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Tradução: Lala
Revisão Inicial: Angel
Revisão Final e Leitura: Seraph
Formatação: Aurora
03/2021
Aviso
King Series
SINOPSE
SOCRATES
PRÓLOGO
PIKE
Amor é uma praga, infectando as massas com a mentira do
FELIZES PARA SEMPRE.
É a religião suprema, seguida pelos que têm fé de que ele salvará
suas almas miseráveis e lhes dará algum tipo de propósito mais
profundo. Esse amor é o que faz a vida valer a pena.
Besteira.
O amor é um culto. Um tumulto de idiotas esperançosos, todos
correndo para pular do mesmo penhasco que já ceifou a vida de milhões
antes deles. Através do nevoeiro, eles são incapazes de enxergar seu
destino, o que o amor realmente tem esperando por eles no fundo.
Nada além de um emaranhado horrível de carnificina. Então, eles
pulam.
E quando tudo é dito e feito, o amor não os leva a encontrar um
propósito, esperança ou significado nesta vida.
Termina juntando-se à porra da pilha.
Outro entalhe esculpido no cabo da arma do amor.
O único fim verdadeiro da praga é a morte ou algo que se parece
muito quando a infecção se espalha para o coração e a alma,
esmagando um homem por dentro.
O amor é confuso, sangrento e ignorante.
O ódio nasce na ausência de falsas promessas de amor. Uma
evolução do homem.
O ódio é fácil. Puro em sua simplicidade. Não decepciona ou
desencaminha.
Não há promessas falsas, nem nevoeiro nublando o que está
esperando no fundo do penhasco.
O ódio é um produto de onde eu vim e uma direção para onde
estou indo.
Logan’s Beach.
É uma cidade composta de partes iguais de areia e sádicos.
Praia e sangue.
Água salgada e pecados.
Canais e caos.
Os campos vazios e cobertos de vegetação abrigam o solo perfeito
no qual as sementes do ódio são plantadas e florescem, produzindo um
exército de homens sem alma. O sangue em suas veias, substituído pelo
verde que flui da ganância. Eles empunham armas em vez de mãos e
pedras em vez de corações. Invada seus caminhos, e você será
derrubado.
A única lei nesta cidade é o poder. E os caminhos que você tem
que trilhar para obter esse poder podem ser surpreendentes e horríveis.
O respeito é conquistado através de atos sangrentos de violência e do
tipo de brutalidade que fora desta cidade só existe em pesadelos.
Meu poder está na minha verdade. Não tenho falsas noções sobre
quem sou ou do que sou capaz. Não tenho medo de retaliação, vingança
ou do próprio ceifador.
Enfrento a vida sem minha arma escondida nas costas, mas nas
mãos e em seu rosto, porque minha semente não foi plantada no
nascimento, mas pelas circunstâncias.
Não sou uma vítima. Sou simplesmente o resultado. Um produto
de Logan’s Beach. Um exilado. Um fora-da-lei. Apaixonado por sangue.
Estou preparado para qualquer coisa e qualquer pessoa. Exceto
ela.
Minha vida depois de Mickey é uma granada viva sendo lançada
no ar como um brinquedo de criança.
Enquanto estou distraído, tentando evitar que tudo pelo que
trabalhei exploda, ela de alguma forma consegue deslizar seus
pequenos dedos femininos além de todas as minhas barreiras, chega à
minha alma negra ...
E puxa a porra do pino.
CAPÍTULO UM
MICKEY
1 Uma toalha superabsorvente, feita pelos alemães. Você sabe que os alemães sempre
fazem coisas boas.
Embora sejamos inteligentes e compartilhamos o mesmo ridículo
senso de humor, é aqui que diferimos. Papai é sentimental de uma
maneira quase caprichosa. Ele pode deixar de lado a lógica pelo
sentimento.
Enquanto o vejo fechar os olhos e respirar fundo, percebo que o
invejo. Que ele pode ter o melhor dos dois mundos, enquanto consigo
viver dentro das fronteiras de apenas um.
Normalmente, eu revirava os olhos ou simplesmente fingia
concordar com isso, mas é o meu último verão aqui antes de voltar para
a faculdade e começar meu novo projeto de pesquisa, e quem sabe,
talvez meu último verão aqui, e fiz uma promessa para mim mesma de
que vou saborear cada minuto que me resta deste lugar. Então, faço o
que papai diz e paro, encaro a água e fecho os olhos. O sal é tão espesso
no ar que posso prová-lo na boca antes mesmo de ter a chance de
inalar.
Tento respirar fundo, mas não consigo. Meus pulmões já estão
cheios, mas não de ar. Solto uma daquelas tosses úmida e grossa, onde
você pode sentir coisas se movendo nos pulmões. E o ar pode muito
bem ser como uma lambida de sal, porque o que tusso parece como seu
eu tivesse lambido um o dia todo.
Minha mãe se aproxima e pergunta se estou bem. Assinto, limpo
a boca com as costas da mão e lanço um sorriso para ela, assegurando-
lhe que estou bem. Ela me lembra que eu sempre fico resfriada no final
do verão. Ela está certa. Sempre fico.
É o que dá minha tentativa de ser um espírito livre.
Sorrio para mim mesma. Mallory usará sua máscara cirúrgica
durante toda a viagem para casa, para não pegar meu resfriado. Ela me
dará seu habitual levantar de sobrancelha, olhares laterais toda vez que
eu espirrar como se tivesse uma praga de zumbis. Faço uma anotação
mental para dar alguns espirros e tosses falsos adicionais, por garantia.
Continuamos caminhando. Meus pés doem ao ponto de estar
mancando. Faço o possível para esconder isso, para não preocupar
mamãe. Também não quero reclamar, ela já ouviu muitas reclamações
hoje. Além disso, ela disse que estamos quase lá, então poderei
descansá-los em breve.
O branco e o amarelo dos faróis se aproximando espalhavam-se à
luz do amanhecer como portais de sóis embaçados. Faço uma pausa e
protejo meus olhos por um momento antes de todos continuarmos.
Uma buzina alta soa de um carro passando, fazendo Maya pular e
Mallory amaldiçoar enquanto ele desaparece na estrada.
Depois de mais alguns quilômetros, a estrada torna-se estreita e
rachada, sem marcações separando as pistas. Não há mais luzes, bares
ou pessoas.
Mindy geme para o papai, e ele assegura-lhe novamente que
estamos quase lá, mas estou começando a achar que lá não existe.
Uma caminhonete preta para ao nosso lado. É enorme, com
pneus altos. Eu estico meu pescoço quando a janela desce. Um
homem aparece, embora esteja tão alto que não consigo distinguir seu
rosto.
— Senhorita, você precisa de uma carona? — Ele pergunta,
parecendo preocupado.
Sorrio e meus lábios racham. Um filete de sangue escorre pela
minha mandíbula e limpo com a camisa molhada. Dói com o sal, mas
meu sorriso não vacila. Estou muito feliz por estar com minha família.
Estar aqui. Tenho que estar feliz.
Não posso deixar de sorrir.
Mas por que estou sangrando?
Todas as minhas irmãs estão implorando aos meus pais que nos
deixem entrar na caminhonete desse estranho, mas sei que eles nunca
permitirão. Então, por mais que aprecie a oferta, recuso educadamente.
— Muito obrigada, mas não, obrigada.
Minhas irmãs riem e, embora não possa ver o homem, percebo
que ele deve ter uma aparência decente, porque minhas irmãs estão
rindo como idiotas.
Viro minha cabeça. — Shhh, não sejam rudes, — digo entre os
dentes e volto para o estranho. — Sinto muito por elas.
— ‘Elas’ — diz ele, como se não entendesse por que as meninas
estão rindo em sua presença. Eu também posso estar, mas seu rosto
está ainda mais desfocado agora do que quando ele parou. De fato, tudo
está mais desfocado agora.
Precisamos continuar, para que possamos chegar lá.
Mas onde é lá? Onde estou?
— Mais uma vez obrigada pela oferta, — digo ao homem. — Mas,
como pode ver, mesmo se aceitássemos sua gentil oferta, sua
caminhonete não tem banco traseiro e acho que não pode acomodar nós
seis.
— Todos vocês seis, — ele repete. Não é uma afirmação ou
pergunta. Estou começando a pensar que ele não tem todo o poder
cerebral necessário para calcular uma afirmação tão simples.
Ou contar até seis.
Meus pés doem e estou mudando de um para o outro. Estou
ansiosa para dispensar esse estranho, e acho cada vez mais difícil
permanecer em pé. — Você não acha que eu deixaria minha família
aqui e iria com você, não é? — Viro para o meu pai e dou de ombros.
Ele sorri com orgulho, sem dúvida, ao perceber que suas constantes
conversas sobre perigo deram certo.
— Senhorita, onde está sua família? — Ele pergunta, hesitante.
Franzo a testa. Quero dizer, minha visão está embaçada, mas
esse homem deve ser totalmente cego.
— Bem atrás de mim! — Aceno meus braços para onde minha
família está reunida ao lado da estrada. Todos acenam de volta como se
fossem uma pintura móvel da foto de família perfeita.
Ele abre a porta do motorista e salta para o asfalto. Registro
braços de urso e uma camisa branca. Tatuagens. Seu cabelo é loiro
escuro, lembrando-me do meu gato, Penny. Ele tem uma cicatriz na
mandíbula e olhos brilhantes que se mantem saindo de foco. Não é à
toa que minhas irmãs riram. Ele é muito digno de risos. Meu palpite é
que ele é apenas um pouco mais velho que eu, embora sua voz
profunda pareça muito mais madura.
Ele bate a porta com força.
Não sei se é o movimento repentino ou a longa caminhada que me
faz oscilar.
O jovem olha por cima do meu ombro para o escuro e depois para
mim antes de repetir o processo novamente. Seus traços faciais se
assemelham agora a uma imagem em primeiro plano de uma mosca
que estudei uma vez. Grande e sem sentido. Olhos demais.
Ele coça a cabeça em confusão.
Rosno de frustração e me viro para apontar minha família para
ele, mas o movimento continua mesmo quando meu corpo para. Tudo
gira. Minha família. A caminhonete, o estranho. A lua acima de mim.
Mais e mais rápido como um carrossel fora de controle.
Pego um último vislumbre da minha família quando caio.
As últimas palavras que ouço antes de cair no chão são
profundas e ilegíveis. — Não há ninguém atrás de você.
