol (risco C/D), carbinoxamina (risco B/D),
clemastina (risco C/D), clorfeniramina, dexclorfeniramina (risco B/D), ebastina (risco C/D), fexofenadina (risco C/D)
e hidroxizina (risco C) não têm estudos controlados. Azatadina (risco B/D), loratadina (risco B) e prometazina (risco
C), conforme estudos recentes, podem ser ministradas.

26. Anti-inflamatórios
Anti-inflamatórios não hormonais, sejam derivados dos salicilatos (ácido acetilsalicílico), do indol (benzidamina,
glucametacina, indometacina), do ácido propiônico (cetoprofeno, ibuprofeno, naproxeno), do ácido fenilacético (di-
clofenacos sódico e potássico), do ácido antranílico (ácido mefenâmico), dos pirazolônicos (butazona cálcica, fenilbu-
tazona, feprazona, oxifembutazona), dos oxicans (meloxicam, piroxicam, tenoxicam), dos sulfamídicos (nimesulida)
ou da nabumetona, são inibidores das prostaglandinas e não teratogênicos. Ministrados no 3º trimestre, podem
promover gravidez prolongada por inibição do trabalho de parto, disfunção renal fetal, oligoâmnio e oclusão preco-
ce do ducto arterioso, levando à hipertensão pulmonar primária do recém-nascido.
Os derivados coxibes (celecoxibe e rofecoxibe) não têm especificidade exclusiva para a cicloxigenase-2 e
também estão contraindicados após a 32ª semana, a exemplo dos demais anti-inflamatórios. Os anti-infla-
matórios hormonais beclometasona, betametasona, cortisona, dexametasona, prednisolona e prednisona são
empregados com numerosos benefícios para o binômio fetomaterno, em especial na prevenção da síndrome
do desconforto respiratório e de hemorragias intracranianas. O emprego prolongado desse grupo de fármacos
pode, entretanto, determinar agravamento da síndrome do desconforto respiratório, da hipoplasia e da insu-
ficiência da suprarrenal.

27. Antimaláricos
Mefloquina (risco C) e quinina (risco X) devem ser sempre evitados, por determinarem, respectivamente, efeitos
adversos sobre o concepto e maior frequência de abortamento. Cloroquina (risco D) e hidroxicloroquina (risco B)
têm indicação controversa.

28. Antipsicóticos
Clorpromazina (risco C), haloperidol (risco C) e promazina não são deletérios para o feto, quando usados em
pequenas doses, em qualquer época da gravidez. Tiaprida é contraindicada.

29. Antitireoidianos
Propiltiouracila atravessa a placenta, e o feto pode apresentar leve hipotireoidismo. Recomenda-se o uso da
menor dose possível para controlar a crise tireotóxica.

30. Antiulcerosos
Cimetidina, famotidina, pantoprazol e ranitidina não têm contraindicação, apresentando risco B. O lansoprazol
e o omeprazol não foram adequadamente testados durante a gestação; ambos são risco C. O misoprostol (risco X)
está absolutamente contraindicado.

31. Bloqueadores dos canais de cálcio


Diltiazem, felodipino e nimodipino não apresentam toxicidade em embriões humanos (risco C). Nifedipino e
verapamil podem reduzir o fluxo uteroplacentário, porém não são formalmente contraindicados (risco C).
172 INTENSIVO

32. Bloqueadores dos receptores alfa e beta-adrenérgicos


O atenolol (risco D) e o propranolol (risco C/D) não apresentam toxicidade fetal, embora estejam associados a
restrição de crescimento fetal, baixo peso ao nascer, bradicardia fetal, depressão respiratória, hipoglicemia neona-
tal e policitemia quando utilizados em altas doses. A metildopa (inibidora central dos receptores alfa-adrenérgicos),
que apresenta risco B, e o pindolol, risco B/D, são medicamentos seguros na gestação.

33. Broncodilatadores
Salbutamol, teofilina (ambos risco C) e terbutalina devem ser evitados no 1º trimestre. Aminofilina e fenoterol
não apresentam contraindicações (ambos risco C).

34. Cefalosporinas
As cefalosporinas de 1ª geração (cefalotina, cefazolina, cefalexina, cefadroxila), de 2ª geração (cefoxitina, cefu-
roxima, cefaclor), de 3ª geração (ceftriaxona, ceftazidima, cefotaxima) e de 4ª geração (cefepima) não têm qualquer
contraindicação. Todos as medicações apresentam risco B.

35. Diuréticos
São contraindicados no 1º trimestre, pelo risco de malformações fetais e, próximo ao termo, pela maior incidên-
cia de oligoâmnio e hipoglicemia, hiponatremia e hipocalemia neonatais. Incluem-se os tiazídicos (hidroclorotiazida,
clortalidona), diuréticos de alça (furosemida, bumetanida) e poupadores de potássio (espironolactona, amilorida
– risco D para ambas).

36. Estrogênios
O uso de anticoncepcionais orais, clomifeno (risco X), dietilestilbestrol (risco X), estradiol, estriol e estrogênios
conjugados é contraindicado, pois essas drogas podem promover múltiplas malformações.

37. Hipolipemiantes
Atorvastatina, cerivastatina, lovastatina e sinvastatina estão formalmente contraindicadas, todas são de
risco X.

38. Hipotensores com ação inotrópica


Digoxina é uma droga segura, e dobutamina e dopamina apresentam poucas referências quanto ao uso na
gestação, sendo ambas risco C.

39. Hormônios tireoidianos


Calcitonina (risco C), levotiroxina e liotironina (risco A) não apresentam contraindicações.

40. Inibidores da enzima conversora de angiotensina


O uso do captopril (risco B/D) e do enalapril (risco B/D) não é deletério no 1º trimestre, pois não há potencial
teratogênico. A partir do 2º trimestre, determinam oligoâmnio (devido à anúria fetal), contratura de membros, de-
formidades faciais, hipoplasia pulmonar, prematuridade, hipotensão neonatal e persistência do ducto arterioso.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 173

41. Macrolídeos
Estearato de eritromicina e espiramicina não apresentam contraindicações (ambas risco B). Azitromicina (risco
C), claritromicina (risco D) e roxitromicina (risco C) não apresentam estudos controlados.

42. Penicilinas
Penicilina G: procaína (risco B) e benzatina (risco B); oxacilina (risco B), ampicilina (risco C), amoxicilina (risco B)
e outros derivados da penicilina não têm contraindicação.

43. Quinolonas
Ciprofloxacino, levofloxacino, lomefloxacino e norfloxacino não devem ser utilizados durante a gestação, pois
promovem malformações em fetos de animais, fazendo parte da categoria de risco C. Não há estudos controlados
em humanos.

44. Sulfas
Sulfadiazina (risco B/D), sulfametoxazol e sulfassalazina (risco B/D) devem ser evitadas no 3º trimestre. Essas
drogas competem com a bilirrubina pelas proteínas carreadoras, podendo determinar hiperbilirrubinemia neonatal.

45. Tetraciclinas
Tetraciclina e doxiciclina, ambas risco X, estão contraindicadas na gestação. Essas drogas podem causar altera-
ções dentárias, inibição do crescimento da fíbula, prematuridade e óbito fetal.

46. Tuberculostáticos
Etambutol (risco B), etionamida (risco B), isoniazida (risco C), pirazinamida (risco C) e rifampicina (risco C) podem
ser usados sem prejuízo fetal. A estreptomicina (risco D) deve ser evitada.

47. Vasodilatadores
Diazóxido (risco C) pode causar hipoglicemia, hiperbilirrubinemia e trombocitopenia neonatais. Nitroglicerina, isos-
sorbida e nitroprussiato de sódio apresentam poucos estudos, os 3 medicamentos fazem parte da categoria de risco C.

52 Síndromes hemorrágicas da 1ª metade da


gestação

1. Abortamento
É definido como a interrupção da gravidez antes de atingida a viabilidade fetal. A Organização Mundial da
Saúde estabelece como limite para caracterizá-lo a perda de conceptos de até 22 semanas ou 500 gramas. O
abortamento é dividido em precoce e tardio, respectivamente, se ocorre antes ou após a 12ª semana de gestação.

A - Causas
a) Fatores fetais
Anomalias morfológicas, cromossômicas (principalmente antes da 12ª semana de gestação) e genéticas. As
principais são as trissomias.
174 INTENSIVO

b) Fatores maternos
Endocrinopatias, infecções, desnutrição, causas imunológicas, insuficiência luteínica, doenças debilitantes,
malformações uterinas, incompetência istmocervical, miomatose, sinéquias uterinas, distopias uterinas, além dos
traumas físicos.

B - Formas clínicas de abortamento, diagnóstico e tratamento


Classificações Diagnósticos Tratamentos
- Sangramento vaginal discreto a moderado,
sem modificação cervical;
Ameaça de aborto ou - Ausência de cólicas abdominais ou cólicas de
Repouso + antiespasmódicos
aborto evitável baixa intensidade;
- Descolamento corioamniótico à ultrassono-
grafia (USG).
- Se Idade Gestacional (IG) <12 semanas: cure-
- Hemorragia vaginal moderada a grave + cóli-
tagem (CTG) uterina ou vacuoaspiração;
Abortamento inevitável cas fortes + dor no baixo-ventre + colo uterino
- Se IG >12 semanas: ocitocina ou misoprostol
pérvio + embrião no canal cervical;
ou em curso até a eliminação do feto e anexos + USG;
- Anemia, taquicardia, hipotensão, choque hipo-
- Se não houver eliminação completa: CTG ou
volêmico.
vacuoaspiração.
Sangramento vaginal + cólica + colo dilatado ou - Colo impérvio: dilatação do colo com velas
Abortamento incomple- não + restos ovulares no orifício externo cervi- de Hegar ou misoprostol + CTG ou aspira-
ção manual intrauterina;
to cal ou não + USG transvaginal evidenciando eco - Colo pérvio: conduzir como abortamento
endometrial >15mm inevitável.
Sangramento genital + cólicas que cessam es-
Abortamento completo pontaneamente + colo impérvio + USG eviden- Orientações
ciando eco endometrial fino e regular
Calafrios e febre + dor referida + taquicardia +
Esvaziamento uterino + antibioticoterapia de
Abortamento infectado secreção fétida e purulenta proveniente do ca-
amplo espectro
nal cervical + colo pérvio
Redução dos sintomas da gestação + cresci- - Se IG <12 semanas, estão indicadas dilata-
Aborto retido (morte as- mento uterino não compatível com a IG + san- ção e CTG ou vacuoaspiração;
- Se IG >12 semanas, ocitocina ou misoprostol
sintomática do embrião) gramento vaginal variável + batimento cardíaco estão indicados até a eliminação do feto e
fetal ausente dos anexos.

2. Gestação ectópica

A - Introdução
Gestação ectópica é a nidação e o desenvolvimento do ovo fora da cavidade uterina. O local mais frequente é a
tuba uterina, e, nesta, a região ampular é a mais acometida.

Figura 1 - Locais e frequência de gestação ectópica


SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 175

São fatores de risco: doença inflamatória pélvica (especialmente as causadas por clamídia), endometriose,
gravidez tubária prévia, cirurgia tubária prévia, cirurgia abdominal prévia, salpingite ístmica nodosa (verdadeiros
divertículos), mulheres expostas ao dietilestilbestrol in utero, história de infertilidade, falha de DIU (dispositivo
intrauterino de cobre ou progestativo), tabagismo.

B - Diagnóstico
Clínico: dor abdominal é o sintoma mais comum; outros sintomas são sangramento vaginal, atraso menstrual,
massa anexial dolorosa, mobilização dolorosa do colo uterino. Podem estar presentes sinais de peritonite e abaula-
mento do fundo de saco vaginal posterior.

