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17/07/2021 Grupo Contra-Poder - saramago

Grupo Contra-Poder - saramago

Grupo contra-poder
Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
O padre, cuja alcunha é Voador, é marcado pelo espírito científico,
evidenciado por ignorar os fanatismos religiosos da época; pelo
comportamento anti-canónico, questionando os dogmas eclesiásticos; e
pela modernidade, que o levou a ter o sonho de criar uma máquina
voadora. A concretização deste sonho tornou-se uma obsessão, cujas
investigações científicas levou-o a viajar primeiro para a Holanda, em
busca do segredo, que veria a ser o éter, que faria a passarola voar, e
depois para Coimbra, onde doutorou-se. Deste crescente saber adquirido e
das suas inabaláveis certezas científicas emerge um orgulho, uma
grande ambição de elevar-se um dia no ar, onde até agora só subiram
Cristo, a Virgem e alguns santos eleitos. Esta obsessão também é
responsável pela formação de uma Santíssima
Trindade terrena com Baltasar e Blimunda, igualmente transgressores das
regras da Igreja, de modo a usufruir na construção da passarola,
juntamente com os seus conhecimentos científicos, a capacidade física e o
saber prático do primeiro e a magia herética da segunda. O seu estatuto
de transgressor da sociedade vigente e da Igreja é enfatizado quando
realiza o casamento e o batismo de Sete-Luas com Sete-Sóis.

A amizade entre estes três é o símbolo da solidariedade e da beleza, em


dicotomia com o egoísmo e o poder.

Inicialmente o padre estava sob a protecção real, mas assim que esta
terminou, foi imediatamente perseguido pela Inquisição sob a acusação
de bruxaria, obrigando-o a abandonar o projecto a Baltasar e a fugir a
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segredo de todos para Espanha, onde acaba por morrer em Toledo.

Domenico Scarlatti
Primeiramente professor do infante D.António, irmão de D. João V,
passando depois a ser professor da infanta D. Maria Bárbara. Exerceu
assim as funções de mestre-de-capela e professor da Casa Real de 1720
a 1729, durante a qual escreveu diversas peças musicais. Com tais dados
registados na História oficial, esta personagem referencia ainda mais uma
credibilidade ao enquadramento histórico da narrativa.

Embora contratado pelo rei, é também um representante de contra-poder


devido à sua liberdade de espírito e pelo o seu poder libertador e
subversivo da sua música. Como tal, a convite do padre Bartolomeu, é um
participante do projecto da passarola, embora indirectamente, como
um cúmplice silencioso. Deste modo o narrador une a ciência e a arte, e
demonstra como ambas são reveladoras de um espírito de inovação, de
tolerância e de abertura ao progresso e à modernidade.

Assim, Scarlatti instala secretamente o seu cravo para a Quinta do Duque


de Aveiro, onde toca a sua música e inspira os construtores da passarola.
Mais tarde, quando Blimunda ficou com uma estranha doença causado
pela exaustão da recolha das vontades, o músico tocava frequentemente
para Blimunda até provocar a sua cura completa.

Deste modo é revelado que a música, aliada ao sonho, permite a cura e


ajuda a conclusão e o voo da passarola, simbolizando o ultrapassar, por
parte do homem, de uma materialidade excessiva e o atingir da plenitude
da vida.

A amizade deste com o padre Bartolomeu, originada pela compreensão e


pela partilha das mesmas ideias e sonhos, representa a articulação entre a
cultura e o humano, entre o saber e o sonho, entre o conhecimento e o
desejo.

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Por fim, Scarlatti é o mensageiro da morte do padre Bartolomeu a


Blimunda e Baltasar.

Baltasar
Estudo académico de Joaquín Sorolla
Baltasar Mateus , com alcunha hereditária de Sete-Sóis, é abandonado
pelo exército durante a Guerra da Sucessão Espanhola por ter ficado
inválido devido à perda da sua mão esquerda, representando a crítica da
desumanidade na guerra. Deixado na miséria, consegue chegar a Lisboa,
onde conhece nesse mesmo dia Blimunda e o padre Bartolomeu,
num auto-de-fé no Rossio. Contava 26 anos.
Imediatamente encantado pelos olhos de Blimunda no primeiro olhar,
partilha desde esse momento até morrer a vida e os sonhos com ela. O
padre Bartolomeu fá-lo participante do sonho de voar, projecto que será
prosseguido na sua responsabilidade após o desaparecimento deste.

Torna-se açougueiro em Lisboa, uma vez que o gancho que usa para
substituir a mão lhe facilita o trabalho, e posteriormente integra-se como
boieiro nas legiões de operários nas obras do convento de Mafra. Porém, a
sua principal ocupação é a construção da passarola.

