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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS


CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

TAINAH FERNANDES MONTENEGRO E SILVA

FICHAMENTO DO LIVRO “SERVIÇO SOCIAL: IDENTIDADE E ALIENAÇÃO”

FORTALEZA – CEARÁ

2017
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MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e Alienação. 12. Ed. São Paulo,
SP: Cortez, 2008. 165 p.

Maria Lúcia Martinelli inicia o livro “Serviço Social: Identidade e alienação” com
uma breve apresentação. Ela mostra que o livro foi produzido originalmente como tese de seu
doutorado em Serviço Social, e mostra a importância que tal obra teve em sua vida
acadêmica. Em seguida, revela que inspirou-se nos estudos de História e Filosofia, e faz
diversos agradecimentos aos profissionais que a auxiliaram na elaboração da obra. A
apresentação é finalizada com uma dedicatória aos assistentes sociais latino-americanos, “[...]
especialmente aqueles que nos precederam historicamente e eu nos legaram o Serviço Social
que hoje temos, registrando aqui a minha esperança maior de que tenhamos a força, a lucidez
e a coragem de transformá-lo no Serviço Social que queremos!” (p. 09)
Adiante, inicia-se o prefácio do livro em questão, escrito por Antônio Joaquim
Severino. Ele começa afirmando que “poucas áreas das ciências humanas têm revelado tanta
inquietação teórica como o Serviço Social” (p. 11). Segundo ele, o dinamismo e a
fecundidade do projeto de reconceituação a que se propôs o Serviço Social impressiona e é
muito significativo. Ele afirma ainda que o Serviço Social vem buscando “acertar contas”
com o capitalismo, o que implica a tomada de consciência da inquestionável origem do
Serviço Social, “criado como uma estratégia de intervenção amortecedora no tecido social,
com vistas a evitar um conflito direto com o proletariado” (p. 11). Tal aliança se desdobra no
questionamento do sentido da sua intervenção na sociedade. Severino revela que “nos termos
em que a autora se propõe a especificar a identidade profissional do Assistente Social, [...] o
problema que se coloca é que ela não mais poderá ser constituída sem que seja contraposta à
luz do processo social como um todo” (p. 12), e possivelmente é aí que reside a dificuldade da
argumentação filosófica e da demonstração histórica da autora.
Finalizado o prefácio, inicia-se a introdução do livro, feita pela própria autora, com o
subtítulo “Pensar o Serviço Social: eis a tarefa”. Ela revela que sua preocupação era
“compreender o real significado da profissão na sociedade do capital, sua participação no
processo de reprodução das relações sociais” (p. 15). Ela almejava descobrir até que ponto a
trajetória histórica do Serviço Social “favorecera ou impedira o desenvolvimento da
identidade profissional e da consciência social dos agentes profissionais” e, “no caso de a
trajetória histórica ter impedido o desenvolvimento da consciência social dos agentes, saber
como a alienação penetrara tão fortemente no interior da categoria profissional, [...] chegando
a transfigurá-la [...] (p. 15). Outra indagação da autora era “saber até que ponto os agentes
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tinham consciência de que a burguesia estava assumindo progressivamente o controle de sua


prática, transformando-a em uma estratégia de domínio de classe [...]” e, somado a isso,
também “saber se os agentes se davam conta de que ao longo deste processo sua própria
identidade estava sendo consumida pela sociedade burguesa que se constituía” (p. 16). Em
seguida, a autora expõe suas perguntas, que resumidamente se baseavam em saber se “os
agentes tinham consciência de que, operando com tal identidade, suas ações profissionais
passavam a constituir respostas aos interesses do capitalismo, contribuindo para a reprodução
das relações capitalistas e para a expansão do capital? (p.16)” e, principalmente, a pergunta
definida como essencial pela própria autora, onde desejava-se saber se

[...] estava claro para os agentes que, ao sucumbirem à lógica do capital, era o próprio ser dialético, sua
consciência social, sua identidade profissional que sucumbia, para dar lugar a um “não-ser”, a um ser sem
efetividade, a uma categoria sem identidade e reprodutora de um a prática reificada, produzida pela cultura
dominante, e sem nenhum potencial de transformação da realidade? (p. 16)
Falando, então, sobre sua tese, Martinelli cita sua própria dissertação de mestrado,
afirmando que “[...] somente no momento em que a profissão alcança sua identidade
especifica e distinta é que atinge sua autonomia científica (p. 16)”. Mais adiante, fala sobre
um outro aspecto importante: a identidade profissional. Sobre isso, diz ela:

[...] é a identidade da profissão em si mesma considerada como elemento definidor de sua participação na
divisão social do trabalho e na totalidade do processo social. Portanto, mais do que uma categoria filosófica,
dotada de estatuto lógico e ontológico, a identidade profissional está sendo pensada dialeticamente, como uma
categoria política e sócio-histórica que se constrói na trama das relações sociais, no espaço social mais amplo da
luta de classes e das contradições que a engendram e são por ela engendradas. (p. 17)
A autora diz, ainda, que “Identidade e consciência social não podem ser pensadas,
portanto, a distância da totalidade social, como abstrações ou generalidades ou como
categorias isoladas; é preciso pensá-las dialeticamente, como categorias plenas de movimento
e de historicidade.” (p. 19) Ainda sobre identidade e consciência social, a autora diz que seu
exame de literatura “remetia para uma conclusão muito importante, uma vez que evidenciava
a relevância da mesma para a categoria profissional” (p. 24). E, mais à frente, revela:

A busca fundamental é, portanto, pensar historicamente o Serviço Social e, mais especificamente, o Serviço
Social brasileiro em suas conexões com o capitalismo. [...] Recriando a própria história do Serviço Social, de
forma a acompanhar-lhe a trajetória, o que se pretende é desvendar a odisseia por ele percorrida e, nela,
compreender as formas históricas de manifestação da identidade [...]. (p. 25)
Para a autora, compreender tal fato é essencial para “[...] determinar as vias de ruptura com o
processo de alienação que envolve a prática profissional [...] (p. 25). Assim, a autora encerra a
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introdução e parte para o primeiro capítulo do livro, onde fala sobre a ilusão de servir
atribuída ao Serviço Social, a começar especificando o “Capitalismo industrial e a polarização
social”. Ela inicia examinando três grandes vertentes para obter uma compreensão efetiva do
capitalismo como categoria histórica. A primeira parte “de uma concepção idealista considera
que o capitalismo, como forma econômica, é criação do “espírito capitalista”, o qual por sua
vez constitui uma síntese de espírito empreendedor e racional.” (p. 27) Dessa forma, a criação
do capitalismo e seu surgimento histórico estão intimamente ligados ao estado de espírito da
época, que suscitou características intrínsecas ao sistema. A segunda vertente “descende
historicamente da Escola Histórica Alemã, também chamada Escola Clássica Alemã, e
acentua o caráter de sistema comercial do capitalismo, situando-o como uma forma de
organização da produção que se move entre o mercado e o lucro.” (p. 28) Aqui, o foco é o
lado mais econômico do capitalismo. Este não se separa realmente da dimensão histórica,
porém, está mais vinculado ao lado comercial do sistema. Já a terceira vertente, que foi
fundada sob o pensamento de Karl Marx, amplia consideravelmente a questão, uma vez que
parte de novos pressupostos: “A essência do capitalismo deixa de ser buscada na natureza das
transações monetárias ou em seus fins lucrativos, o capital não é mais encarado como uma
coisa e a modalidade de propriedade dos meios de produção ganha um novo sentido.” (p. 29)
Outra colocação muito relevante acerca da história do capitalismo é a seguinte:

[...] A história do capitalismo é a história das classes sociais; estas constituem o elemento fundamental para se
compreender tanto o capitalismo em si mesmo considerado quanto à marcha histórica da humanidade,
profundamente relacionada com seus conflitos, antagonismos e lutas, estas últimas em especial verdadeiras
forças motrizes daquela marcha. (p. 30)
É interessante também citar a importância desta lei da marcha da história, que segundo
Engels, “tem para a história a mesma importância que a lei da transformação da energia tem
para as ciências naturais” (1987:12 e 13).

Nesse contexto, em que o modo de produção e as relações sociais dele decorrentes tornam-se os indicativos do
itinerário de busca, temos de considerar como início do período capitalista aquele em que se expressam de forma
estável as características que marcam esse sistema. Dentre estas, é fundamental localizar aquele que represente o
elemento definidor do capitalismo, seu traço distintivo essencial: a posse privada dos meios de produção por uma
classe e a exploração da força de trabalho daqueles que não os detém. (p. 31)
Martinelli explicita, ao longo deste primeiro tópico, a importância de rebuscar o
passado a fim de encontrar respostas mais claras acerca do surgimento do capitalismo. Nesse
contexto, a autora cita, por exemplo, antigas sociedades, dizendo que “Nas sociedades
medievais, com sua economia natural, as relações de troca eram simples, e tal subordinação
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não ocorria de forma contratual, e muito menos compulsiva”, e que nos séculos XIV e XV,
encontrava-se “o feudalismo imerso em graves crises, de um lado decorrentes da intensa
difusão das transações monetárias em seu interior e de outro da desintegração da estrutura
feudal em função do amadurecimento de suas próprias contradições internas.” (p. 31) E
prossegue afirmando:

Com o desenvolvimento do capitalismo mercantil, sobretudo a partir da primeira metade do século XV, as
relações de produção no campo são invadidas pela variável comercial, as trocas se tornam cada vez mais
complexas, pois passam a ter como objetivo a acumulação e a riqueza e o lucro. A separação entre os
camponeses e a terra, entre os produtos e os meios de produção, vai infiltrando sorrateiramente, fazendo-se
acompanhar do seu habitual corolário, a divisão social do trabalho. [...] Aquela economia natural da sociedade
medieval entra em compasso de descaracterização progressiva, sendo aceleradamente substituída por novas
formas de troca, que acentuam a separação entre o proprietário e o produtor. (p. 31)
Assim, os serviços vão mudando, mas os mais prósperos seguem assim. Os ricos donos de
propriedades agrícolas tornam-se comerciantes ou mercadores, em seguida atacadistas. Como
diz Martinelli, “Os centros de poder se deslocam dos feudos para os burgos. [...] O trabalho
assalariado e a subordinação do trabalhador ao capital mercantil tornam-se usuais e
frequentes”. (p. 32) Tudo isso nos remete a uma questão inegavelmente atual: o trabalho
assalariado.