Pike
A noite começa como quase todas as noites: com duas meninas
na minha cama. Fico entediado com facilidade e acho difícil me
concentrar apenas em uma de cada vez. Meu amigo, Nine, chama isso
de ADD sexual2.
Ele não está errado.
Além disso, sou um homem de 22 anos com um enorme apetite
sexual.
Então, é isso.
Depois que as meninas partem, tomo banho rapidamente e saio
para fazer o que faço de melhor. Vender drogas. Eu entrego uma
quantidade astronômica de ecstasy, e maconha para um bando de
PIKE
DIAS ATUAIS
Tortura.
Por definição, tortura é o ato de infligir dor excruciante, como
punição ou vingança, como um meio de obter uma confissão ou
informação, ou por pura crueldade.
Minha vida tem sido uma tortura, dando e recebendo.
É claro que prefiro dar, mas agora estou lidando com um novo
tipo de tortura, que envolve recuperar meu carregamento. Um
carregamento que está atualmente na forma de merda líquida.
Infelizmente, merda líquida não é código para outra coisa.
— Por que vai fazer isso sozinho? Você não tem pessoas para
isso? — Nine pergunta.
Estamos diante de um grande caminhão séptico estacionado
atrás da minha loja de penhores. As luzes da rua e os insetos já estão
zumbindo, e o sol se pôs há alguns minutos. Infelizmente, o cheiro da
grama depois da chuva a tarde não é pungente o suficiente para anular
um caminhão cheio de esgoto humano.
Apago o cigarro e enfio os braços no macacão marrom, fechando-o
por cima da roupa. Nine faz o mesmo.
— Porque consegui um inferno de um negócio. É um
investimento enorme da minha parte, e não vou deixar ninguém mais
lidar com isso. Preciso estar aqui. — Olho para o meu amigo. — Você,
por outro lado, não precisa estar aqui. Na verdade, te falei para não
estar aqui. O que você disse a Poe que está fazendo, afinal?
Nine é meu único amigo íntimo desde que o conheci no
reformatório, uma década e meia atrás. Ele se reconectou recentemente
com sua namorada. É uma longa história, mas ele a procurava há
muito tempo, e mesmo que acredite que o amor seja um conceito idiota,
Poe é um tipo de garota leal até o fim, e o homem está mais feliz que já
o vi. Na verdade, é a primeira vez que o vejo feliz, então não lhe dou
merda sobre isso. Bem, não muita merda.
— A verdade. Que vamos dirigir um caminhão de merda para
encontrar um barco e sugar uma tonelada de ecstasy junto com um
monte de merda real de dentro dele para trazer de volta à Logan’s
Beach, para que Pike possa começar seu reinado como o lixo branco
Pablo Escobar, — ele anuncia, com um aceno dramático de sua mão e
um arco exagerado.
Coloco um boné de beisebol com Logan's Beach Septic impresso
na minha cabeça. Certifico-me de que a aba esteja baixa sobre meus
olhos e meu cabelo preso dentro, para que não seja muito reconhecível
se for pego em qualquer câmera de trânsito ou segurança. O mesmo
logotipo está pintado na lateral do caminhão e bordado na parte de trás
do nosso macacão.
— Não vou mentir, — digo a ele, pensando no nome. — Não
odeio esse nome. Lixo Branco Pablo Escobar. — Rio. — Devia mandar
fazer cartões de visita.
— Idiota, — Nine ri.
Trinta minutos depois, estamos no cais. Passou mais de uma
hora antes do barco que esperamos aparecer lentamente. “Charley's
Charters” li o nome na lateral do barco calmamente para Nine. — É
esse.
O barco de pesca de quinze metros desliza no espaço vazio diante
de nós, e o motor é desligado. As grandes varas de pesca montadas nos
suportes na parte de trás barco chacoalham e balançam com o
movimento do barco. Uma corda é atirada para o lado e depois outra,
aterrissando aos nossos pés. Nine e eu trabalhamos rapidamente para
amarrar o barco na doca.
Um homem com barba longa e preta e um chapéu de capitão
branco desce do volante secundário, empoleirado vários metros acima
do convés principal. Quatro homens usando shorts polo e camisas
estilo havaiano sobem e o encontram na parte de trás do barco, onde
outro homem usando uma camisa com Charley’ Charter abre uma
pequena portinhola e abaixa os degraus. — Senhores, espero que
tenham gostado do seu tempo hoje. Eu falei que vocês eram todos
pescadores e acho que hoje provaram que estou certo.
— Grande momento!
— Vamos fazer isso de novo!
— Foi ótimo conhecê-lo, capitão! — Os três homens dizem quando
saem do barco, um pouco tontos e rindo, dando tapa nas costas com
sorrisos nos rostos de guaxinim queimados pelo sol. Eles sobem os
degraus em direção ao estacionamento atrás do edifício de
armazenamento de barcos, sem nos reconhecerem quando passam.
— Rapazes, façam o que tem que fazer, — diz o capitão, sem a
alegria que acabara de mostrar aos seus clientes. Seu imediato já está
limpando os refrigeradores. — Eu não sei de nada.
Dou de ombros. — Então, não precisará ser pago.
Ele franze os lábios. Seu rosto fica vermelho. — Você sabe o que
quero dizer. Apenas termine isso.
Nine corre para o caminhão séptico que está estacionado de frente
para nós, logo acima da área rebaixada do cais. Ele tira a mangueira e a
traz de volta para a doca, conectando-a ao sistema de coleta de esgoto
do barco. Ele liga o interruptor e o som de vácuo enche o ar. O capitão
chega ao cais e para ao meu lado. Ele se inclina para amarrar o sapato
e seu chapéu cai nas pranchas de madeira. Pego e, antes de devolvê-lo,
puxo o envelope de dinheiro do meu macacão e o coloco dentro.
O capitão finge que não vê, e dobra o chapéu nas mãos, seguindo
pela noite assobiando.
O imediato desce a rampa com dois baldes na mão. Ele está
olhando para as costas do capitão.
— Ei, cara, — o paro. — Está tudo bem? — Preciso ter certeza de
que esta operação ocorra tranquilamente e, se o imediato estiver prestes
a assassinar o capitão no estacionamento, é uma atenção que não
posso pagar.
— Sei o que vocês estão fazendo, — diz ele, ainda olhando para
onde o capitão sumiu há muito tempo.
Olho-o cautelosamente e levo à mão as costas, procurando minha
arma debaixo do meu macacão. — E? O que exatamente isso significa
para você?
Ele encontra meu olhar, percebendo o que acabou de dizer, seu
rosto empalidece. O garoto não tem mais de dezoito anos. Ele está com
medo, mas muito chateado com o capitão para entender o quão fodido
pode estar dependendo de sua próxima escolha de palavras. — Hoje
ganhei oitenta dólares. O contrato era mais de mil e quinhentos, e o
fodido gordo não levantou um dedo. Todos os locais de pesca para onde
fomos, encontrei por conta própria e, quando atracamos nas Bahamas,
fui eu quem carregou sua remessa. Não ele. — Ele olha para a
mangueira e abaixa a voz. — Tudo isso e por oitenta dólares. Ele nem
sequer dividiu a gorjeta comigo quando deveria ter sido toda minha.
— Isso é péssimo, garoto, mas você não respondeu à minha
pergunta, — respondo. Toco meus dedos no metal da minha arma como
um piano, mas música não é o que esse garoto tem reservado para ele,
se isso der errado. — Temos um maldito problema?
Ele revira os olhos. — Não, não temos um maldito problema. Pelo
menos não com você. Meu nome é Joe Watershed. Nascido e criado em
Logan’s Beach. Sei quem vocês são e não vou dizer nada. Não desejo
morrer. Meu problema não é com você. É com ele, — ele rangeu. —
Sabe, um dia, vou comprar meu próprio barco de pesca e ter meus
próprios contratos, e não vou tratar a porra da minha equipe do jeito
que aquele pedaço gordo de merda inútil faz.
— Watershed? Você tem um irmão motociclista dos Lawless? —
Pergunto, o sobrenome parece familiar.
— Sim, Angel. — O garoto responde. Um pouco da raiva
desaparece, suavizando sua expressão assassina anterior.
— Seu irmão ficaria chateado se soubesse que o capitão está
fodendo com você, — digo, acendendo um cigarro.
— Ele ficaria irritado e faria algo a respeito, mas não quero que
faça. Posso lutar minhas próprias batalhas, — ele diz, estufando o peito
côncavo. — Eu não preciso chorar para o meu irmão toda vez que
alguém me fode.
Aprecio o garoto querendo fazer as coisas por conta própria. Me
lembra uma versão mais jovem e horrenda de mim mesmo. — Como
você vai lutar esta batalha? — Pergunto, genuinamente curioso.
Estufando as bochechas, ele solta um suspiro. —Honestamente,
não tenho muita certeza.
Sorrio, apoiando-me em um dos grossos pilares de madeira. —
Acho que posso ajudar.
— Como? — Ele pergunta. Ofereço a ele um cigarro e meu
isqueiro, e ele pega, espalhando a fumaça para longe de seus olhos.
— Escolhemos esse capitão porque ele está com dificuldades
financeiras. Seu barco está sendo retomado. Ele precisa do dinheiro que
acabei de lhe dar para pagar o banco na segunda-feira antes de ia a
leilão terça-feira à tarde, — digo a ele.
Os ombros de Joe caem. — Se o banco tirar o barco dele ficarei
desempregado. Como isso me ajuda?
— Não ajuda. Mas o que vai te ajudar é você levar o barco para
outra doca e estacioná-lo lá hoje à noite. Cubra-o. Então traga de volta
para cá. Deixe exatamente onde está, e vá ao leilão. Que é na segunda-
feira à tarde. Nós te avisaremos.
— Mas eu não tenho... — ele para quando assobio para Nine, que
para a mangueira e me joga um envelope grosso de sua bota.
Enfio o dinheiro nas mãos do garoto. — Você compra o barco. Há
mais dois mil aqui, do que dei ao capitão. Se ele descobrir que é
segunda-feira, em vez de terça-feira, ainda não terá dinheiro para
comprá-lo. — Eu dou um tapa no ombro dele. — Capitão Watershed.
Ele balança a cabeça em descrença, olhando fixamente para o
dinheiro em sua mão antes de olhar de volta para mim. — Não entendo.
Como isso te beneficia?
— Este foi um negócio de uma única vez. O próprio capitão disse
isso. Ele só precisava de dinheiro suficiente para pagar ao banco e
salvar seu barco. No entanto... — Deixei que ele preenchesse os espaços
em branco.
— Se o barco for meu, então posso fazer isso novamente para
você.
