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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Aulas Teórico-Práticas

DAS NORMAS DE CONFLITOS DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS

Artigos 14.º. a 24.º do CC: Parte geral do DIP

Artigos 25.º a 65.º do CC: Parte especial

- Artigos 25.º a 34.º do CC: lei pessoal (pessoas singulares e pessoas coletivas);
- Artigos 35.º a 40.º do CC: lei do negócio jurídico;
- Artigos 41.º a 45.º do CC: lei aplicável às obrigações;
- Artigos 46.º a 48.º do CC: lei aplicável às coisas;
- Artigos 49.º a 61.º do CC: lei aplicável às relações de família;
- Artigos 62.º a 65.º do CC: lei aplicável às sucessões.

NORMAS DE CONFLITOS NO CÓDIGO CIVIL – LEI PESSOAL

§ Artigo 25.º do Código Civil – Âmbito da lei pessoal

Conceito-quadro: matérias que vai regular – estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas singulares,
relações familiares e sucessórias.

Este artigo regula matérias de estatuto pessoal - estados, qualidades ou situações que por afetarem a pessoa
na totalidade da sua esfera jurídica, ou num setor importante na sua vida, o nosso legislador entendeu submeter
essas matérias a uma legislação que será definida em função de tais estados ou situações.

Elemento de conexão: nacionalidade (remissão para o Artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil).

Consequência jurídica: lei pessoal. Em matéria de estatuto pessoal a lei pessoal é a lei da nacionalidade.

Ä Princípio da unidade e estabilidade do estatuto pessoal: como estão em causa matérias referentes à
identidade das pessoas, estas têm interesse em ver reguladas essas matérias por uma só lei, onde quer
que se encontrem, garantindo a tal segurança e uniformidade na aplicação da lei às relações pessoais.

Resulta também de uma conceção personalística do direito que coloca a dignidade da pessoa humana na
base de todo o direito, conforme o Artigo 1.º da CRP, ou seja, está aqui presente a ideia de que onde quer que
ela se encontre há um conjunto de direitos adquiridos no país de origem que o legislador entendeu que devem
ser sempre reconhecidos, salvaguardando as legítimas expetativas e garantindo a continuidade das matérias de
estatuto pessoal.

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§ Artigo 26.º do Código Civil – Início e termo da personalidade jurídica

Conceito-quadro: início e termo da personalidade.

Elemento de conexão: remete também para o Artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil (a nacionalidade).

Consequência jurídica: lei pessoal = lei da nacionalidade.

Artigo 26.º, n.º 2, do Código Civil (norma de conflitos material): dá-nos a solução material para o caso
concreto. Há aqui uma presunção de comoriência.

§ Artigo 27.º do Código Civil – Direitos de personalidade

Conceito-quadro: atribuição, existência e limitação do conteúdo dos direitos de personalidade.

Elemento de conexão: remete também para o Artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil (a nacionalidade).

Consequência jurídica: lei da nacionalidade.

Se for violado um direito absoluto de personalidade, existem normas de conflitos concretas que tratam da
responsabilidade civil por violação destes direitos – não se aplica a esta questão o Artigo 27.º do Código Civil.

Direito ao nome: enquanto direito de personalidade, normalmente adquire-se consoante a constituição ou


extinção de uma relação jurídica familiar (filiação, adoção, casamento, divórcio). BATISTA MACHADO
considera que apesar de ser um direito de personalidade que se perde consoante uma relação jurídica deve ser
regulado pela norma de conflitos que regula a relação jurídica familiar específica no caso concreto e não o
Artigo 27.º do Código Civil.

Só admitimos as formas de tutela reguladas e conhecidas na lei portuguesa (Artigo 27.º, n.º 2, do Código
Civil).

§ Artigo 30.º do Código Civil – Tutela e institutos análogos

Conceito-quadro: meios de suprimento da incapacidade (remete para os Artigo 138.º e ss. do Código Civil).

Elemento de conexão: remete também para o Artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil (a nacionalidade).

Consequência jurídica: lei pessoal = lei da nacionalidade.

§ Artigo 32.º do Código Civil – Apátridas

Conceito-quadro: matérias o estatuto pessoal do Artigo 25.º do Código Civil.

Elemento de conexão: lugar da residência habitual.

Consequência jurídica: lei do lugar da residência habitual.

