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Eutanásia, distanásia e ortotanásia:

REVISÃO REVIEW
revisão integrativa da literatura

Euthanasia, dysthanasia and orthothanasia:


an integrative review of the literature

Zirleide Carlos Felix 1


Solange Fátima Geraldo da Costa 1
Adriana Marques Pereira de Melo Alves 1
Cristiani Garrido de Andrade 1
Marcella Costa Souto Duarte 1
Fabiana Medeiros de Brito 1

Abstract There is currently widespread concern Resumo Atualmente, existe preocupação notó-
among researchers in debating questions that ge- ria dos pesquisadores em debater questões gerado-
nerate ethical conflicts within the scope of health ras de conflitos éticos, no âmbito assistencial, di-
care geared to the human being in the terminal recionada ao ser humano em fase de terminalida-
phase, especially euthanasia, dysthanasia and de, em particular, acerca da eutanásia, distanásia
orthothanasia. This study sought to characterize e ortotanásia. Este estudo objetivou caracterizar
the scientific production at the national level on a produção científica, no âmbito nacional, acer-
euthanasia, dysthanasia and orthothanasia. It ca da eutanásia, distanásia e ortotanásia. Trata-
involves an integrative review of the literature. se de uma revisão integrativa da literatura. O
The study universe consisted of 41 publications universo do estudo foi constituído por 41 publi-
related to the theme in question by means of a cações relacionadas ao tema investigado, medi-
survey conducted online in the Virtual Health ante a realização de um levantamento online, na
Library in the Capes Portal and in the Bioethical Biblioteca Virtual em Saúde, no Portal Capes e
Magazine. Of these, 25 articles comprised the sam- na Revista Bioética. Desses, 25 artigos compuse-
ple taking into consideration the established in- ram a amostra, considerando-se critérios de in-
clusion and exclusion criteria. Data collection oc- clusão e exclusão estabelecidos. A coleta de dados
curred in March 2013, by means of an instrument ocorreu em março de 2013, por meio de um ins-
containing information pertinent to the proposed trumento com informações pertinentes ao objeti-
objective. The key words used were euthanasia, vo proposto. Os descritores utilizados foram euta-
dysthanasia and orthothanasia. With respect to násia, distanásia e ortotanásia. No que se refere
the focus of the publications, three themes ao enfoque das publicações, emergiram três te-
emerged: Theme I – Euthanasia; Theme II – Dys- mas: Tema I - Eutanásia; Tema II - Distanásia e
thanasia and Theme III – Orthothanasia. The Tema III - Ortotanásia. Os estudos analisados ex-
studies analyzed reflected the current concern in pressam a preocupação atual diante de dilemas
terms of ethical dilemmas concerning care of the éticos, no que concerne ao cuidar do ser humano
1
Núcleo de Estudos e
human being in the end of life phase. Thus, it is na fase final de vida. Dessa forma, espera-se que
Pesquisas em Bioética,
Universidade Federal da hoped that this research can contribute to bolster esta pesquisa possa contribuir para fortalecer as
Paraíba. Cidade the critical reading with respect to the theme. leituras críticas a respeito da temática.
Universitária - Campus I,
Key words Euthanasia, Dysthanasia, Orthotha- Palavras-chave Eutanásia, Distanásia, Ortota-
Castelo Branco. 58.059-900
João Pessoa PB. nasia násia
zirleidefelix@hotmail.com
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Felix ZC et al.