O intenso desenvolvimento do capitalismo, em sua fase mercantil, se faz acompanhar da criação de uma força de
trabalho assalariada e destituída de meios de produção [...] o ciclo de vida do capital, cujo início vínhamos
buscando, pode ser localizado, portanto, em termos de Europa Ocidental, e em especial na Inglaterra, na segunda
metade do século XVI. A essa altura, o modo de produção legado da sociedade feudal já havia se subordinado
plenamente ao capital, produzindo uma nova estrutura social e um novo contexto político, parametrados pelas
concepções e pelos objetivos da burguesia. (p. 32-33)

Naturalmente, pode-se perceber que a adoção do trabalho assalariado trazia benefícios para a
burguesia, uma vez que se mostrava altamente lucrativo. Como mostra Martinelli:

O emprego de trabalho assalariado significava para a burguesia uma forma de obter lucro, de acumular capital. A
produção subordinava-se cada vez mais ao capital e a influência do capital mercantil tornava-se relevante,
ligando-se progressivamente ao modo de produção. Nessa fase há uma crescente necessidade de mão-de-obra,
pois tanto no campo quanto na cidade importantes modificações estavam processando-se. (p. 33)

É nesse período que surgem as fábricas: com a grande mão-de-obra disponível – e crescente –
os burgueses não hesitavam em se valer da exploração para com os trabalhadores, que, à
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época, não possuíam direitos trabalhistas. Na verdade, eram os mais ricos os maiores
protegidos pela legislação, que oprimia os trabalhadores enquanto favorecia os burgueses:

Expulsos da terra, os camponeses acabavam por se subordinar às exigências dos donos do capital, que protegidos
pela legislação Tudor podiam recrutar mão-de-obra sob compulsão e denunciar às autoridades aqueles que
recusassem o trabalho em virtude das suas condições ou da exiguidade do salário legal. [...] A Lei do
Assentamento, de 1563, impedia-os de se mudar de aldeia sem permissão do senhor local, e a Lei dos Pobres, de
1597, declarava indigentes e retirava o direito de cidadania econômica daqueles que fossem atendidos pelo
sistema de assistência pública. Assim, recrutando coercitivamente o trabalhador, a burguesia cuidava para
expandir seu capital. Ao trabalhador, poucas alternativas restavam senão ingressar no mercado através do
trabalho assalariado. (p. 33)
Martinelli explicita que as condições eram favoráveis para a elite. Segundo ela, “No
período que vai do século XVII ao XIX, quando se desenvolve o capitalismo concorrencial,
em sua fase mercantil e industrial, a articulação de tais circunstâncias e fluxos cria condições
muito favoráveis para o desenvolvimento da sociedade capitalista” (p. 34) Ou seja, a sorte
parecia sorrir para a burguesia: cada vez mais havia lucro, a mão-de-obra crescia sem parar –
inclusive com a participação de mulheres e crianças nos serviços exercidos nas fábricas – e,
devido à grande quantidade de pessoas necessitadas de dinheiro, surgia assim a concorrência,
também altamente benéfica para os poderosos, uma vez que podiam se valer disso para
aumentar a exploração e diminuir os salários dos operários.
Em contrapartida, é importante ressaltar que esse período foi muito marcado por
revoluções. A primeira delas foi a Revolução Francesa, que trouxe imensuráveis impactos
para os trabalhadores da época.

A ampla divulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovadas em Paris na história da
Assembleia Nacional de 26.08.1789, estabelecendo os princípios sobre os quais deveria se assentar a nova
sociedade, despertou muitas ideias de luta, porém os trabalhadores constituíam um grupo bastante heterogêneos
e ainda sem consciência de classe, nessa fase. (p. 35)

A segunda revolução foi a Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra. Sobre
ela, a autora diz que “constituiu uma transformação essencial, uma vez que transformou o
próprio modo de produção” (p. 35-36). Foi nesse período que substituía-se o homem – no
caso, principalmente os camponeses, que foram separados de sua terra e alijados dos meios de
produção – pela máquina. Ampliaram-se, assim, grandes unidades fabris, e seguiam sofrendo
os operários, “[...] cuja vida era cotidianamente sacrificada em nome da acumulação do
capital e da mais valia.” (p. 36) Essa situação também acarretava na concentração dos
operários, que, vivendo nos arredores da fábrica, fariam surgir as cidades industriais.
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Trabalhando juntos na fábrica em um processo de intensão divisão do trabalho, sob rigoroso mando do dono do
capital, vivendo nas mesmas localidades e sofrendo as mesmas agruras da vida operária, os trabalhadores
começam a superar a heterogeneidade e aos poucos vão definindo e assumindo estratégias que configuram a sua
forma de protestos, a recusa a serem destruídos pela máquina, devorados pelo capitalismo. (p. 36-37)
Nesse momento, finaliza-se o primeiro tópico do primeiro capítulo do livro e inicia-se
o segundo: “Ascensão do capitalismo e manifestações operárias”. O tópico começa com o
reiterando o domínio do capital sobre o trabalho no século XVII e, logo em seguida, fala-se
sobre a Revolução Industrial. Martinelli cita Engels para comprovar sua ideia de que a
“Revolução Industrial transformou a sociedade burguesa no seu conjunto”. “Tal entusiasmo,
porém, se nutria da seiva da realidade, pois algo de muito importante havia se consumado
com a Revolução Industrial: a fase mercantil do capitalismo havia sido superada.” (p. 38)