Sabia que o garoto era inteligente. Bem, inteligente o suficiente.
Solto fumaça pelo nariz. — Você com certeza pode, e ficará com cada
centavo dos contratos e disso. — Eu dou uma tapinha no envelope em
suas mãos. — Exceto que faria o dobro disso a cada trabalho.
O garoto sorri de orelha a orelha. — Obrigado. Muito obrigado.
Estou dentro. O que você precisar.
— Acha que seu irmão ficará bem com isso? — Pergunto,
lembrando que Angel está no MC, e não estou prestes a colocar o garoto
em algo que irritaria um membro do Lawless. Bear, o presidente, é
amigo de Nine e um dos meus sócios. Não posso deixar meu nome ser
arrastado pela porra do clube.
Joe zomba. — Você está de brincadeira? Ele provavelmente se
oferecerá para ser meu imediato, — ele sorri.
— Agora, cai fora, garoto. — Aponto para ele com meu cigarro e
abaixo a voz. — E se alguém perguntar por que estávamos aqui hoje à
noite...
— Mas vocês não estavam, — diz ele, correndo de volta para o
barco, esquecendo os baldes no cais.
— Vá para North Captiva. Há uma casa no final da ilha. Três
andares. Azul. Está escondida da vista de todos. O cais estará vazio
porque os proprietários voltaram para o norte após a temporada! —
grito. — Ancore lá!
Ele sobe no deck do capitão e liga o motor. Nine desliga o
interruptor da bomba depois de se certificar que a fossa séptica está
vazia e o caminhão cheio. Solto as cordas que prendem o barco no cais.
O garoto sorri e acena enquanto se afasta com o barco, desaparecendo
do outro lado do rio Caloosahatchee.
Ajudo Nine a colocar a mangueira de volta na lateral do
caminhão.
Estamos na estrada há alguns minutos antes de estacionar em
uma parada de caminhões ao lado da rodovia. Encho o tanque de
gasolina, embora ainda esteja meio cheio, enquanto Badger, um
membro do Lawless e um membro de confiança da minha equipe, pula
no caminhão atrás de Nine. O papel de Badger em tudo isso é por
proteção e porque ele conhece o gerente da empresa séptica.
Voltamos à estrada e seguimos para a estação séptica, onde o
gerente nos espera para ajudar a separar a merda do meu produto.
— O que você trouxe aqui, além de merda? — Badger pergunta,
farejando o ar e franzindo o nariz. — Quero dizer, eu sei o quê, mas
quanto?
— Mais do que você pode imaginar, — respondo, totalmente
incapaz de acreditar na quantidade de ecstasy em minha posse
atualmente.
Badger assobia. — Porra, Pike, você será capaz de circular tudo
isso?
— Tenho certeza que sim — respondo orgulhosamente.
— Quem é o comprador? — Nine pergunta.
— Tino de Jacksonville, — respondo. — Seu suprimento da
Colombia secou, e ele me contatou porque sabe que tenho conexões no
Peru, e então... aqui estamos, porra.
Investi minhas economias neste negócio, além de King e Preppy
antecipar o dinheiro para fazer isso acontecer com a promessa de um
retorno rápido com uma tonelada de merda de juros. Trocadilho
intencional. 1.9 milhões de dólares e, em menos de vinte e quatro
horas, espero transformá-lo em 2.8 milhões. Depois das despesas, dar a
Badger e a Nine sua parte, e pagar a King e Preppy, sairei com quase
meio milhão no meu bolso rasgado.
Depois de esperar horas na instalação séptica, sinto-me ainda
mais confiante carregando nossa remessa em uma van preta sem
identificação. Sinto-me absolutamente vitorioso quando partimos com
meia dúzia de barris cheios de ecstasy cuidadosamente embalados e
com cheiro de merda, pronto para ser entregue ao meu comprador.
Aparentemente, não estou destinado à vitória hoje. Porque um
pneu estoura e o volante escapa das minhas mãos. Me seguro
enquanto batemos no canteiro central e de frente em um poste de luz de
cimento no topo da porra da ponte.
Minha cabeça lateja. Sangue escorre pela minha testa no meu
olho. Limpo antes que possa embaçar minha visão, espalhando-o em
volta da minha sobrancelha. — Todo mundo está bem? — Pergunto.
Nine parece em pânico, mas vivo. — Acabei de ver minha vida
passar diante dos meus olhos, — ele geme. — E minha vida foi uma
merda.
Badger geme do banco de trás. Viro-me para vê-lo deitado de lado,
segurando suas costelas. — Sim, só uma pancada, — diz ele, sibilando
enquanto volta a sentar.
— Vamos sair daqui antes que a polícia apareça, falo, — Pegue o
estepe, — ordeno. Empurro a porta e salto da van para verificar o pneu.
Tem um prego enorme nele. — Que merda, — murmuro, inclinando-me
para inspecioná-lo de perto. Não é um prego. É a porra de um espigão.
Um pressentimento me envolve como uma auréola negra. Levanto para
alertar Nine e Badger, mas chego atrasado. Vários homens usando
capuz e badanas pretas de esqueleto na metade inferior do rosto cercam
o caminhão, com espingardas apontadas.
— Jesus, porra Cristo, — murmuro enquanto sou empurrado de
cara contra o caminhão.
— Não se mexa! — Outro homem grita seguido pelo som de um
único tiro e um lamento que pertence a Badger.
— Vou matar cada um de vocês, filhos da puta, — falo, minha
bochecha raspando contra a pintura enferrujada da van.
Minha arma é retirada da cintura da minha calça e jogada sobre a
grade. — Diga a King que existe um novo rei da Ponte agora, e isso
continuará acontecendo, a menos que consigamos o que queremos. —
O homem me empurra para o lado e me joga de joelhos, enquanto os
outros trocam o pneu.
Eles trabalham em uníssono como uma porra de equipe da
corrida de Daytona quinhentos. Rápido e eficiente. Dentro de alguns
minutos, minha remessa, meu investimento e minha reputação estão
sendo levados para a escuridão.
Os três homens restantes recuam lentamente voltando para uma
van branca, disparando alguns tiros de aviso aos nossos pés.
— Vá se foder, — grita Badger, dando-lhes um duplo dedo médio
de despedida. Sua perna esquerda está jorrando sangue. Outro tiro soa
quando a van acelera.
— Foda-se, — Badger geme, pulando em uma perna e
pressionando a mão sobre o sangue jorrando do mais novo buraco de
bala em sua coxa. Ele cai de bunda, levantando os joelhos no peito. —
Consegui dois por um, meninos, — diz ele, cerrando os dentes. — E
não do tipo bom como quando a cerveja está à venda no Stop-N-Go.
— Por que eles não nos mataram? — Nine pergunta, estupefato
enquanto olha para a escuridão atrás da van. — Por que nos manter
vivos se estão passando por todo esse trabalho? Não faz nenhum
sentido, porra.
— Não sei, porra. — Balanço a cabeça e cerro os punhos
enquanto uma raiva que nunca senti antes, troveja através do meu
corpo como um furacão esperando para cair em terra firme. — Mas o
que sei é que, quando pegá-los, os farei desejar terem nos matado.
CAPÍTULO TRÊS
PIKE
Pike
Mickey
Pike
Mickey
Pike
Pike
Mickey
Mickey
Mickey
4 Narcóticos Anónimos.
e inclino meu pescoço para os dois lados, estralando as juntas rígidas
novamente. — Sério. Obrigada, Thorne.
Seu sorriso é desconfortável e tenso quando ela sai. Ela fecha a
porta e a fechadura.
Olho para o banheiro onde Thorne colocou todas as coisas que
vou precisar para um banho. Sufoco um gemido ao pensar na água
quente correndo sobre meus músculos doloridos e decido que é
exatamente o que preciso para fazer meu sangue fluir antes de poder
avaliar a situação mais a fundo e planejar minha fuga.
Sorrio para mim mesma. A etapa um foi realizada. Estou
desamarrada. Maya ficará orgulhosa.
Entro no chuveiro de azulejos amarelos e ligo o jato. Tiro minha
camiseta e calcinha, gemendo com a dor em meus ossos. É um
processo lento, mas consigo. Amasso as únicas roupas que usei em
cinco dias e as jogo no chão ao lado do vaso sanitário. As jogaria em um
recipiente de descarte de risco biológico se pudesse, elas cheiram muito
mal, mas infelizmente este não é um laboratório, e não há um acessível.
Apoiada no balcão, olho no espelho. Minhas bochechas estão
fundas e meus olhos têm olheiras. O hematoma da cabeçada de Pike na
minha testa está desaparecendo, embora nunca tenha percebido como
estava ruim para começar. Meu cabelo escuro está oleoso, salpicado de
sujeira e poeira da garagem. Está tudo agrupado em mechas grossas,
projetando-se em todas as direções como uma Medusa suja.
O vapor cobre o espelho e distorce minha imagem
desgrenhada. Solto o balcão e lentamente vou até o chuveiro, entrando
no calor. Sigo o conselho de Thorne e lavo meu cabelo duas vezes,
lavando uma terceira para garantir. Coloco o condicionador no meu
cabelo e não o enxáguo até terminar de esfregar meu corpo com uma
toalha e uma barra de sabão. Tem cheiro de pepino e frutas, mas
qualquer cheiro é melhor do que vários dias sem tomar banho e sobre
sua própria sujeira.
Quando termino, fecho a água e procuro cegamente a toalha no
balcão, apenas para tê-la colocada em minhas mãos. Suspiro e
rapidamente enxugo a água dos meus olhos. Olho para cima
encontrando Pike olhando para mim através do vapor. — Você será uma
isca muito bonita, — diz ele. Sua voz amplificada no pequeno banheiro.
Rapidamente enrolo a toalha em volta dos meus ombros, com
cuidado para cobrir meu ombro esquerdo, embora deixe o restante de
mim nua da parte inferior dos meus seios para baixo. Estou nua diante
dele, aberta para seu escrutínio de olhos escuros. Nunca estive nua na
frente de um homem antes, muito menos esse tipo de homem. Papai
nunca me viu nua, provavelmente nem quando era um bebê.
— O que você quer? — Pergunto, pressionando minhas costas
contra a parede de azulejos para colocar tanto espaço entre nós quanto
possível.
Pike passa o olhar dos meus pés para entre as minhas pernas e
depois para os meus seios. — Com medo de que eu a mate e que a
comida e o banho seja uma situação de cadáver limpo e última refeição?
— Ele pergunta.