Figura 2 - Suspeita clínica

C - Tratamento
Gravidez ectópica rota: salpingectomia por laparotomia;
Gravidez ectópica íntegra:
Com prole constituída: salpingectomia;
Desejo de gestação: ectópica ≤4cm no maior diâmetro, beta-HCG ≤5.000mUI/mL em títulos estáveis ou
ascendentes, embrião sem atividade cardíaca, estabilidade hemodinâmica e líquido livre apenas na pelve
– tratamento clínico com metotrexato (MTX).
Modalidades de tratamento clínico: medicamentoso (MTX) e expectante. Decide-se por tratamento clínico
expectante se os valores de beta-HCG estão decrescentes em 2 dosagens consecutivas entre 24 e 48 horas
e não houver batimentos cardíacos embrionários à USG. Do contrário, opta-se por tratamento clínico medi-
camentoso com MTX.

3. Doença trofoblástica gestacional


Origina-se de alterações que atingem o produto conceptual, mais especificamente o trofoblasto;
Cursa com degeneração hidrópica das vilosidades coriônicas acompanhadas de hiperplasia dos elementos
trofoblásticos ou anaplasia consequente ao processo neoplásico benigno do trofoblasto.
176 INTENSIVO

A - Formas clínicas
Doença benigna: mola hidatiforme (pode ser completa ou parcial);
Doença maligna: mola invasora, coriocarcinoma, tumor de leito placentário e mola metastática.
Molas parcial e total são diferentes quanto a histopatologia, padrões cromossômicos e apresentação clínica.
Mola parcial Mola completa
Triploide, 69,XXX (90%); 69,XXY e 69,XYY Diploide de origem paterna, 46,XX (90%); 46,XY (10%) – 2
Cariótipo (10%) – origem materna e paterna (1 óvu- espermatozoides + 1 óvulo com material genético inativa-
lo normal + 2 espermatozoides) do ou ausente
Degeneração vesicular hidrópica (acome- Degeneração hidrópica intensa (alteração de todos os vi-
Histopatologia te parte dos vilos) em meio a vilos nor- los) com atipia e hiperplasia trofoblástica e ausência de
mais partes fetais ou anexos
Malignização 5 a 10% 10 a 20%
Sangramento genital com perda ou não de vesículas, cres-
Sangramento genital incomum, beta-
Quadro clínico cimento uterino maior do que o esperado, beta-HCG muito
-HCG elevado
elevado e presença de cistos teca-luteínicos
Não característica, com sinais sugestivos
USG (degeneração placentária, feto com mal- Característica, com vesículas coriônicas
formações)
Mola hidatiforme invasora: pode ser completa ou incompleta, apresenta vilos alterados que penetram no
miométrio e seus vasos. Não é indício de natureza neoplásica;
Mola hidatiforme metastática: apresenta capacidade de invasão vascular. Os locais mais comuns são a vagi-
na e os pulmões. Não está obrigatoriamente associada à invasão miometrial;
Coriocarcinoma: origina-se de qualquer tipo de gestação (a termo, abortamento, ectópica, molar e, excep-
cionalmente, teratomas). Apresenta elevado poder de infiltração local (vascular) e disseminação a distância
(hematogênica). Podem ocorrer metástases para os pulmões, o cérebro, os rins, o fígado e o trato gastrin-
testinal. Histologicamente, apresenta estrutura bilaminar semelhante ao trofoblasto do blastocisto, atipia
citológica e atividade mitótica; macroscopicamente, apresenta nódulos hemorrágicos únicos ou múltiplos,
bem circunscritos com área central de necrose hemorrágica;
Tumor trofoblástico do sítio placentário: constitui-se de trofoblasto intermediário. Microscopicamente, apre-
senta células do citotrofoblasto e células multinucleadas, ausência de acentuada necrose, invasão vascular
com ausência de crescimento celular no interior dos vasos; macroscopicamente, apresenta massa branco-
-amarelada que invade o endométrio e projeta-se para a cavidade endometrial (aspecto polipoide). Tem baixa
produção de HCG e elevada síntese de hormônio lactogênico placentário.

B - Sinais e sintomas
a) Mola invasora
Sangramento vaginal irregular, discreto aumento do volume uterino.
b) Mola metastática e coriocarcinoma
Apresentam quadro clínico bem semelhante e vão depender dos locais de implantação da metástase;
Metástases vaginais: massas vinhosas de tamanho variável, que podem prolongar-se para o interior da cavi-
dade pélvica com hemorragia abundante;
Metástases pulmonares: lesões assintomáticas ou oligossintomáticas, com diagnóstico por exame radioló-
gico de rotina.
c) Tumor trofoblástico do sítio placentário
Sangramento genital anômalo ou amenorreia, e ausência de alterações sistêmicas.

C - Diagnóstico
a) Dosagem de HCG
Produzido pelo sinciciotrofoblasto e marcador tumoral.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 177

b) Ultrassonografia
Imagens císticas ecogênicas no interior da cavidade uterina;
Útero de dimensões aumentadas para a IG;
Aumento ovariano – formações císticas (cistos teca-luteínicos).

D - Tratamento
Esvaziamento uterino por CTG uterina ou vacuoaspiração (preferencialmente);
Administração de ocitócitos e derivados da ergotamina durante o procedimento;
Pacientes idosas ou sem interesse gestacional futuro: histerectomia com preservação dos ovários com cistos
teca-luteínicos;
Molas parciais com feto vivo: aguardar a maturidade fetal, interrupção da gestação e tratamento do quadro
molar;
Administração de imunoglobulina anti-Rh em pacientes Rh negativo;
As molas “malignas” requerem quimioterapia e/ou cirurgia;
Seguimento pós-molar;
HCG: intervalos semanais até 3 dosagens negativas consecutivas (remissão temporária), 1 dosagem quinzenal
e dosagens mensais até 6 meses após o 1º resultado negativo (remissão espontânea) e até 1 ano se quimio-
terapia.

53 Síndromes hemorrágicas da 2ª metade da


gestação

1. Descolamento prematuro da placenta

A - Introdução
O Descolamento Prematuro da Placenta (DPP) é a separação da placenta normalmente inserida no corpo uteri-
no, em gestação com idade gestacional superior a 20 semanas antes da expulsão do feto.
Causas:
Traumáticas: traumas propriamente ditos, brevidade do cordão umbilical, após descompressão uterina brus-
ca devido a rotura prematura das membranas amnióticas, retração uterina abrupta após expulsão do 1º
gemelar;
Não traumáticas: hipertensão arterial sistêmica, uso de cocaína, tabagismo e alcoolismo, idade e paridade
avançada, pré-eclâmpsia/eclâmpsia, trombofilias, multiparidade, DPP em gestação anterior e abortamento
provocado anterior, mioma uterino, polidrâmnio.
A fisiopatologia cursa com a sufusão de sangue, ocasionando hematoma retroplacentário, que irá fazer com-
pressão dos vasos e consequentemente evoluir diminuindo o fluxo placentário e aumentar o DPP.
Quanto maior a área placentária descolada, maior o risco de comprometimento fetal.

B - Diagnóstico
Clínico (sinais e sintomas) – principal
- Dor abdominal súbita;
- Contrações frequentes;
- Sinal de Mello e Figueiredo (o paciente prefere o decúbito lateral homônimo ao lado da implantação placentária);
178 INTENSIVO

Clínico (sinais e sintomas) – principal


- Hemorragia externa ou “interna”;
- Palidez cutâneo-mucosa e hipotensão;
- Sudorese, taquicardia e pulso fino;
- Diminuição do débito cardíaco;
- Sinais de coagulação intravascular disseminada: petéquias, equimoses e hematomas;
- Palpação: útero lenhoso e doloroso;
- Amnioscopia: hemoâmnio;
- Altura uterina: aumento progressivo.
Ultrassonografia (alterações presentes em apenas 50% dos casos)
- Identifica a localização da placenta e possibilita o diagnóstico diferencial com placenta prévia;
- Achados ultrassonográficos:
· Coágulo retroplacentário;
· Hematoma marginal;
· Hematoma subcoriônico;
· Hematoma intra-amniótico;
· Elevação da placa coriônica;
· Aumento heterogênico da espessura da placenta.

C - Conduta
Esvaziamento da cavidade uterina: maior brevidade possível;
Rompimento de bolsa das águas: reduz a compressão da veia cava inferior, melhora a hipertonia uterina,
coordena as contrações, diminui a pressão intrauterina, diminui a instalação de coagulopatias, diminui a he-
morragia, dificulta a ampliação da área de descolamento, evidencia o hemoâmnio, induz ou acelera o trabalho
de parto;
Gestações com feto vivo e maior do que 28 semanas: amniotomia precoce e parto pela via mais rápida, fre-
quentemente a cesárea de emergência;
Gestações com feto morto ou com idade gestacional abaixo da viabilidade (<28 semanas): repor volemia,
repor fator de coagulação, restaurar o equilíbrio metabólico e aguardar o parto vaginal de 4 a 6 horas, na
ausência de instabilidade materna e na ausência de hipertonia acentuada; do contrário, o parto deve ser feito
pela via mais rápida. A coagulopatia é mais frequente quando há óbito fetal, geralmente sendo necessária a
transfusão de hemoderivados;
Histerectomia: em casos de atonia uterina, com sangramento vaginal incoercível e não responsivo ao uso de
ocitócito, uso de misoprostol, massagens, cirurgia de B-Lynch e ligadura das artérias hipogástricas;
Coagulação intravascular disseminada: suspeitar na presença de sangramento difuso por cateteres e aces-
sos, petéquias, equimoses, insuficiência renal, plaquetas <100.000/mm3, coagulograma alterado, fibrinogê-
nio <100mg/dL e produtos de degradação da fibrina >20µg/mL.

2. Placenta prévia

A - Introdução
É a inserção da placenta no segmento inferior acima da 28ª semana de gestação;
Os fatores predisponentes são idade materna avançada e multiparidade (os principais), cesárea anterior
(principal fator de risco), outras cicatrizes uterinas (miomectomia), curetagens uterinas de repetição, endo-
metrite, miomatose uterina, gemelaridade, antecedente de placenta prévia e tabagismo;
Pode ser classificada em:
Placenta prévia (anteriormente denominada placenta prévia centrototal ou centroparcial): recobre total ou
parcialmente o orifício interno do colo uterino;
Placenta de inserção baixa (anteriormente denominada de placenta prévia marginal): é aquela que se in-
sere no seguimento inferior do útero, não chega a atingir o orifício interno e se localiza em um raio de 2cm
de distância do orifício interno do colo uterino.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 179

Sinais e sintomas: hemorragia vaginal no 3º semestre, de início súbito, indolor, reincidente, imotivada, pro-
gressiva, de cor vermelho-vivo e quantidade variável;
Associação a acretismo placentário é usualmente encontrada.

B - Diagnóstico
Quadro clínico;
Exame físico: batimento cardíaco fetal pode ser normal (depende da intensidade da hemorragia materna);
exame especular que pode determinar origem do sangramento; toque vaginal deve ser realizado com extre-
mo cuidado, já que pode causar intensa hemorragia; tônus e volume uterino normais;
Ultrassonografia obstétrica: localização placentária;
Ressonância magnética: para diagnóstico de acretismo placentário.
DPP Placenta prévia
Início Súbito, grave desde o começo Insidioso, com gravidade progressiva
Hemorragia Oculta em 20% dos casos, única, dolorosa Visível, de repetição, indolor
Sangue Escuro Rutilante
Sofrimento fetal Grave e precoce Ausente ou tardio
Hipertonia Típica Ausente
Hipertensão Típica Rara
Sinais de anemia grave que não mantêm relação Sinais de anemia proporcional às perdas san-
Estado
com as perdas sanguíneas externas guíneas
Ultrassonografia Possivelmente normal Confirmatória do diagnóstico

C - Tratamento
Para intervir, precisamos primeiramente considerar: vulto da hemorragia, idade gestacional, variedade da
placenta prévia e proximidade do fim do parto;
Gestações <37 semanas: quando o sangramento está sob controle e há estabilidade hemodinâmica mater-
na, a conduta é expectante, ou seja, deve-se internar a paciente, monitorizar os sinais vitais maternos e a
vitalidade fetal, controlar hemoglobina e hematócrito, fazer corticoterapia (26 a 34 semanas); hemorragia
incontrolável e instabilidade materna são sinais de interrupção da gestação por indicação materna;
Gestações a termo:
Placenta de inserção baixa: pode ser realizado parto normal, preferencialmente com amniotomia imediata
(a cabeça fetal insinuada faz um tamponamento sobre a área de sangramento da placenta);
Placenta prévia: cesárea (com feto vivo ou morto).