Nos termos do Artigo 32.º, n.º 2, do Código Civil, é para apátrida menores ou maiores acompanhados.

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Quando não haja residência habitual é aplicável o n.º 2 do Artigo 82.º do Código Civil. Considera-se
domiciliado no lugar da residência ocasional ou, na impossibilidade de determinar esta, consideramos o lugar
em que se encontra no momento (Artigo 32.º, n.º 3, do Código Civil).

Nos termos do Artigo 29.º do Código Civil, uma vez maior, para sempre maior. Se alguém adquire a
maioridade de acordo com a sua lei pessoal e posteriormente muda a sua nacionalidade, não perde a sua
maioridade. A mesma lógica vale para a emancipação.

NOTA: A capacidade das pessoas singulares é regulada pela lei pessoal = lei da nacionalidade (Artigo 25.º
do Código Civil). Porém, existem normas específicas que regulam os tipos específicos de capacidade, e estas
devem ser primordialmente aplicadas e só na sua existência aplicamos o Artigo 25.º do Código Civil (regra
geral).

O que limita a aplicação da lei da nacionalidade, através da aplicação de outra lei, apesar de a lei da
nacionalidade ser aplicada para garantir a unidade e estabilidade do estatuto pessoal. Estes desvios justificam-
se pela salvaguarda do princípio da confiança, ou seja, pela necessidade de garantir a continuidade de situações
jurídicas ou de direitos constituídos e adquiridos à luz de lei estrangeira, assim como também a tutela de quem
contrata de boa fé confiando na validade do negócio jurídico.

A capacidade negocial de gozo utiliza-se para negócios estritamente pessoais (só podem ser celebrados pelo
próprio, não há possibilidade de representação).

Por seu turno, a capacidade negocial de exercício utiliza-se para negócios do tráfico de bens e serviços.

Estes desvios só se referem em relação à capacidade, apenas para saber se determinado sujeito tem
capacidade para celebrar determinado negócio, e não quanto ao conteúdo do contrato, etc. Existem três desvios:

1) Capacidade negocial de exercício: está prevista no Artigo 28.º do Código Civil. Os n.os 1 e 2 dizem
respeito a atos celebrados em Portugal e o n.º 3 a atos celebrados no estrangeiro. Aqui aplica-se a lei do
lugar da celebração do negócio e não a lei da nacionalidade.

Artigo 28.º, n.os 1 e 2, do Código Civil: é um desvio quanto à aplicação da lei pessoal em relação a
atos celebrados em Portugal, a favor da lei do lugar da celebração. Este desvio está também previsto
no Artigo 11.º da Convenção de Roma e no Artigo 13.º do Regulamento Roma I.

n.º 1: quanto tivermos um negócio jurídico que é inválido segundo a lei pessoal do declarante (pela
lei pessoal ele não tinha capacidade para celebrar o negócio), mas para a lei do lugar da celebração
ele teria capacidade (neste caso, a lei portuguesa), nós podemos ponderar a aplicação deste desvio
– aplicar a lei do lugar da celebração que é a lei portuguesa, pois este desvio aplica-se a atos
celebrados em Portugal.

Assim, está aqui presente o princípio da confiança, uma vez que este desvio visa tutelar a aparência
de um desvio jurídico, protegendo a confiança da contraparte e também o comércio jurídico local.

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Requisitos cumulativos para aplicar este desvio:

a) O negócio jurídico é inválido segundo a lei pessoal do declarante, ou seja, a pessoa é incapaz
perante a sua lei da nacionalidade, mas o negócio seria válido para a lei do lugar da celebração;

b) É necessário o tal desconhecimento do declaratário da tal incapacidade do declarante (resulta


do Artigo 28.º, n.º 2, do Código Civil), ou seja, ele não tinha conhecimento da incapacidade ou
desconhecia os limites da incapacidade. Só merece proteção a boa fé da contraparte quem
celebra o negócio com o incapaz;

c) Tem de se tratar de um negócio jurídico celebrado entre pessoas que se encontrem fisicamente
no mesmo país (lugar de celebração). No caso do Artigo 28.º, n.os 1 e 2, do Código Civil tem
de ser em Portugal;

d) Tem de estar em causa um negócio jurídico de tráfego corrente de bens e serviços;

e) Não podem estar em causa negócios respeitantes à disposição de imóveis situados no


estrangeiro;

f) Tem de estar em causa um negócio jurídico bilateral porque só estes têm uma contraparte que
justifica proteger as expetativas.