— Eu não estava pensando isso até você mencionar, — respondo.
Ele ri. — Não vou te matar. Não hoje, de qualquer maneira. Tenho
um uso melhor para você agora que como um cadáver sexy pra caralho.
Sexy pra caralho? Cadáver?
Suas palavras vibram através de mim de uma maneira que não
consigo identificar com nenhum sentimento ou emoção.
— Isso foi uma ameaça ou um elogio? — Pergunto.
Ele sorri, cruzando os braços sobre o peito. — Talvez ambos. —
Ele inclina a cabeça para o lado e seus olhos caem para o meu peito
mais uma vez. — Talvez nenhum dos dois.
— E ... para quê, exatamente, você vai me usar? — Indago,
pressionando a parede molhada atrás de mim.
Ele entra no chuveiro totalmente vestido, mas já estou contra a
parede. Não há para onde ir. Ele me prende, levantando meu queixo
para encontrar meus olhos. — Isca.
Ele me deixa parada no vapor, meu corpo inteiro tremendo. — A
porta está destrancada. Vista-se e me encontre na cozinha.
— Por quê? — Pergunto, sem fôlego.
Ele se vira e me encara. — Por quê?
— Por que se preocupar com isso? Não vou te dizer nada. Se você
vai me torturar um pouco mais, ainda assim não vou te dizer,
então você pode muito bem me matar agora e acabar com isso, —
minhas palavras são corajosas, mas por dentro, sou uma criança
trêmula vacilando por uma mão levantada.
— Você entendeu mal o ponto da tortura, então.
— Entendo perfeitamente bem, — digo, endireitando meus
ombros. Mordo meu lábio para evitar que ele trema, sibilo quando movo
a crosta em volta dos meus lábios, e ela puxa dolorosamente minha
pele.
Ele volta até mim e me encara, parecendo genuinamente
desapontado. — Desistindo tão cedo?
Preparo meus nervos e tento fingir que sua proximidade não envia
uma onda de medo por todo o meu corpo. — Não, é isso que estou
tentando te dizer. Não estou desistindo. Nunca vou desistir.
Ele volta para dentro do chuveiro e passa a ponta dos dedos pelo
lado do meu rosto. Meu corpo esquenta e não do vapor. Me afasto de
seu toque, com raiva dele, da minha reação e da própria biologia por
causar essa reação.
A expressão de decepção é substituída por um novo brilho em
seus olhos. Sua risada vibra em meu peito. — Bom. Você parece o tipo
que não desiste de uma boa luta. — Ele se inclina e roça seus lábios
contra meu pescoço enquanto fala e a onda de medo se transforma em
um furacão de biologia e hormônios, me atingindo com uma força que
torna difícil ficar de pé. Estou molhada e não tem nada a ver com meu
banho e tudo a ver com ele. — E estaria mentindo se dissesse que não
estou ansioso por isso.
Capítulo Treze
Mickey
5 Cozinha de navio
6 Backsplash é a parede que fica atrás da pia e do fogão.
Me viro para enfrentar seu sorriso e respiro fundo, tentando não
parecer tão abalada quanto me sinto. — Não esperava estar aqui, com
certeza. — Continuo minha expedição como se não me importasse em
ter sido pega bisbilhotando ou que sua presença arrepiasse meus
braços. Ele me trouxe aqui e de acordo com sua lógica sobre
sequestradores e cativos e quem começou o quê, me leva a acreditar
que o que estou fazendo não é intrusivo.
— Engraçado, parece que você planejava estar aqui. Ou você e os
outros capangas simplesmente decidiram que não me roubaram o
suficiente e foi mais como uma coisa de última hora.
Abro a boca para responder e fecho com a mesma rapidez. Ele me
pegou nessa.
Encolho os ombros, continuando a fingir que não estou afetada
por sua presença.
— O gato comeu sua língua, Mic? — Ele pergunta, encostado no
balcão com os cotovelos.
— Gosto de gatos, — respondo, parecendo entediada. —
Fiel. Autolimpante. Afetuoso. Você tem um monte deles no beco. Eles
parecem famintos. Você deve alimentá-los.
— Preciso de mais do que fome como motivo para alimentar
alguém, — ele responde. Seus lábios se contraem. — Você gosta de
gatos? — Ele pergunta como se não pudesse acreditar que alguém
pudesse gostar de gatos.
— Amo gatos, — respondo, abrindo e fechando um dos armários
da cozinha sem realmente olhar para dentro.
Olho para Pike, que está tentando não sorrir e percebo o que está
fazendo.
— O que? — Pergunto, de pé em frente ao balcão dele. — Sem
comentário sexista sarcástico sobre como você gosta de boceta7?
Seus olhos seguram os meus. — Nah, muito fácil.
7 No original está com pussy que pode ser bichano ou boceta. A autora fez um
trocadilho.
— Ah, então você gosta de um desafio. — Aponto, espelhando
sua posição com meus cotovelos no balcão.
Ele sorri. — Tentando me entender, Mic?
— Não. Já desvendei você. — Aponto para o sofá de couro preto
gasto na pequena sala de estar. — Solteiro. — Aceno com a mão para o
próprio Pike, para sua blusa branca apertada envolvendo seus
músculos abdominais como uma daquelas máquinas de embalar a
vácuo dos infomerciais. É ridículo como ele é lindo por fora. A máscara
perfeita para esconder o que ele realmente é por dentro.
Pike limpa a garganta, sorrindo quando me pega olhando.
Afasto meu olhar, sentindo o rubor subir em minhas
bochechas. — Você cuida de si mesmo. Obviamente treina para ficar...
uh, assim. Você come muito bem. — Aponto para o cigarro apagado
pendurado em seus lábios. — Mas você também não segue as regras e
está disposto a arriscar, sabendo muito bem as consequências.
Pike não está impressionado. — Então, acho que eles estão
distribuindo boas pontuações de QI para qualquer pessoa com olhos na
cabeça?
Considero um desafio cavar mais fundo. Ele obviamente fez uma
pesquisa sobre mim, mas a única pesquisa que tenho disponível
quando se trata dele é este apartamento.
A estante do canto está completamente vazia. — Inteligente e
astuto, mas não é inteligência vinda de livros. Direi que você não
terminou a escola, não porque não é inteligente o suficiente, porque é,
mas porque faltou interesse. — Vejo uma nota no balcão. É para
Thorne sobre o inventário. As letras quase não são legíveis. O inventário
está escrito incorretamente e em letras minúsculas, sem vírgulas ou
pontos. Sorrio com confiança. — Além disso, em relação à escola, acho
que a disgrafia não ajudou.
Pike inclina a cabeça e arranca o cigarro dos lábios. — A porra do
quê?
Explico. — O que a dislexia é para a leitura, a disgrafia é para a
escrita. É uma deficiência visual em que a pessoa tem dificuldade em
usar letras maiúsculas ou pontuação de forma consistente. Adultos que
não foram diagnosticados quando crianças tendem a usar letras
minúsculas, além de evitarem a pontuação ao mesmo tempo. — Deslizo
o bilhete para ele.
— Em primeiro lugar, qualquer um poderia me dizer que sou
solteiro e inteligente. Isso não significa que você me desvendou, — ele
aponta para mim com o cigarro. — E fui diagnosticado como disléxico
desde criança. Nunca ouvi falar da outra coisa, mas parece certo. Isso
foi…
— Impressionante?
— Irritante, — ele rebate.
Um novo tipo de desconforto torna sua presença conhecida. Como
se o universo estivesse totalmente ciente de que ter esse tipo de
conversa fácil com o homem que está me torturando vai contra tudo
que é natural ou certo no mundo. Faço uma nota mental para informar
ao universo que estou plenamente ciente dessa estranheza e pergunto
como resolver.
Lembro-me da faca enfiada na parte de trás da minha calça.
Assim que escapar.
Meus pés descalços raspam no chão áspero. Olho para baixo para
ver que metade do piso da cozinha foi destruído, e há várias caixas
sinalizadas “AZULEJO” contra a parede sob a pequena janela da
cozinha.
— Reformando? — Indago.
Ele assente. — Sim, quando comprei o prédio, havia uma
inquilina nele. Tive que esperar até que ela partisse para me mudar e
começar a reforma.
— Como um senhor de terras. Um assassino, um torturador, um
traficante de drogas e um faça-você-mesmo. Quem teria pensado? —
Pisco meus cílios.
— Espertinha, — ele resmunga. Ele se endireita e, pela primeira
vez, percebo algo diferente de raiva em seus olhos. Ele parece
cansado. O tipo de cansaço que desgasta a alma e não apenas o corpo.
O mesmo tipo de cansaço que sinto.
Limpo minha garganta. — Uh, sua inquilina. Ela se mudou para
um lugar melhor?
Interiormente, faço uma careta com a pergunta estúpida e
irrelevante.
Pike passa a mão pelo cabelo e o sacode. — Acho que você pode
dizer isso se acredita na vida após a morte. Não sei. Você terá que
perguntar ao filho dela. Ele ainda vem na loja de vez em quando.
Não ouço o resto porque estou encolhendo tão forte que estou
preocupada em implodir.
Ele percebe meu desconforto e sorri, apoiando-se no balcão mais
uma vez. — Não me diga que a gênia científica tem medo de fantasmas?
Lentamente, levanto meu queixo para ver a diversão em seus
olhos. Bufo. — Escute, sou uma pessoa lógica, e fantasmas não têm
lugar na lógica. Sei disso. Meu cérebro sabe disso. Mas saber que não é
lógico não impede o medo, porque o próprio medo não está enraizado na
lógica. Portanto, — respiro fundo e estremeço. — Odeio fantasmas,
porra. — Assinalo uma lista em meus dedos. — Junto com filmes de
terror. Qualquer menção a cemitérios. Vida após a morte. Casas mal
assombradas. E romances de Steven King.
Ele ri, e todo o meu corpo congela porque sua risada é profunda e
genuína e, embora odeie admitir, bonita.
— Você venceu, — digo. — Chega de conversa sobre fantasmas.
— Você nem vai me perguntar se ela morreu aqui? — Pike
pergunta, me incitando. Não me surpreende que ele esteja gostando
desse tipo de tortura tanto quanto gosta dos outros tipos.
Levanto minha palma. — Não, não me ocorreu perguntar. Não me
importo.
— Sério? — Ele pergunta, parecendo genuinamente confuso. —
Isso é o que a maioria das pessoas pergunta de cara quando vem aqui.
— Você quer dizer a maioria das garotas que vêm aqui, — corrijo.