Introdução ilegal no Brasil, porém é aceito em alguns países,


como a Holanda e a Bélgica. Vale ressaltar que o
A Medicina atravessou profundas modificações Código de Ética Médica brasileiro de 1988 tem
ao longo do Século XX. Os avanços na prática todos os artigos alusivos ao tema contrários à
médica, sobretudo nas áreas cirúrgica, terapêu- participação do médico na eutanásia e no suicí-
tica, de anestesia e de reanimação e no campo da dio assistido6.
tecnologia, têm originado melhorias significati- Já a distanásia é um termo pouco conhecido,
vas na saúde, em relação ao controle ou à elimi- porém, muitas vezes, praticada no campo da saú-
nação de doenças, o que torna cada vez mais ra- de. É conceituada como uma morte difícil ou
ros os casos de morte natural1. penosa, usada para indicar o prolongamento do
Se, de um lado, esses avanços têm proporcio- processo da morte, por meio de tratamento que
nado uma melhoria na qualidade de vida das apenas prolonga a vida biológica do paciente, sem
pessoas, principalmente nas sociedades desenvol- qualidade de vida e sem dignidade. Também pode
vidas (conduzindo-as a uma progressiva dimi- ser chamada de obstinação terapêutica7. Nesse
nuição da mortalidade), de outro, essa sobrevi- sentido, enquanto, na eutanásia, a preocupação
da maior decorre do prolongamento desneces- principal é com a qualidade de vida remanescen-
sário e de tratamentos injustificáveis, com a obs- te, na distanásia, a intenção é de se fixar na quan-
tinação terapêutica a qualquer custo2. De acordo tidade de tempo dessa vida e de instalar todos os
com esse entendimento, a vida humana é deter- recursos possíveis para prolongá-la ao máximo8.
minada por circunstâncias, entre as quais, desta- Convém ressaltar que a boa morte ou morte
ca-se a busca contínua por ser saudável, uma digna tem sido associada ao conceito de ortota-
esfera da realidade que se confronta entre dois násia. Etimologicamente, ortotanásia significa
polos – saúde e doença. Logo, o aumento da lon- morte correta – orto: certo; thanatos: morte. Tra-
gevidade ocasiona, também, o aumento signifi- duz a morte desejável, na qual não ocorre o
cativo do número de pessoas que sofrem de do- prolongamento da vida artificialmente, através
enças crônicas que não se curam e, portanto, de procedimentos que acarretam aumento do
chegam à terminalidade3. sofrimento, o que altera o processo natural do
Com base nesse entendimento, tem sido cons- morrer9.
truído o conceito de morte digna ou boa morte. Destarte, na ortotanásia, o indivíduo em es-
Porém, essa definição nem sempre é a mesma tágio terminal é direcionado pelos profissionais
para os pacientes, os cuidadores, os familiares e envolvidos em seu cuidado para uma morte sem
os profissionais da área de Saúde. A abreviação sofrimento, que dispensa a utilização de méto-
da morte, a aplicação de esforços terapêuticos dos desproporcionais de prolongamento da vida,
desproporcionais, como a obstinação, a futili- tais como ventilação artificial ou outros procedi-
dade e o encarniçamento terapêutico, ou a insti- mentos invasivos. A finalidade primordial é não
tuição dos cuidados paliativos, que aliviam o promover o adiamento da morte, sem, entretan-
sofrimento, constituem os extremos de tratamen- to, provocá-la; é evitar a utilização de procedi-
tos que podem ser oferecidos ao indivíduo em mentos que aviltem a dignidade humana na fini-
estágio terminal. O que, realmente, deve ser rea- tude da vida10.
lizado para o paciente é um dilema ético de difícil Nesse enfoque, é necessário diferenciar o di-
decisão, porém que determinará, em última ins- reito à deliberação da morte e o privilégio à mor-
tância, todo o processo de morte de um ser4. As- te digna. A faculdade de decidir sobre a morte
sim, é imprescindível a discussão sobre o impas- está relacionada à eutanásia, que traduz o auxílio
se entre métodos artificiais para prolongar a vida ao suicídio, através de procedimentos que pro-
e a atitude de deixar a doença seguir sua história vocam a morte. Por outro lado, o direito de
natural, com destaque para a eutanásia, a dista- morrer de forma digna diz respeito a uma morte
násia e a ortotanásia. natural, com humanização, sem que haja o pro-
No que diz respeito à eutanásia, do ponto de longamento da vida e do sofrimento, através da
vista clássico, foi definida, inicialmente, como o instituição de intervenções fúteis ou inúteis, que
ato de tirar a vida do ser humano. Mas, depois se reporta à distanásia9.
de ser discutido e repensado, o termo significa É notório destacar que a reflexão sobre a le-
morte sem dor, sem sofrimento desnecessário. galidade das práticas supracitadas é uma temáti-
Atualmente, é entendida como uma prática para ca de intensa discussão em diversos países. Dian-
abreviar a vida, a fim de aliviar ou evitar sofri- te desse contexto, considerando-se a relevância
mento para os pacientes5. O termo supracitado é da temática no campo da Bioética para o meio
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acadêmico, assim como para a prática assisten- duplicidade, publicados em idiomas estrangei-
cial e de pesquisa no campo da saúde, é sobre- ros ou que antecedessem ao ano de 2008, e aque-
maneira importante desenvolver estudos que les que, apesar de apresentar os descritores sele-
busquem socializar sua produção científica, vis- cionados, não abordavam diretamente a temáti-
to que são incipientes as publicações que abor- ca proposta. Com base nesses pressupostos, a
dem o referido tema. Contudo, este estudo obje- amostra foi composta por 25 artigos.
tivou caracterizar a produção científica, no âm- A coleta dos dados foi realizada no mês de
bito nacional, acerca da eutanásia, da distanásia março de 2013. Para viabilizar a apreensão das
e da ortotanásia. informações e a categorização dos estudos, foi
utilizado um instrumento contendo os seguintes
itens: título do periódico, ano de publicação, re-
Metodologia ferência, modalidade de estudo, título do artigo,
objetivos e conclusão. Os dados obtidos foram
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura. agrupados e apresentados em Quadros, visando
É um método que deve seguir, de maneira rigo- a uma melhor visualização dos estudos inseri-
rosa, o procedimento empregado, por meio do dos na revisão integrativa. Desse agrupamento,
qual o leitor pode identificar as principais carac- emergiram categorias temáticas.
terísticas das publicações. A revisão produz co- Vale ressaltar que o instrumento proposto
nhecimento atualizado sobre determinado pro- foi fundamental para a construção desta revi-
blema e determina se esse conhecimento pode são, visto que, com base nos dados coletados, foi
ser aplicado na prática11. Essa modalidade de possível realizar a caracterização das publicações
pesquisa é norteada por seis fases distintas: ela- inclusas no estudo, bem como a interpretação e
boração da questão; estabelecimento da estraté- a análise dos achados.
gia de busca na literatura; seleção de estudos com
base nos critérios de inclusão; leitura crítica, ava-
liação e categorização do conteúdo; análise e in- Resultados e Discussão
terpretação dos resultados11.
A questão norteadora proposta para o estu- No que se refere ao enfoque das publicações, ex-
do foi a seguinte: Qual a caracterização da pro- traíram-se três categorias temáticas: Tema I: Eu-
dução científica, no âmbito nacional, a respeito tanásia (Quadro 1); Tema II: Distanásia (Qua-
da eutanásia, da distanásia e da ortotanásia? Para dro 2); e Tema III: Ortotanásia (Quadro 3), que
identificar as publicações que compuseram a re- apresentam a síntese do conhecimento contem-
visão integrativa deste estudo, realizou-se uma plado na literatura.
busca online, mediante levantamento na Biblio- Conforme os estudos contemplados no tema
teca Virtual em Saúde (BVS), no Portal Capes e I, expressos no Quadro 1, conclui-se que a euta-
na Revista Bioética, que foi utilizada em virtude násia não é um dilema recente, porém se trata de
do grande quantitativo da produção científica uma temática que vem apresentando relevância
relativa aos dilemas éticos e bioéticos. Os descri- no espaço das discussões contemporâneas em
tores utilizados foram eutanásia, distanásia e or- diferentes sociedades.
totanásia. Para restringir a amostra, foi empre- É oportuno destacar que a definição etimo-
gado o operador booleano or, junto com os ter- lógica da eutanásia é fundamentada como o ato
mos selecionados, como, por exemplo: Eutaná- de dar a morte, por compaixão, a alguém que
sia or Distanásia or Ortotanásia. sofre intensamente, em estágio final de doença
O universo do estudo foi constituído por 41 incurável, ou que vive em estado vegetativo per-
publicações pertinentes à temática investigada. manente. Nesse processo, não se devem empre-
Dessa forma foram considerados os seguintes gar meios que causem sofrimentos adicionais,
critérios de inclusão previamente estabelecidos: mas que sejam adequados para tratar uma pes-
artigos publicados em português, disponíveis na soa que está morrendo8,12. Assim, é o ato de abre-
integra, no período de 2008 a 2012, nas modali- viação da vida do paciente, além do tempo que
dades originais ou revisão e que apresentassem ele levaria para morrer espontaneamente8,13.
no título os termos eutanásia ou distanásia ou É importante enfatizar que tal prática, quan-
ortotanásia. Vale ressaltar que os artigos que não do legalizada, pode ser realizada por um médico,
se encaixaram nos critérios de inclusão foram um enfermeiro, qualquer um dos profissionais
retirados da amostra. Quanto aos critérios de da área de Saúde ou mesmo por um familiar.
exclusão, levaram-se em consideração: artigos em Portanto, a literatura13 assinala três modalidades
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Felix ZC et al.