3. Rotura uterina
A rotura uterina é uma grave complicação da gestação que pode ocorrer durante a gravidez ou o trabalho de
parto. A boa qualidade da assistência pré-natal e do atendimento durante o trabalho de parto pode diminuir a sua
incidência.
A rotura uterina durante a gestação é uma intercorrência rara e pode advir espontaneamente ou após trauma
abdominal. O enfraquecimento da parede uterina pela presença de cicatrizes de cesáreas predispõe a sua ocorrên-
cia. Outros fatores que podem facilitá-la são cicatriz de miomectomia, endometriose, adenomiose, áreas de dege-
neração ou necrose ou, ainda, região onde houve acretismo placentário em gestações prévias.
A maioria dos casos acontece durante o trabalho de parto. Além dos fatores predisponentes, devem ser lem-
brados os relacionados ao parto obstruído ou bloqueado: desproporção cefalopélvica, macrossomia fetal, gemela-
ridade, apresentações anômalas, tumores prévios ou malformações uterinas. O uso inadvertido de ocitócicos pode
ocasionar taquissistolia e hipersistolia, predispondo também à rotura do segmento inferior do útero.
Clinicamente, a rotura uterina durante o trabalho de parto apresenta-se em 2 momentos bem distintos.
Na iminência da rotura uterina, a paciente, geralmente ansiosa e agitada, com contrações uterinas muito fortes
e dolorosas, apresenta, à palpação, anel de constrição separando o corpo uterino do segmento inferior (sinal de
180 INTENSIVO

Bandl). Os ligamentos redondos estão desviados para a face ventral do útero, podendo ser palpados excessivamen-
te retesados e distendidos (sinal de Frommel).
Não havendo intervenção médica imediata, segue-se a rotura, em geral acompanhada de quadro clínico grave.
No momento da rotura, a mulher frequentemente relata dor súbita, de forte intensidade, na região do baixo-ventre.
O trabalho de parto é imediatamente interrompido, e partes fetais podem ser palpadas no abdome da mãe. A he-
morragia genital pode ser discreta ou grave, podendo sobrevir choque hipovolêmico. Ao toque vaginal, a subida da
apresentação é o sinal mais importante; os batimentos cardíacos fetais frequentemente são inaudíveis (óbito fetal).
A palpação abdominal permite que se perceba a crepitação produzida pela passagem de ar para o peritônio e o
tecido subcutâneo da parede abdominal através da vagina e da brecha uterina (sinal de Clark).
As roturas traumáticas e as espontâneas são consideravelmente mais perigosas para o binômio mãe–feto. O
prognóstico fetal é muito grave; a mortalidade perinatal pode chegar a 58%. Nas situações de deiscência de cicatriz
de cesárea, o prognóstico é mais favorável.
As principais complicações maternas são o choque hipovolêmico e as infecções. A vida da paciente depende da
rapidez e da eficiência com que se corrige a hipovolemia e se controla a hemorragia. Após a ocorrência da rotura,
deve ser realizada laparotomia imediata; a conduta cirúrgica pode variar desde uma simples rafia uterina até a
histerectomia, dependendo da extensão da lesão, do estado clínico da paciente e de sua paridade.
A principal conduta é a profilaxia. Deve haver vigilância de todas as pacientes em trabalho de parto, especial-
mente daquelas que apresentem vícios pélvicos, fetos macrossômicos, apresentações anômalas, tumores prévios,
multiparidade, cicatrizes de cesáreas ou de miomectomias. A melhor maneira de evitar a rotura uterina durante o
trabalho de parto é o diagnóstico rápido da distensão do segmento inferior do útero. O uso de uterolíticos pode
controlar as contrações uterinas quando necessário.

54 Vitalidade fetal

1. Introdução e indicações
O prognóstico de gestações de alto risco tem melhorado nos últimos anos devido ao melhor controle das doen-
ças maternas e ao desenvolvimento dos métodos de avaliação do bem-estar fetal. Os exames são indicados a
situações em que haja risco de sofrimento fetal e que podem ser divididas em doenças maternas e intercorrências
da gestação.

2. Métodos biofísicos de avaliação

A - Cardiotocografia
A cardiotocografia de repouso é o método de avaliação de vitalidade fetal que analisa parâmetros que possibili-
tam estudar os efeitos da hipoxemia no sistema nervoso central e, consequentemente, na Frequência Cardíaca Fetal
(FCF). Trata-se de um método simples e não invasivo, muito utilizado em todo o mundo. Como principais desvanta-
gens, devem ser citadas as variações na interpretação (quando da análise visual, e não da computadorizada), o alto
custo e a imprecisão no reconhecimento de desacelerações (quando realizada a cardiotocografia computadorizada).

Índice cardiotocométrico de Zugaib-Behle


Parâmetros Normal Pontuação
Linha de base 110 a 160bpm 1
Variabilidade 10 a 25bpm 1
Acelerações transitórias 1 2
Desacelerações Nenhuma 1
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 181

O índice cardiotocométrico é o somatório destas pontuações:


Ativo: 4 e 5 (normal);
Hipoativo: 2 e 3 (suspeito);
Inativo: 0 e 1 (alterado).
Demonstração dos padrões normais, suspeitos e patológicos, de acordo com o Ministério da Saúde
Padrões normais Padrões suspeitos
Parâmetros Padrões patológicos
ou tranquilizadores ou não tranquilizadores
Bradicardia <100bpm e
100 a 110pm ou >160bpm
taquicardia >160bpm por
FCF basal 110 a 160bpm por menos de 30 minutos;
mais de 30 minutos; linha
elevação da linha de base
de base errática
- ≤5bpm (ausente ou
- 6 a 25bpm: moderada; mínima) por mais de 80
≤5bpm (ausente ou mínima) minutos;
Variabilidade - ≤5bpm: ausente ou mínima por
por 40 a 80 minutos - ≥25bpm por mais de
tempo <40 minutos. 10 minutos; padrão
sinusoidal.
Desacelerações variáveis
Ausência ou desaceleração variável Desaceleração variável, de
Desacelerações por tempo >60 segundos;
ocasional por tempo <30 segundos 30 a 60 segundos
desacelerações tardias
≥2 acelerações ≥15bpm com duração
de 15 segundos por mais de 40 mi- ≤2 acelerações ≥15bpm com ≤2 acelerações ≥15bpm com
Acelerações: feto ≥32
nutos ou, na sua ausência, presença duração de 15 segundos duração de 15 segundos
semanas
de resposta adequada a estímulo por 40 a 80 minutos por mais de 80 minutos
sonoro após 20 minutos
≥2 acelerações ≥10bpm com duração
≤2 acelerações ≥10bpm
de 10 segundos por mais de 40 minu- ≤2 acelerações ≥10bpm com
Acelerações: feto <32 com duração de 10
tos ou, na sua ausência, presença de duração de 10 segundos
semanas segundos por mais de 80
resposta adequada a estímulo sonoro por 40 a 80 minutos
minutos
após 20 minutos
Avaliação adicional neces-
sária (cardiotocografia de Avaliação adicional urgente
Sem necessidade de avaliação adicio-
Conduta estresse, perfil biofísico ou parto, a depender do
nal, dependendo do quadro clínico
fetal, Doppler) ou repetição quadro clínico
do teste em 12 horas

B - Perfil biofísico fetal


O Perfil Biofísico Fetal (PBF) é um método de avaliação do bem-estar fetal que estuda atividades biofísicas
fetais e a estimativa do volume de líquido amniótico. Baseia-se na hipótese de que as atividades biofísicas fetais
são reflexos do grau de oxigenação do sistema nervoso central e tem por objetivo associar variáveis analisadas
separadamente para melhorar a predição do sofrimento fetal. Além disso, consiste em exames cardiotocográfico e
ultrassonográfico e é indicado como complemento a:
Cardiotocografias normais: resultado normal na cardiotocografia não exclui a possibilidade da existência de
oligoidrâmnio, tornando necessária a avaliação do Índice do Líquido Amniótico (ILA). A realização apenas da
cardiotocografia e do ILA configura o PBF simplificado;
Cardiotocografias suspeitas ou anormais: para diminuir os resultados falsos positivos da cardiotocografia e
evitar os partos prematuros iatrogênicos. São importantes para avaliar situações em que as alterações da
FCF são decorrentes de arritmias cardíacas fetais ou da utilização de drogas pela mãe (betabloqueadores,
sedativos), que atravessam a placenta e interferem na FCF.

Interpretação do PBF
Escores 2 (normal) 0 (anormal)
FCF (acelerações transitórias na
2 em 40 minutos <2 em 40 minutos
cardiotocografia)
Movimentos respiratórios fetais 1 episódio de 30 segundos Ausência de episódios
1 movimento rápido e amplo ou 3 movimen-
Movimentos corpóreos fetais Ausência de episódios
tos lentos
182 INTENSIVO

Interpretação do PBF
Escores 2 (normal) 0 (anormal)
Movimentos corpóreos fetais presentes e mo- Ausência de movimentos
Tônus
vimento de mãos, pálpebras, língua, sucção corpóreos fetais
Volume de líquido amniótico ILA >5cm ILA ≤5cm

Interpretação e conduta de acordo com o resultado do PBF – Faculdade de Medicina da Universida-


de de São Paulo
Índices Interpretações Condutas
8 ou 10 (com ILA normal) Baixo risco de asfixia crônica e aguda Conservadora
- Baixo risco de asfixia aguda; Resolução de acordo com a idade gesta-
8 (com ILA ≤5cm)
- Provável asfixia crônica. cional
- Possível asfixia aguda; Repetição em 6 horas; se persistir PBF ≤6:
6 (com ILA normal)
- Baixo risco de asfixia crônica. resolução
6 (com ILA ≤5cm) Provável asfixia crônica Protocolo de oligoidrâmnio
- Provável asfixia aguda;
4-2-0 Resolução a partir da viabilidade fetal
- Provável asfixia crônica se ILA ≤5cm.

Conduta obstétrica de acordo com o resultado do PBF – Ministério da Saúde


Pontuações Interpretações Condutas obstétricas
Repetir semanalmente e 2 vezes por semana em gestantes portadoras de
Feto normal; baixo risco de
8 a 10 diabetes e com idade gestacional >42 semanas. Se oligoidrâmnio, induzir
asfixia crônica
ao parto.
Se idade gestacional >36 semanas, induzir ao parto. Se <36 semanas e
6 Suspeita de asfixia crônica relação L–E <2, repetir a prova em 4 a 6 horas. Se oligoidrâmnio, induzir
ao parto.
4 Suspeita de asfixia crônica Se idade gestacional >32 semanas, induzir ao parto.
Estender o tempo de prova. Se <32 semanas, repetir a prova. Se persistir
0a2 Forte suspeita de asfixia
<4, realizar o parto.
Relação L-E: relação lecitina–esfingomielina.

C - Dopplervelocimetria
A dopplervelocimetria visa à avaliação indireta da função placentária (insuficiência placentária) e da resposta
fetal a hipoxemia. Esse exame possibilita, de forma não invasiva, estudar a hemodinâmica fetal em resposta ao
déficit de oxigenação.
A dopplervelocimetria pode ser utilizada para avaliar as circulações materna (artérias uterinas), fetoplacentária
(artérias umbilicais) e fetal (artéria cerebral média, aorta abdominal, artérias renais, ducto venoso e seio transverso).
Apesar de não existirem evidências sobre efeitos prejudiciais da utilização da ultrassonografia e da doppler-
velocimetria na gestação, orienta-se a identificação da imagem bidimensional com posterior acionamento do dis-
positivo Doppler colorido e pulsado pelo menor tempo necessário, evitando os possíveis, mas improváveis, danos
biológicos.

