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Hipóteses de cabimento de recurso

hierárquico impróprio contra decisões de


agências reguladoras

Luiz Henrique Diniz Araujo

Sumário
Introdução. 1. Agências reguladoras: novi-
dade na essência ou apenas no nome? 2. Autar-
quias comuns: cabimento de recurso hieráquico
impróprio. 3. Agências reguladoras: cabimento
de recurso hierárquico impróprio nos casos de
atividades administrativas não finalísticas, afas-
tamento da política de governo e desrespeito aos
limites de competência. 4. Conclusão.

Introdução
Este trabalho foi elaborado com a fina-
lidade de analisar se é cabível o recurso
hierárquico impróprio das decisões profe-
ridas por agências reguladoras — uma vez
que é cabível contra decisões de autarquias
não especiais — e, em caso afirmativo, as
hipóteses de cabimento.
Para isso, analisa, primeiramente,
algumas peculiaridades que configuram
as agências reguladoras como autarquias
especiais, em especial em relação à natu-
reza de suas funções — edição de normas
técnicas gerais sobre os assuntos de sua
competência —, bem como com referência
à independência política que, ao menos
juridicamente, ostentam.
Luiz Henrique Diniz Araujo é graduado A partir do estudo desses aspectos, anali-
em Direito pela Universidade Federal de Per-
sar-se-á o posicionamento dos que entendem
nambuco. Especialista em Direito Processual
Civil pela Universidade Católica Dom Bosco. pelo incabimento do recurso hierárquico
Pós-graduando em Direito Público pela Escola impróprio das decisões das agências regu-
da Magistratura de Pernambuco. Procurador ladoras; dos que, inversamente, entendem
Federal desde agosto/2002. pelo cabimento irrestrito do recurso; e, ao

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fim, demonstrar-se-á nosso posicionamento, direito brasileiro, existem, desde longa
que faz uma ponderação entre os dois argu- data, entidades com função reguladora,
mentos anteriores e procura se filiar a uma ainda que sem a denominação de agências”.
terceira solução para o problema. Mas acrescenta que a novidade são as agên-
cias que vêm desempenhando o papel que,
1. Agências reguladoras: novidade na nas concessões públicas, outrora cabia ao
poder concedente (PIETRO, 2006, p. 458).
essência ou apenas no nome?
Verifica-se, no entanto, que, sendo
Consoante o art. 5o do Decreto-lei no novidade ou não no Brasil o exercício de
200/67, considera-se autarquia “o serviço atividades regulatórias por entes admi-
autônomo, criado por lei, com personalida- nistrativos descentralizados, as chamadas
de jurídica, patrimônio e receita próprios, agências reguladoras apresentam caracte-
para executar atividades típicas da Admi- rísticas capazes de as individualizar, sendo
nistração Pública, que requeiram, para seu a principal, e que nos interessa diretamente,
melhor funcionamento, gestão administra- a independência.
tiva e financeira descentralizada”. As autarquias não especiais (aquelas
De acordo com esse conceito, pode-se não qualificadas como agências regula-
dizer que as agências reguladoras são doras) mantêm relação de tutela ou su-
verdadeiras autarquias, mas de regime es- pervisão com os Ministérios aos quais são
pecial, criadas para normatizar e controlar vinculadas.
algumas atividades, notadamente serviços Esse controle visa harmonizar a atuação
públicos (ANEEL, ANTT, ANTAQ etc.), da autarquia com as diretrizes políticas
atividades de fomento e fiscalização de fixadas pelo Poder Executivo, bem como
atividade privada (ANCINE), atividades garantir a eficiência administrativa das
de regulação das atividades econômicas autarquias.
relacionadas à produção de petróleo (ANP), O controle que a Administração Direta
atividades de saúde e vigilância sanitária realiza sobre esses entes é de legitimidade
(ANS e ANVISA), regulação de uso de bem ou de mérito, conforme se limite a adequar
público (ANA) e regulação de mercado de a atuação da autarquia à lei, ou, no segundo
capitais (CVM). caso, quando for possível avaliar a conveni-
Tais autarquias de regime especial ência e a oportunidade do agir autárquico.
apareceram no Direito brasileiro, ao menos No caso das agências reguladoras, são
com o nome de agências reguladoras, por entes autárquicos ditos especiais, destacan-
ocasião da Reforma Administrativa, trazida do-se a maior independência perante o poder
a lume pela Emenda Constitucional no 19. ao qual são vinculadas, garantida inclusive
Todavia, alguns doutrinadores prele- pela estabilidade dos dirigentes, que não
cionam que “autarquias com funções re- são demissíveis ad nutum por autoridades
guladoras não se constituem em novidade da Administração Direta, e pela autonomia
alguma. O termo com que foram batizadas decisória quanto às atividades tipicamente
é que é novo no Brasil” (MELLO, 2005, p. regulatórias.
159). Em respaldo à tese, esse autor afirma, Consoante Aragão (2000, p. 281, grifo
ainda, que “a autarquia Departamento nosso):
Nacional de Águas e Energia Elétrica – “Seus inúmeros poderes (das agências
DNAEE, por exemplo, cumpria exatamente reguladoras), além de abrangerem as-
a finalidade ora irrogada à ANEEL (...)” pectos de todas as funções da clássica
(MELLO, 2005, p. 157). divisão tripartite dos Poderes, são, em
O mesmo posicionamento tem Maria razão dos termos bastante genéricos
Sylvia Zanella di Pietro (2006, p. 457): “No pelos quais são conferidos, exercidos