Por exemplo, A celebra um contrato com B que é suíço e tem 19 anos. Na Suíça a maioridade só se
adquire aos 21 anos. Celebram um CCV de um imóvel localizado em Faro. Aqui íamos aplicar o Artigo
25.º do Código Civil que manda aplicar a lei da nacionalidade (lei da suíça). De acordo com a lei pessoal,
ele não teria capacidade negocial de exercício e, como tal, o negócio seria inválido. Porém, este negócio foi
celebrado em Portugal. Entendendo que a segunda parte está de boa fé, vamos desviar a lei pessoal e aplicar
a lei do lugar da celebração.

Artigo 28.º, n.º 3, do Código Civil: se a norma de conflitos da lei estrangeira considerar o negócio
válido, embora seja inválido consoante a lei pessoal, também se aplica o mesmo raciocínio.

2) Capacidade negocial de gozo: está prevista no Artigo 31.º, n.º 2, do Código Civil. A lei pessoal que
seria a nacionalidade de acordo com o Artigo 25.º do Código Civil vai cair e passa a aplicar-se a lei da
residência habitual.

É um desvio relativo a negócios jurídicos celebrados no estrangeiro, a favor da lei da residência


habitual;

Temos aqui um desvio à lei da nacionalidade como lei pessoal, na qual aplicamos a lei da residência
habitual, não sendo assim um verdadeiro desvio pois continuamos a trabalhar com conexões
pessoais. Este desvio visa essencialmente tutelar a confiança do declarante na validade do negócio
jurídico de estatuto pessoal, celebrado de acordo com a lei da residência habitual, no país da

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residência habitual. Em Direito Internacional Privado, a residência habitual tem uma legitimidade
próxima da lei da nacionalidade para regular as matérias de estatuto pessoal;

Requisitos cumulativos para aplicar este desvio:

a) O negócio jurídico é inválido segundo a lei pessoal do declarante, ou seja, a pessoa é incapaz
perante a sua lei da nacionalidade, mas o negócio seria válido para a lei da residência habitual;

b) Tem de estar em causa negócios jurídicos estritamente pessoais (e não negócios do tráfego
corrente de bens e serviços);

c) Negócio jurídico celebrado no país da residência habitual (tem de ser um país estrangeiro).
Porém, pode admitir-se aqui negócios celebrados noutro país que não o da residência habitual,
desde que a lei da residência habitual ainda se considere competente;

d) Celebrado de acordo com a lei da residência habitual (direito interno/direito material);

e) A lei da residência habitual tem de se considerar competente (seja diretamente ou


indiretamente).

Outras interpretações:

- Porém pode admitir-se aqui negócios celebrados noutro país que não o da residência habitual,
desde que a lei da residência habitual ainda se considere competente; ou

- Podemos admitir os negócios celebrados de acordo com a lei de um outro Estado (não da
residência habitual), que seja competente para além da lei da residência habitual.

3) Capacidade para constituir direitos reais sobre imóveis: está prevista no Artigo 47.º do Código Civil.
A lei pessoal pode cair e é aplicada a lei do lugar da situação da coisa.

〉 1.º requisito: é um desvio à aplicação da lei pessoal também. Em regra, a esta capacidade para
constituir direitos reais sobre imóveis, seria aplicada a lei do lugar da situação da coisa, mas desde
que esta se considere competente (a qualquer título). Caso contrário aplica-se a lei pessoal, a lei da
nacionalidade;

〉 2.º requisito: tem de estar em causa um imóvel situado no estrangeiro.

Os princípios que estão na base deste desvio são o princípio da maior proximidade (a lei da situação do
imóvel está numa situação privilegiada para impor o seu ponto de vista relativamente ao caso concreto, está em
melhores condições para solucionar o caso concreto) e o princípio da efetividade das decisões judiciais (uma
vez que a decisão a ser executada será no país da situação do imóvel será mais fácil a sua execução se se aplicar
desde logo a lei da situação do imóvel).