Quadro 1. Distribuição dos artigos do Tema I, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões das
publicações selecionadas para o estudo.
Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

A eutanásia e os Revisão Investigar o princípio de O princípio da autonomia tem


paradoxos da autonomia, partindo de fornecido sustentação a cogentes
autonomia14 suas origens nas tradições argumentos bioéticos em defesa da
grega e cristã e mapeando eutanásia. Dessa forma, é mister que
alguns desdobramentos na seja respeitada a liberdade de escolha do
tradição ocidental, até sua homem que padece.
formulação na
modernidade, legado de
Immanuel Kant.

Lidando com Revisão Discutir questões éticas Não obstante a persistência dos
pedidos de eutanásia: relacionadas com o final chamados casus perplexus, isto é, a não
a inserção do filtro da vida humana, desistência da solicitação de eutanásia, a
paliativo15 apresentando dados da proposta de cuidados paliativos torna
Holanda e Bélgica, países irrelevantes e desnecessárias muitas
que possuem legislação dessas solicitações.
específica e
políticaspúblicas em
relação à prática da
eutanásia.

A bioética da Revisão Discutir a proteção, tendo O artigo apresentou uma possível


proteção e a como norte o debate síntese da inscrição da compaixão laica
compaixão laica: o bioético sobre a eutanásia. no debate moral sobre a eutanásia,
debate moral sobre a entrando em cena enquanto horizonte
eutanásia16 capaz de permitir o abrigo daquele que
padece, garantindo sua autonomia, no
sentido de tornar fato a disposição de
fenecer em paz e sem dor -
caracterizando uma boa morte.

Aborto e eutanásia: Revisão Constatou–se a presença Analisar a polêmica em torno da


dilemas de discursos opostos, determinação dos limites da vida, a
contemporâneos oriundos da religião e de partir do pressuposto de que a
sobre os limites da defensores da autonomia demarcação das fronteiras entre vida e
vida17 individual, o que ilustra os morte envolve questões culturais,
dilemas contemporâneos sociais, religiosas e políticas referentes à
sobre os limites da vida. gestão da pessoa.

A eutanásia no Revisão Analisar o debate sobre a Pode-se compreender que, apesar de


Brasil18 eutanásia no Brasil. ainda não regulamentada a questão da
eutanásia no Brasil vem sendo
amplamente debatida entre filósofos,
religiosos e, principalmente, entre os
operadores do Direito que buscam a
melhor forma de inseri-la em nosso
ordenamento jurídico.

continua

de conduta que podem ter como resultado a gação de prestar um serviço, uma terapia, uma
morte do paciente: 1- conduta omissiva – quan- medicação ao paciente, não o faz, convicto de
do o agente, mesmo tendo condição e/ou obri- que estará abreviando seu sofrimento, o que re-
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Quadro 1. continuação

Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

Eutanásia: Revisão Realizar uma reflexão teórica No aspecto legal está vedada
discutindo da eutanásia a fim de qualquer prática assistencial que
relatividade da proporcionar uma melhor ocasione a morte. Por ser um ato
bioética19 compreensão do processo de incontornável, não pode ser tratado
morte e o morrer à luz da com indiferença ou displicência.
bioética. Devem-se analisar as questões
legais, religiosas, bioéticas e culturais
para chegar num entendimento
mais próximo da convivência.

Eutanásia e sua Revisão Tecer considerações sobre a Entende-se ser importante uma
relação com casos natureza dos seguintes espécie de “exegese” dos termos
terminais, doenças conceitos médicos: coma, médicos envolvidos na discussão,
incuráveis, estados estado neurovegetativo com esclarecimento de seus
neurovegetativos, persistente e coma respectivos conceitos, que vêm a ser
estados sequelares irreversível, morte encefálica o que nos propomos a fazer no
graves ou de e morte (ou “morte texto que segue, associado ao final,
sofrimento intenso e circulatória”), eutanásia, a breve análise da Resolução do
irreversível e morte distanásia, ortotanásia e CFM 1805/2006 e do novo Código
encefálica8 estado terminal. de Ética Médica,Resolução CFM
1931/2009.

Acadêmicos de Relato de Sugere-se a ampliação de espaços


enfermagem frente à Experiência Relatar e discutir a formação profissionais e acadêmicos de
Eutanásia e o direito dos profissionais enfermeiros debate e reflexão sobre a eutanásia,
de morrer com nos aspectos éticos, legais, especialmente em cursos de
dignidade: breves bioéticos e humanísticos enfermagem, entre outros na área
reflexões20 frente à eutanásia. da saúde.