D - Modalidades de aparelhos de ultrassonografia com dispositivo Doppler


a) Doppler contínuo
O Doppler contínuo restringe-se à monitorização da FCF. Inicialmente, essa modalidade era aplicada para obter
sonogramas de artérias umbilicais, mas foi gradualmente substituída pelo Doppler pulsátil.
b) Doppler pulsátil
O Doppler pulsátil é empregado em conjunto com a ultrassonografia bidimensional, em tempo real. Tem a gran-
de vantagem de permitir a identificação anatômica do vaso a ser estudado, o que permite, ao acionar o dispositivo
Doppler, ter a informação hemodinâmica de determinada circulação.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 183

c) Mapeamento colorido do fluxo sanguíneo


O mapeamento colorido do fluxo sanguíneo permite a avaliação hemodinâmica qualitativa, que inclui a identifi-
cação da presença do fluxo sanguíneo e a direção dele.
d) Obtenção de sonogramas
Para a obtenção dos sonogramas de determinado vaso, deve-se sempre:
Identificar com precisão o vaso a ser estudado, utilizando mapeamento colorido do fluxo sanguíneo, caso
necessário;
Verificar a normalidade da FCF (de 110 a 160bpm). A bradicardia e a taquicardia podem alterar os sonogra-
mas, invalidando os seus resultados;
Comprovar a ausência de movimentação torácica fetal no momento do exame, já que a presença desses
movimentos altera a pressão intratorácica e, consequentemente, a hemodinâmica fetal;
Atentar-se ao local de insonação das artérias umbilicais; quanto mais próximo à placenta, menor a resistência.
e) Técnica para a obtenção de sonogramas
Artérias umbilicais: a avaliação deve ser realizada próximo à inserção do cordão umbilical na placenta;
Artéria cerebral média: quando identificado o polígono de Willis, detectam-se facilmente as artérias cere-
brais médias e os ramos mais calibrosos da artéria carótida interna. Deve-se insonar a emergência do vaso
situado no hemisfério mais próximo ao transdutor;
Ducto venoso: em corte transversal do abdome fetal, quando visualizada a veia umbilical, nota-se a origem
do ducto venoso, local onde deve ser obtido o sonograma.
f) Interpretação dos sonogramas
A maioria dos índices utilizados para a avaliação dos sonogramas considera velocidades máximas e mínimas e a
avaliação de todo o ciclo cardíaco com estudo da velocidade média. O estudo do sonograma pode ser feito de forma
qualitativa (forma da onda) ou quantitativa (utilização de índices).

55 Pesquisa de maturidade fetal

1. Introdução
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos órgãos e sistemas fetais que, no processo
fisiológico normal, se completa entre 37 e 40 semanas de gestação. A maturidade do sistema respiratório fetal
ocorre em torno da 35ª semana de gestação, quando as adaptações anatômicas e funcionais permitem ao recém-
-nascido prematuro sobreviver no ambiente extrauterino.

2. Desenvolvimento pulmonar fetal


O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos: embrionário, pseudoglandular, canalicular, sacular
e alveolar.

3. Surfactante
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar ocorra adequadamente durante a inspiração
e impedem o colapso alveolar durante a expiração. Seu mecanismo de ação baseia-se na diminuição da tensão
superficial da parede dos alvéolos, principalmente nos de menores dimensões, que tenderiam ao colabamento no
final da expiração.
184 INTENSIVO

Fatores que podem interferir na maturidade pulmonar


Retardo da maturidade pulmonar
- Diabetes mellitus;
- Bloqueadores beta-adrenérgicos;
- Antagonistas colinérgicos;
- Isoimunização Rh;
- Sífilis;
- Feto anencefálico;
- Toxoplasmose;
- Nefropatia intrínseca.
Aceleração da maturidade pulmonar
- Glicocorticoides;
- Hormônios tireoidianos;
- Agonistas beta-adrenérgicos;
- Aminofilina;
- Tiroxina;
- Prolactina, estrogênio, hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e análogos do TRH;
- Prostaglandinas;
- Hipertensão arterial crônica;
- Restrição do crescimento fetal;
- Infarto placentário;
- Hemoglobinopatias;
- Doenças cardiovasculares;
- Amniorrexis prematura;
- Uso crônico de heroína;
- Gemelaridade.

4. Métodos de avaliação da maturidade fetal

A - Clínicos
Os métodos clínicos fornecem subsídios para estimar a idade gestacional e a provável maturidade fetal. Os
métodos utilizados são:
a) Data da última menstruação
O conhecimento da data da última menstruação em mulheres com ciclos regulares, sem uso de anovulatório,
representa um dado importante para avaliar a correta idade gestacional e estimar a data provável de parto.
b) Ausculta dos batimentos cardíacos fetais
O estetoscópio de Pinard permite ausculta a partir da 20ª semana de gestação; por meio do sonar Doppler, é
possível a ausculta a partir da 12ª semana de gestação.
c) Percepção da movimentação fetal
É possível a partir da 16ª semana, sendo mais comum a sua detecção a partir da 20ª semana de gestação.
d) Mensuração da altura uterina
O crescimento do útero é proporcional à idade gestacional; a partir da 18ª semana, o útero aumenta 0,9cm por
semana até o termo.
A ausculta do batimento cardíaco fetal, a percepção da movimentação fetal e a medida da altura uterina podem
ser influenciadas pela obesidade materna, presença de macrossomia fetal, alteração do volume do líquido amnió-
tico ou gestação múltipla.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 185

B - Laboratoriais – análise do líquido amniótico (amniocentese)


a) Características físicas do líquido amniótico
O líquido amniótico apresenta-se inicialmente amarelado, tornando-se claro e límpido a partir da 28ª à 32ª
semana, quando começa a apresentar grumos em quantidade crescente e adquire aspecto opalescente. Frequente-
mente, na 38ª semana de gestação, contém muitos grumos, traduzindo a maturidade fetal.
b) Bioquímica do líquido amniótico
Creatinina: surge no líquido amniótico na 1ª metade da gestação por meio da difusão simples da pele fetal,
cordão e âmnio. Com a evolução da gestação, o rim torna-se a fonte dessa substância. A maturidade fetal
está presente quando há valores >1,8mg% e a relação creatinina no líquido amniótico–creatinina no soro
materno é superior a 2;
Fosfolípides pulmonares:
Relação Lecitina–Esfingomielina (L–E): a esfingomielina é um fosfolipídio presente no líquido amniótico
e não está relacionado com a maturidade pulmonar, e sua concentração diminui da 32ª semana até o
termo. Com a lecitina, ocorre o contrário, o que permite uma relação muito útil para estimar a maturida-
de pulmonar. Quando a relação L–E é maior do que 2, o risco de síndrome do desconforto respiratório é
muito pequeno. Seu uso é bastante difundido e considerado padrão-ouro para a avaliação da maturidade
pulmonar;
Perfil pulmonar: trata-se de um teste que inclui a relação L–E, a porcentagem de fosfatidilcolina satura-
da e a presença de fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol. O estudo dos fosfolípides pulmonares mostrou a
importância de fosfatidilcolina, fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol para melhor adequação da fisiologia
respiratória do recém-nascido.
c) Teste de Clements
Este teste baseia-se na habilidade do surfactante pulmonar em formar uma superfície estável que pode as-
segurar a permanência de uma bolha intacta na interface ar-líquido na presença do etanol. O etanol é utilizado
para afastar a possibilidade de a bolha estar estável pela presença de outras substâncias não surfactantes, como
proteínas, sais biliares ou ácidos graxos livres. A bolha é mais estável quanto maior a quantidade de substâncias
surfactantes no líquido amniótico.
Resultados falsos positivos são raros, portanto é um bom teste para identificar os casos em que a maturidade
pulmonar está presente. Entretanto, a taxa de falsos negativos pode chegar a 40%. A contaminação do líquido am-
niótico com sangue ou mecônio pode interferir nos resultados.
d) Citologia
Com azul do Nilo (índice citolipídico): tem o objetivo de identificar a proporção de células orangiófilas, que
aumenta com a idade gestacional. Essas células são originadas pela esfoliação da pele fetal recobertas por
gordura produzida pelas glândulas sebáceas, traduzindo a maturidade funcional da pele fetal e corando-se
de laranja na presença de azul do Nilo. Mistura-se 1 gota do líquido amniótico com 1 gota de sulfato azul do
Nilo a 0,1% e são contadas 500 células. Considera-se o feto maduro quando a porcentagem é maior que 10,
intermediário entre 6 e 9 e imaturo quando inferior a 6;
Com lugol: cora em castanho-escuro as células do líquido amniótico ricas em glicogênio (são células lugol-
-positivas). O percentual dessas células diminui à medida que se aproxima a maturidade fetal; valor menor
que 4% se relaciona com maturidade fetal em 89% das avaliações.

C - Biofísicos
a) Amnioscopia
A amnioscopia consiste na visualização indireta do líquido amniótico por intermédio das membranas amnióti-
cas utilizando amnioscópio, introduzido no colo uterino dilatado (dilatação superior a 1cm). A presença de grumos
grossos e o aspecto opalescente do líquido amniótico caracterizam a maturidade fetal.
b) Radiologia
A necessidade de expor o feto a radiação fez esse método ser abandonado. Quando utilizado, avaliava os ossos
longos fetais, procurando pela epífise do fêmur (surge na 32ª semana) e da tíbia (surge depois da 35ª semana).
186 INTENSIVO

c) Ultrassonografia
Efetiva para avaliar a idade gestacional e a provável presença de maturidade fetal.
Os parâmetros utilizados são:
Comprimento cabeça–nádegas: essa medida do embrião/feto apresenta erro de 3 a 7 dias quando medido
até a 13ª semana de gestação;
Diâmetro biparietal: entre a 14ª e a 26ª semanas, estima a idade gestacional com erro de 7 a 11 dias;
Núcleos de ossificação: a visualização e a medida de núcleos de ossificação dos ossos longos (fêmur, tíbia e
úmero) servem como parâmetro na avaliação da idade gestacional: fêmur (núcleo de ossificação distal – 32
semanas); tíbia (núcleo de ossificação proximal – 35 semanas) e úmero (núcleo de ossificação distal – 38
semanas);
Presença de grumos no líquido amniótico: a descrição de múltiplas partículas com densidade linear entre 1 e
5mm de comprimento, suspensas no líquido amniótico, indicaria a presença de grumos e, consequentemente,
de maturidade fetal;
Pulmão fetal: a ecogenicidade do pulmão fetal aumenta com a maturidade, em virtude do aumento de in-
terfaces acústicas advindas do aumento no número de alvéolos pulmonares fetais; método subjetivo, pouco
usado na prática clínica;
Maturidade placentária: a placenta é classificada em graus (zero, I, II e III), de acordo com a classificação de
Grannum, representando a evolução da maturação placentária e da maturidade fetal. Em gestações normais,
a evolução da maturidade placentária pode se associar à maturidade pulmonar fetal.