Ele não responde, e não precisa. Posso ver com meus próprios
olhos e, como uma mulher heterossexual que atualmente não está
morta, é tudo que preciso para saber que estou certa. E por causa da
minha maldita memória fotográfica, muito depois que esse pesadelo
acabar, se acabar, poderei olhar cada detalhe de sua perfeição bárbara
pelo resto dos meus dias e relembrar cada segundo deste inferno em
vida.
— Não sou a maioria das pessoas ou a maioria das garotas. —
Minhas palavras são um lembrete para mim mesma das provocações a
que fui submetida na escola.
Muito inteligente. Muito nerd. Exibida. Pária.
De repente me sentindo claustrofóbica na pequena cozinha, passo
por Pike, que não faz nenhum esforço para se afastar. Quando me viro
de lado e passo por ele, meus seios roçando levemente suas costas,
estou muito certa que ele pode sentir o calor que estou sentindo a partir
da porra dos meus dedos dos pés.
Quando estou na segurança da sala de estar, me viro e encontro
Pike me olhando como se me visse pela primeira vez. Seus olhos me
percorrem do rosto pelo meu corpo lentamente, me aquecendo e me
constrangendo até alcançar meus dedos dos pés e depois sobe
novamente como se não se importasse em ser pego olhando para
mim. Como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. — Não,
você não é, — ele murmura.
— O que você disse? — Não sei se o ouvi bem.
Pike dá de ombros, — Absolutamente nada. Você ainda está
ouvindo coisas, ou talvez, seja sua irmã de novo. — Ele dá aquele
sorriso irritante que faz uma covinha aparecer em sua bochecha
direita. O homem robusto com cicatrizes nos nós dos dedos de repente
parece um menino, e se não soubesse em primeira mão o que ele é
capaz de fazer, poderia até chamá-lo de sexy.
Porra.
— Ou talvez seja o fantasma? — Ele provoca, balançando as
sobrancelhas. — Porque Edna é conhecida por vagar por aqui em...
Cruzo meus braços sobre meu peito. — Não tenho medo de
fantasmas, — respondo. Tenho medo de você.
Pike se aproxima de mim e coloca as mãos nos meus ombros. —
Preciso que você faça algo por mim. — Seu tom não é uma exigência ou
uma ordem. — Feche seus olhos. — É um pedido suave.
— Não sei que tipo de doente...
— Apenas feche seus olhos. É uma experiência para ver como isso
funciona.
Ansiosa para acabar com tudo isso e ainda mais ansiosa para
saber o que exatamente é isso e voltar a planejar minha fuga, obedeço e
fecho meus olhos, respirando fundo.
O que ele diz não é nem de perto o que esperava. — Como é
minha cozinha?
— O que? — Pergunto, meus olhos se abrindo novamente.
Seu rosto está sério, seus lábios em uma linha reta. — Feche os
olhos, — diz ele, desta vez com um pouco mais de exigência em sua voz.
Fecho de novo e ele repete a pergunta. — Como é a minha
cozinha? Em detalhes.
Torço meu nariz. — Feia.
Seus dedos apertam meus ombros. — Diga-me como você vê isso
agora. Da sua memória.
Este pedido é fácil para mim. Sempre foi. Tão fácil quanto olhar
para uma imagem em suas mãos e recitar o que você vê. Dou-lhe todos
os detalhes completos, com cortinas de borla desbotada sobre a
pequena janela e uma descrição de cada lasca e arranhão no balcão de
madeira as barras tortas do lado de fora da janela. — Pelo menos, são
barras ornamentadas e têm um pouco de charme. O design da flor de
lis em metal do que é basicamente uma gaiola sobre a janela é um
toque agradável no que diz respeito às gaiolas decorativas. Mas as
grades nas janelas realmente precisam ser decorativas? É uma espécie
de oximoro, se você me perguntar. Como floreiras no topo de uma pilha
no depósito de lixo.
Por alguns segundos, há apenas silêncio. Abro os olhos para
encontrar Pike olhando para mim com perplexidade em seus olhos.
— Passei ou falhei? — Pergunto, sem saber qual era a hipótese
desse experimento para começar.
O rosto de Pike voltou a ficar frio e sem emoção. — Ambos.
Suas mãos deslizam dos meus ombros, pelos meus braços, em
seguida, ao redor da minha cintura, me puxando com força contra seu
peito. Ele deixa cair sua mão no topo das minhas coxas, então mais
alto, massageando minha bunda. — O que você está fazendo? —
Sussurro, sentindo meu corpo queimando de vergonha, choque e
porra de biologia.
Seus lábios roçam minha orelha. Um arrepio de corpo inteiro
percorre minha pele.
Pike tira uma de suas mãos da minha bunda e passa os nós dos
dedos pelos arrepios no meu antebraço. A outra mão se move da minha
bunda para a parte inferior das minhas costas, empurrando a parte de
trás da minha camisa. Estou imóvel como uma estátua.
— A questão é, Mic, que porra você pensa que está fazendo? —
Ele tira a mão das minhas costas e a outra agarra meu antebraço com
força. — Você não vai precisar disso. — Ele empurra meu braço com
um olhar de desgosto torcendo seu rosto bonito.
Ele se afasta e meu olhar cai para sua mão.
A mão que agora está segurando minha faca.
A merda das câmeras.
Mandamentos de um sequestrador
DIRETRIZES
* Não abandone seu prisioneiro. Outra pessoa além do
sequestrador (você) deve estar ciente do paradeiro de seu prisioneiro o
tempo todo, no caso improvável de morte prematura do sequestrador. E
lembre-se, um prisioneiro solitário é um prisioneiro que não coopera. Eles
já estão sendo torturados. Agora, dê a eles o presente do seu tempo.
* Permita ao seu prisioneiro alguma liberdade. Como, você
pergunta? Braceletes de prisão domiciliar com explosivos embutidos são
uma boa maneira de manter seu prisioneiro com medo de se tornar arte
abstrata humana, permitindo-lhe um pouco de exercício. É uma boa
prática fazer o sangue fluir antes de fazer o sangue fluir. Além disso, só a
merda mental que o cativo experimentará enquanto questiona a dita
liberdade restrita não tem preço.
* Não se deve permitir que feridas infeccionem. O kit inicial de
tortura em anexo contém tudo que você precisa para limpar todos os tipos
de feridas, incluindo, mas não se limitando àquelas infligidas por: armas,
facas, picadores de gelo, navalhas, facas, lâminas de barbear, tacos de
beisebol cobertos de arame farpado, cordas, lâmpadas domésticas, CDs
quebrados de Britney Spears e brinquedos infantis. Recomendo que você
reserve um tempo para abrir seu kit e se familiarizar com o conteúdo
antes de iniciar seu próximo sequestro. Lembrem-se, crianças, antes de
infligir novos ferimentos eles não serão eficazes se seu prisioneiro estiver
morrendo de sepse. Um sequestrador feliz é um sequestrador preparado.
* Água deve ser dada ao prisioneiro a cada vinte e quatro
horas. Acredite em mim, isso ainda vai ser uma merda para eles, mas vai
mantê-lo vivo até que seja hora de eles não existirem.
* Após quatro dias, a comida deve ser oferecida ao seu
prisioneiro. Algo saudável e nutritivo. Em anexo, você encontrará as
diretrizes e regulamentações da FDA para uma dieta saudável. Se você
estiver lendo isso em formato de e-mail, incluí links de algumas das
minhas receitas favoritas de trinta minutos ou menos que certamente
agradarão qualquer tipo de prisioneiro contra sua vontade. Experimente
as panquecas. Yum!
* Qualquer prisioneiro mantido por mais de uma semana deve ser
morto quando o relógio bater meia-noite no 5º dia ou recebido pela família
de braços abertos. Todas as informações sobre as datas e horários do
casamento podem ser publicadas no meu site compartilhado
KNOT.COM. Você também descobrirá que disponibilizei modelos de
registro de casamento pré-preenchidos na Amazon, Home Depot,
Kinkyshit-R-Us e Weapons Depot, apenas para você começar.
* Não se esqueça da regra mais importante de todas. Divirta-
se! Faça desse sequestro uma experiência agradável, que você vai querer
lembrar por muitos anos. Então, seja criativo! Expresse-se enquanto
expulsa seus demônios internos às custas de seu prisioneiro. Lembre-se,
só porque seu prisioneiro não está se divertindo, não significa que você
não possa. Eles estão fodidos, mas você não estará se seguir as
orientações acima.
Isso é tudo, pessoal.
Lembre-se de ajudar a controlar a população de animais de
estimação e esterilizá-los ou castrá-los.
Avise sua mãe,
Samuel, filho da puta, Clearwater, também conhecido como —
Preppy.
Capítulo Quatorze
Mickey
Pike
Mickey
Mickey
Pike
Mickey
Pike
Mickey
Pike
Pike
Mickey
Pike
Pike
Mickey
Mickey
Mickey
— Sei que você nos ouviu, e não é o que pensa! — Pike grita com
raiva do outro lado da porta trancada.
É exatamente o que penso. Eles estão prestes a se matar, embora
ele ache que me tranquei em seu quarto porque o ouvi falando sobre me
trocar quando, na verdade, estou apenas ganhando algum tempo.
Finalmente, na milésima tentativa, o cofre se abre, e o que eu
preciso está ali na primeira prateleira ao lado de uma pilha de
dinheiro. Deixo o dinheiro, mas pego a arma. Verifico para ter certeza de
que está carregada.
Sim.
Me empurro para o canto mais distante do quarto.
— Sei que você está com a porra da minha arma. Você pode ser
inteligente, mas não sou idiota. Câmeras, lembra? Se você acha que vai
sair daqui com isso ou mesmo sem, está errada. — Ele bate contra
porta novamente. — Abra a maldita porta, Mic! — Ele grita. A raiva e a
mágoa em sua voz perfuram meu peito, e sinto como se fosse minha.
Por alguns segundos, acho que ele saiu porque não ouço nada
além do som da minha própria respiração acelerada. Até a porta bater,
empurrando a cômoda que coloquei na frente dela apenas o suficiente
para criar um pequeno vão.
O corpo maciço de Pike está parado sombreando a porta, sua
raiva irradiando dele como produtos químicos tóxicos subindo no ar.
Prendo minha respiração e enrijeço meus nervos. Pike entra, com
o peito nu e brilhando de suor. Seu jeans está aberto e baixo na
cintura, expondo a faixa de sua cueca boxer preta.