A revolução industrial inaugurava e consolidava, através de seu intento, embora intermitente fluxo
revolucionário, uma nova fase do capitalismo – o capitalismo industrial [...] que teve início com o aparecimento
das máquinas movidas por energia não-humana e não-animal, demandava uma rápida recomposição do cenário
social, pois sua continuidade histórica dependia da consolidação do modo capitalista de produção, fundado
essencialmente na compra e venda da força de trabalho. (p. 38)
Dessa forma, como mostra Martinelli, o possuidor do dinheiro concentrava-o cada vez mais
em suas próprias mãos, e o fenômeno da pauperização (pobreza extrema) assolava a
população.

Durante o período áureo da Revolução Industrial [...] a ascensão do capitalismo foi notável em toda a Europa
Ocidental, correspondendo ao momento de maturação plena e consolidação do capitalismo industrial,
predominantemente na Inglaterra. [...] a construção ferroviária [...]ocupara uma posição de fundamental
importância no desenvolvimento econômico do período. [...] Tal surto de desenvolvimento [...] atraiu para a
Inglaterra, entre 1835 e 1850, cerca de um milhão e quinhentos mil irlandeses. (p. 41)
Nesse ritmo, polarizavam-se cada vez mais a burguesia e o proletariado, trazendo mais
diversas divisões, como a divisão da sociedade em classes, a divisão social do trabalho e a
desigual distribuição das atividades e do produto destas. O caráter desumano do regime
capitalista é inegável, pois “Seu interesse pelo proletariado era inteiramente esvaziado de
qualquer sentido humano, pois aos seus olhos o operário era apenas e tão-somente força de
trabalho, uma mera mercadoria como qualquer outra, da qual necessitava para expandir seu
capital.” (p. 42) Apesar do que possa parecer, os trabalhadores não aceitavam
passivamente toda essa exploração: haviam protestos operários. “Há registros históricos muito
antigos e fidedignos que evidenciam que o protesto e a recusa ao massacre imposto pelo
capitalismo estão presentes desde a sua fase de acumulação primitiva.” (p. 43) Os
trabalhadores lutavam pelos seus direitos, no qual vale ressaltar a liberdade de associação. Daí
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formaram-se uma série de sindicatos e associações, muitos deles regados a sangue. Muitos
dos movimentos resultavam em massacres do proletariado, mesmo porque “o capitalismo
estava firmando-se como um novo regime econômico, como uma nova ordem social”
resultando inclusive na “forte crença da irreversibilidade do regime capitalista” (p. 51),
portanto, lutar contra um regime tão poderoso, que “havia mudado a estrutura da sociedade”
(p. 52), não foi uma tarefa fácil. Mas muito estava por vir: A Grande Depressão, o surgimento
do capitalismo monopolista, a Comuna de Paris e o início da formação da consciência de
classe dos trabalhadores, por exemplo. Com esses tópicos, encerra-se o tópico em questão e
inicia-se o seguinte: “A marcha do proletariado e a contramarcha da burguesia: o surgimento
do Serviço Social”.
Martinelli diz que “Com o capitalismo se institui a sociedade de classes e plasma um
novo modo de relações sociais, mediatizadas pela posse privada de bens (p. 54)”. No que se
refere à Inglaterra, ocorre a implantação de vários dispositivos legais, que foram promulgados
majoritariamente durante a dinastia Tudor (1485-1603). O objetivo primordial seria restringir
a liberdade de circulação do trabalhador. Em seguida será criado o Estatuto dos Aprendizes,
“baixado pelo parlamento inglês em 1563, tendo como objetivo impedir qualquer tipo de
associação entre os aprendizes de ofícios, complementava-se através do Estatuto dos
Residentes e da Lei do Assentamento, ambos do século XIV, através dos quais o trabalhador
ficava inteiramente subordinado ao senhor feudal e impedido de se deslocar de sua aldeia sem
permissão da autoridade local, por escrito.” (p. 55). Por fim, foi instituída a terrível Lei dos
Pobres: “[...] promulgada em 1597, era ainda mais perigosa, determinando que todos os
atendidos pelo sistema de assistência pública vivessem confinados em locais tão-somente a
eles destinados. Nesses locais, denominados Casa de Correção, pois a pobreza era considerada
geneticamente um problema de caráter, eram obrigados a realizar todo tipo de trabalho
independentemente de salário, uma vez que o atendimento pela Lei dos Pobres implicava a
destituição da cidadania econômica. (p. 55-56)
Nesse cenário, alguns dispositivos foram sendo implantados, nos quais se destacam:

Estatuto dos trabalhadores, de 1349, que proibia reclamações de salário e de organização do processo de
trabalho, excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria vida trabalhista. A atribuição do salário, de acordo
com aquele Estatuto, era privativa da autoridade local e independente de qualquer negociação. Assim também o
recrutamento da força de trabalho, de acordo com o mesmo Estatuto, podia ser feito de forma coercitiva, sendo
proibido homem ou a mulher de até 60 anos de idade, não-inválidos, sem meios de sustento próprios, recusar
trabalho, qualquer que fosse o salário (p. 57)
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A Lei dos Pobres, por sua vez, foi alterada em 1834, no entanto sem perdeu seu caráter
rigoroso e excludente. “[...] foram criadas as Casas de Trabalho e instituídas as Caixas dos
Pobres, para concessão de auxílio semanal ou mensal. Tanto o acesso às Casas de Trabalho
como a concessão de auxílio dependiam de rigoroso inquérito da vida pessoal e familiar dos
solicitantes. [...]. O atendimento implicava assumir-se como dependente do poder público e,
portanto, preso a uma vida controlada por normas e regulamentos. (p. 58)
No entanto, com muitas lutas, aos poucos os trabalhadores conquistavam os mínimos
direitos: “A regulamentação da jornada de trabalho infantil e a extensão da lei das dez horas
para todos os operários fabris ingleses, em 1850, foram campanhas vitoriosas. [...] Em 1850,
tanto na França como na Inglaterra foram criados alguns tribunais de Oficio para cuidar de
causas trabalhistas, especialmente daqueles envolvendo menores. [...] Em 1870, como
resultado de uma prolongada luta, os trabalhadores ingleses conseguiram que o Estado
assumisse a educação básica elementar.” (p. 59) A burguesia, porém, seguia ocultando os
males próprios do capitalismo, como forma de autopreservação do mesmo.

Assim, as novas formas de prática social e suas estratégias operacionais, de acordo com os interesses burgueses,
tinham de constituir mecanismos que dessem uma aura de legitimidade à ordem social burguesa, tornando-a
inquestionável e, em consequência, aceitável pelo proletariado. Portanto, a busca de racionalização da prática
social desejada pela burguesia tinha objetivos muito claros, relacionando-se diretamente ao seu projeto
hegemônico de domínio de classe. Racionalizar a assistência nessa fase da primeira metade do século XIX,
quando a Europa era uma vasta república burguesa, após as derrotas dos trabalhadores, significava
transformá-la em um instrumento auxiliar do processo de consolidação do modo de produção capitalista, em
uma ilusão necessária à eterna reprodução das relações capitalistas de produção. (p. 62-63).
Nesse cenário, havia duas grandes tendências capazes de orientar os posicionamentos da
burguesia no que se refere à questão social: a Escola Humanitária e a Filantrópica. A primeira
“é a que lastima o lado mau das relações de produção atuais.” Quer amenizar os contrastes
reais, acabar com a pobreza do proletário e a concorrência do burguês e “aconselha os
operários a serem sóbrios, trabalharem bem e terem poucos filhos; recomenda aos burgueses
que moderem seu furor na esfera da produção.” (p. 63) A segunda é um aperfeiçoamento da
primeira. Defende que todos sejam burgueses, sem antagonismos. Surgiram também os
reformistas sociais, filantropos, que “pretendiam desenvolver formas de atendimento aos
problemas sociais que incidiam sobre a numerosa classe trabalhadora e que repercutiam na
totalidade do processo social”, mas seu real objetivo seria afastar as ameaças ao sistema. Era
importante firmar a irreversibilidade do capitalismo, por meio do mascaramento da realidade.
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Para isso, uniram-se Burguesia, Igreja e Estado, criou-se a Sociedade de Organização de


Caridade e, posteriormente, o Serviço Social, com a profunda marca do capitalismo.