56 Restrição do crescimento fetal

1. Introdução
Define-se Restrição do Crescimento Fetal (RCF) ou crescimento intrauterino restrito quando o peso fetal
estimado pela ultrassonografia obstétrica é inferior ao percentil 10 para a idade gestacional;
É a 2ª principal causa de morbidade e mortalidade perinatal;
A RCF traduz a existência de um processo patológico capaz de modificar o potencial de crescimento fetal e
promover alterações importantes no Recém-Nascido (RN); nem todos os RNs com percentil <10 têm caracte-
rísticas patológicas. Alguns são constitucionalmente pequenos;
A morbidade perinatal é maior entre os RNs com RCF: hipóxia, aspiração de mecônio, hipoglicemia, hipocalce-
mia, policitemia, hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor.
Pode-se classificar a RCF em 3 tipos:

- A causa ocorre logo no início da gravidez;


Tipo I - O RN é pequeno, porém suas medidas são proporcionais;
(simétrico) - Fatores envolvidos: genética, infecções congênitas, drogas e radiações ionizantes; não sendo a
forma mais comum, com prognóstico ruim.
- A causa ocorre no feto por volta do 3º trimestre da gestação;
- RN com medidas desproporcionais, sendo o abdome o mais comprometido;
Tipo II
(assimétrico) - Fatores envolvidos:
· Insuficiência placentária, fatores fetais;
· Forma mais frequente, com bom prognóstico.
- A causa ocorre no 2º trimestre da gestação;
Tipo
- O RN apresenta defeitos em ossos longos e crânio;
intermediário
- Fatores envolvidos: desnutrição e utilização de alguns fármacos, tabagismo e álcool.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 187

2. Etiologia
Divisão em fetal, materna ou placentária:
Causas fetais: alterações genéticas (cromossomopatias, triploidias, síndrome de Turner e mosaicismos), de-
feitos do tubo neural, acondroplasia, condrodistrofias, osteogênese imperfeita, demais malformações;
Causas maternas: infecções congênitas por vírus, bactérias ou protozoários; uso de drogas e substâncias
tóxicas, tabagismo, radiações ionizantes, desnutrição, doenças clínicas (anemia, síndromes hipertensivas,
cardiopatias, diabetes, lúpus);
Causas placentárias: patologias placentárias (placenta prévia, placenta circunvalada, corioangiomas, inser-
ção velamentosa de cordão, artéria umbilical única), transferência placentária deficiente (presença de trom-
bos e infartos placentários).

3. Diagnóstico
Deve-se avaliar, em conjunto, 3 parâmetros principais, além da anamnese minuciosa:
O exame físico materno deve incluir o ganho de peso. Este poderá ser guia com relação ao crescimento fetal;
A medida da altura uterina é um método de screening que vai estabelecer se há RCF. Porém, na presença
de algumas situações, como gestação gemelar, polidrâmnio, situação transversa e obesidade extrema, pode
gerar erro no valor da medida;
A ultrassonografia deverá ser realizada para obter valores como diâmetro biparietal, Circunferência Cefálica
(CC), Circunferência Abdominal (CA), relação CC–CA, comprimento do Fêmur (F), relação F–CA, estimativa de
peso fetal e medida do volume do líquido amniótico.

4. Conduta assistencial
Nos dias de hoje, ainda não existe tratamento para deter a evolução da RCF;
Caso haja conhecimento da etiologia da RCF, deve-se iniciar o seu tratamento específico;
A ultrassonografia morfológica fetal e a ecocardiografia fetal devem ser realizadas na presença de RCF antes
da 28ª semana;
No último trimestre, normalmente, a etiologia da RCF é devida a insuficiência placentária; portanto, o acom-
panhamento da vitalidade fetal é sempre muito importante;
Cardiotocografia anteparto, perfil biofísico fetal e dopplervelocimetria são bons métodos para avaliação fetal
e prognóstico da RCF.

Figura 1 - Decisões para restrição de crescimento fetal


188 INTENSIVO

5. Assistência ao parto
Na maioria dos casos, a via de parto será escolhida dependendo da situação em que o feto se encontra, porém,
em casos de malformações fetais incompatíveis com a vida, o parto vaginal é priorizado.
Quando se optar pela via vaginal, deve-se proceder normalmente, porém sempre se lembrar de manter o con-
trole da vitalidade fetal, ponderar peso >1.500g (discutível nas evidências científicas atuais) e o feto ter boa oxige-
nação.

57 Oligoâmnio e polidrâmnio

1. Introdução
O líquido amniótico é essencial para o adequado desenvolvimento do feto. As principais funções desse líqui-
do são proteção fetal contra traumas externos, manutenção da temperatura fetal, participação no mecanismo de
crescimento e de movimentação normal do feto, participação na homeostase bioquímica fetal, desenvolvimento e
maturação normais dos pulmões e, no trabalho de parto, proteção do feto contra o efeito das contrações, além de
auxílio na dilatação do colo uterino.

2. Origem e composição do líquido amniótico


Aproximadamente 6 dias após a ovulação, o óvulo fertilizado se encosta no endométrio, dando início à im-
plantação. Por volta do 8º dia de desenvolvimento, o trofoblasto do polo embrionário se diferencia em 2 camadas
celulares distintas: sincício e citotrofoblasto. Entre este último e o disco embrionário, aparecem pequenos espaços
que confluem para formar a cavidade amniótica. À medida que o embrião se desenvolve, essa cavidade, repleta de
líquido amniótico, cresce gradualmente à custa da cavidade coriônica e chega a circundar por completo o embrião
e obliterar o espaço coriônico.
O líquido amniótico é formado de 98 a 99% de água e de 1 a 2% de material sólido. Cerca da metade dos sólidos
é formada por constituintes orgânicos, dos quais aproximadamente 50% são proteínas. Os constituintes inorgânicos
se assemelham àqueles do fluido extracelular.

Vias de produção e reabsorção do líquido contido no saco amniótico


- Deglutição fetal seguida de absorção intestinal*;
- Fluido pulmonar**;
- Produção urinária fetal**;
- Trocas por meio da membrana amniótica;
- Trocas por intermédio das membranas que revestem a placenta, o cordão umbilical e a pele fetal*;
- Secreções das cavidades oral e nasal.
* Principais vias de reabsorção do líquido amniótico.
** Principais fontes de líquido amniótico.

3. Oligoâmnio

A - Definição
O oligoâmnio caracteriza-se pela diminuição da quantidade de líquido amniótico, incide em aproximadamente
4% das gestações e é considerado entre a 21ª e a 42ª semanas de gestação, quando o volume do líquido amniótico
é inferior a 250mL.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 189

B - Etiologia
As principais causas determinantes da diminuição do volume amniótico são rotura prematura de membranas,
insuficiência placentária e presença de anomalias congênitas fetais.

C - Prognóstico
O oligoâmnio relaciona-se, com frequência, a resultado perinatal desfavorável, seja em razão da doença de base
que o determinou, seja em decorrência de seu efeito mecânico sobre o concepto.

D - Diagnóstico
O diagnóstico clínico é difícil. A suspeita clínica ocorre sempre que a altura uterina é incompatível com a espe-
rada para a idade gestacional, especialmente se está associada a acentuada redução da movimentação fetal e fácil
percepção das partes fetais à palpação obstétrica.
A ultrassonografia tornou possível estimar o volume de líquido amniótico. Para a obtenção do Índice de Líquido
Amniótico (ILA), divide-se o útero em 4 quadrantes, por meio de 2 linhas imaginárias, perpendiculares, traçadas ao
nível da cicatriz umbilical materna, sendo a vertical posicionada sobre a linha nigra. O valor do ILA inferior a 5cm
está relacionado ao pior prognóstico da gestação, havendo correlação direta entre a diminuição do volume amnióti-
co, a não reatividade fetal à cardiotocografia e a presença de desacelerações da frequência cardíaca fetal.

E - Conduta
Perante o diagnóstico ultrassonográfico do oligoâmnio, é obrigatório pesquisar as causas determinantes da al-
teração, especialmente a presença de malformações fetais. A ausência ou a acentuada redução do volume de líquido
amniótico dificultará a avaliação ultrassonográfica. Quando for afastada a presença de alterações morfológicas, deve-
rá ser dada atenção especial à possível presença de restrição do crescimento fetal. É obrigatória a avaliação frequente
da vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal e da dopplerfluxometria dos compartimentos placentário e fetal.
É muito importante o controle das doenças maternas associadas ao oligoâmnio, especialmente da hipertensão
arterial. A desidratação materna também pode estar relacionada à diminuição do volume de líquido. A hidratação
oral da gestante pode aumentar o ILA em aproximadamente 30%.

Fatores associados à etiologia do oligoâmnio


Fetais
- Anomalias congênitas (principalmente a agenesia renal bilateral);
- Restrição do crescimento fetal (relaciona-se com hipoxemia fetal, isquemia do território renal e menor diurese do feto).
Maternos
- Distúrbios da placenta: colagenoses/síndrome antifosfolípide; síndromes hipertensivas; diabetes com vasculopatia;
pneumopatias restritivas;
- Desidratação;
- Drogas (inibidores da enzima conversora de angiotensina, inibidores da síntese de prostaglandinas).
Placentários
Síndrome de transfusão fetofetal
Outros
- Amniorrexis prematura;
- Idiopático;
- Pós-datismo/gestação prolongada.

4. Polidrâmnio
A - Definição
A definição de polidrâmnio é um tanto controversa. Alguns o definem como volume de líquido amniótico supe-
rior a 2.000mL no momento da resolução da gestação, há quem considere volume superior a 3.000mL, e outros o
definem como a quantidade de líquido amniótico em dobro da esperada para a idade gestacional.
190 INTENSIVO

B - Etiologia
O excesso de líquido amniótico associa-se a algumas doenças, com destaque para certas infecções, diabetes
mellitus, doença hemolítica perinatal e gemelaridade. Também existe a correlação entre o aumento do volume do
líquido amniótico e as malformações fetais.

Causas de polidrâmnio
Fetais
- Obstruções gastrintestinais;
- Anomalias do sistema nervoso central;
- Tórax com desvio do mediastino;
- Arritmias cardíacas;
- Displasias esqueléticas;
- Infecções congênitas;
- Hidropisia fetal não imune;
- Tumores fetais.
Maternas
- Diabetes mellitus;
- Aloimunização.
Placentárias
- Síndrome de transfusão fetofetal;
- Corioangioma.
Idiopáticas (40 a 60%)

C - Prognóstico
O polidrâmnio está relacionado ao aumento da morbimortalidade perinatal, em virtude de sua coexistência
com maior número de malformações fetais, elevados índices de prematuridade, maior frequência de alterações
cromossômicas, prolapso de cordão, descolamento prematuro de placenta ou é decorrente da doença materna
determinante do quadro, especialmente a isoimunização pelo fator Rh e o diabetes mellitus.

D - Diagnóstico
Deve-se suspeitar, ao diagnóstico clínico, sempre que a altura uterina é maior do que a esperada para a idade
gestacional, especialmente quando a paciente refere diminuição da movimentação fetal e há dificuldade de palpar
partes fetais e de realizar a ausculta fetal.

E - Conduta
O polidrâmnio leve raramente requer tratamento. Graus moderados, com algum desconforto, podem ser acom-
panhados sem procedimentos invasivos. A avaliação rigorosa das condições fetais é obrigatória. Na presença de
dispneia, dor abdominal intensa ou dificuldade para deambular, a internação pode ser necessária. Repouso e seda-
ção podem ser utilizados paliativamente, pois não há outra terapêutica satisfatória para o polidrâmnio sintomático
além da remoção do excesso de líquido amniótico por meio de amniocentese.
A redução do volume de líquido amniótico, quando indicada, deve ser realizada até que a altura uterina esteja
compatível com a idade gestacional ou se obtenha ILA compatível com a normalidade para a idade gestacional.
Quantidade de líquido amniótico – critério: maior bolsão
Classificação Medida do bolsão
Oligoidrâmnio grave <1cm
Oligoidrâmnio <2cm
Líquido amniótico reduzido 2 a 3cm
Líquido amniótico normal 3 a 8cm
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 191

Quantidade de líquido amniótico – critério: maior bolsão


Classificação Medida do bolsão
Polidrâmnio >8cm
Fonte: Zugaib e colaboradores. Protocolos Assistenciais da Clínica Obstétrica – FMUSP, 5ª edição.

Classificação do índice de líquido amniótico (modificada de Rutherford et al., 1987)


Classificação Medida da somatória dos 4 bolsões
Oligoidrâmnio grave <3cm
Oligoidrâmnio ≤5cm
ILA reduzido 5,1 a 8cm
ILA normal 8 a 18cm
ILA aumentado 18,1 a 25cm
Polidrâmnio >25cm
Fonte: Zugaib e colaboradores. Protocolos Assistenciais da Clínica Obstétrica – FMUSP, 5ª edição.