Levanto a arma com as duas mãos, mirando em seu peito. —
Tenho que ir. Você não pode me impedir, — digo, com toda a
determinação que me resta. — Você vai me trocar e emboscá-los, mas
não acha que eles têm o mesmo plano para você? Tenho que ir, e assim,
menos gente morrerá. VOCÊ não vai morrer. Então, deixe-me
sair. Tenho um plano. Vai funcionar. Vou derrubá-los por nós dois.
— Não. — Pike olha de mim para a arma. — E como já disse
antes, você não vai a lugar nenhum. — Suas palavras são sombrias e
ameaçadoras. Um sorriso divertido aparece nos cantos de seus lábios.
É irritante. Ele é irritante.
Endireito meus ombros. — O que é tão engraçado? — Pergunto,
engolindo o medo crescente na minha garganta. Lembro-me de um fato
importante para não engasgar com esse medo.
Sou eu quem está segurando a arma.
Em vez de congelar ou recuar como alguém faria nessa situação,
Pike dá um passo ousado para frente, me pegando
desprevenida. Cambaleio para trás, mas não sou rápida o
suficiente. Ele estende a mão e, a princípio, acho que está indo para a
arma, mas não. Ele me confunde enquanto envolve suas mãos nas
minhas, aumentando meu aperto em torno da arma. Ele levanta
minhas mãos e se inclina ligeiramente na cintura, pressionando com
força o cano contra sua testa. — Você quer atirar em mim, Mic? Então,
atire em mim, porra, — ele ousa, com olhos injetados de sangue.
Minha boca se abre, mas as palavras não saem. Esperava que
Pike se defendesse. Que me atacasse. Recuasse e me deixasse ir
embora, embora fosse o menos provável de todos os resultados. Eu não
planejei isso.
Eu posso fazer isso. Tenho que fazer isso
— Não era o que você esperava? — Seu tom é zombeteiro e cheio
de raiva. — Sei o que esse seu cérebro bonito está pensando. Você quer
que eu te ataque e torne puxar o gatilho mais fácil para sua
consciência. — Ele solta uma risada. — Não vai acontecer. Se você
quiser fazer isso, não vou te impedir, mas você também não vai embora.
Então, vamos lá. Atire em mim. Vá em frente. Faça o que planejou fazer.
— Seus olhos se estreitam com determinação. Minhas mãos tremem
nas dele. — Puxe a porra do gatilho!
O ar ao nosso redor é denso e carregado. Minha pele começa a
brilhar de suor. Minha adrenalina aumenta e me sinto muito
alerta. Muito ciente do que está acontecendo entre nós.
Aperto a arma com mais força e olho em seus olhos escuros, suas
pupilas estão dilatadas e cobrem todos os sinais de cor dentro
deles. Por trás da raiva e da determinação, há algo mais que eu não
esperava. Algo com o qual estou muito familiarizada. Dor. Dor que
reflete a minha. Desespero que me chama como um pedaço da minha
alma presa dentro de Pike.
— Atire em mim! — Ele grita, seu rosto vermelho de raiva, os
dentes à mostra como um animal selvagem. — Porra, atire em mim!
Com essas palavras, minha resolução ígnea se dissolve em cinzas.
Dou um passo para trás, precisando colocar alguma distância
entre nós, mas Pike não tem o mesmo pensamento. Ele me segue,
mantendo seu aperto em minhas mãos e a arma entre elas.
— Eu ... eu não posso fazer isso, — sussurro, liberando meu
controle sobre a arma.
Pike me solta, pegando a arma antes que ela caia no chão.
Merda.
Olho para a janela, mas é muito alta, e Pike está bem na frente da
única porta. Não há escapatória. Tanto para ser corajosa. Em vez disso,
assinei minha própria sentença de morte. Meu coração dispara
erraticamente com a percepção de que é isso. Acabou.
Estou acabada.
— Este foi um movimento realmente estúpido para alguém que
afirma ser tão inteligente, — zomba Pike. Ele levanta a arma.
Aperto meus olhos, esperando sentir a bala de sua ira perfurar
minha pele. Ouço um baque e meus olhos se abrem e pousam no tapete
onde Pike jogou a arma no chão.
Meus olhos encontram os dele em uma pergunta silenciosa. Por
quê?
Ele responde cobrando, a explosão de um homem que não posso
evitar quando ele se choca contra mim. Seu peito bate contra o meu, e
minha cabeça se conecta com a parede com um baque que sacode meus
ossos. Estou tonta enquanto o medo atinge minhas entranhas como
uma bola de fogo. Minha pulsação acelera enquanto sua proximidade
me consome. O cheiro de colônia e cigarros permanece entre nós - um
traço de uísque em seu hálito.
— Você vai se arrepender de não ter puxado o gatilho, — ele
zomba. A escuridão nos olhos de Pike me diz que, com ou sem arma,
não vou sair impune.
Ou possivelmente viva.
Engulo em seco.
Ele me prende com as mãos contra a parede ao meu lado, me
envolvendo no calor e na raiva que irradia de seu corpo rígido. Sinto seu
coração batendo rápido sob seu peito agora pressionado contra o
meu. — O que fazer com você agora? — Pike medita, sua respiração
irregular. Sua voz cheia de promessas e advertências. Ele roça os lábios
na minha têmpora. Tremo com o contato. — Você vai pagar por essa
pequena façanha, Mic.
Ele está perto. Muito perto. Estou totalmente rígida, congelada no
lugar. Isso não deveria acontecer. Como deixei isso acontecer? Estou
mais apavorada que já estive, mas há outra coisa que não consigo
entender. Outra coisa entre nós que está carregando o ar, me fazendo
tremer, e não apenas de medo. Ódio misturado com necessidade. O
desejo que neguei por ele não está mais adormecido. É tão real quanto a
dor crescendo em meu estômago, a umidade entre minhas coxas. Se
pensei que o quarto parecia carregado antes, ele está quase pegando
fogo agora. As chamas do desejo e do ódio lambem as paredes ao nosso
redor, deixando tudo em chamas, fazendo o pequeno quarto parecer
menor, fechando ao nosso redor.
Meus mamilos endurecem quando roçam em seu peito. Sugo uma
respiração.
Ele não perde minha reação. Ele olha para onde meus mamilos
estão pressionados contra minha camisa com olhos aquecidos.
O único som no quarto é da respiração pesada mútua enquanto
ele lentamente tira o olhar do meu peito. Seus olhos se fixam nos
meus. Por alguns segundos, nós apenas olhamos um para o outro -
testas cheias de confusão e raiva.
Um desafio silencioso.
Minha mente, por outro lado, está tudo menos silenciosa.
— Devo te matar ou te foder? — Ele medita. E, honestamente, não
tenho certeza do que me assusta mais. Sua raiva ou seu desejo. Ele
esfrega os nós dos dedos contra meu queixo. — Talvez ambos.
— O que você... — Não tenho tempo de terminar minha pergunta
porque seus lábios estão nos meus. Ele me levanta no ar e minhas
pernas envolvem sua cintura por instinto.
É uma união raivosa de dentes batendo e lábios mordendo. Uma
guerra que ainda estamos lutando um com o outro e nós mesmos. Ele
rosna para mim quando mordo seu lábio, tirando sangue. Ele lambe o
sangue com a língua e me beija de novo, desta vez com mais força. Um
beijo punitivo que me faz rosnar para ele em troca. Seu sangue
acobreado na minha língua tem gosto de vitória. Ele lambe seu caminho
entre meus lábios, empurrando sua língua em minha boca, provando e
devorando com golpes ásperos e determinados. Com um movimento de
seus quadris, ele pressiona a ereção maciça sob sua calça jeans entre
as minhas pernas, o prazer que me atravessa me faz ver estrelas
momentaneamente. Moo contra ele em troca.
Ele sibila em resposta, mostrando seus dentes contra meus
lábios. — Você vai pagar por isso, Mic, — ele avisa, tomando minha
boca em outro beijo que nos faz grunhir e rosnar um para o outro como
animais famintos lutando pelo último pedaço de comida. Mas nenhum
de nós está prestes a desistir. Ele me empurra de costas na cama,
caindo sobre meu corpo, minhas pernas abertas em ambos os lados de
seus quadris enquanto ele pressiona seu pau novamente entre minhas
pernas. Arqueio minhas costas, precisando sentir mais. Precisando que
não haja nada entre nós além do desejo. Um pelo outro e o de
vencer. Mas, este não é mais um jogo que estamos jogando. É uma
batalha. Uma guerra que nenhum de nós pode vencer.
Mas, uma em que ambos iremos lutar.
Ele fica de joelhos, expondo as linhas profundas de músculos
recortados por gotas de suor. Uso minha língua para provar sua pele
salgada. Ele fecha os olhos com um gemido, em seguida, enfia a mão
atrás de mim, puxando-me para uma posição sentada tempo suficiente
para arrancar a camiseta pela minha cabeça e jogá-la no chão com a
dele. Ele pressiona entre meus seios, me mandando de volta para o
colchão, em seguida, tira meu short e calcinha com um puxão. Sinto o
ar em minha pele nua por um breve momento e um flash de terror
percorre meu peito.
Pike me cobre novamente com seu corpo, seu peito nu contra o
meu é uma sensação como nunca senti. Duro contra macio. Meus
mamilos doem sob sua pele quente. Seu pau está duro e quente sob sua
calça jeans enquanto ele pressiona meu clitóris me causando uma onda
de prazer. Estremeço quando minha boceta aperta com o vazio, e
gemo enquanto a dor exige ser saciada, enquanto meu corpo exige ser
preenchido.
Passo minhas unhas nas costas de Pike, punindo-o por não estar
dentro de mim. Punindo-o por me fazer desejá-lo, por me fazer sentir
medo de desejá-lo, mas o silvo entre seus dentes não é de dor. É de
excitação, uma necessidade pura que reflete a minha própria.
Pike puxa meu cabelo com uma mão, empurrando as calças até
os pés com a outra, chutando-as.
E aí está ele. Nu diante de mim. A visão me faz engasgar. O corpo
de Pike é uma obra de arte, todo musculoso e magro. Suas tatuagens
envolvem seus quadris em um desenho intrincado que quero traçar com
meus dedos e minha língua. Seus abdominais são delineados em
sombras tão profundas que parecem ter sido desenhados. Ele é a
perfeição absoluta. É ao mesmo tempo furioso e excitante que este
homem, dentre todos os homens, aquele que age como o próprio diabo,
seja esculpido à imagem de um Deus. Um anjo com um halo de ódio e
dor que penetra em minha alma.