Esta personagem revela-se gradualmente o herói do romance. Pois, em


primeiro, por ser o representante do povo oprimido, o seu percurso torna-
se o foco do narrador, abatendo do primeiro plano as personagens do
grupo de poder. Em segundo, a sua relação com Blimunda, cujos poderes
são considerados heréticos, entra em conflito com os valores da sociedade
vigente, por não serem casados oficialmente. Em terceiro, pela amizade e
partilha de ideias e sonhos com o padre Bartolomeu, que o divinizou ao
compará-lo com Deus, por achar que este também é maneta da mão
esquerda. Em quarto, pela a influência dessa amizade, Baltasar adquire o
conhecimento de outras verdades, acerca do questionamento de dogmas
religiosos e, principalmente, sobre a consciência do papel do homem no

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mundo, esta que será obtida quando Baltasar reconhecer e assumir o seu
próprio valor. E por último, porque Baltasar paga com a sua própria vida a
perseguição do sonho, o que, por consequente, o faz transcender a
imagem do povo oprimido e espezinhado de que faz parte e que
representa. Assim, não é um herói nem um anti-herói, é simplesmente um
homem: um homem simples, elementar, fiel, terno e maneta, que reage
perante a vida com a resignação típica dos humildes tanto de coração
como de condição. Aceita apenas o que a vida lhe oferece, sem medo do
trabalho ou da morte.

Blimunda
Blimunda de Jesus é uma jovem mulher do povo de dezanove anos que
tem a capacidade de ver por dentro as pessoas e os objectos, durante o
jejum, e de recolher as vontades, este acto não mata as pessoas mas é
mais fácil ser executado nas que estão a morrer, dom este que é revelado
apenas quando o padre de Bartolomeu descobre que o combustível
da passarola é o éter e que este está dentro das vontades das pessoas,
fazendo esta personagem também parte desse projecto.

Torna-se companheira de Baltasar em consequência da sua mãe,


Sebastiana de Jesus, que ao vê-la pergunta-lhe telepaticamente quem é o
homem que está ao seu lado. Blimunda vira-se simplesmente para
Baltasar e pergunta-lhe qual é o seu nome?. Baltasar responde-lhe,
Blimunda diz-lhe o seu e imediatamente inicia-se o puro amor entre os
dois, transgredindo a moral tradicional e entrando para um domínio do
maravilhoso, e em sua casa os dois entregam-se um ao outro, em corpo e
em alma, com o baptismo através do sangue virgem de Blimunda. Foram
abençoados tanto pela mãe de Blimunda, como pelo padre Bartolomeu, ao
casá-los à sua maneira e ao baptizar Blimunda com o nome Sete-Luas.
Este amor é o símbolo da aceitação e da renúncia, uma vez que Blimunda
promete nunca olhar Baltasar por dentro, evitando saber da existência de
alguma doença mortal, porque amar alguém é aceitá-lo sem reservas.

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Esta relação amorosa dá-lhe o carácter de uma mulher adiantada em


relação ao seu tempo, pois afirma-se dentro -e fora- da relação, tem nela
uma igualdade de direitos, tal como Baltasar, e juntos têm uma
cumplicidade tão perfeita que não é deste mundo na qual partilham os
seus sonhos, os seus medos e a sua vida. No percurso final de Blimunda,
quando procura Baltasar durante nove anos, revela ainda uma faceta
corajosa e persistência, disposta a tudo e até ao fim para encontrar o seu
amor perdido.

Descanso na colheita de William-Adolphe Bouguereau


A união do dois assenta numa relação de amparo, uma vez que ele
tranquiliza-a na sua maldição de ver por dentro, enquanto ela ajuda-o na
carência da sua mão, completando-se um ao outro, formando uma união
perfeita. E são felizes na sua "religião do silêncio", em que o olhar tem
mais valor que as palavras, em queolharem-se era a casa de ambos.

Em contraste com o casal de conveniência do rei e da rainha, Blimunda e


Baltasar, embora sejam um casal ilegítimo por não se terem casado
oficialmente, vivem um amor puro e verdadeiro, e por isso vivem mais de
Deus, do que o casal real que tanto relevo dá à religiosidade. Deste modo,
se houvesse diferença entre esse amor ancestral e a santa missa, a missa
perderia.

Simbolicamente, o nome Blimunda é o reverso do de Baltasar, tal como é


a Lua o reverso do Sol, que, juntamente com o número sete, completam-se
até serem um só. O seu nome tem origem na Música, cujo som
desgarrador de violoncelo habita no nome Blimunda e cuja vibração está
na sua própria alma.

Blimunda tem uma grande firmeza interior, e aceita a vida e oferece-se em


silêncio sem orgulho nem submissão, com a naturalidade de quem sabe
onde está e para o quê. Para além do dom de ver por dentro e de recolher

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vontades, tem um poder excepcional de intuição e de compreensão da


complexidade do mundo. Afirma o narrador que Blimunda aprendeu as
coisas sobre a vida e a morte, sobre o pecado e o amor na barriga da mãe,
onde esteve de olhos abertos.

Representa também o transcendente e a inquietação constante do ser


humano em relação à morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus.

Foi a única sobrevivente da Santíssima Trindade terrena, sendo à partida a


mais provável vítima da Inquisição devido aos seus dons. Será um
significado de uma vitória da mulher? Vitória do amor? Ou vitória daquela
que sabia ver?

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