58 Amniorrexis prematura

1. Introdução
Trata-se da rotura espontânea das membranas amniótica ou coriônica antes do início do trabalho de parto,
independente da idade gestacional.
Chama-se de período de latência o intervalo entre a rotura espontânea e o início do trabalho de parto. Esse
período varia em razão inversa à idade gestacional em que ocorre a ruptura. Será pré-termo quando ocorrer antes
de 37 semanas – a evolução para o trabalho de parto ocorrerá em até 7 dias na maioria dos casos –, e será a termo
quando a rotura ocorre após 37 semanas; nestas situações, a maioria das pacientes evolui para trabalho de parto
em até 24 horas.

2. Etiologia
A etiologia é multifatorial. São fatores que alteram a estrutura das membranas:
Hiperdistensão uterina (polidrâmnio, gemelaridade);
Fatores mecânicos (contrações uterinas, movimentação fetal);
Alteração da integridade cervical (incompetência cervical);
Fatores intrínsecos (deficiência de alfa-1-antitripsina, síndrome de Ehlers-Danlos);
Alteração da oxigenação tecidual (tabagismo);
Diminuição da atividade imunológica bactericida do líquido amniótico.
O principal fator etiológico relaciona-se com infecção ascendente da flora vaginal. Os principais agentes etioló-
gicos são Streptococcus do grupo B, Gardnerella vaginalis, Neisseria gonorrhoeae, E. coli, Bacteroides sp., pepto-
estreptococos e Enterococcus.

3. Diagnóstico

A - Clínico
A queixa clínica deve ser sempre valorizada. Em 80 a 90% das vezes, o diagnóstico é clínico;
Perda de líquido (momento da perda, quantidade, aspecto, odor, coloração);
192 INTENSIVO

Dor no baixo-ventre;
Quando houver corioamnionite:
Secreção vaginal fétida;
Febre;
Taquicardia;
No exame físico:
Inspeção da vulva (saída de líquido pela rima vulvar);
Exame especular (saída de líquido amniótico pelo orifício cervical: claro, com ou sem grumos, mecônio);
Manobra de Tarnier: elevação da apresentação do fundo uterino;
Altura uterina menor do que o esperado.

B - Laboratorial
a) Medida do pH vaginal (normal = 4,5 a 6)
Fenol torna-se vermelho – pH >7 (coloração rósea);
Papel de nitrazina – pH >6 (coloração azul).
b) Exame microscópico para pesquisa de produtos fetais no líquido amniótico
Teste do azul do Nilo 1% (células orangiófilas, a partir de 32 semanas);
Teste de Ianneta: coleta de material do fundo de saco vaginal. Coloca-se na lâmina e o aquece: então, se a
secreção é amarronzada, ausência de líquido; se a secreção é incolor, líquido amniótico;
Cristalização do conteúdo vaginal: coleta de material da vagina ao microscópio óptico, formação arboriforme
(“folha de samambaia”) = líquido amniótico.
c) Alfa-1-microglobulina placentária
O melhor teste para confirmação de amniorrexis prematura é a pesquisa de alfa-1-microglobulina (PAMG-1)
placentária em meio vaginal. A PAMG-1 é uma proteína abundante no líquido amniótico, mas escassa na vagi-
na; quando detectada nas secreções vaginais coletadas durante exames ginecológicos, é altamente sensível
para o diagnóstico de ruptura de membranas ovulares. O nome comercial do teste é AmniSure®.

C - Imagem
Funções da ultrassonografia:
Avaliação do Índice de Líquido Amniótico (ILA):
* 8 a 18: normal;
* <8: diminuído;
* <5: oligoâmnio.
Idade gestacional;
Grau da placenta;
Perfil biofísico fetal;
Deformidades esqueléticas (mais comum em roturas prematuras com extrema prematuridade – idade
gestacional <24 semanas);
Hipoplasia pulmonar (mais comum em roturas prematuras com extrema prematuridade – idade gestacio-
nal <24 semanas).

4. Complicações
Oligoidrâmnio e aumento do risco de deformidades: orelhas dobradas, nariz achatado, pele enrugada, pé
torto e contraturas musculares;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 193

Hipoplasia pulmonar: antes da 24ª semana de gestação;


Prematuridade;
Corioamnionite, que pode levar a quadro de sepse materna e, se não tratada, até morte da gestante. A infec-
ção fetal predispõe a pneumonia, sepse e infecção do trato urinário no período neonatal;
Hipóxia e asfixia fetal por compressão funicular decorrente da diminuição do volume do líquido amniótico.

5. Conduta
Corticoterapia (benefício fetal):
Betametasona 12mg, IM, 2 doses, com intervalo de 24 horas;
Aceleração da maturação pulmonar fetal (diminui síndrome da angústia respiratória aguda);
Diminuição de enterocolite necrosante, leucomalácia periventricular, hemorragias intraventriculares.
Antibioticoterapia:
Melhora os resultados perinatais;
Reduz risco de:
* Parto pré-termo em 1 semana (aumenta o tempo de latência);
* Infecções maternas;
* Infecção neonatal.
Vários esquemas propostos:
Antibiótico derivado da penicilina + macrolídeo (por 7 dias);
Ampicilina por 48 horas, seguida por 5 dias de amoxicilina 500mg VO, 8/8h, ou 875mg VO, 12/12h, de
azitromicina 1g VO, em dose única.

Avaliação do estado fetal


- Ausculta de batimentos cardiofetais 2 a 3 vezes ao dia;
- Contagem de movimentos fetais pela mãe 2 vezes ao dia (após almoço e jantar);
- Cardiotocografia diária ou no mínimo 2 vezes por semana;
- Perfil biofísico fetal diário para gestantes com ILA <5cm e 2 vezes por semana para gestantes com ILA >5cm;
- Avaliação de volume do líquido amniótico por ecografia de 2 em 2 dias.

Indicação de resolução da gestação


- Alteração da vitalidade fetal;
- Diagnóstico de infecção intra-amniótica;
- Idade gestacional: 34 semanas.

- Corioamnionite
Interrupção da gestação;
Contraindicação de corticosteroides;
Hipertermia >37,8°C;
Leucocitose materna ascendente;
Sensibilidade ou dor à mobilização uterina;
Taquicardias materna e/ou fetal;
Odor fétido no líquido amniótico;
Tratamento:
Clindamicina + gentamicina;
Ampicilina + gentamicina + metronidazol.

Observação
Deve-se manter o antibiótico até 48 horas sem febre.
194 INTENSIVO

Figura 1 - Decisões para o manejo da rotura prematura de membranas

59 Prematuridade

1. Introdução
Definição pela Organização Mundial da Saúde: todo Recém-Nascido (RN) vivo com menos de 37
Prematuro
semanas completas de gestação
RN de baixo peso Com menos de 2.500g, não importando a idade gestacional

Fatores de risco
Obstétricos
- Infecção amniótica;
- Rotura prematura de membranas;
- Alterações hormonais;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 195

Fatores de risco
Obstétricos
- Sangramentos vaginais de 1ª e 2ª metades;
- Placenta prévia;
- Descolamento prematuro de placenta;
- Incompetência cervical;
- Gemelaridade/polidrâmnio;
- Malformações fetais e placentárias;
- Partos prematuros anteriores (um dos principais indicadores de risco).
Ginecológicos
- Amputação do colo uterino;
- Malformações uterinas;
- Miomas.
Epidemiológicos
- Baixo nível socioeconômico;
- Desnutrição;
- Gravidez indesejada;
- Estresse;
- Assistência pré-natal inadequada;
- Fumo;
- Drogas.
Clínico-cirúrgicos
- Doenças maternas;
- Procedimentos cirúrgicos na gravidez.
Iatrogênicos
Agendamento de parto antes da 37ª semana de gestação

2. Identificação do risco e manejo no trabalho de parto


prematuro
Devem-se analisar:
Mudanças da contratilidade uterina: contrações rítmicas e frequentes, características do trabalho de parto;
Mudanças bioquímicas que sugiram parto prematuro. Fibronectina fetal: uma glicoproteína de alto peso
molecular produzida pelo trofoblasto, cuja função é assegurar a aderência do blastocisto à decídua. Nor-
malmente, está presente no conteúdo cervicovaginal durante as primeiras 20 semanas de gestação. Após a
22ª semana, ocorre a fusão do âmnio com o cório, e a fibronectina desaparece da vagina até a 36ª semana, a
menos que haja rotura de membranas, presença de fator mecânico que separe o cório da decídua ou diante
de um processo inflamatório, infeccioso ou isquêmico na interface materno-fetal. O valor preditivo negativo
é elevado, que varia de 81 a 96%, fato que a torna muito útil para afastar o risco de parto prematuro nas 2 a
3 semanas seguintes à realização do teste. Além de tudo isso, é aplicada basicamente em 2 grupos:
Gestantes sintomáticas, com queixas de contrações uterinas;
Gestantes assintomáticas, mas de alto risco para prematuridade (antecedente de parto prematuro espon-
tâneo e gestação gemelar).
Coleta: deve ser realizada em gestantes apenas nas seguintes condições:
Idade gestacional entre 22 e 36 semanas;
Bolsa íntegra;
Dilatação cervical <3cm;
Ausência de sangramento genital;
Ausência de relação sexual nas últimas 24 horas.
Características do colo uterino: quando o comprimento do colo é inferior a 25mm (para alguns autores,
20mm) e há dilatação, é considerado de alto risco para prematuridade; nesses casos, deve-se proceder a
repouso, uso de progesterona e, quando necessário, circlagem, abstinência sexual e pesquisa de infecções
geniturinárias;
196 INTENSIVO

O Ministério da Saúde do Brasil preconiza que, para aquelas que apresentam comprimento cervical de 15mm
ou menos em ultrassonografia transvaginal realizada entre 20 e 25 semanas, independentemente de fatores
de risco presentes, deve ser considerado o uso de 200mg de progesterona vaginal diariamente até pelo
menos 34 semanas;
O uso da progesterona também é preconizado nas gestações únicas com história de parto prematuro espon-
tâneo anterior.

3. Condução do trabalho de parto prematuro


Caso não haja condições para a inibição do trabalho de parto prematuro, deve ser realizado o parto. A escolha
da via, por sua vez, dependerá das condições maternas, como integridade das membranas ovulares, e das condições
fetais, como apresentação fetal.
Identificado o trabalho de parto verdadeiro, deve-se considerar se há condições favoráveis para inibir o trabalho
de parto, ou seja, se o ambiente intrauterino não está em condições desfavoráveis para manter a gestação. Se as
condições são favoráveis para a inibição das contrações uterinas, deve-se proceder a hidratação parenteral e repou-
so absoluto e, quando necessário, iniciar o uso de tocolíticos.
Condições ao uso de tocolíticos
- Período de latência do trabalho de parto;
- Dilatação cervical <3cm;
- Esvaecimento não pronunciado;
- Idade gestacional entre 22 e 34 semanas;
- Contrações uterinas rítmicas.

Contraindicações à tocólise
- Óbito fetal;
- Sofrimento fetal;
- Malformações fetais incompatíveis com a vida;
- Restrição do crescimento fetal;
- Rotura das membranas ovulares;
- Infecção amniótica;
- Descolamento prematuro da placenta;
- Placenta prévia sangrante;
- Síndrome hipertensiva grave;
- Diabetes insulinodependente instável;
- Cardiopatias descompensadas;
- Hipertireoidismo;
- Anemia falciforme.

A - Uterolíticos
O uso de agentes tocolíticos ou de inibidores das contrações uterinas deve ser iniciado assim que o diagnóstico
de trabalho de parto prematuro for realizado, respeitadas as contraindicações para o seu uso. O principal objetivo
da tocólise é ganhar tempo necessário para a ação da corticoterapia e/ou transporte materno-fetal com segurança.
A seguir, os principais uterolíticos:
Beta-agonistas:
Terbutalina, salbutamol, isoxsuprina, fenoterol e ritodrina, que atuam no relaxamento da fibra muscular
uterina. Essas drogas, por atravessarem a placenta, podem causar alguns efeitos colaterais no feto, dentre
eles taquicardia, hiperinsulinismo, hipoglicemia, hipocalemia e hipotensão arterial.
Nifedipino (1ª escolha – Ministério da Saúde):
As contraindicações são: hipotensão materna (pressão arterial <90x50mmHg) e bloqueio atrioventricular.
Sulfato de magnésio:
Trata-se de uma opção quando não se pode utilizar o beta-agonista, agindo na fibra muscular como um
antagonista do cálcio;
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 197

Pode ser utilizado em:


* Gestações com menos de 30 semanas;
* Imediatamente antes do parto;
* Observação: não consta no protocolo do Ministério da Saúde.
Inibidores de prostaglandinas:
Agem na enzima cicloxigenase, inibindo-a. Uma droga exemplar dessa categoria é a indometacina.
Antagonistas da ocitocina:
Atosibana;
Menos efeitos colaterais;
Alto custo.