Eutanásia: a última Revisão Analisar um dos mais antigos A busca por respostas se a prática da
viagem13 dilemas da raça humana: a eutanásia deve se transformar em
eutanásia, ou seja, o direito um direito, não virá em pouco
de terminar com a própria tempo. No Brasil, há projetos
vida, buscando assim uma tramitando no Congresso Nacional
morte com dignidade e sem nesse sentido, mas o que não
sofrimento. podemos perder de vista é que a
prática da eutanásia, mesmo
quando reconhecida no
ordenamento legal, é um direito
subjetivo, podendo fazer uso dela
quem quiser.

Eutanásia em Original Investigar percepções de Evidencia-se, portanto, com este


paciente terminal: enfermeiros e médicos trabalho, que os profissionais da
concepção de intensivistas no tocante à equipe de saúde, mais precisamente
médicos e prática da eutanásia em enfermeiros e médicos, reconhecem
enfermeiros pacientes terminais. os sentimentos atrozes vivenciados
intensivistas12 pelos pacientes irreversíveis, porém
não optam por meios como as
práticas da eutanásia, voltadas à
minimização de tais sofrimentos,
uma vez que infringiria
principalmente os aspectos
jurídicos, religiosos e éticos que lhes
são impostos.
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Quadro 2. Distribuição dos artigos do Tema II, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões das
publicações selecionadas para o estudo.
Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

Manifestações das Artigo Avaliar se as vontades O estudo permite supor que a


vontades antecipadas Original antecipadas de um paciente regulamentação ética e legal das
do paciente como serão respeitadas pelos médicos vontades antecipadas compreende
fator inibidor da no momento em que estiver medida favorável para o respeito à
distanásia21 incapacitado de se comunicar e autonomia do paciente e relevante
se essa manifestação constitui fator de inibição à distanásia.
um instrumento válido de
inibição da distanásia.

Responsabilidade e Artigo de Levantar as causas e os Diante do exposto, mostra-se a


tecnologia: a questão atualização princípios bioéticos e a relação necessidade de se mudar o
da distanásia22 entre desenvolvimento paradigma de tratamento da
tecnológico e responsabilidade, pessoa doente, sobretudo quando
no âmbito da prática clínica na terminal ou crônica, como
fase terminal. corolário dessa responsabilidade.

Distanásia: Artigo Conhecer se os enfermeiros Conclui-se que os enfermeiros


percepção dos Original identificam a distanásia como interpretam a distanásia como o
profissionais da parte do processo final da vida prolongamento de vida com dor e
enfermagem23 de pessoas em terminalidade sofrimento, onde os pacientes
internadas em UTI adulto. terminais são submetidos a
tratamentos fúteis que não trazem
benefícios. E também a
identificam usando elementos da
ortotanásia.

Distanásia, eutanásia Artigo Os objetivos deste estudo O fundamento do agir profissional


e ortotanásia: Original foram analisar as percepções dos enfermeiros não foi
percepções dos dos enfermeiros que atuam em homogêneo e o conhecimento
enfermeiros de UTI de um hospital acerca do tema ainda é limitado. A
unidades de terapia universitário, no Brasil, sobre busca pela ortotanásia, os
intensiva e distanásia, ortotanásia e princípios bioéticos e a
implicações na eutanásia e caracterizar as humanização da assistência
assistência24 possíveis implicações na deveriam ser fundamentos de sua
assistência. assistência.

continua

sulta na morte; 2- conduta ativa direta – aplica- eutanásia em pacientes terminais, constata-se que
ção de terapias analgésicas com a intenção pri- alguns profissionais compreendem parcialmen-
mordial de aliviar as dores do paciente terminal, te o conceito de eutanásia, e outros, totalmente.
sabendo que essa medicação resultará no faleci- Também houve unanimidade entre os profissio-
mento dele; 3- conduta ativa indireta – é aquela nais que discordaram da prática da eutanásia,
que, motivada por convicções humanitárias, leva porquanto é considerada crime, de acordo com
o agente a produzir a morte antecipada de um a lei brasileira, e os principais motivos são as
paciente que esteja com uma doença incurável, questões religiosas e éticas12.
com sofrimento atroz e qualidade de vida ínfi- A eutanásia pode ocorrer por dois meios: de
ma, mas que, sozinho, não seja capaz de se suici- forma voluntária, realizada pelo próprio pacien-
dar. Antes disso, o paciente terá expressado o seu te ou a pedido dele, ou de forma involuntária,
consentimento. quando é realizada por outrem com ou sem o
No que concerne às percepções de enfermei- consentimento do paciente. Quanto ao tipo de
ros e médicos intensivistas sobre a prática da ação, a eutanásia ativa é a que se caracteriza pelo
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Quadro 2. continuação
Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

Percepção de Artigo Identificar e analisar a A vivência dos enfermeiros


enfermeiros Original percepção de enfermeiros da perante as ações de distanásia
intensivistas sobre unidade de terapia intensiva de mostrou-se complexa, sendo um
distanásia em um hospital escola em fator de sofrimento, frustração a
unidade de terapia Londrina sobre distanásia em inquietação para estes
intensiva25 pacientes terminais na unidade profissionais.
de terapia intensiva

O profissional de Artigo de Teve-se por objetivo identificar Concluiu-se que não há consenso
saúde frente à Revisão qual é a problemática na literatura com relação aos
distanásia: uma vivenciada pelos profissionais critérios para a retirada ou
revisão integrativa26 de saúde com relação à manutenção do suporte
manutenção do suporte de terapêutico frente ao paciente que
vida oferecido ao paciente sem está em processo de morte. Assim,
possibilidade de cura, destacou-se que a bioética pode ser
conhecido como distanásia. uma ferramenta eficaz na busca
pela decisão mais prudente frente
aos conflitos éticos decorrentes da
terminalidade.