É necessário fazer uma interpretação restritiva do Artigo 47.º do Código Civil, o que nos leva a aferir que
só se vai justificar aplicar a lei do lugar onde o imóvel está situado quando seja necessária e suficiente para

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assegurar a efetividade das decisões jurídicas proferidas pelos tribunais portugueses sobre a matéria. Quando o
Estado de situação da coisa exija o reconhecimento de mérito de decisões estrangeiras.

NOTA: Se for membro da União Europeia aplicamos o Artigo 25.º do Código Civil, porque o
reconhecimento é automático, não se justifica a aplicação do desvio.

LEI PESSOAL DAS PESSOAS COLETIVAS

§ Artigo 33.º do Código Civil – Pessoas Coletivas

Conceito-quadro: n.º 2 – “ a capacidade da pessoa coletiva; a constituição, funcionamento e competência


dos seus órgãos; os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes direitos e
deveres; a responsabilidade da pessoa coletiva, bem como a dos respetivos órgãos e membros, perante terceiros;
a transformação, dissolução e extinção da pessoa coletiva.”

Elemento de conexão: lugar da sede principal e efetiva da sua administração (n.º 1).

Consequência jurídica: lei do lugar da sede principal e efetiva da sua administração (lei pessoal das
pessoas coletivas) – n.º 1.

n.º 3: a transferência de um Estado para o outro, da sede da pessoa coletiva não extingue a personalidade
jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma e outra sede.

n.º 4: a fusão de entidades com lei pessoal diferente é apreciada em face de ambas as leis pessoais.

§ Artigo 3.º do Código das Sociedades Comerciais – Lei pessoal das sociedades comerciais

Conceito-quadro: Artigo 33.º, n.º 2, do CC (por força do Artigo 2.º do CSC).

Elemento de conexão: lugar da sede principal e efetiva da sua administração.

Consequência jurídica: lei do lugar da sede principal e efetiva da sua administração.

2.ª parte do Artigo 3.º, n.º 1, do CSC: “a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária não pode,
contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da portuguesa” – é um desvio à lei pessoal que se justifica
pela tutela da confiança de terceiros.

§ Artigo 34.º – Pessoas Coletivas Internacionais

Conceito-quadro: Artigo 33.º, n.º 2, do CC

Elemento de conexão: autonomia da vontade (convenção, tratados ou estatutos)/sede principal.

Consequência jurídica: lei do lugar acordados pelas partes (convenção ou estatutos) e, na falta destes, a
lei onde estiver localizada a sede principal.

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Pessoa coletiva internacional é aquela que deve a sua criação a uma fonte internacional (tratados ou
convenções entre Estados (por exemplo, Banco Internacional para a reconstrução e desenvolvimento,
Corporação Financeira Internacional).

§ Artigo 35.º – Declaração negocial

n.º 1

Conceito-quadro: a perfeição, interpretação e integração da declaração negocial e falta e vícios da vontade


(estatuto do negócio jurídico).

Elemento de conexão: substância do negócio jurídico.

Consequência jurídica: lei da substância do negócio jurídico (conexão dependente ou acessória).

à Artigos 217.º a 257.º do CC

n.º 2 (valor de um comportamento como declaração negocial)

Elemento de conexão: residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta, o lugar
onde o comportamento se verificou.

Consequência jurídica: lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta,
a lei do lugar onde o comportamento se verificou (lei do lugar da conduta).

n.º 3 (valor do silêncio como meio declaratório)

Elemento de conexão: residência habitual comum e, na falta desta, o lugar onde a proposta foi recebida.

Consequência jurídica: lei da residência habitual comum e, na falta desta, a lei do lugar onde a proposta
foi recebida (lei do lugar da conduta).

§ Artigo 36.º – Forma da declaração

Conceito-quadro: forma da declaração negocial.

Elemento de conexão: substância do negócio/lugar em que é feita a declaração.

Consequência jurídica: lei da substância do negócio/lei do lugar da declaração (locus regis actum) à não
é uma conexão alternativa pura, porque prevalece a lei da substância do negócio (2.ª parte do n.º 1, do Artigo
36.º do CC).

§ Artigo 37.º – Representação legal

Conceito-quadro: representação legal.

Elemento de conexão: relação jurídica de que nasce o poder representativo.

Consequência jurídica: lei reguladora da relação jurídica de que nasce o poder representativo.