Fetichizado misticamente como uma prática a serviço da classe trabalhadora, o Serviço Social era, pois na
verdade, um importante instrumento da burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua identidade atribuída,
afastando-o da trama das relações sociais, do espaço social mais amplo da luta de classes e das contradições que
as engendram e são por ela engendradas. [...] Transitando contraditoriamente entre as demandas do capital e
trabalho, e operando sempre com a identidade que lhe fora atribuída pelo capitalismo, o Serviço Social teve
roubadas as possibilidades de construir formas peculiares e autênticas de prática social, expressando-se sempre
como um modo de aparecer típico do capitalismo, em sua fase industrial. Assim, o conjunto de expressões que se
tem como manifestações específicas de sua prática são exteriorizações de sua identidade atribuída. Envolvendo
seus agentes na ilusão de servir e os destinatários de sua prática na ilusão de que eram servidos, a classe
dominante procurava mascarar as reais intenções do sistema capitalista, impedindo que este se tornasse
transparente. [...]. (p. 67).
É assim que Martinelli encerra o primeiro capítulo e inicia o segundo: “Os ardis do
capitalismo”, com o tópico “Retração do capitalismo e avanço do movimento operário”.
Primeiramente, a autora retoma as ideias de crise, miséria e irreversibilidade do capitalismo.
As famílias cada vez mais sofriam e morriam, mesmo no ápice da prosperidade. Em alguns
locais, a pobreza chegava a 20% da população, e o clima era de “guerra social”. A consciência
de classe dos trabalhadores crescia, amedrontando a burguesa, e as lutas eram cada vez mais
políticas, ou seja, de classe. Formou-se assim a classe proletária e sua base associativa, o
sindicato. A burguesia não media esforços para, como sempre, tentar barrar os movimentos e
preservar seu domínio, mas os trabalhadores, conscientes, já não se deixavam mais convencer.
“No confronto entre os grandes protagonistas da “questão social” o capital já não desfrutava
mais de uma posição de supremacia.” (p. 75)
Adiante inicia-se o tópico “Acumulação da pobreza e expansão do Serviço Social”.
Reitera-se que a pobreza de massa era cada vez mais presente: “O progresso capitalista
produzira [...] a acumulação da pobreza, a generalização da miséria.” (p. 76) E os donos do
capital apenas se valiam disso para “[...] acionar um mecanismo que se tornou verdadeiro
símbolo do capitalismo em sua fase industrial: a concorrência entre os trabalhadores.” (p. 76)
É importante ressaltar que os poderosos olhavam com desprezo para os pobres - devido à
crença de que isso se tratava de um problema de caráter – e a população carente era vista
como “praga”. Com o rei e a rainha da dinastia Tudor não foi diferente: sempre predominava
a destituição da cidadania econômica. Cita-se também que durante o século XVI ocorreu a
“revolução dos preços”, trazendo inflações a ponto de triplicar os preços, beneficiando apenas
a burguesia. A autora enfatiza fortemente a questão do antagonista das classes e a
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desumanidade do sistema ao longo do tópico.


Outro aspecto abordado é aumento da morbidade, proveniente da pauperização. Com
isso, a SOC passou a incluir questões de saúde em sua área de atuação, não por “bondade” ou
“caridade”, mas porque “um operário doente era uma mercadoria inerte”. (p. 86) Dessa forma,
cada vez mais revelando “o caráter ardiloso do modo capitalista de pensar, [...] os donos do
capital [...] assumiam o domínio da prática social” (p. 88), perdendo seu caráter social e
subordinando-se cada vez mais ao capital. A alienação do trabalhador era tão presente que
acabou criando-se um fetichismo. É como diz Martinelli, finalizando sucintamente o capítulo:
“A prática social era, na verdade, uma prática plena de abstrações.” (p. 91)
Em seguida inicia-se o terceiro capítulo: “Serviço Social: rompendo com a alienação”,
com o tópico “O século XX e a questão social”. Nele, a autora começa falando sobre os
efeitos da Grande Depressão, que afetou – com maior ou menor intensidade – todos os países;
a expansão do capitalismo junto à indústria ferroviária e como os EUA atraíam trabalhadores
pobres e desempregados. “Os monopólios foram fortalecendo-se e com eles as alianças da
classe dominante entre si, e com o próprio Estado”. (p. 95) A burguesia tentava ao máximo
controlar o proletário e impedir que os trabalhadores se unissem, fazendo uso inclusive da
violência, mas sua maior arma eram os “agentes que criara para cuidar do enfrentamento da
“questão social”.” (p. 95), que prosseguiam “operando sempre com a identidade atribuída pelo
capitalismo e realizando uma prática por ele determinada [...]. Trabalhar no contexto da
estrutura e das relações sociais que peculiarizavam a sociedade do pós-guerra era a tarefa que
a classe dominante reservava para os assistentes sociais naquele momento” (p. 96).
Aqui se iniciou o tópico “Racionalização da prática da assistência”. Martinelli faz
referências às práticas de assistência realizadas na Antiguidade, e mostra a “dimensão
espiritual da assistência” (p. 97) mostrando sua relação com o cristianismo e a caridade,
situada por São Tomás de Aquino como pilar da fé. “Contudo [...] é indispensável que se
revele que muitas práticas de exploração, de repressão e de dominação política e ideológica
foram realizadas sob a denominação de caridade.” (p. 97) Naquela época, também se buscava
“controlar a pobreza e ratificar a sujeição daqueles que não detinham posses ou bens
materiais”, mostrando que “havia sempre intenções outras além da prática da caridade. O que
se buscava era perpetuar a servidão, ratificar a submissão.” (p. 97). Nesse contexto, Igreja e
burguesia se uniram, e a primeira tornou-se também capitalista, lutando pelo poder, buscando
o lucro e deixando de se importar com os necessitados. “Ao ser deixada pelo Estado na mão
de todos, na verdade a assistência ficava na mão de ninguém, relegada ao limbo da
indeterminação.” (p. 99) Com a criação da Sociedade da Organização da Caridade, surgiram
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as primeiras ideias de conservadorismo. Se “difundiu a ideia da assistência social como uma


ação de “reforma do caráter.”” (p. 103), “ [...] e as instituições de beneficência previstas na lei
deviam educar o trabalhador para que se tornasse “dócil relativamente à política e à religião
dominante” (Engels, 1985: 267).” (p. 105)
Em seguida, inicia-se o tópico “Criação das escolas e profissionalização do Serviço
Social”. Nele, Martinelli fala de Mary Richmond e como seus argumentos acarretaram na
intenção de criar uma “aprendizagem da aplicação científica da filantropia” (p. 106), o que
resultou na criação da primeira Escola de Filantropia Aplicada. “[...] mesmo não sendo
propriamente burguesa, Richmond gozava de grande prestígio na Sociedade de Organização
da Caridade, além de ter muita aceitação na burguesia, o que favorecia a penetração de suas
ideias” (p. 107). Martinelli também aponta para o fato de que havia benefícios para a
burguesia:
“[...] a ação social, embora realizada predominantemente através da abordagem individual, produzia efeitos
muito úteis para o Estado burguês, auxiliando-o no cumprimento de uma de suas principais funções: garantir a
expansão do capital, para tanto mantendo a regularidade do processo social.” (p. 110)