ato de provocar a morte por fins misericordio- Outra pesquisa alude que, na Holanda, o fato
sos, sem sofrimento do paciente, e a eutanásia de a eutanásia já estar legalizada não significa
passiva trata-se da não iniciação de uma ação que está totalmente liberada. Ao contrário, em
médica ou interrupção de uma medida extraor- primeiro lugar, a eutanásia limita-se a um ato
dinária, objetivando abrandar o sofrimento, se- médico; em segundo, o ato é submetido a sete
guida de morte do paciente12,17,19. condições, entre elas: a doença deve ser incurável
Estudo aponta que, de outra forma, a euta- e causar sofrimento ao paciente; o pedido do can-
násia trata-se, com grande possibilidade, sim- didato à eutanásia deve ser voluntário e refletido,
plesmente, de um modo qualificado de homicí- no qual cada caso deve ser analisado particular-
dio, seja porque a vítima não pode se defender, mente e preencher os requisitos da lei18.
seja por justificada confiança. Com efeito, em No Brasil, o ordenamento jurídico manifes-
países que adotam a eutanásia, considera-se que ta-se flagrantemente contrário à prática da euta-
a intenção de quem provoca a morte deve ser de násia, considerando-a crime pela legislação pe-
livrar aquele que está para morrer de uma condi- nal, que afirma que, se o autor do crime agiu por
ção insuportável – sofrimentos intoleráveis ou compaixão, a pedido da vítima, para lhe abrevi-
uma situação de indignidade e de desamparo ex- ar o sofrimento físico insuportável, em razão de
tremo provocado pela doença8. doença grave: pena-reclusão, de três a seis
A eutanásia é permitida na Holanda, desde anos18,20. Porém, averígua-se que há vários pro-
2001, e na Bélgica, a partir de 200215,17. No terri- jetos tramitando no Congresso Nacional nesse
tório do norte da Austrália, vigorou uma legisla- sentido, principalmente respaldando-se na au-
ção que permitia a eutanásia voluntária ativa de tonomia do paciente18.
1995 até 1997, quando o Parlamento Federal em- Em vista disso, torna-se legítima a indagação
bargou a lei. A maioria dos estados dos Estados acerca do alcance do princípio de autonomia da
Unidos e do Canadá tem legislações que permi- pessoa nas controvérsias morais em relação à
tem que os médicos suspendam os tratamentos eutanásia. Assinala-se14 que o princípio de res-
com a autorização do paciente ou de seu repre- peito à autonomia tem sustentado cogentes ar-
sentante. O estado norte-americano do Oregon gumentos bioéticos em defesa da eutanásia. Nes-
aprovou uma lei, em 1999, que permite o suicí- se âmbito, é mister que seja respeitada a liberda-
dio assistido por médicos17. de de escolha do homem que padece, isto é, sua
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Quadro 3. Distribuição dos artigos do Tema III, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões das
publicações selecionadas para o estudo.
Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

A ortotanásia e o Revisão Discutir os novos aspectos A principal conclusão obtida é que a


Direito Penal médicos e jurídicos que restrição de recursos artificiais não é
brasileiro27 influenciam as crime se eles não representam benefício
intervenções no final da efetivo para o enfermo e se são
vida humana, unicamente condições de obstinação
investigando a existência terapêutica. A indicação ou contra-
da possibilidade lícita de indicação de uma medida é decisão
deixar que o doente médica, que deverá ser discutida com o
morra, sem que sejam paciente e sua família, para garantir a
utilizados os modernos dignidade da pessoa humana em final de
recursos de vida.
prolongamento vital, em
face da legislação penal
brasileira.

Reflexões legais e Revisão Apresentar bases éticas, A decisão de não prolongar a vida é
éticas sobre o final científicas e legais frente demasiado complexa, mas o limite para
da vida: uma à ortotanásia e os dilemas investir está nitidamente ligado à
discussão sobre a do final da vida, em concepção de morte digna aliada à plena
ortotanásia9 especial na visão bioética consciência das limitações de
da dignidade e dos intervenção. Parece claro que o ideal seria
direitos humanos. ouvir, sentir e pensar com o sujeito que
sofre a amarga presença do evento
inevitável da morte, para que dessa
relação complexa possa surgir a solução
mais correta possível para cada caso.

Cuidados paliativos Revisão Discutir sobre a Dessa forma, não concordamos com o
e ortotanásia28 associação dos cuidados posicionamento do Mistério Público
paliativos à ortotanásia. Federal e acreditamos ser legítimo e
eticamente correto, o médico, embasado
em suas convicções, abdicar de prover
tratamentos que estendem dolorosa e
precariamente a vida. A vida é um direito
a ser asseverado e não uma imposição
incondicional a ser cumprida.

Opinião dos médicos Original Avaliar o impacto da A maioria dos médicos foi favorável à
das Unidades de resolução CFM 1.805/ prática da ortotanásia, princípio que visa
Terapia Intensiva do 2006 na opinião dos diminuir o sofrimento do paciente e de
Complexo Hospital médicos que trabalham seus familiares, desde que respeitada a
das Clínicas sobre a nas Unidades de Terapia vontade da pessoa ou de seu
ortotanásia29 Intensiva (UTI) do representante legal, devidamente
Complexo Hospital das fundamentada e registrada no prontuário
Clínicas. e que o paciente continue a receber todos
os cuidados necessários para aliviar os
sintomas que levam ao sofrimento,
sendo assegurada a assistência integral.

continua
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Quadro 3. continuação
Título Modalidade Objetivo(s) Conclusão

Aspectos éticos e Revisão Analisar os O estudo assinala que alguns


legais da questionamentos acerca posicionamentos vêm se firmando e
aplicabilidade da dos perenes avanços discussões transdisciplinares sobre a
ortotanásia30 médico-científicos aplicabilidade da ortotanásia como forma
concernentes à de tutelar uma morte digna sedimentam-
biotecnologia que surgem se com fulcro em princípios (bio) -
em torno dos impactos éticos, principalmente o princípio da
sobre os direitos autonomia da vontade, e no primado
fundamentais de cada constitucional da dignidade da pessoa
indivíduo e os benefícios humana, culminado em diretrizes que
alcançados pela sociedade. envolvem o bem mais supremo do ser
humano, a vida revestida de dignidade.