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§ Artigo 38.º – Representação orgânica

Conceito-quadro: representação da pessoa coletiva.

Elemento de conexão: sede principal e efetiva.

Consequência jurídica: lei da sede principal e efetiva.

§ Artigo 39.º – Representação voluntária

Conceito-quadro: existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos.

Elemento de conexão: local onde os poderes representativos são exercidos.

Consequência jurídica: lei do local onde os poderes representativos são exercidos.

Desvios à regra do n.º 1 (n.os 2, 3 e 4)

n.º 2 (se o representante exercer os poderes representativos em país diferente daquele que o representado
indicou e o facto for conhecido do terceiro com quem contrate)

Elemento de conexão: residência habitual do representado.


Consequência jurídica: lei da residência habitual do representado.

n.º 3 (se o representante exercer profissionalmente a representação e o facto for conhecido do terceiro
contratante)

Elemento de conexão: domicílio profissional.


Consequência jurídica: lei do domicílio profissional.

n.º 4 (representação se refira à disposição ou administração de bens imóveis)

Elemento de conexão: local da situação dos bens.

Consequência jurídica: lei do lugar da situação dos bens.

§ Artigo 40.º – Prescrição e caducidade

Ä Artigo 298.º a 333.º do Código Civil

Conceito-quadro: prescrição e caducidade.

Elemento de conexão: direito a que se referem.

Consequência jurídica: lei aplicável ao direito a que se referem.

§ Artigo 41.º – Obrigações provenientes de negócios jurídicos

Este artigo e o Artigo 42.º referem-se a obrigações contratuais. Assim, só se aplicam se não estiverem
preenchidos os âmbitos material, temporal e espacial da Convenção de Roma ou do Regulamento Roma I.

Conceito-quadro: obrigações provenientes de negócios jurídicos e a substância do negócio jurídico.

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Elemento de conexão: autonomia das partes.

Consequência jurídica: aplicação da lei que os sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.

O n.º 2 deste artigo limita a possibilidade de escolha de lei: tem que recair sobre uma lei que corresponda a
um interesse sério, dos parâmetros regulamentares, ou que tenha uma conexão com algum dos elementos do
negócio jurídico. As partes não podem escolher uma lei que não tenha qualquer conexão com a relação jurídica
(por exemplo, só por interesse fiscal).

Quando as partes não escolherem uma lei aplicável ao contrato, ou quando a escolha não cumprir os critérios
deste n.º 2, aplica-se o Artigo 42.º.

§ Artigo 42.º – Critério supletivo (na falta de determinação de lei competente)

Negócios jurídicos unilaterais: lei da residência habitual do declarante;

Contratos: lei da residência habitual comum das partes, e na falta desta:

- Contratos gratuitos: lei da residência habitual daquele que atribuiu o efeito;


- Outros contratos: lei do lugar da celebração.

Também regulam esta matéria a Convenção de Roma e o Regulamento Roma I – obrigações contratuais.

§ Artigo 43.º – Gestão de negócios

Conceito-quadro: gestão de negócios.

Elemento de conexão: lugar em que decorre a atividade principal do gestor.

Consequência jurídica: lei do local onde decorre a atividade principal do gestor (lex loci).

§ Artigo 44.º – Enriquecimento sem causa

Conceito-quadro: enriquecimento sem causa.

Elemento de conexão: local onde ocorreu o facto gerador da obrigação.

Consequência jurídica: lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do
enriquecido.

§ Artigo 45.º – Responsabilidade extracontratual

Conceito-quadro: responsabilidade extracontratual por facto ilícito, por risco ou fundada em qualquer
conduta lícita e a responsabilidade por omissão

Elemento de conexão: Estado onde ocorreu a principal atividade causadora do prejuízo ou o lugar onde o
responsável devia ter agido, no caso de responsabilidade por omissão – consagração da lei do lugar do delito;

Consequência jurídica: aplicação da lei do Estado onde ocorreu a principal atividade causadora do prejuízo
ou a aplicação da lei do lugar onde o responsável devia ter agido.

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A ratio desta norma passa pela função reparadora e preventiva das normas de responsabilidade
extracontratual; interesses característicos do DIP, nomeadamente facilitar a uniformidade das decisões e o
reconhecimento de sentenças estrangeiras, bem como a harmonia jurídica internacional; o legislador entendeu
que não há outra lei que possa assegurar de melhor forma a regulação desta matéria.