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com grande grau de liberdade frente a outra lei). Sem embargo, é certo que,
quaisquer desses Poderes. nos termos do art. 5o, XXXIV, ‘a’, da
Essa autonomia no exercício das compe- Constituição, a todos é assegurado,
tências setoriais é necessária para que a independentemente do pagamento
entidade reguladora possa caracterizar-se de taxas, ‘o direito de petição aos Po-
como independente.” deres Públicos em defesa de direitos
Essa autonomia diante da Administra- ou contra ilegalidade ou abuso de po-
ção central é precisamente o diferencial de der’. Assim, configurando-se o caso,
tais entes, a fim de exercitarem plenamente a autoridade supervisora poderá
seu papel regulatório. encontrar-se obrigada a exercer os ca-
Essa característica das Agências também bíveis poderes de supervisão sempre
é comentada por Atayde (1988, p. 2141): que o ato atacado incorra em alguma
“O que distingue uma autarquia de das hipóteses que o suscitam”.
uma autarquia especial é que nesta Essa possibilidade de revisão dos atos da
estão presentes algumas caracte- autarquia por uma autoridade externa está
rísticas hábeis a lhe conferir maior prevista no DL 200/67, art. 170, que dispõe
grau de independência em relação à textualmente que “o Presidente da Repúbli-
ca, por motivo relevante de interêsse públi-
Administração Direta.”
co, poderá avocar e decidir qualquer assunto
Vê-se, portanto, que, apesar de serem
na esfera da Administração Federal”.
as agências reguladoras entes autárquicos,
Ademais, mesmo que não houvesse essa
a presença da independência quanto à
disposição, um tal entendimento já estaria
tomada de decisões regulatórias, o que é
autorizado pela supervisão ministerial
reforçado pela estabilidade temporária de
prevista no art. 87, parágrafo único, I, da
seus dirigentes, se configuram verdadeiras CF, que dispõe:
características próprias. “Art. 87. (...)
Parágrafo único. Compete ao Minis-
2. Autarquias comuns: cabimento de tro de Estado, além de outras atribui-
recurso hierárquico impróprio ções estabelecidas nesta Constituição
e na lei:
Uma vez que são pessoas jurídicas autô- I – exercer a orientação, coordenação
nomas, as autarquias não qualificadas como e supervisão dos órgãos e entidades
agências reguladoras não podem ter seus da administração federal na área de
atos objeto de recurso, em sentido próprio, sua competência e referendar os atos
para autoridade do Ministério respectivo. e decretos assinados pelo Presidente
O que há, em face de sua vinculação a um da República;”
Ministério, é a possibilidade de recurso Dessa forma, não se pode negar a possi-
hierárquico impróprio (MELLO, 2005, p. bilidade de recurso hierárquico impróprio,
150) para esse mesmo Ministério: para a Administração Direta, das decisões
“Dado que as autarquias são pessoas proferidas por autarquias comuns.
jurídicas distintas do Estado, o Minis-
tro supervisor não é autoridade de alçada 3. Agências reguladoras: cabimento de
para conhecer de recurso contra seus atos, recurso hierárquico impróprio nos casos de
pois inexiste relação hierárquica entre
atividades administrativas não finalísticas,
este e aquelas, mas apenas os vínculos
afastamento da política de governo e
de controle legalmente previstos. Assim,
só poderia haver o recurso hierárquico desrespeito aos limites de competência
impróprio, isto é, quando previsto na Cabe analisar neste tópico, e este é o
lei própria da autarquia (ou em alguma cerne deste trabalho, a possibilidade de