Percepção do Original Conhecer a percepção do Esse estudo demonstrou que os


enfermeiro em enfermeiro em relação à profissionais da saúde recebem pouca
relação à ortotanásia, identificando informação com relação à morte na sua
ortotanásia31 a sua atuação frente a essa formação acadêmica. Concluiu-se,
situação e verificando de também, que a ortotanásia, mesmo
que maneira se dá o sendo um termo pouco conhecido é uma
cuidado aos pacientes situação que ocorre no cotidiano do
terminais. ambiente hospitalar, e o enfermeiro
participa desse processo, atuando como
um elo de ligação entre paciente, família
e equipe.

Termalidade da vida Original Avaliar o posicionamento A maioria dos familiares entrevistada foi
em terapia intensiva: dos familiares sobre a a favor da ortotanásia, e gostaria de
posicionamento dos ortotanásia, ao se participar da tomada de decisão de
familiares sobre considerar controle dos qualidade de final de vida.
ortotanásia32 sintomas, preferência do
paciente e influência da
satisfação da
comunicação do
tratamento informado
pela equipe médica.

A ortotanásia e o Revisão Demonstrar, a partir de A ortotanásia obedece à Constituição


direito de morrer uma análise Brasileira, pois visa assegurar uma morte
com dignidade: uma constitucional, a digna ao paciente terminal, permeada
análise legalidade da prática da pela dignidade da pessoa humana, em
constitucional33 ortotanásia, na contraposição aos tratamentos
perspectiva do direito de desumanos e degradantes, vedados pelo
morrer com dignidade, texto constitucional.
inserido no contexto de
Estado Democrático de
Direito.

competência em decidir, autonomamente, aqui- Outra pesquisa aborda as questões referen-


lo que pondera importante para viver sua vida. tes ao aborto e à eutanásia como dilemas con-
Nessa vivência, abrange o processo de morrer, temporâneos sobre os limites da vida e verifica
com base em seus valores, interesses legítimos e que eles, cada vez mais, apresentam-se como
na compaixão para com o ser humano14,16. questões centrais na contemporaneidade, por que
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Felix ZC et al.