Se verificadas as situações dos n.os 2 e 3, já não se aplica a lei do lugar da conduta (n.º 1).

O n.º 2 permite-nos afastar a lei do lugar da conduta em favor da lei do lugar da lesão (lugar em que é
atingido o bem juridicamente tutelado), desde que estejam preenchidos os seguintes requisitos,
cumulativamente:

1 - A lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considera responsável o agente, mas não o considera
responsável a lei do país onde decorreu a sua atividade (por exemplo, um erro de um controlador aéreo
em Espanha provoca um acidente em Portugal; se fossemos pela lei do lugar da conduta, aplicava-se a
lei espanhola; imagine-se que a lei espanhola não prevê responsabilidade extracontratual nestas
situações, mas a lei portuguesa prevê; assim, é aplicada a lei onde se verificou o efeito lesivo, ou seja,
Portugal);

2 - Agente deve prever a produção do dano no país onde se produziu o efeito lesivo, como consequência
do seu ato ou omissão.

A ratio desta norma passa, por um lado, pela tentativa de proteger o agente de situações imprevisíveis e,
por outro, pela garantia do ressarcimento ao lesado, mesmo quando a lei do Estado onde decorreu a atividade
principal ou onde se verificou o dano não prevê a responsabilização do agente.

Exemplo para explicar a diferença entre lugar da conduta, lugar da lesão e lugar do dano: um francês adquire
em Portugal, num estabelecimento comercial, conservas envenenadas; acaba por só as consumir em Espanha e
sofre uma intoxicação alimentar depois de chegar a França. Aqui temos Portugal como o lugar onde decorreu a
atividade principal causadora do prejuízo, Espanha como o lugar onde foi violado o bem jurídico da integridade
física e França como o lugar onde se produziram os danos patrimoniais ou não patrimoniais.

O n.º 3 permite-nos afastar a lei do lugar da conduta em favor da lei da nacionalidade ou da residência
habitual comum (regra geral no Regulamento Roma II), desde que estejam preenchidos os seguintes requisitos,
cumulativamente:

1 - O agente e o lesado tenham a mesma nacionalidade ou, na falta desta, a mesma residência habitual;

2 - O agente e o lesado se encontrem ocasionalmente em país estrangeiro.

Por exemplo, dois portugueses, separados, fazem uma viagem a França, mas lá encontram-se e acabam por
se envolver em agressões (há aqui ofensa à integridade física, violação dos direitos de personalidade, pelo que
seria motivo para uma ação de responsabilidade civil extracontratual). Ao invés de aplicarmos a lei francesa,

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aplicamos a lei portuguesa, porque têm nacionalidade comum e encontraram-se ocasionalmente naquele país
(se um dos sujeitos fosse emigrante português em França, já não podia ser aplicado este desvio).

Esta exceção, do meio social comum, está associada ao princípio da proximidade, porque se entende que a
lei da nacionalidade comum ou da residência habitual comum é aquela que tem uma maior e mais próxima
conexão com a questão desigual, sendo também a lei que as partes melhor conhecem.

§ Artigo 46.º – Direitos reais

n.º 1

Conceito-quadro: regime da posse, propriedade e demais direitos reais.

Elemento de conexão: lugar da situação das coisas.

Consequência jurídica: lei do lugar da situação das coisas (lei rei sitae).

n.º 2

Conceito-quadro: constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito (por exemplo,
mercadorias).

Elemento de conexão: país do destino das coisas.

Consequência jurídica: lei do país de destino das coisas.

n.º 3

Conceito-quadro: constituição e transferência de direitos reais sobre os meios de transportes submetidos a


um regime de matrícula.

Elemento de conexão: país onde a matrícula tiver sido efetuada.

Consequência jurídica: lei do país onde a matrícula tiver sido efetuada.

§ Artigo 48.º – Propriedade intelectual

Temos que remeter para uma norma especial, nomeadamente para o Artigo 63.º do CDADC (Código de
Direitos de Autor e Direitos Conexos). Esta norma prevalece sobre o Artigo 48.º, n.º 1, do CC e indica que a
ordem jurídica portuguesa é exclusivamente competente para determinar a proteção a atribuir a uma obra, sem
prejuízo das convenções internacionais.

n.º 1

Conceito-quadro: direitos de autor, ou seja, a propriedade artística e literária.