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recurso hierárquico impróprio de decisões ao Executivo esvaziaria o espaço de-
das agências reguladoras, tendo em conta a cisório que cabe constitucionalmente
sua autonomia em relação à administração à Administração Direta.”
central. Em trilha oposta parece ir Di Pietro
Há quem reconheça essa possibilida- (2006, p. 459, grifo nosso):
de, lastreando-se no argumento de que “Elas (as agências reguladoras) estão
a Administração central é quem detém a sendo criadas como autarquias de
legitimidade democrática de condução das regime especial. Sendo autarquias,
atividades públicas. É o que diz Almeida sujeitam-se às normas constitucionais
(2007): que disciplinam esse tipo de entida-
“Negar cabimento de recurso hie- de; o regime especial vem definido
rárquico impróprio na hipótese que nas respectivas leis instituidoras,
se trata significa tolher inadverti- dizendo respeito, em regra, à maior
damente a defesa de direitos, o que autonomia em relação à Adminis-
representa sobrevivências de uma tração Direta; à estabilidade de seus
Administração Pública autoritaris- dirigentes, garantida pelo exercício
ta, baseado no puissence publique, de mandato fixo, que eles somente
derruída pelo regime constitucional podem perder nas hipóteses expres-
instaurado em 1988, que inaugurou samente previstas, afastada a possi-
uma Administração Pública pres- bilidade de exoneração ad nutum; ao
tadora de serviços públicos, a qual caráter final das suas decisões, que
inadmite a exclusão da manifestação não são passíveis de apreciação por
de administrados e parceiros desse outros órgãos ou entidades da Admi-
processo inaugurado. nistração Pública”.
A criação das Agências Reguladoras Arnoldo Wald (1999, p. 22), por sua vez,
visa justamente corroborar com esse também já defendeu a impossibilidade de
Estado prestador de serviços, pois es- tal recurso:
tas travarão relações com os parceiros “Resta ponderar acerca da conveni-
de implementação de políticas públi- ência e oportunidade de previsão de
cas cujos apelos devem ser, ao menos, recursos hierárquicos das decisões da
escutados, e não liminarmente sub- diretoria da agência. A desvantagem
jugados. Os Ministérios dos setores de remeter para um órgão fora da
correlatos não podem, como desejam agência reguladora a atribuição de
algumas Agências Reguladoras, ser rever a decisão desta poderia implicar
limados desse processo, sob pena de a supressão de sua independência
esvaziamento da competência da- decisória. A melhor solução para
queles órgãos na gestão dos serviços viabilizar uma revisão decisória seria
públicos correspondentes. a de estabelecer, no seio da própria
Se couber às Agências Reguladoras entidade reguladora, um mecanismo
a totalidade da gestão das políticas revisional para as decisões, mediante
públicas do setor regulado, pouco recurso a um plenário especial, dota-
restará ao Executivo de competên- do de poderes para tal”.
cia decisória. Vale ressaltar que é o No entanto, em trabalho mais recente,
Executivo que detém a legitimidade o doutrinador se posicionou de maneira
democrática e constitucional para diversa, nos seguintes termos (WALD,
exercer a função administrativa. As- 2004, p. 981):
sim, a completa independência das “21. Entendemos que o recurso con-
Agências Reguladoras em relação tra a Agência pressupõe, todavia, a

