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ANÁLISE DO

DISCURSO

Laís Virgínia Alves Medeiros


Análise de Conteúdo versus
Análise do Discurso
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Caracterizar a Análise de Conteúdo.
„„ Identificar suas fases e técnicas.
„„ Diferenciar a Análise de Conteúdo da Análise do Discurso.

Introdução
Entre as diversas teorias que tomam o texto como objeto, o enfoque
da análise será diferente para cada uma delas. As teorias mais estuda-
das no Brasil têm como foco o discurso, as relações de poder e/ou as
relações sociais. Agora você vai conhecer uma teoria que se dedica à
análise do conteúdo do texto. Mas o que se entende por conteúdo? E
como se chega a ele? São essas as questões que você vai compreen-
der, pela teoria da Análise de Conteúdo, neste texto.

Análise de Conteúdo
Essa teoria começou a ser desenvolvida nos Estados Unidos no início do sé-
culo XX, inserida num contexto de pesquisas sobre efeitos da comunicação e
da sociologia funcionalista das mídias (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2004). A análise de conteúdo é utilizada principalmente nos estudos de marke-
ting e de pesquisas de opinião (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004).
Para Bardin (1993, p. 31, grifo da autora), “A análise de conteúdo é um
conjunto de técnicas de análise das comunicações”. Bardin destaca ainda o
trabalho sobre a prática da língua, realizada por emissores identificáveis, pro-
curando reconhecer o que está por trás das palavras.

Fases da Análise
Bardin (1993) apresenta o método da Análise de Conteúdo organizado em três
fases cronológicas:

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„„ Pré-análise. Fase de organização, dividida em três subfases não necessa-


riamente cronológicas:
ƒƒ Escolha dos documentos: pode tanto ser determinada a priori, como um
levantamento de dados sobre um produto específico, ou motivada por
um objetivo que implica a seleção de documentos que possam fornecer
informações sobre o problema levantado.
ƒƒ Formulação das hipóteses e objetivos: a hipótese é a informação provi-
sória que será confirmada ou infirmada pelos procedimentos de aná-
lise; o objetivo é a finalidade geral proposta para a análise.
ƒƒ Elaboração dos indicadores: definição dos indicadores que nortearão
a análise, como o número de vezes que uma palavra ou expressão é
repetida, por exemplo.
„„ Exploração do material. Decorre da fase anterior e consiste na adminis-
tração sistemática das decisões ali tomadas. Constitui-se de operações de
codificação, desconto ou enumeração.
„„ Tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Os resultados
são tratados para que se tornem significativos e válidos, podendo se valer
de operações estatísticas, como porcentagens e análises factoriais. Uma
vez compilados esses resultados, o analista pode levantar inferências e
interpretações a seu respeito.

Técnicas de Análise
Com base em Bardin (1993) e em Minayo (2000), Capelle, Melo e Gonçalves
(2003) apresentam cinco principais técnicas de análise utilizadas pela Análise
de Conteúdo:

„„ Análise temática ou categorial: É a mais utilizada pela análise de con-


teúdo. Nessa técnica, o texto é desmembrado em unidades. O objetivo é
a descoberta dos núcleos que compõem uma comunicação, considerando
sobretudo a frequência desses núcleos, em vez de sua dinâmica e orga-
nização.
„„ Análise de avaliação ou representacional: O objetivo dessa técnica é
medir as atitudes do locutor em relação aos objetos de que ele fala (sejam
eles pessoas, coisas, acontecimentos…). Parte da perspectiva de que a lin-
guagem consegue representar e refletir diretamente quem a utiliza. Os
indicadores utilizados para essa análise estão explicitamente contidos na

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comunicação, considerando as reações do emissor da mensagem tanto em


nível verbal (opiniões) quanto em nível comportamental (atos).
„„ Análise da expressão: Nessa técnica, são trabalhados os indicadores (es-
trutura da narrativa) a fim de atingir a inferência formal. Parte da perspec-
tiva de que as características do locutor e do meio correspondem ao tipo do
discurso, levantando a necessidade de conhecer o autor da fala, conside-
rando sua situação social. São os dados levantados por esse conhecimento
que moldam a análise.

Você já deve ter percebido que a Análise de Conteúdo mobiliza um sujeito empírico,
com características próprias e pessoais, ao contrário da Análise do Discurso, que mobi-
liza um sujeito discursivo, que assume posições interpelado ideologicamente. Esta e
outras diferenças entre as teorias ficarão mais claras na próxima seção.

„„ Análise das relações: Essa técnica de análise é centrada nas relações que
os elementos do texto podem estabelecer entre si. É subdividida em:
ƒƒ Análise de co-ocorrências, a fim de identificar a presença simultânea
de elementos.
ƒƒ Análise estrutural, a fim de identificar uma mesma estrutura em dife-
rentes fenômenos, desestruturando o texto para depois reconstruí-lo.
„„ Análise da enunciação: Essa técnica de análise se baseia na concepção
da comunicação como um processo, e, em vez de recorrer às estruturas e
aos elementos formais presentes no texto, trabalha com as condições de
produção da palavra e com as modalidades do discurso (que, nessa teoria,
dizem respeito à análise sintática e paralinguística, à análise lógica, à aná-
lise dos elementos formais atípicos e ao realce das figuras de retórica).