B - Corticoterapia
A principal teoria admite que os corticosteroides atuam em receptores pulmonares fetais, levando à produção
de fosfatidilcolina, o principal componente do surfactante.
Corticoterapia
- Deve ser administrada entre a 23ª e a 34ª semanas de gestação;
- Age no pneumócito II, estimulando a produção de surfactante pulmonar;
- Diminui o risco de membrana hialina, hemorragia intracraniana e síndrome da angústia respiratória;
- Betametasona 12mg IM, 1x/d, por 2 dias;
- Dexametasona 6mg IM, 12/12h, por 2 dias;
- Idealmente, realizar apenas 1 ciclo e, no máximo, 2;
- Utilizada em conjunto com beta-agonistas, parece aumentar o risco de edema pulmonar; utilizar após a tocólise.

C - Neuroproteção
Sabe-se que a prematuridade é importante fator de risco para paralisia cerebral, cujo risco é maior quanto
mais prematura a gestação. Mesmo os fetos saudáveis, porém prematuros, pertencem ao grupo de risco para
lesão cerebral;
O uso do sulfato de magnésio na neuroproteção de prematuros é estudado desde a década de 1980, quando
alguns estudos descreveram a menor incidência de lesões do sistema nervoso central em recém-nascidos
de gestantes com doença hipertensiva específica da gestação que o receberam. Assim, certos serviços de
Neonatologia o preconizam como importante droga na prevenção de paralisia cerebral em prematuros. Não
faz parte do protocolo do Ministério da Saúde do Brasil.

4. Profilaxia de estreptococo do grupo B


Flora vaginal/retal;
Transmissão durante trabalho de parto;
Morbidade/mortalidade neonatal;
Cultura perineal com 35 a 37 semanas de gestação para pesquisa de colonização:
Fatores de risco:
* Parto prematuro;
* Rotura Prematura das Membranas Ovulares (RPMO) >18 horas;
* Febre durante trabalho de parto;
* Infecção do trato urinário por estreptococo do grupo B (mesmo já tratada);
* RN com infecção em gestação prévia.
Antibioticoterapia (sugestões):
* Penicilina G cristalina;
198 INTENSIVO

* Ampicilina;
* Clindamicina;
* Eritromicina.
A melhor forma de evitar a infecção neonatal pelo estreptococo do grupo B é a profilaxia com antibióticos du-
rante o trabalho de parto. A profilaxia antibiótica deve ser realizada em todas as gestantes de risco (fatores listados)
ou aquelas com cultura perineal positiva.
Na maioria dos protocolos assistenciais, independentemente da estratégia para a indicação da antibioticoprofi-
laxia, bacteriúria por estreptococo do grupo B durante a gestação é sinônimo de quimioprofilaxia intraparto, inde-
pendentemente do resultado da cultura perineal (que nem é necessária nesses casos) ou do tratamento adequado
da infecção urinária. Tal conduta não é indicada pelo Ministério da Saúde do Brasil.

60 Pós-datismo e gestação prolongada

1. Introdução
Gestação prolongada (serotina, protraída, pós-termo, retardada ou pós-maturidade) é definida para gestações
que ultrapassam 42 semanas, quando classicamente há maior prejuízo materno e fetal. Entretanto, estudos realiza-
dos desde a década de 90 apontam prejuízos ao concepto mesmo antes disso e por isso têm se proposto interrup-
ção da gestação entre 41 e 42 semanas.
O termo “gestação prolongada” diferencia-se do termo pós-datismo, que na atualidade vem sendo usado para
as gestações que ultrapassam as 40 semanas.
A placenta tem duração fisiológica em torno de 280 a 300 dias. Observam-se alterações fisiológicas e acelera-
ção dos fenômenos de envelhecimento placentário no período próximo ao termo da gestação, o que pode interferir
nas trocas materno-fetais realizadas pela placenta e determinar inadequada oxigenação do produto conceptual.

2. Incidência
A incidência de pós-datismo varia entre as diversas populações, oscilando entre 3 e 14% das gestações.
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com incidência de aproximadamente 10%. Alguns fato-
res maternos e fetais estão associados e podem ser citados:
Baixas condições socioeconômicas; ciclos menstruais irregulares; antecedente de gravidez prolongada; uti-
lização de anticoncepcionais hormonais; idade materna avançada; raças gregas e italianas; malformações
fetais (anencefalia); deficiência de sulfatase placentária e excesso de produção de progesterona; fatores in-
trínsecos do miométrio e cervicais.

3. Complicações
A morbidade obstétrica é maior em gestação que atinge 40 semanas, em que se observam aumento na incidên-
cia de mecônio, macrossomia fetal, distocia do bisacromial e oligoâmnio.
Do ponto de vista neonatal, os recém-nascidos de gestação prolongada têm maior risco de apresentar, nas
primeiras horas de vida, desidratação, policitemia, hipoglicemia, distúrbios respiratórios com consequentes hipóxia
e acidose, hipovolemia e diminuição da função adrenocortical.

4. Diagnóstico
O diagnóstico está associado ao correto conhecimento da data da última menstruação. A ultrassonografia obs-
tétrica no 1º trimestre para confirmar a idade gestacional auxilia no acompanhamento pré-natal e no diagnóstico
de pós-datismo.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 199

5. Conduta assistencial
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível falência placentária, evitando principal-
mente os danos causados pela hipóxia ao produto conceptual. O índice de Bishop deve ser avaliado quando se
considera indução ao trabalho de parto. Tal índice é imprescindível para guiar a conduta a ser tomada.
Índice de Bishop modificado
0 1 2
Altura da apresentação -3 -2 -1/0
Dilatação do colo 0 1a2 3a4
Esvaecimento do colo Até 30% Até 50% >60%
Consistência do colo Firme Médio Amolecido
Posição do colo Posterior Mediano Anterior

A - Maturação cervical
A maturação cervical consiste no processo pelo qual o colo uterino se altera de uma estrutura fechada, deter-
minada a manter a gestação intrauterina, para uma estrutura macia, complacente, capaz de se dilatar e acomodar
a passagem do feto. Essas mudanças ocorrem em virtude da degradação do colágeno por ação de proteases e cola-
genases. Quando existe a necessidade de interrupção da gestação e não se observam contraindicações para o parto
vaginal, o grau de maturação cervical influenciará de forma decisiva o desfecho desse procedimento.
a) Métodos farmacológicos
Os métodos farmacológicos utilizados para a maturação cervical têm o objetivo de tornar a cérvice com Bishop
menor do que 6 em um colo mais fino, curto e dilatado, diminuindo o tempo de parto e as chances de falha na
indução. São fármacos utilizados para essa finalidade as prostaglandinas, por atuarem no colo uterino e no miomé-
trio, e seu uso aumenta a chance de o parto ocorrer dentro de 24 horas.
b) Métodos não farmacológicos
Alguns autores apontam para maior risco de infecções materna e neonatal associado ao uso dos métodos
mecânicos em comparação com os métodos farmacológicos e um aumento na incidência de corioamnionites quan-
do o cateter de Foley é utilizado isoladamente.
A sonda de Foley é o 2º método de maturação cervical mais utilizado na prática e o 1º entre os métodos
mecânicos. A dilatação cervical é provocada quando o balonete insuflado libera prostaglandinas, estimulando a
contração uterina.
As laminárias podem ser sintéticas ou naturais. As naturais, laminaria digitata e laminaria japonica, são um
método mecânico produzido a partir de algas marinhas de águas frias, pouco disponível no mercado e mais utilizado
para a expulsão de abortos.

B - Indução de trabalho de parto


A indução do trabalho de parto corresponde à estimulação de contrações uterinas em pacientes fora do traba-
lho de parto por meio do emprego de métodos específicos. Difere do uso da ocitocina na condução do trabalho de
parto, em que o objetivo é a adequação das contrações uterinas iniciadas espontaneamente para determinada fase
do trabalho de parto.
Contraindicações à indução do trabalho de parto
- Sofrimento fetal;
- Mecônio anteparto;
- Gestação múltipla;
- Cicatriz uterina anterior (cesárea, miomectomias, metroplastias);
- Vício pélvico;
- Infecção ativa por herpes genital;
- Carcinoma cervical invasivo;
200 INTENSIVO

Contraindicações à indução do trabalho de parto


- Pacientes com sorologia positiva para HIV;
- Placenta prévia;
- Apresentações anômalas;
- Macrossomia fetal;
- Desproporção cefalopélvica.

61 Infecção puerperal

1. Introdução
A infecção puerperal é responsável, ainda hoje, juntamente com as síndromes hipertensivas e síndromes he-
morrágicas, por altas taxas de morbimortalidade materna. É definida classicamente como qualquer infecção bac-
teriana do trato genital feminino no período de pós-parto recente. Ocorre, geralmente, devido à contaminação do
útero, do canal vaginal e/ou da parede abdominal com bactérias presentes na microbiota vaginal ou da pele.
Diferencia-se do termo genérico morbidade febril puerperal, pois este agrupa, além das infecções genitais, to-
dos os estados febris puerperais, que podem ter etiologia em outros sistemas, como as infecções das vias urinárias
e de vias aéreas superiores.
A morbidade febril puerperal é definida como ocorrência de temperatura de 38°C ou mais, medida por via oral
pelo menos 4 vezes por dia, com duração de 48 horas, nos primeiros 10 dias pós-parto, excluindo as 24 horas ini-
ciais. Isso porque febre baixa no 1º dia pós-parto, sem evidência de bacteriemia, geralmente se deve a uma resposta
endócrino-metabólica ao trauma ou atelectasia pós-operatória. Entretanto, caso venha a ocorrer febre alta (39°C),
esta sugere infecção grave, geralmente causada por agentes estreptocócicos do grupo B (S. agalactiae), devendo
ser prontamente tratada.

2. Incidência
A incidência de infecção puerperal varia entre 1 e 10% nos diversos trabalhos da literatura médica.

3. Fatores predisponentes
Cesárea (isoladamente o principal fator de risco, aumentando em 10 vezes a chance de infecção);
Imunossupressão;
Vulvovaginites;
Rotura prematura das membranas ovulares;
Desnutrição;
Trabalho de parto prematuro;
Múltiplos toques durante o trabalho de parto;
Hemorragia intraparto;
Monitorização intraútero;
Anemia materna;
Diabetes materno;
Obesidade materna;
Retenção de restos ovulares;
Parto operatório ou prolongado.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 201

4. Etiologia
A infecção puerperal é geralmente polimicrobiana. As bactérias frequentemente envolvidas são aquelas que
habitam o trato intestinal e colonizam o períneo, a vulva, a vagina e o colo uterino. Contudo, a bactéria mais encon-
trada e a maior causadora da sepse puerperal é aeróbia Gram negativa, a E. coli. Quando se trata de anaeróbios, o
mais encontrado é o Bacteroides fragilis e, no caso de uma infecção tardia, a Chlamydia trachomatis.

5. Quadro clínico e diagnóstico


O diagnóstico de infecção puerperal é fundamentalmente clínico e consiste em febre, taquicardia e queda do
estado geral. Dor à palpação abdominal, útero hipoinvoluído, amolecido e doloroso (tríade de Bumm) e loquiação
com odor fétido fazem parte do quadro clínico da endomiometrite.
A presença de febre, principalmente se maior do que 38,5°C, não deve ser ignorada mesmo nas primeiras 24
horas pós-parto. A infecção pode se propagar para os demais órgãos pélvicos por contiguidade (pelo miométrio) ou
continuidade (intracanalicular ascendente), promovendo quadros de salpingite ou salpingooforite.