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violação da lei ou o abuso de direito, (THC2) pela entrega de contêineres
não abrangendo situações nas quais aos demais recintos alfandegados.
lhe cabe competência discricionária, Diário Oficial da União 19/06/2006
como nos casos de elaboração de edi- Seção 1 p.1-11
tal ou de fixação e revisão de tarifas, Ementa:
respeitadas as normas constitucionais “PORTO DE SALVADOR. THC2.
e legais.” DECISÃO DA ANTAQ. AGÊNCIA
Essa é uma forma de lidar com a questão REGULADORA. CONHECIMEN-
que entendo mais adequada do que a de TO E PROVIMENTO DE RECURSO
simplesmente impedir qualquer possibili- HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO PELO
dade de recurso das decisões das agências MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES.
reguladoras, de sorte a se permitir a for- SUPERVISÃO MINISTERIAL. INS-
mação de entes totalmente independentes TRUMENTOS. REVISÃO ADMINIS-
da administração direta. Tampouco penso TRATIVA. LIMITAÇÕES.
ser razoável o entendimento de permitir o I – “O Presidente da República, por
recurso hierárquico impróprio em relação motivo relevante de interêsse públi-
a quaisquer decisões desses entes especiais, co, poderá avocar e decidir qualquer
pois assim se desconfiguraria completa- assunto na esfera da Administração
mente a autonomia das agências. Federal” (DL no 200/67, art. 170).
Interessante concepção foi formulada II – Estão sujeitas à revisão ministe-
pela Advocacia-Geral da União, em parecer rial, de ofício ou por provocação dos
aprovado pelo Presidente da República, interessados, inclusive pela apresen-
no qual se analisou a possibilidade de re- tação de recurso hierárquico impró-
curso de decisão da Agência Nacional de prio, as decisões das agências regu-
Transportes Aquaviários (ANTAQ) para ladoras referentes às suas atividades
o Ministério dos Transportes, ao qual é administrativas ou que ultrapassem
vinculada (ADVOCACIA..., 2006). os limites de suas competências mate-
No caso em análise, a empresa Tecon riais definidas em lei ou regulamento,
Salvador S/A pretendia que o Ministério ou, ainda, violem as políticas públicas
dos Transpores revisse decisão da ANTAQ definidas para o setor regulado pela
que negara a cobrança de taxa (THC2) pela Administração direta.
entrega de contêineres aos demais recintos III – Excepcionalmente, por ausente o
alfandegados. instrumento da revisão administrati-
O parecer entendeu que, no caso, se va ministerial, não pode ser provido
tratava de função tipicamente regulatória, recurso hierárquico impróprio di-
atinente à atividade-fim da agência – a de rigido aos Ministérios supervisores
regulação do transporte aquaviário –, e, contra as decisões das agências regu-
por essa razão, a possibilidade de recurso ladoras adotadas finalisticamente no
hierárquico impróprio configuraria afronta estrito âmbito de suas competências
à essência e à autonomia da agência regu- regulatórias previstas em lei e que es-
ladora. tejam adequadas às políticas públicas
Eis a ementa da manifestação: definidas para o setor.
PROCESSO No 50000.029371/2004-83 IV – No caso em análise, a decisão
PROCEDÊNCIA: Ministério dos adotada pela ANTAQ deve ser man-
Transportes – MT tida, porque afeta à sua área de com-
INTERESSADO: Tecon Salvador S/A petência finalística, sendo incabível,
ASSUNTO: Porto de Salvador. Ope- no presente caso, o provimento de
radores portuários. Cobrança de taxa recurso hierárquico impróprio para