E seu pau é tão enorme e intimidante quanto o resto
dele. Projetando-se diante dele, roçando seu umbigo, me deixando com
medo, mas de uma forma muito diferente.
Ele se acaricia. Uma vez, lentamente, e fico hipnotizada pelo
movimento, lutando contra a vontade de estender a mão e agarrá-lo
para descobrir como seria na minha própria mão.
Pike me olha lentamente e meu corpo aquece sob seu
olhar. Estou quase nua com minhas pernas abertas diante dele. De
repente, nunca me senti tão exposta. Fecho minhas pernas, e ele
imediatamente libera meu cabelo para afastá-las. Seus olhos ficam
ainda mais escuros enquanto ele se fixa na umidade acumulada
ali. Não pensei que fosse possível, mas ele parece ainda mais faminto do
que antes.
Suas narinas dilatam e, de novo, fico com medo do que ele é
capaz, mas por uma razão totalmente diferente.
Pike me cobre novamente com seu corpo, puxando meus seios do
meu sutiã. Ele lambe um dos meus mamilos, em seguida, morde. Gemo
com a picada de prazer e arqueio minhas costas, silenciosamente
implorando por mais. Quando seu eixo agora nu se conecta com o meu
clitóris e lateja contra mim, grito. Grito quando minhas entranhas se
retorcem de necessidade e prazer insatisfeito.
Ele lambe e chupa meu mamilo, e pego um punhado de seu
cabelo, segurando-o contra mim, levantando meus quadris em um
pedido silencioso por mais.
Ele levanta a cabeça e libera meu mamilo com um pop, o ar frio
encontra a umidade e os endurece ainda mais. Ele enfia a mão entre
nós e empunha a base de seu eixo. Sua mão é grande, mas seu pau
ainda parece enorme em seu aperto. Ele desliza uma mão atrás da
minha cabeça, uma vez mais a emaranhando no meu cabelo. A outra
desce para a parte inferior das minhas costas, levantando meus quadris
da cama. Ele me beija novamente, forte, furiosamente. Há uma
cutucada na minha entrada. Aço aquecido contra seda. Ele geme em
minha boca enquanto empurra, me empalando com seu pau enorme
que me estica até eu achar que estou prestes a quebrar. Meus olhos
marejam, lágrimas escorrem dos cantos. Isso queima e dói, e nunca
quero que pare.
Ele move seus lábios pelos meus olhos e lambe as lágrimas que
eu não sabia que tinham caído. Isso dói, muito, não apenas no meu
corpo, mas no meu coração.
— Você é tão apertada, — ele diz com um gemido estrangulado. —
Porra, você é tão boa. Muito melhor do que qualquer coisa... — ele se
esforça para dizer, parando. — Pensei sobre isso. Sobre
você. Muito. Porra, Mic.
A maneira como seu rosto se contorce em agonia e prazer me
encoraja ainda mais. Levanto meus quadris, levando-o mais fundo, e
ainda assim, não é o suficiente. A dor diminui com o movimento, então
faço de novo.
Ele sibila, levantando os olhos para o teto e depois os fechando.
Faço novamente.
Seus olhos se abrem e encontram os meus. Dou a ele um olhar
ousado que diz faça o seu pior. Ele sorri em resposta, empurrando ainda
mais forte, me tocando ainda mais fundo.
E a batalha recomeça.
O encontro impulso por impulso enquanto mantemos o olhar um
do outro.
Ele para, então se afasta e empurra para frente com tanta força
que minha cabeça bate na cabeceira da cama, mas não me importo. A
sensação de tê-lo dentro de mim, me esticando, me enchendo, é tão boa
que estou prestes a explodir.
Ele ainda me segura em seus braços, puxando-me contra ele
enquanto dá golpes rápidos e fortes para que eu sinta tudo dele, tudo o
que ele tem para dar. É opressor, mas é perfeito da mesma forma que é
imperfeito.
Como Pike.
— Te odeio pra caralho, — gemo contra seus lábios, enquanto ele
me beija mais uma vez, mas não quero dizer isso.
— Também te odeio, porra, — ele zomba, e sei que ele não quis
dizer isso também.
Deveríamos, mas não fazemos. Não podemos.
Como posso odiar alguém que faz parte de mim?
Não somos inimigos. Somos vítimas das circunstâncias, presos no
que achamos que deveríamos fazer, enquanto nos consumimos pelo que
queremos fazer um ao outro.
Levanto meus quadris novamente, e suas estocadas tornam-se
selvagens e erráticas até que a tensão no meu estômago explode em um
emaranhado de sentimentos, me quebrando em pedaços como uma
marreta em uma janela.
— Pike! — Grito quando as sensações me oprimem em onda após
onda de prazer que me faz ver nada além de branco.
O pau de Pike endurece ainda mais dentro de mim. — Mic, —
ele rosna, e com um gemido que me faz gozar ainda mais forte quando o
sinto gozar em longos jorros quentes, enchendo meu corpo... enquanto
quebra meu maldito coração. — Oh, porra, Mic. O que fizemos?
— Não sei, — respondo, outra lágrima deslizando do meu olho.
Ele lambe a lágrima da minha bochecha. — Isso muda tudo.
Suas palavras contrastam com o que ele disse depois do nosso
beijo na calçada.
Coloco minha mão em seu rosto. Ele vira a cabeça e beija minha
palma.
Pike e eu não estamos em guerra. Nós nunca estivemos.
Somos o que sobrou depois que a batalha já foi perdida por
ambos os lados.
Não somos soldados.
Somos uma carnificina.
Capítulo Vinte e Sete
Pike
Sei o que quero, e o que quero é a Mickey. Ela não vai lutar esta
batalha sozinha. Vou lutar com ela. Passei a manhã toda fazendo
planos para mantê-la segura enquanto acabo com a porra do Four
Reich, começando pelo próprio Darius.
Estou parado na caixa registradora. O sino acima da porta toca
depois que um cliente sai. Há um som na sala dos fundos. Risos vindos
de Mickey e Thorne enquanto elas arrumam castiçais antigos para tirar
fotos para o site.
Nunca entendi a importância do som até hoje.
O som é uma coisa incrível. O som da risada de Mickey. O som
das unhas de Thorne batendo nas teclas. A câmera clicando a
distância. Até mesmo o toque do sino acima da porta da loja. O som de
Mic gemendo meu nome enquanto a faço gozar. Este é o meu favorito.
É o som do normal. Talvez não seja normal para os outros, mas
normal para nós.
E vou proteger esse novo normal, custe o que custar.
Outro som que nada tem a ver com nosso novo normal vem do
estacionamento lá fora, pneus guinchando no asfalto.
Correndo para fora, percebo que Mickey está atrás de mim. —
Fique para trás, — digo a ela enquanto uma caminhonete derrapa e
para na frente da loja.
Observo enquanto homens vestidos de esqueleto familiares saem
da caminhonete. Eles estão carregando alguém com um capuz de
estopa cobrindo sua cabeça. Reconheço o saco de estopa e o homem
embaixo dele imediatamente.
Vou para minha arma.
— Toque na arma e ele morre, — avisa um deles enquanto
colocam Gutter de joelhos.
Um dos homens armados arranca o capuz da cabeça de G. Ele
pisca para afastar o borrão. Então, seus olhos pousam em mim. Ele
sorri. — Não é sua culpa, Pike. Eu mereço isso a muito tempo, então
não se culpe. Não é sua culpa. Eu não te culpo. Você é a melhor coisa
que já aconteceu na minha vida. Considero você como um filho. Não se
mate por alguém como eu. Entendeu?
Um homem anda até ele com um pé de cabra na mão. — Não! —
Grito, novamente pegando minha arma. Outro homem atira nos meus
pés em advertência, criando uma colcha de retalhos de buracos no
asfalto.
— Eu te amo, garoto, — diz Gutter com um movimento do queixo.
É apenas um segundo, mas parecem horas enquanto o homem
recua e bate na parte de trás do crânio de Gutter.
Balas ou não, corro até Gutter, disparando minha própria arma
contra a caminhonete que agora está acelerando.
Largo a arma e puxo Gutter em meus braços, mas não há como
ele estar vivo. Há muito sangue. Eu levanto sua cabeça, e pedaços dela
caem no estacionamento. E não crânio suficiente. Freneticamente tento
pressionar os fragmentos de osso contra o sangue e massa gotejando de
seu cérebro como se pudesse trazê-lo de volta à vida se conseguisse
montar sua cabeça novamente. — Gutter. Foda-se, Gutter. Não morra,
— grito para ele. — Não morri por você, então você não pode morrer por
mim, — digo em um soluço estrangulado. Largando o pedaço de seu
crânio no asfalto, puxo seu corpo magro e sem vida contra o meu. —
Você não pode morrer porra! — Grito, mas sei que ele não pode me
ouvir.
Ele nunca mais vai me ouvir.
Mickey
— O som dos pneus no asfalto. Isso sempre vai me lembrar
daquele momento. Dele, — Pike diz, parecendo distante, como se não
estivesse na mesma sala que eu. Ele ainda está coberto pelo sangue de
Gutter.
Faço um movimento para tocá-lo, e ele se afasta.
— Memória ecoica. Outro nome para memória de som. Ela
registra momentos específicos e os conecta a informações auditivas, —
digo, percebendo que uma lição sobre como a memória sonora funciona
não é realmente o que Pike está querendo agora. Faço uma careta, —
Desculpe.
Ele sorri, mas só o faz parecer mais triste. — Nunca se desculpe
por ser inteligente, Mic. É o seu negócio. Domine essa merda.
Seu olhar vagueia pelo quarto como se estivesse percebendo pela
primeira vez. Ele vagueia, passando pelas mãos nas paredes, parecendo
realmente perdido.
Ele se acalma quando vê uma foto na mesa de cabeceira dele e
Gutter segurando peixes e sorrindo como idiotas. Ele pega e passa as
mãos sobre a imagem.
Meu coração se parte por ele quando seus olhos vidram. Seus
ombros caem em derrota. Lentamente, ele abaixa a
imagem. Endireitando-a várias vezes. — Como você sobreviveu à morte
de toda a sua família? — Ele pergunta em um sussurro que não
reconheceria como sua voz se não tivesse visto as palavras passarem
por seus lábios com meus próprios olhos.
Pike cai no chão e me junto a ele, de costas para a
cama. Reconheço a dor em seus olhos. As questões. A culpa. Sinto isso
como se fosse comigo, porque de certa forma possuo esse tipo de
dor. Não penso antes de agir. Estendendo a mão, envolvo meu braço em
volta de sua cabeça e o puxo para o meu colo.