Aqui começa o tópico “Trajetória de profissionalização do Serviço Social: perspectiva


europeia e americana. Influencia doutrinária da Igreja Católica”. Nele, a autora aponta para o
enraizamento do conservadorismo, que “trouxe para a prática social, ainda com maior ênfase,
a dimensão do controle, da repressão e do ajustamento aos padrões estabelecidos pela
sociedade burguesa constituída.” (p. 116) Apesar disso, o proletariado era dependente: “a
assistência pública se fazia indispensável ao menos transitoriamente, configurando uma
estratégia de sobrevivência no injusto regime capitalista.” (p. 117) Diante desse cenário, “A
sociedade de classes era uma realidade incontestável, e a preocupação dos assistentes sociais
[...] não era contestá-la ou mesmo submetê-la a uma crítica rigorosa; era, na verdade, mantê-la
em equilíbrio, preservando a sua ordem.”
Adiante vem o tópico “Serviço Social no Brasil”. A profissão surgiu no nosso país no início
dos anos 1930, por inciativa da burguesia respaldada pela Igreja Católica e baseada no
Serviço Social europeu. No Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo surgiu o Curso
Intensivo de Formação Social para Moças, com clientela de jovens católicas de família
burguesa. Essa foi uma época de turbulência política no Brasil: foram criadas leis de exceção
com objetivo de corrigir os “excessos revolucionários”.
“O ponto culminante desse processo de radicalização do fechamento político foi o golpe de 10 de novembro de
1937, através do qual se instaurou o “Estado Novo” no país. Foi em meio a esse complexo quadro que o Serviço
Social iniciou a trajetória em direção à sua profissionalização no Brasil” (p. 125)
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A união da burguesia com a Igreja Católica fazia com que se objetivasse “[...] a unificação da
nação brasileira em torno do cristianismo e, no interior desta, o fortalecimento da família
operária na fé cristã.” (p. 127), fato denominado por Martinelli como “ação cristianizadora do
capitalismo”. E havia ainda um outro grande problema: em meio à alienação e sem “[...]
movimento histórico de construção coletiva de um sentido comum para a profissão [...] os
assistentes sociais compunham uma categoria sem identidade profissional própria.” (p. 128)
Nessa época, “as ações profissionais dos assistentes sociais atendiam muito mais aos
interesses do capitalista do que aos do proletariado [...].” (p. 130)
Algum tempo depois, o presidente Vargas estreitou relações com os Estados Unidos, com
interesses políticos e econômicos. Por sua vez, o Estado americano almejava “dominação
política e a consolidação da hegemonia dos EUA sobre o continente.” (p. 133) Nesse contexto
surgiram fenômenos como o da “aristocracia profissional” e a “consciência estatutária”, que
individualizavam os trabalhadores, fazendo com que buscassem apenas seus próprios
objetivos particulares e individualistas. “Adentravam, assim, os agentes profissionais no
mundo da pseudoconcreticidade” (p. 135), e só restava a eles romper com a alienação, tema
do subtópico seguinte.
Martinelli afirma que “Os momentos de crise, inerentes ao sistema capitalista, [...]
proporcionam um “salto” na estruturação da consciência de classe, [...] do qual decorre uma
aceleração da consciência [...].” (p. 136) Os trabalhadores já não se permitiam alienar.
Somente a partir do momento em que se expandiu a base crítica da consciência social dos agentes, através da
ruptura da alienação, é que eles puderam perceber o caráter conservador, subordinado e burguês de suas práticas.
Tomando consciência de seu tempo e das condições históricas que o peculiarizavam, os “agentes críticos”
procuravam somar esforços para destruir a pseudoconcreticidade, para se libertar das formas reificadas de prática
que vinham marcando sua caminhada profissional. (p. 140)
A autora mostra também que foi grande a dificuldade nos anos 60 especialmente para os
latino-americanos, no que se refere à sua participação do processo produtivo. No Brasil, o
quadro político, social e econômico se agravava. No que diz respeito ao Serviço Social, “a
profissão não ganhava legitimidade entre os usuários nem valorização, seja na consciência
popular, seja, paradoxalmente, na consciência de muitos de seus agentes.” (p. 143) Assim
sendo, os “agentes críticos” foram tomando consciência e perceberam a necessidade de lutar
por uma nova realidade profissional. Criou-se assim o Movimento de Reconceituação, que
buscava alcançar o máximo de profissionais. Porém, o capitalismo havia tornado a categoria
fragmentada, fragilizada e desunida, o que dividiu os agentes em reconceituados e não-
reconceituados, em tradicionais e revolucionários.
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[...] os “agentes críticos” procuravam criar formas de consolidação de uma nova proposta de prática, instituinte,
emancipada, identificada com os interesses das classes populares, liberta das estruturas reificantes que por tanto
tempo operaram como obstáculos à sua marcha histórica. (p. 146)
Dessa forma, os agentes situavam-se numa “classe para si”, e a própria identidade da
