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A inveja desvendada

O príncipe que até então não havia encontrado nenhuma moça que o tivesse agradado, ficou encantado ao vê-
la. Quis dançar somente com Cinderela. Os dois dançaram a noite toda, deixando as moças da festa com muita
inveja daquela desconhecida.

... Shakespeare para acrescentar profundidade ao seu vilão faz dele amoral, em oposição ao vilão típico
imoral. Iago é consumido pela inveja, pois acredita que seja dele a posição que Cássio ocupa. Engana,
rouba, e mata para ganhar essa posição.

Mesmo Branca de Neve, cujo sucesso é associado ao clima da Depressão, para o qual seria antídoto, tem
muitas doses sombrias. A inveja da rainha à beleza da adolescente é clara, e os métodos que usa
para afastá-la como o envenenamento da maçã são, como se diria hoje, radicais, tanto quanto sua morte.
E a ajuda que recebe vem de sete anões que, ao contrário do que temiam as crianças da época, e como se
fossem contrapontos aos sete pecados nomeados pela religião, são simpáticos e encarnam virtudes
como sabedoria e bondade...

Pesquisa revela que esse sentimento é processado na mesma região cerebral que a dor física. Saiba como
controlá-lo.
Certa vez, um homem, extremamente invejoso de seu vizinho, recebeu a visita de uma fada, que lhe
ofereceu a chance de realizar um desejo. "Você pode pedir o que quiser, desde que seu vizinho receba o
mesmo e em dobro", sentenciou. O invejoso respondeu, então, que queria que ela lhe arrancasse um olho.
Moral da história: o prazer de ver o outro se prejudicar prevaleceu sobre qualquer vontade. É por meio dessa
fábula que a psicanalista austríaca Melanie Klein (1882-1960) definiu na obra "Inveja e Gratidão", um
dos principais estudos já feitos sobre o tema, o comportamento de quem vive intensamente esse
sentimento.
De autoria do neurocientista japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de Ciência Radiológica,
em Tóquio, o estudo "Quando a sua Conquista É a minha Dor e a sua Dor É a minha Conquista: Correlações
Neurais da Inveja e do Shadenfreude foi publicado recentemente pela prestigiada revista cientifica
americana Science. Por meio de ressonância magnética realizada em 19 voluntários (dez homens e nove
mulheres), na faixa etária dos 20 anos, foi possível identificar onde os sentimentos são processados no
cérebro. Ao sentir inveja, a região do córtex singulado anterior é ativada.
O interessante é notar que é nesse mesmo local que a dor física se processa. "A inveja é uma emoção
dolorosa", afirma Takahashi. O shadenfreude, por sua vez, se estabelece no estriado ventral, exatamente
onde se processa a sensação de prazer. "O invejoso fica realizado com a desgraça do invejado", diz o
pesquisador. Durante a pesquisa, Takahashi induziu os voluntários a imaginarem um cenário que envolvia
outros três personagens, do mesmo sexo, faixa etária e profissão que eles. Dois deles seriam,
hipoteticamente, mais capazes e inteligentes.
Dessa comparação nasce a inveja, especialmente quando as pessoas são muito Dessa comparação
nasce a inveja, especialmente quando as pessoas são muito parecidas. Ou seja, é mais comum uma
mulher se incomodar com outra, da mesma faixa etária e profissão, do que com alguém com características
totalmente diferentes. "Trata-se de um sentimento caracterizado pela sensação de inferioridade", explica
o neurocientista Takahashi. "Quando há essa sensação, é porque houve comparação e a pessoa perdeu."

O ambiente de trabalho, por sua vez, também é terreno fértil para os invejosos.
Uma pesquisa das universidades de Warwick e Oxford, na Inglaterra, mostra que nem sempre se inveja a
maneira de ser do rival, mas suas posses. No experimento, os entrevistados poderiam ganhar ou
"queimar" o dinheiro do concorrente, sob o custo de perder parte de sua verba - 62% dos participantes
escolheram se voltar contra o outro.
Segundo a psicóloga Glaura Maria Verdiani, autora da tese de mestrado "Um Estudo sobre a Inveja no
Ambiente Organizacional", pelo Centro Universitário de Araraquara (SP), é provável que esse sentimento
esteja impregnado em 100% das relações profissionais.
"Em uma equipe de 30 pessoas, é possível que todos invejem alguém, em algum nível", revela. A emoção
pode ter origem em qualquer um e partir para diferentes direções.
Acontece entre pessoas do mesmo cargo, funcionários de funções inferiores e superiores. "Há chefes
invejosos de seus subordinados, que são mais jovens, mais dispostos e, muitas vezes, mais talentosos", diz
Sueli.
Aos 28 anos, a designer Claudia Neves foi vítima da inveja em seu local de trabalho. Até seis meses atrás, ela
era a única funcionária entre vários homens do departamento em que trabalhava, numa agência de
publicidade em São Paulo. Sua vida profissional virou de pernas para o ar com a chegada de outra garota, da
mesma idade, que passou a dar expediente numa função com remuneração menor. No início, as duas se
davam bem ao menos aparentemente. Até que a nova colega passou a evitá-la e agir de maneira estranha.

A designer desconfia que foi vítima de calúnias. "Certa vez, meu chefe foi grosseiro comigo", conta.
"Nessa hora, pude ver no rosto dela que estava rindo por dentro." Triste com a situação, Claudia pediu
para ser demitida. "O ex-marido dela me disse que ela tinha ódio mortal de mim e queria me destruir", conta.
Apesar da atitude drástica que teve de tomar, ela não acredita que a colega tenha saído vitoriosa. "Ela
conseguiu me eliminar, mas estou muito feliz fora de lá", afirma.

"É importante eliminar os sentimentos de inferioridade e baixa auto-estima e mostrar o outro lado",
explica. "Se a pessoa não é boa em algo, certamente será em outra coisa." Afinal de contas, a melhor
maneira de domar o sentimento da inveja é, assim como fez o ator Birindelli, identificá-lo e aprender a
lidar com ele.

Colaborou Rodrigo Cardoso

Isto é - Edição 2064 - 3 JUN/2009

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