— De certa forma, não o fiz, — confesso, alisando seu cabelo para
trás, acariciando-o como se ele fosse um gato perdido que precisa de
carinho. — Uma grande parte de mim morreu quando eles morreram, e
o que sobrou de mim não é mais alguém que reconheço.
Pike se inclina para o meu toque. Limpo minha garganta,
sufocando as lágrimas que ele não precisa me ver derramar agora. —
Sabe, — ofereço, — uma coisa que ajuda é conversar com eles.
— Já ouvi você falando com eles antes, — responde Pike. — Você
estava falando com eles quando te encontrei naquela noite. Pensei que
você era louca.
— Você não estava errado. Eu estava delirando naquela noite,
mas mesmo agora, não é algo que tento esconder. Não me importo se as
pessoas acham que sou louca. Ajuda-me imaginar que eles estão ao
meu redor, aqui sempre que preciso deles ou quando tudo se torna
muito e acho que não posso... — Fungo. — Sabe, mesmo em minha
imaginação, minha irmã Mallory ainda me incomoda.
— Acho que eu teria gostado de Mallory, — diz ele suavemente.
Sorrio. — Acho que ela teria gostado de você. — Rio, imaginando
como os olhos de menina louca de Mallory ficariam na primeira vez que
ela visse Pike. — Demais.
— Isso para de doer? — Ele pergunta, olhando para o teto.
— Não, — respondo honestamente. — Mas a dor muda com o
tempo. Ela se transforma de algo que parece mãos em volta do seu
pescoço te sufocando para algo que é como alguém constantemente
beliscando sua pele. Ainda dói, mas é uma dor com a qual você
aprende a conviver.
— Sua vingança. Você acha que se conseguir vai doer ainda
menos? — Ele pergunta.
— Pode não doer menos, mas acho que tornará viver com isso
mais suportável. No final das contas, não se trata da minha dor, mas de
fazê-los sofrer pelo que fizeram. Fazendo-os sentir o que sentiram, o que
eu sinto.
Pike está quieto enquanto acaricio sua cabeça. — Você sabe que
não posso ficar, — digo com um suspiro. Lágrimas se formam em meus
olhos. — Não porque não queira, mas porque tenho que ir. Tenho que
terminar o que comecei.
Ele não responde.
Olho para baixo para encontrar seus olhos fechados.
Por enquanto, o sono o faz parecer em paz. Isto é, até que suas
mãos se contraiam. Mesmo durante o sono, as mãos de Pike estão
fechadas em punhos, os nós dos dedos brancos e prontos para a luta.
Mas essa luta é minha. Eles começaram. Serei a única a acabar
com isso.
E se tudo correr como deve, Pike não será pego no fogo cruzado.
Capítulo Vinte e Oito
Pike
Acordo com o que parece ser mil gatos passeando pelo telhado. O
quarto cheira a terra fresca. Está chovendo, eu percebo enquanto pisco
para afastar a névoa do sono.
Gutter está morto e falta um pedaço de mim. Não apenas no meu
coração, mas na minha cama. Está vazia e fria.
Viro a cabeça e descubro que Mickey não está mais dormindo ao
meu lado. Uma rápida varredura no quarto e a encontro de pé na
janela. Ela está de pernas nuas, usando um grande suéter branco que
cai em um ombro e é longo o suficiente para cobrir sua bunda,
revelando a inclinação suave de suas coxas esguias e atléticas. As
mangas compridas cobrem as mãos, o excesso de material se acumula
em suas palmas como luvas improvisadas.
Ela é linda de um jeito que me faz perceber que nunca entendi a
beleza antes. Meu estômago se contorce com a mesma necessidade que
senti ontem à noite enquanto a observava dormir. A necessidade de
mantê-la segura, de mantê-la feliz.
De mantê-la.
É mais forte do que qualquer outra compulsão que já senti antes,
e é porque não é uma compulsão de forma alguma. É só ela.
Por um momento, a observo em silêncio enquanto ela inclina um
ombro contra o vidro da janela. Seus olhos estão focados no céu,
observando a tempestade passando. Ela levanta a mão e puxa a manga
até o pulso, pressionando a ponta dos dedos no vidro enquanto tenta
diminuir a distância entre ela e a chuva.
Percebo que ela está ciente que estou acordado quando fala,
embora mantenha os olhos fixos na janela. — Uma vez perguntei ao
meu pai se ele podia ver o que eu via nas gotas da chuva. A forma como
a luz ilumina de maneira diferente cada uma. As formas variadas, as
diferentes cores refletidas. — Sua voz está estranhamente calma e
suave. — Ele me disse que não. Ele disse que é necessário um dom
especial como o meu para ser capaz de encontrar algo único sobre cada
gota onde a maioria das pessoas apenas vê água caindo do céu.
Deslizando meus pés para fora da cama, fico de pé e me aproximo
de Mickey, encostando-me na parede ao lado da janela para que possa
encará-la, olhando momentaneamente para a chuva que a tem tão
concentrada.
Ela achata a palma da mão no vidro. — É... acho uma pena que
as pessoas não consigam ver o que vejo, mas às vezes gostaria de poder
ver como elas veem.
Estou surpreso com o pensamento de que ela quer ser como todo
mundo, porque Mickey não é como ninguém. Nem mesmo perto. Ela é
uma espécie diferente de ser humano, um tipo que odeio admitir, que
na verdade gosto, respeito até. — É um dom. É o seu dom. Não deseje
que isso desapareça. É o que te faz... — Aceno minha mão para ela,
desejando ser tão bom com as palavras quanto ela. — Você.
Ela encosta o lado da cabeça na janela, virando-se para me
encarar. Encontro olhos injetados de sangue e bochechas manchadas
de lágrimas. Mickey está chorando. Percebendo onde minha atenção
está focada, ela enxuga o rosto com a manga do suéter.
— É uma maldição da mesma forma que é um dom. — Seus
olhos vidram enquanto se enchem de lágrimas. Sua voz calma fica
trêmula, presa na garganta. — Existem bilhões de pessoas na terra,
mas nenhuma delas é como você, Pike. Você não é apenas água caindo
do céu. Você é tão original e especial, e ninguém nunca vai te ver do
jeito que vejo. E por causa dessa maldição e dessa memória, não posso
nunca deixar de vê-lo. — Ela funga, mas sou eu quem sente meu peito
apertar e minha garganta fechar. Ela pisca e uma lágrima escorre por
sua bochecha, percorrendo o mesmo caminho das manchas de lágrimas
que vieram antes dessa. — Mesmo se quisesse. Mesmo se tentasse
muito. Você estará aqui. — Ela pressiona minha mão em sua
têmpora. — Refletindo um tipo de luz diferente do que qualquer outra
pessoa.
— Você não precisa deixar de me ver, — digo a ela. — Estarei bem
aqui. Contigo.
Agarro seu pulso e pressiono sua palma contra meu peito para
que ela possa sentir as batidas do meu coração. Seus cílios molhados
vibram contra suas bochechas enquanto ela olha para mim com
incerteza em seus olhos. Não tenho palavras de conforto para oferecer a
ela. Sem palavras de encorajamento ou significativas. Nada que a faça
se sentir melhor, porque não tenho ideia do que o futuro reserva para
nenhum de nós. Puxo-a em meu peito e envolvo meus braços em torno
dela, descansando meu queixo no topo de sua cabeça. Ela se encaixa
tão perfeitamente contra mim, neste quarto e na minha vida.
A levanto e a carrego de volta para a cama, onde me deito com ela
em cima de mim, mantendo seu corpo macio pressionado contra o meu
enquanto ela soluça contra minha pele. Suas lágrimas escorrendo pelo
lado do meu peito em um fluxo quente de veneno contagioso que pica
em meus olhos, lágrimas ameaçadoras que nunca soube que era capaz
de produzir.
Ela agarra meu peito, as unhas cravando em minha pele. Cerro os
dentes e aceito porque é o mínimo que posso fazer depois que ela me
confortou na noite passada. Depois de alguns momentos, ela para. O
choro para e o ritmo de sua respiração se equilibra e diminui. Ela está
dormindo.
Meu peito se contrai, e não pelo peso de Mickey. Ela não é pesada
o suficiente para machucar, muito menos esmagar meu peito.
Com meus lábios pressionados no cabelo de Mickey, inalo o
cheiro de seu shampoo feminino enquanto sua pequena exalação
aquece a pele na curva do meu pescoço. Vejo sua cabeça pela janela
enquanto a chuva cai cada vez mais forte. Aperto os olhos e tento
discernir uma gota de chuva da próxima enquanto caem em lençóis,
borrando o céu. Claro, que não posso fazer o que ela pode. Tudo parece
água para mim.
Você não é apenas água caindo do céu. Você é tão único e especial
e ninguém nunca vai te ver do jeito que eu vejo.
Ninguém nunca me disse algo assim e mais, eu nunca teria me
importado se alguém tivesse me dito isso antes. Mas me importo agora e
só por causa dela.
Posso não conseguir distinguir uma gota de chuva da outra, mas
não preciso diferenciar a chuva para sentir algo diferente acontecendo
em meu coração. Ser capaz de ver algo especial e único em algo que os
outros poderiam ver como uma das massas.
Ela me vê e eu a vejo.
E agora, minha própria gota de chuva está dormindo
profundamente no meu peito. Não posso lhe oferecer nada além de um
corpo quente. Um peito para chorar. É tudo o que tenho, e é dela para
tomar.
As lágrimas que ameaçaram derramar tornaram sua presença
conhecida e fluíram de meus lábios para o cabelo de Mickey. Por ela e
sua família e o que eles passaram. Por Gutter.
Tudo o que tenho para dar a ela sou eu.
E sei que não é o suficiente.
Depois de um tempo, a coloco ao meu lado e me visto para
terminar meus planos que foram interrompidos quando Gutter foi
assassinado na porra da minha porta. Verifico Mickey algumas vezes ao
longo do dia e, a cada vez, ela está dormindo com novas manchas de
lágrimas cobrindo suas bochechas e posso senti-las, como se a tristeza
dela e a minha fossem a mesma.
Quando o dia acaba e os planos estão feitos, volto para o meu
apartamento, pronto para dizer a Mickey que não vou arriscar a vida
dela e que vou ajudá-la na sua vingança, como se fosse minha, mas
desta vez, ela não está chorando ou dormindo.
Mickey se foi.
E minha arma também.
Capítulo Vinte e Nove
Mickey
Mickey
Continua...