advertem não apenas a delimitação das frontei- avanços tecnológicos na área de Saúde contribu-
ras entre vida e morte e estabelecem temas que em para a conquista de benefícios na vida do
revelam tensões quanto à noção de pessoa no paciente. Entretanto, no uso exagerado de novas
Ocidente e seus direitos. Uma distinção se faz terapias, a exemplo das utilizadas em pacientes
necessária, no que diz respeito à possibilidade de fora de possibilidades terapêuticas de cura, emer-
escolha: o nascituro é incapaz de se manifestar, gem dilemas sociais, institucionais, profissionais
de modo que o direito de escolha é atribuído à e, principalmente, éticos e legais.
mãe, ao Estado ou a instâncias religiosas. No caso Destaca-se que, embora menos propalada que
do doente terminal, as demandas se relacionam a eutanásia, a distanásia é, ainda que inconscien-
à concessão do direito de escolha em relação aos temente, mais praticada21. Nesse ponto, assina-
desígnios da própria morte15. la-se que, na iminência da morte, inicia-se uma
Nesse prisma, em vários países, como Esta- nova etapa na vida do paciente, em que o ato de
dos Unidos e Inglaterra, os defensores da legaliza- curar deve ser substituído pelo cuidar, que, no
ção do aborto e da eutanásia se unem, pelo fato entanto, não pode ser encarado como prêmio de
de ambas as questões envolverem a discussão do consolação, quando não existem mais possibili-
estatuto da vida, da autonomia individual e dos dades terapêuticas. Logo, ao discutir sobre a dis-
direitos sobre a vida. Os debates estão sendo con- tanásia, a temática da eutanásia entra em ques-
duzidos no mundo ocidental por grupos de inte- tão, indicando que os dois conceitos caminham
resse e movimentos políticos e religiosos, procu- lado a lado26.
rando influenciar a reforma das legislações vigen- Em uma pesquisa23 realizada com enfermei-
tes sobre tais temas. Os que se opõem à eutanásia ros, identificou-se que a distanásia, em seu dia a
argumentam que cabe aos profissionais da área dia, como uma morte sofrida, com muita dor,
de Saúde cuidar e investir com a finalidade de sal- introduzindo tratamento agressivo que só pro-
var vidas, ao invés de provocar a morte. Em espe- longa o processo de morrer. Desse modo, consta-
cial, os médicos que prestam assistência em cui- ta-se que também existe o prolongamento do
dados paliativos são contrários à eutanásia, por- sofrimento, e não da vida, consequentemente, sem
que consideram que as demandas de doentes ter- nenhum benefício terapêutico e acarretando gas-
minais por essa intervenção só ocorrem devido a tos elevados para a instituição24. Sob esse prisma,
uma assistência em saúde precária15,17. Paralela- os enfermeiros identificaram a distanásia, mas
mente, condenam a eutanásia os movimentos ba- referiram que não a utilizam e proporcionam a
seados em crenças religiosas, que afirmam a san- ortotanásia, sempre priorizando o conforto e o
tidade da vida, argumentando que, uma vez acei- alívio da dor e do sofrimento, em ambiente tran-
ta, a prática da eutanásia involuntária, especial- quilo e agradável, visando à qualidade de vida,
mente no caso de idosos, em certo tempo se tor- sem a utilização de prolongamentos abusivos de
nará viável por pressões econômicas17. tecnologias23. Contemplou-se, ainda, que, na fase
Em relação aos cuidados paliativos e à euta- final da vida dos pacientes, há muito que se fazer
násia, ressalta-se que essa filosofia do cuidar pre- por eles, proporcionando o relacionamento in-
ocupa-se com o indivíduo e com sua dignidade, terpessoal entre a equipe, com destaque, princi-
respeitando-a como ser humano, valorizando sua palmente, para uma comunicação mais eficaz23,24.
dor e o seu sofrimento. Logo, com o manejo ade- Nessa perspectiva, ressalta-se que a comuni-
quado de sinais e de sintomas, pode-se evitar a cação entre a equipe de enfermagem e o paciente
solicitação da eutanásia pelos próprios pacientes terminal e sua família pode contribuir para evi-
e/ou familiares. Conclui-se, então, que a propos- tar situações de distanásia e prevenir o sofrimen-
ta de cuidados paliativos torna irrelevantes e des- to, a frustração e a inquietação. Convém enfati-
necessárias muitas solicitações de eutanásia15. zar que, embora não seja função do enfermeiro
Ante as considerações apresentadas, ficou decidir interromper ou alterar as condutas no
notória a preocupação dos pesquisadores em tratamento dos pacientes, ele deve ser inserido
debater questões geradoras de conflitos éticos, nas discussões, uma vez que é o profissional que
no âmbito assistencial, direcionada ao ser hu- permanece por mais tempo com os pacientes25.
mano em fase de terminalidade, em particular, a No concernente às manifestações das vonta-
eutanásia. Ademais, os estudos analisados evi- des antecipadas do paciente, estudo21 discorre
denciaram o reconhecimento do valor da refle- sobre a ampla aceitação por parte dos médicos
xão bioética em tais questões. em respeitá-las quando ele estiver incapacitado
Quanto às publicações inseridas no tema II, de se comunicar e permite propor que tais mani-
evidenciadas no Quadro 2, averígua-se que os festações, também denominadas diretivas ante-
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cipadas, sejam regulamentadas tanto do ponto sentante legal33. Outro estudo27 complementa que
de vista ético quanto legal, uma vez que é um o médico não interfere no momento do desfecho
instrumento útil para que se respeite sua auto- letal nem para antecipá-lo nem para adiá-lo.
nomia e, como consequência, um relevante fator Nesse sentido, é oportuno enfatizar que a
que inibe a distanásia. Isso requer mais discus- complexidade na decisão de não prolongar a vida
sões sobre essa temática. é que o limite para investir está claramente ligado
O não enfrentamento da questão da dista- à concepção de morte digna atrelada à consciên-
násia faz com que convivamos com situações, cia das limitações de intervenção. Nesse contex-
no mínimo, contraditórias, em que se investe to, o ideal seria utilizar-se da humanização do
pesadamente em situações de pacientes terminais cuidar, no sentido de ouvir, sentir e pensar com o
cujas perspectivas reais de recuperação são nu- paciente que sofre com a presença do evento ine-
las. Assim, nasce uma sabedoria a partir da refle- vitável da morte, para que, dessa relação com-
xão, da aceitação e da assimilação do cuidado da plexa, possa surgir a solução mais correta plau-
vida humana no sofrimento do adeus final. En- sível9. Destarte, a ortotanásia deve ser solicitada
tre dois limites opostos, de um lado, a convicção pelo direito à morte digna, coextensão da digni-
profunda de não matar, de outro, a ideia de não dade humana, que é permeada pelos princípios
alongar ou adiar pura e simplesmente a morte34. constitucionais da vida, da igualdade, da liber-
Diante dos aspectos explicitados, considera- dade e do direito à saúde33.
se que o que interfere na conduta dos profissio- É oportuno destacar que a aplicabilidade da
nais na finitude de vida, muitas vezes, é o fato de ortotanásia é permitida em diversos países, e no
não reconhecerem a morte como uma etapa da Brasil, implicitamente, é tutelada através de
existência humana. Por essa razão, a morte deve princípios jurídicos, consubstanciados em prin-
ser discutida nos cursos de graduação da área de cípios éticos e morais. Entretanto, em virtude da
Saúde, especialmente, em relação às questões bi- insegurança jurídica propiciada pela ausência de
oéticas que permeiam a terminalidade e os limi- legislação específica, conduz à permanência da
tes da tecnologia e da ciência para o prolonga- prática distanásica30.
mento da vida do ser humano. Nos países que, explicitamente, tutelam o direi-
Os estudos assinalados no tema III retratam to à ortotanásia, ela é praticada com extrema segu-
o processo da ortotanásia tanto no âmbito da rança jurídica, obedecendo a etapas de protocolos
Medicina quanto no da Bioética, destacando al- elaborados minuciosamente, com vistas a garan-
ternativas que visam facilitar a implementação tir, efetivamente, o elemento volitivo do paciente e
dessa prática, com vistas a proporcionar ao pa- o afastamento da responsabilidade de qualquer
ciente em fase terminal que vivencie o processo natureza para o profissional médico e a institui-
morte-morrer com dignidade e autonomia. ção de saúde que participem do processo36.
Inicialmente, é importante compreender o sen- Dentre os protocolos elaborados e validados
tido da terminologia “ortotanásia”. Etimologica- para a liberação da prática da ortotanásia, desta-
mente, o termo significa morte correta – orto: cam-se o Consentimento Informado e o Testa-
certo; thanatos: morte. Denota o não prolonga- mento Vital, que, devido às suas exigências, são
mento artificial do processo de morte, além do considerados documentos seguros e válidos. Para
que seria o processo natural. Tal prática é com- se conceder a ortotanásia por meio desses instru-
preendida como manifestação da boa morte ou mentos, é necessário que o paciente manifeste sua
morte desejável, sem que a vida seja prolongada vontade que, preferencialmente, tem que ser efe-
por meios que possam aumentar o sofrimento35. tuada antes que ele perca sua capacidade civil30.
A ortotanásia é caracterizada como boa mor- De acordo com a pesquisa35, o Testamento
te, a arte do bem morrer, de se respeitar o bem- Vital é um documento amplamente utilizado nos
estar global dos indivíduos, a fim de garantir a Estados Unidos, que obedece a uma formalidade
dignidade no viver e no morrer. Essa prática per- rígida, em que a pessoa determina, de forma es-
mite aos doentes e seus familiares defrontarem a crita, o tratamento a que vai se submeter ou não,
morte como algo natural, um continuum da em certo momento em que se encontre em esta-
vida28. Seguindo essa concepção, a ortotanásia é o do incurável ou terminal, para não ter sua von-
procedimento pelo qual o médico suspende o tra- tade tolhida caso não possa mais expressá-la, além
tamento, ou só realiza terapêuticas paliativas, para de evitar a instalação de uma terapia fútil e uma
evitar mais dores e sofrimentos para o paciente morte indigna e sofrida. Em contrapartida, no
terminal, que já não tem mais chances de cura, Brasil, atualmente, não existe ainda o emprego
desde que essa seja sua vontade ou de seu repre- do Testamento Vital normatizado.
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Felix ZC et al.