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a revisão da decisão da Agência pelo forma a impedir o recurso para o Ministério
Ministério dos Transportes, restando respectivo, entendeu de forma contrária
sem efeito a aprovação ministerial do quando a agência se distanciar da política
Parecer CONJUR/MT no 244/2005. de Governo, quando se referir a atividades-
V – A coordenação das Procuradorias meio ou, ainda, quando a agência extrapo-
Federais junto às agências regulado- lar os limites de sua competência.
ras pelas Consultorias Jurídicas dos É importante frisar, outrossim, embora
Ministérios não se estende às deci- sejam díspares, quanto ao ponto, os trata-
sões adotadas por essas entidades mentos dispensados pelas leis específicas
da Administração indireta quando de cada agência, que o entendimento aci-
referentes às competências regula- ma se aplica a todos esses entes de regime
tórias desses entes especificadas em especial.
lei, porque, para tanto, decorreria A possibilidade de recurso nos casos
do poder de revisão ministerial, o mencionados decorreria da supervisão
qual, se excepcionalmente ausente ministerial e do direito constitucional de
nas circunstâncias esclarecidas prece- petição aos órgãos públicos. Já a impossi-
dentemente, afasta também as com- bilidade de recurso nas atividades típicas
petências das Consultorias Jurídicas. de regulação decorreria da autonomia de
O mesmo ocorre em relação à vincu- tais entes.
lação das agências reguladoras aos Assim detalha o já mencionado pare-
pareceres ministeriais, não estando cer da Advocacia-geral da União sobre o
elas obrigadas a rever suas decisões tema:
para lhes dar cumprimento, de for- “41. Como explicitado anteriormente,
ma também excepcional, desde que um dos principais instrumentos de
nesse mesmo âmbito de sua atuação supervisão dos Ministros de Estado
regulatória. sobre as autarquias em geral é a pos-
VI – Havendo disputa entre os Minis- sibilidade de exonerar seus dirigentes
térios e as agências reguladoras quan- ou indicar essa medida ao Presidente
to à fixação de suas competências, ou da República, se este não lhes houver
mesmo divergência de atribuições delegado essa competência, como
entre uma agência reguladora e outra forma de viabilizar a revisão de
entidade da Administração indire- suas decisões pelos novos dirigen-
ta, a questão deve ser submetida à tes a serem indicados/nomeados.
Advocacia-Geral da União. Porém, essa medida não é aplicável
VII – As orientações normativas da às agências reguladoras, salvo nos
AGU vinculam as agências regula- estritos casos previstos em lei, o que,
doras. por si só, induz à conclusão de que,
VIII – As agências reguladoras devem em alguma medida, a supervisão
adotar todas as providências para ministerial sobre as agências admite
que, à exceção dos casos previstos temperamentos. De que ordem?
em lei, nenhum agente que não inte- 42. Se, por um lado, como visto, a
gre a carreira de Procurador Federal supervisão ministerial decorre dire-
exerça quaisquer das atribuições tamente da Constituição (art. 87, par.
previstas no artigo 37 da MP no 2.229- ún., I), o que implica na afirmação
43/2001.” da impossibilidade de que venha a
Verifica-se que ao tempo em que re- ser excepcionada pela legislação in-
conheceu, nos casos de atividade típica fraconstitucional, não se pode dizer
de regulação, a autonomia da agência, de o mesmo acerca de todos os meios