profissão deixou de ser vista como algo definido e imutável, até porque esta estava sempre em
movimento e envolvida por várias forças contraditórias. “[...] a identidade começou a ganhar
uma nova dimensão de força viva, de movimento permanente, de construção incessante.” (p.
147)
A prática profissional impunha-se iniludivelmente como uma prática política, cujas ações, vinculadas aos
interesses das classes populares, procuravam somar-se às forças democráticas que impulsionam o
desenvolvimento da sociedade. (p. 148)
Confirmou-se, assim, a hipótese de que “a ausência de identidade profissional fragilizou a
consciência social dos agentes” (p. 151).
Foi só a partir do momento em que começou a romper a alienação, a negar identidade atribuída, a recusar os
modelos importados, que a categoria profissional conseguiu expandir sua base crítica, produzindo novas
alternativas de prática. [...] Assumindo sua dimensão social e despojando-se de pensamentos corporativistas, a
prática social emancipada, livre da alienação, deve fortalecer-se cada vez mais, não só através da maior coesão
da categoria profissional, mas também através de sólidas e consistentes alianças com as classes sociais [...]. (p.
151)
Assim sendo, mostrou-se necessário problematizar os modelos de prática
desenvolvidos pelos capitalistas, assim como procurar uma solução para as contradições que o
acompanham. Se faz preciso negar a prática instituída, como diz Martinelli, destruí-la
dialeticamente para dialeticamente superá-la, e assim tornar possível a produção e
consolidação de uma nova alternativa de prática.
Portador, portanto, da mesma vocação daquela que é a sua companheira necessária na tarefa – a classe
trabalhadora –, o Serviço Social só poderá libertar-se de modo efetivo e real das amarras que o aprisionam ao
capitalismo superando o próprio capitalismo e, ao fazê-lo, superando-se a si mesmo. [...] Trata-se da
reconstrução histórica, da reconciliação com a vida, com o movimento, fonte da própria vida.
Ao chegar às conclusões, Martinelli retoma as ideias que foram trabalhadas ao longo
do texto. Ela relembra que “A sociedade europeia do final do século XIX era a do capitalismo
constituído, abrigando a burguesia e o proletariado como classes sociais antagônicas” (p.
154), e que a sociedade era marcada pela desigualdade, exploração e contradição. Os
trabalhadores, que cresciam não apenas em número, mas desenvolviam cada vez mais
consciência de classe, amedrontava e enfraquecia a burguesia, colocando a reprodução de
suas relações sociais em risco. “A pobreza por sua vez já não tinha mais condição de ser
mantida como a face oculta do capitalismo, pois, qual um verdadeiro flagelo social, estava
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cada vez mais evidente.” (p. 154) Expandia-se o capitalismo e, concomitantemente, a questão
social. O progresso do capitalismo produzia acumulação da riqueza em um pólo e a
generalização da miséria no outro. Assim sendo, a burguesia desenvolveu a assistência como
estratégia de controle social, como forma de preservar o regime capitalista e se manter como
dominante de classe. “A reprodução das relações sociais, mediatizadas pela prática da
assistência como uma importante estratégia de controle social, era a reprodução ampliada do
domínio de classe.” (p. 155) Apoiada nos ideários da Escola Filantrópica, “que via nos
antagonismos sociais um condição do modo de produção capitalista” (p. 155), os donos do
capital aliaram-se à Igreja e ao Estado, na tentativa de atemorizar a classe trabalhadora. Criou-
se assim a Sociedade de Organização da Caridade, que praticava o Serviço Social, onde os
assistentes sociais faziam as “tarefas de controle da questão social” (p. 155).
Assim sendo, "os assistentes sociais tiveram roubados os seus espaços de construção
de identidade. [...] Assim, acabavam por sucumbir aos ardis do capitalismo" (p. 156), num
verdadeiro fetichismo. "As próprias condicionalidades históricas que marcaram o surgimento
do serviço social e que o peculiarizaram como uma ação direcionada para o controle dos
problemas que decorriam da industrialização capitalista e de seu fluxo expansionista foram
ratificadoras da apreensão do serviço social como um modo de aparecer típico do capitalismo
constituído, por ele produzido à sua imagem e semelhança para servi-lo eternamente." (p.
156)
Adiante, a autora relembra os diversos fatos já explorados no texto, seguidos dos mais
significativos. E finaliza a obra afirmando que "o serviço social se revela cada vez mais
claramente como uma instituição componente da organização da sociedade", e que "perguntar
por sua identidade significa perguntar por sua participação na trama de relações sociais, por
sua legitimação como prática social de caráter popular, por seu vínculo com a formulação e
execução de políticas sociais autênticas; enfim, significa perguntar por seu papel no processo
de produção de novas relações sociais de transformação da sociedade [...]. (p. 159)

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