Análise de Conteúdo e Análise do Discurso


Rocha e Deusdará (2005), com base em Bardin (1993), atribuem à Análise
de Conteúdo uma visão conteudista, na qual a produção de sentido se refere
apenas a uma realidade dada a priori. O objetivo dessa análise seria o de al-

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cançar uma significação profunda no texto, um sentido estável. Esse sentido,


por sua vez, seria de responsabilidade do locutor, que o conferiria pelo ato de
produção do texto.
Você já viu que a Análise do Discurso, ao contrário, trabalha com a noção
de efeitos de sentido, que diz respeito aos diferentes sentidos que uma mesma
palavra ou expressão podem adquirir, a depender da formação discursiva.
Os autores destacam o rigor de seu método, que apresenta um modelo
duro, rígido e de corte positivista, baseado na análise quantitativa e na ob-
jetividade, procurando afastar a subjetividade. Além disso, afirmam que,
nessa perspectiva, o texto seria uma estratégia de encobrimento de uma sig-
nificação profunda, recuperável através de técnicas precisas e objetivas, que,
assim, permitem o acesso ao verdadeiro significado do texto.
A Análise do Discurso, por sua vez, não concebe qualquer manifestação
de linguagem que não seja subjetiva, visto que todo processo discursivo se
dá entre sujeitos inscritos em formações discursivas (estejam os sujeitos
inscritos na mesma formação discursiva, estejam em formações discursivas
diferentes). Além disso, o objetivo da análise em Análise do Discurso não é
chegar a um significado verdadeiro (já que, nessa teoria, ele sequer existe),
mas, sim, entender como os diferentes efeitos de sentido possíveis se es-
truturam e se relacionam, considerando sempre o papel da ideologia e das
relações de poder.
Para comparar os pontos de vista de ambas as teorias, você pode pensar
que a Análise do Discurso procurou suprir algumas limitações que identi-
ficava na Análise de Conteúdo, como a perspectiva de um acesso neutro a
um sentido do texto, não considerando também o analista como um produtor
de sentidos. Nesse aspecto, Rocha e Deusdará (2005) apresentam o risco
de uma Análise de Conteúdo apenas ratificar dados produzidos em dadas
situações de enunciação e absorvê-los sem desenvolver uma reflexão teó-
rica a respeito (seria o caso, por exemplo, dos pré-construídos passíveis de
emergir do senso comum).
Finalmente, uma comparação esquemática entre as teorias é apresentada
por Rocha e Deusdará (2005) no Quadro 1 a seguir:

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Quadro 1. Síntese das aproximações e afastamentos entre Análise de Conteúdo e


Análise do Discurso
Fonte: Rocha e Deusdará, 2005.

Análise de conteúdo Análise do discurso

Objetivos de Captar um saber que está por Analisar em que perspectivas


pesquisa trás da superfície textual a relação social de poder no
plano discursivo se constrói

Eu pesquisador Espião da ordem que se propõe a Agente participante de uma


desvendar a subversão escondida; determinada ordem, contri-
leitor privilegiado por dispor de buindo para a construção
“técnicas” seguras de trabalho de uma articulação entre
linguagem e sociedade

Concepção Véu que esconde o signifi- Materialidade do discurso


de texto cado, a intenção do autor

Concepção de Reprodução e disseminação Ação no mundo


linguagem de uma realidade a priori

Concepção Instrumento neutro de verificação Espaço de construção de


de ciência de uma determinada realidade olhares diversos sobre o real

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BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São
Paulo: Martins Fontes, 1993.

CAPELLE, M. C.; MELO, M. C. O. L.; GONÇALVES, C. A. Análise de conteúdo e análise


de discurso nas ciências sociais. Revista Eletrônica de Administração da UFLA, v. 5, n. 1,
p. 69-85 jan. 2003. Disponível em: <http://revista.dae.ufla.br/index.php/ora/article/
view/251/248>. Acesso em: 21 ago. 2016.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Con-


texto, 2004.

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São


Paulo: Hucitec, 2000.

ROCHA, D.; DEUSDARÁ, B. Análise de Conteúdo e Análise do Discurso: aproxima-


ções e afastamentos na (re)construção de uma trajetória. Alea, Rio de Janeiro, v.7,
n. 2, jul.-dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-
-106X2005000200010&script=sci_arttext&tlng=ES>. Acesso em: 21 ago. 2016.

Leitura recomendada
LIMA, M. E. A. T. Análise do Discurso e/ou análise de conteúdo. Psicologia em Revista,
Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 76-88, jun. 2003. Disponível em: < http://200.229.32.55/
index.php/psicologiaemrevista/article/view/166/179>. Acesso em: 22 ago. 2016.

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