Nesse sentido, em nosso país, vêm se firman- tuais e valorizar a dignidade humana. Por fim,
do alguns posicionamentos e discussões trans- observa-se que, apesar de o termo ortotanásia
disciplinares sobre a aplicabilidade da ortotaná- ser pouco conhecido, é uma situação que ocorre
sia, como forma de tutelar uma morte digna, no cotidiano do ambiente hospitalar, e o profis-
sedimentam-se com suporte em princípios (bio) sional da área de Saúde participa desse processo
- éticos, sobretudo o da autonomia da vontade, atuando como um elo entre paciente, família e
e no primado constitucional da dignidade do ser equipe. Destaca-se, ainda, para a necessidade da
humano, com diretrizes que envolvem o bem formação profissional da equipe de saúde, no
mais supremo do ser humano – a vida revestida que concerne ao processo de assistência aos paci-
de dignidade30. entes em fase final e seus familiares, com vistas a
Tal concepção pode ser constatada nos de- promover um cuidado holístico e humanizado.
poimentos de profissionais de uma averiguação32,
que teve como escopo conhecer a percepção do
enfermeiro em relação à ortotanásia. De acordo Considerações Finais
com os resultados, os profissionais se mostra-
ram favoráveis a sua execução, pois referiram Os artigos examinados neste estudo refletiram
que se sentem competentes e gratificados quan- sobre os dilemas bioéticos: eutanásia, distanásia
do conseguem manter o paciente como “ser com- e ortotanásia. Muitas são as discussões envolvi-
pleto” até sua morte. Eles acrescentaram que, a das, uma vez que o processo de cuidar envolve
partir do momento em que os profissionais da situações entre vida e morte, conforto e sofri-
área de Saúde e a família do paciente conseguem mento, entre outros. Nesse prisma, a Bioética,
atentar para a morte como um fato natural e como campo de reflexão, promove um melhor
inevitável, a aceitação da ortotanásia vem como direcionamento para situações que geram os re-
consequência, e isso contribui para que haja uma feridos dilemas.
morte digna. Observou-se, através das publicações, que,
Em outra pesquisa29, realizada com o objeti- no Brasil, o ordenamento jurídico manifesta-se
vo de avaliar o impacto da resolução CFM 1.805/ contrário à prática de eutanásia, por considera-
2006 na opinião dos médicos que trabalham nas la crime de acordo com a legislação penal. Po-
Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Com- rém, esse tema vem sendo debatido entre filóso-
plexo Hospital das Clínicas, constatou-se que a fos, religiosos, profissionais da área de Saúde e
maioria dos envolvidos no estudo foi favorável à operadores do Direito, com vários projetos que
implementação da prática da ortotanásia, visan- tramitam no Congresso Nacional. Quanto à dis-
do diminuir o sofrimento do paciente e de seus tanásia, percebeu-se que não existe consenso na
familiares, desde que respeitada sua vontade ou literatura em relação aos critérios para a retirada
a de seu representante legal, devidamente funda- e a manutenção do suporte terapêutico frente ao
mentada e registrada no prontuário, e que o pa- paciente no processo de morrer. Nesse contexto,
ciente continue a receber todos os cuidados ne- evidencia-se que a Bioética pode ser uma ferra-
cessários para aliviar os sintomas que levem ao menta eficaz na busca da decisão mais prudente
sofrimento e lhe sejam assegurados assistência frente aos conflitos éticos em detrimento da ter-
integral, conforto físico, psíquico, social e espiri- minalidade.
tual, e o direito a alta hospitalar. As publicações assinalaram, ainda, que alguns
Assim como os profissionais, a família tam- posicionamentos vêm se firmando acerca da apli-
bém é a favor da prática da ortotanásia. Tais acha- cabilidade da ortotanásia como forma de tutelar
dos foram verificados em uma pesquisa32 que teve uma morte digna, fundamentando-se em prin-
como escopo avaliar o posicionamento dos fa- cípios, sobretudo no da autonomia e do bem
miliares sobre tal prática. Os autores constata- mais precioso do ser humano – a vida revestida
ram que os familiares também gostariam de par- de dignidade. Ante o exposto, espera-se que este
ticipar da tomada de decisão no momento final estudo possa contribuir para fortalecer as leitu-
da vida. ras críticas a respeito da temática. No entanto, é
Diante dessas ponderações, entende-se que a necessário desenvolver novas pesquisas, prove-
ortotanásia emerge como um instrumento no nientes de dados empíricos que possam servir de
sentido de proporcionar uma assistência holísti- subsídios para respaldar a prática de profissio-
ca e integral ao paciente, atentar para as suas nais da área de saúde no cuidado com o paciente
necessidades físicas, psicológicas, sociais e espiri- terminal e sua família.
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Artigo apresentado em 30/04/2013


Aprovado em 22/05/2013
Versão final apresentada em 28/05/2013

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