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de seu exercício, pois alguns destes haveria nenhuma razoabilidade na
não possuem sede constitucional. separação das agências nesses dois
Nesse sentido, a impossibilidade de grupos, porque não possuem elas
exoneração ad nutum dos dirigentes entre si qualquer fator de discrímen
das agências reguladoras representa que autorize essa divisão, a qual seria,
a principal restrição de meios de que então, meramente aleatória.”
dispõem os Ministérios na sua relação Verifica-se, portanto, pelas expostas,
de supervisão com essas entidades. que o mais acertado é entender-se pelo cabi-
43. Tendo em conta a vedação de mento de recurso hierárquico impróprio de
substituição política dos dirigentes decisões de agências reguladoras nos casos
das agências reguladoras, não é difícil de atividades administrativas não finalís-
avançar-se para a definição de im- ticas, afastamento da política de governo
possibilidade de revisão ministerial e desrespeito aos limites de competência.
de algumas de suas decisões, o que, Por outro lado, essa forma de irresignação
por conseqüência, limitaria na mesma não seria cabível quando a agência decidir
medida o âmbito de provimento de matéria de natureza regulatória em seu
recursos hierárquicos impróprios que âmbito de competência, sob pena de afronta
visassem impugnar essas decisões, à independência que lhe é inerente.
pois, por via transversa, o cabimento
indistinto do recurso hierárquico im- 4. Conclusão
próprio garantiria aos Ministérios o
mesmo efeito revisor que não podem No presente trabalho, analisou-se o ca-
obter através da substituição política bimento de recurso hierárquico impróprio
do comando dessas entidades, repre- contra decisões proferidas por agências
sentando por isso uma possível burla reguladoras.
à disciplina legal das agências regu- A partir da análise dos diversos posi-
ladoras, que aponta para a existência cionamentos sobre o tema, bem como do
de exceções aos meios que podem caráter de autarquias de regime especial
ser utilizados para o exercício da su- ostentado pelas agências reguladoras,
pervisão ministerial, como forma de chegou-se ao entendimento pelo cabimento
lhes garantir a autonomia decisória a limitado do recurso hierárquico contra as
elas conferida pelos mandatos fixos decisões de tais entes.
de seus dirigentes. Assim, a conclusão do trabalho é pelo
44. E essa autonomia decisória das incabimento quando a agência decidir
agências, atualmente, seria compar- matéria de natureza regulatória em seu
tilhada em determinado grau por âmbito de competência, sob pena de afronta
todas elas, pois nada justificaria que à independência que lhe é inerente.
apenas ANATEL, ANVISA, ANS
e ANAC não estivessem sujeitas à
revisão ministerial de algumas de Referências
suas decisões, enquanto as demais
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer AGU
agências reguladoras, ANEEL, ANP,
AC-51 n. 50000.029371/2004-83. Diário Oficial
ANTT, ANTAQ, ANA e ANCINE, es- da União, Brasília, 19 jun. 2006. Disponível em:
tariam adstritas a esse instrumento de <http://200.181.70.163/webpareceres/>. Acesso em:
supervisão de forma indistinta, como 24 de dez. 2007.
se poderia, à primeira vista, extrair da ALMEIDA, Marcelo Eugênio Feitosa. Do recurso
literalidade das díspares redações de hierárquico ao Ministério dos Transportes em face
suas respectivas leis de criação. Não de decisões das agências reguladoras vinculadas. Jus

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Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1103, 9 jul. 2006. Dispo- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
nível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.
asp?id=8618>. Acesso em: 30 nov. 2007.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administra-
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo tivo. São Paulo: Atlas, 2006.
das agências reguladoras independentes e o estado
WALD, Arnoldo; MORAES, Luiza Rangel de. Agên-
democrático de direito. Revista de Informação Legislativa,
cias reguladoras. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, a. 37, n. 148, p. 275-299, out./dez. 2000.
Brasília, a. 36, n. 141, p. 143-171, jan./mar. 1999.
ATHAYDE, José Gustavo. As agências reguladoras:
______ . O controle político sobre as agências regu-
independência e poder normativo em face da Consti-
ladoras no direito brasileiro e comparado. Boletim
tuição Federal de 1988. Fórum Administrativo: direito
de Direito Administrativo (BDA), São Paulo, n. 9, p.
público, Belo Horizonte, n. 26, p. 2136-2148, 1988.
977-988, set. 2004.

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