6. Propedêutica subsidiária
Hemograma completo é um exame inespecífico, porém pode demonstrar leucocitose intensa com aumento de
formas jovens da série leucocitária e auxiliar no seguimento da paciente.
A urocultura pode auxiliar no diagnóstico diferencial. A ultrassonografia pélvica pode revelar a presença de
restos placentários, abscessos e hematomas intracavitários ou da parede abdominal.

7. Diagnóstico diferencial
Diagnóstico diferencial da febre puerperal persistente
Condições Testes diagnósticos
Endomiometrite Cultura de secreção endometrial e sangue
Infecção da incisão Exame físico, ultrassonografia, aspiração por agulha, exploração cirúrgica
Abscesso pélvico ou de parede Exame físico, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética
Predominantemente clínico, com ultrassonografia, tomografia computadorizada,
Tromboflebite pélvica
ressonância magnética e teste terapêutico com heparina

8. Tratamento
O tratamento baseia-se na prescrição de antibióticos por via intravenosa tão logo seja estabelecido o diagnós-
tico de morbidade febril puerperal e após a coleta de culturas (hemoculturas e urocultura).
Infecções de menor gravidade envolvendo períneo, vulva, vagina, cérvice e endometrite pós-parto vaginal res-
trita ao útero dispensam associações de antibióticos, sendo os mais comumente utilizados: cefalosporinas, amoxi-
cilina, ampicilina e oxacilina.
Na endometrite pós-cesárea ou naquela pós-parto vaginal com comprometimento sistêmico, a terapia deve ser
venosa, de amplo espectro e aplicada até que a paciente se mantenha afebril por 48 horas. Após a suspensão da
terapia, a paciente é monitorizada por 24 horas e, na ausência de picos febris, será considerada tratada, recebendo
alta sem medicação.
Nas lesões de maior gravidade, o recurso mais apropriado é a terapêutica antibiótica venosa associada, sendo
as combinações mais utilizadas ampicilina ou penicilina cristalina + aminoglicosídeo (gentamicina ou amicacina)
e metronidazol, sendo ineficaz contra estafilococos produtores de penicilinase; e clindamicina + aminoglicosídeo
(gentamicina), sendo ineficaz contra enterococos.

Principais antibióticos e dosagens recomendadas


Drogas Doses (via intravenosa)
Ampicilina 1 a 2g, 6/6h
Penicilina G cristalina 5.000.000UI, 4/4h
202 INTENSIVO

Principais antibióticos e dosagens recomendadas


Drogas Doses (via intravenosa)
Gentamicina 1,5mg/kg, 8/8h
Amicacina 7,5mg/kg, 12/12h
Ceftriaxona 1g, 12/12h (ou 2g, 1x/d)
Metronidazol 500mg, 8/8h
Clindamicina 600mg, 6/6h (ou 900mg, 8/8h)

62 Distúrbios psiquiátricos no puerpério

1. Blues puerperal
Blues puerperal é a desordem psiquiátrica mais comum no puerpério e afeta entre 50 e 80% das mães. Ge-
ralmente, os sintomas aparecem nas 2 primeiras semanas do puerpério e podem durar de poucas horas a dias. O
quadro clínico mais característico inclui sinais e sintomas como depressão leve/moderada, ansiedade, irritabilidade,
instabilidade do humor, confusão, cefaleia, cansaço/fadiga e déficit de memória.
Até 80% de puérperas experimentam episódio de blues puerperal. Os sintomas aparecem nas 2 primeiras se-
manas após o parto, sendo necessário, apenas, tratamento de suporte.
Pacientes acometidas por blues são de alto risco para depressão puerperal, o que torna importante o reconhe-
cimento dos fatores associados a esse quadro. Cerca de 20% das mulheres que tiveram blues puerperal evoluem
para o quadro de depressão maior no 1º ano pós-natal, o que justifica atenção especial à evolução dos sintomas
relacionados durante a gestação e o puerpério.

A - Fatores predisponentes
A causa do blues puerperal ainda não é conhecida; sabe-se que, durante a gestação, o parto e o puerpério
imediato, ocorrem grandes mudanças biológicas, e que fatores psicossociais e de personalidade estão envolvidos
nesses períodos. Já se cogitou que, dentre as causas e os fatores predisponentes para blues puerperal, o melhor
preditor para esse distúrbio seria a existência de ideias pessimistas a respeito do parto e do período imediatamente
seguinte, durante as últimas semanas de gestação.
Também são fatores de risco o passado de depressão e distúrbio disfórico menstrual, além de baixo suporte
social e conflitos com o papel materno.

B - Tratamento
Uma vez que a disforia é transitória e geralmente se resolve espontaneamente, recomenda-se apenas trata-
mento de suporte sociofamiliar.

2. Depressão puerperal
Depressão pós-parto é um episódio depressivo maior com sintomas clínicos como anedonia, desânimo per-
sistente, ansiedade, cansaço, irritabilidade, alterações de sono, sentimentos de culpa, ideação suicida, temor de
machucar o filho, diminuição do apetite e da libido, diminuição do nível de funcionamento mental e presença de
ideias obsessivas ou supervalorizadas.
A duração e a gravidade do quadro são extremamente variáveis; geralmente, o início dos sintomas ocorre na 3ª
ou na 4ª semana de puerpério, alcançando a sua intensidade máxima nos 6 primeiros meses.
Gestantes com depressão maior ao longo da vida estão mais predispostas a depressão puerperal.
SIC RESUMÃO OBSTETRÍCIA 203

A - Fatores predisponentes
Baixo nível socioeconômico e menor escolaridade são os fatores mais comumente associados à depressão pós-
-parto. Entre os fatores psicossociais com maior associação, incluem-se história de doença psiquiátrica, baixo su-
porte social, estresse, depressão diagnosticada durante o pré-natal, ansiedade pré-natal, tristeza pós-parto, baixa
autoestima, gestação não planejada, tentativa de interromper a gestação, transtorno disfórico pré-menstrual e
sentimentos negativos em relação à criança. Também são mais suscetíveis ao aparecimento de depressão puerperal
as gestantes solteiras, tabagistas ou que foram usuárias de drogas ilícitas durante a gestação.
Acredita-se que algumas mulheres apresentem sensibilidade particular às alterações hormonais que se iniciam
na menarca e que essas oscilações aumentam a vulnerabilidade aos fatores de estresse psicológicos, ambientais
e fisiológicos durante toda a menacma. Nesse grupo particular de mulheres suscetíveis, esses fatores de estresse
poderiam desencadear a manifestação de um transtorno de humor em momentos de grandes flutuações hormo-
nais, como o verificado no parto. Os baixos níveis dos hormônios ovarianos, típicos do período puerperal, poderiam
diminuir a atividade serotoninérgica central e proporcionar maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de sintomas
de humor nesse grupo de mulheres.
Alguns estudos incipientes apontam associação a deficiência de ácido graxos n-3, de vitamina B12, zinco, ferro,
selênio, ácido fólico e vitamina D6, além de uma predisposição genética para maior vulnerabilidade emocional nesse
período, sendo a prevalência de transtornos de humor ao longo da vida em familiares de 1º grau de mulheres com
depressão no puerpério muito maior do que na população geral.

B - Diagnóstico
Para o diagnóstico ser estabelecido, é necessária a apresentação dos sintomas na maior parte do dia, todos os
dias, durante pelo menos 2 semanas.
A distinção dos sintomas depressivos daqueles considerados normais durante o período pós-parto nem sem-
pre é fácil, e, para auxiliar no diagnóstico, foram desenvolvidos escalas e questionários específicos. As escalas para
rastreamento de depressão pós-parto autoaplicáveis Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) e Postpartum
Depression Screening Scale (PDSS), validadas no Brasil, podem ser usadas como um rastreio, apontando a necessi-
dade de uma avaliação mais especializada.
Embora os sintomas de depressão puerperal possam diminuir gradualmente até o 6º mês pós-parto, mesmo
sem tratamento, existe indicação formal de terapia medicamentosa.

C - Conduta
Devem ser utilizadas drogas antidepressivas para o tratamento, especialmente as que inibem seletivamente a
recaptação de serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram). A melhora dos sintomas deve ocorrer num
período inicial de 6 semanas, e o tratamento deve ser mantido por pelo menos 6 meses, a fim de prevenir recidivas.
O auxílio do psiquiatra deve ser solicitado sempre que possível. Devem ser pesquisadas ideação suicida ou infanti-
cida, e, em casos mais graves, a hospitalização psiquiátrica pode ser necessária.
Não há contraindicação à amamentação, desde que os cuidados descritos sejam tomados.

3. Psicose puerperal
Os quadros psicóticos são as alterações psiquiátricas mais graves que podem ocorrer durante o puerpério.
Considerada uma emergência psiquiátrica, tem seu início súbito, de 2 a 14 dias pós-parto. A psicose puerperal tem
características de um desajuste bipolar ou de depressão maior com traços psicóticos em até 70% dos casos. Fre-
quentemente, as puérperas acometidas apresentam sinais de confusão e desorientação (às vezes, intercalados com
momentos de lucidez), alucinações, distorção da realidade, insônia e pensamentos anormais ou obsessivos sobre
seus filhos. São comuns fantasias e ideações autoagressivas e contra o recém-nascido, com taxas de 5% de suicídio
e até 4% de infanticídio entre essas mulheres.
204 INTENSIVO

- Conduta
O desenvolvimento do quadro clínico psiquiátrico é variável. Manifestações bipolares ou esquizofrênicas são
semelhantes às que ocorrem fora do período gravídico-puerperal. Frequentemente, há necessidade de internação
hospitalar, tratamento farmacológico e acompanhamento médico especializado.

4. Transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo e


síndrome do pânico

A - Transtorno bipolar
Existe um risco cerca de 7 vezes maior de internação por 1º episódio e 2 vezes maior para recorrência de trans-
torno bipolar durante o puerpério; 20 a 30% das pacientes com distúrbio bipolar desenvolvem psicose puerperal.
A privação do sono a que são submetidas as mulheres na época da amamentação representa risco de descompen-
sação do transtorno bipolar. Outras desordens psiquiátricas, como transtornos de ansiedade, também podem ter
início durante o puerpério.
- Conduta
A utilização profilática de estabilizadores de humor na população suscetível parece reduzir significativamente o
risco de novos episódios no puerpério. Por outro lado, a interrupção do tratamento com lítio no puerpério significa
um risco 3 vezes maior de recaída do que quando feita em outra fase da vida (com a manutenção da droga, o risco
de recaída cai de aproximadamente 50% para menos de 10%).
De acordo com as recomendações da American Academy of Pediatrics, a carbamazepina (de 15 a 65% da con-
centração materna) e o valproato (de 0,9 a 40% da concentração materna) são as drogas mais indicadas para o
tratamento de distúrbios de humor durante o período de amamentação. O uso de lítio é contraindicado em razão
do risco de intoxicação associado (a concentração dessa droga em lactentes varia de 10 a 50% da concentração ma-
terna). Caso se decida pela amamentação, recomenda-se a administração dos medicamentos imediatamente após
as mamadas ou antes de um período de sono prolongado da criança, uma vez que não há medicação psicotrópica
absolutamente segura para o lactente.

B - Transtorno obsessivo-compulsivo
Estudos realizados com mulheres que apresentavam Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) mostram que
cerca de 40% delas vivenciaram os primeiros sintomas da doença no período gravídico-puerperal e que pacientes
com TOC previamente à gestação relataram exacerbação dos sintomas durante a gravidez e o puerpério. Quando
presentes, as fantasias obsessivas sobrecaem, especialmente, sobre o feto ou recém-nascido e, geralmente, são
acompanhadas por vivências depressivas.

C - Síndrome do pânico
Aparentemente, a gestação confere proteção contra ataques de pânico. As crises e os ataques tendem a ocorrer
no puerpério.

Você também pode gostar