Elemento de conexão: lugar onde se pede a proteção para os direitos de autor.

Consequência jurídica: lei do lugar onde se pede a proteção para os direitos de autor (lex loci protection).

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n.º 2

Conceito-quadro: propriedade industrial.

Elemento de conexão: lugar da criação (direitos da marca, da patente, etc.).

Consequência jurídica: lei do país da criação.

RELAÇÕES DE FAMÍLIA

§ Artigo 49.º – Capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais

Conceito-quadro: capacidade para contrair casamento, a capacidade para celebrar convenção antenupcial
e o regime de falta e vícios da vontade.

Elemento de conexão: lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei pessoal de cada nubente = lei da nacionalidade de cada nubente (ao tempo da
celebração do casamento).

Conforme resulta do Artigo 49.º do CC, vigora um princípio da aplicação distributiva: aplica-se em relação
a cada nubente a respetiva lei pessoal. Quando estão em causa efeitos obstativos da celebração do casamento,
basta que para uma lei pessoal haja um impedimento para invalidar o casamento; não é necessária uma aplicação
cumulativa.

§ Artigo 50.º – Forma do casamento

Conceito-quadro: forma do casamento.

Elemento de conexão: lugar da celebração do ato (casamento).

Consequência jurídica: lei do Estado do lugar da celebração do ato (casamento) – lex loci regit actum.

Trata-se de uma regra com caráter imperativo, salvo no que respeita aos casamentos celebrados perante
agentes diplomáticos ou consulares (Artigo 51.º do CC).

à Artigos 161.º a 188.º do Código do Registo Civil (casamento de portugueses no estrangeiro e de


estrangeiros em Portugal).

§ Artigo 51.º – Desvios

Através deste Artigo podemos afastar a lei do lugar da celebração quando se verifica uma das situações
descritas:

n.º 1

Conceito-quadro: forma do casamento celebrado entre 2 estrangeiros em Portugal.

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Elemento de conexão: nacionalidade dos nubentes, mas desde que haja reciprocidade, ou seja, desde que
seja reconhecida no país de origem a mesma competência aos agentes diplomáticos e consulares portugueses
(Artigo 165.º do Código do Registo Civil).

Consequência jurídica: lei pessoal dos nubentes (=lei da nacionalidade).

Portanto, o casamento de estrangeiros em Portugal só pode ser celebrado:

1 - De acordo com a lei portuguesa (lei do lugar da celebração) – Artigo 50.º do CC;

2 - De acordo com a lei pessoal dos nubentes (Artigo 51.º do CC), desde que:

- A celebração tenha lugar perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares;

- Se verifique a condição da reciprocidade.

n.º 2 (por interpretação analógica do n.º 1, desde que haja reciprocidade)

Conceito-quadro: forma do casamento celebrado no estrangeiro entre 2 portugueses ou de português e


estrangeiro (pode ser celebrado perante agente diplomático ou consular do Estado português ou perante os
ministros do culto católico).

Elemento de conexão: nacionalidade.

Consequência jurídica: lei da nacionalidade dos nubentes.

n.º 3: norma material de DIP – remete para as normas do Código do Registo Civil sobre o processo
preliminar e verificação da capacidade (Artigos 162.º e 163.º do Código do Registo Civil).

n.º 4: casamento canónico é havido como casamento católico, seja qual for a forma legal da celebração
do ato segundo a lei local.

Esta norma é uma norma bilateral imperfeita, porque não prevê a situação de 2 estrangeiros que celebram
o casamento no estrangeiro, pelo que temos de aplicar o raciocínio analógico, exigindo uma ligação ao Estado
do foro. Nessas situações aplica-se a lei pessoal (nacionalidade).

§ Artigo 52.º – Relações entre os cônjuges

Este artigo é a regra geral; tem primazia em matéria de relações patrimoniais. Apenas exclui as relações
patrimoniais dependentes de um particular regime de bens, que acabam por ser inseridas no Artigo 53.º.

Conceito-quadro: relações pessoais entre os cônjuges (incluem os deveres conjugais, o uso do nome, as
relações patrimoniais gerais, isto é, não dependentes de determinado regime de bens).

Elemento de conexão: nacionalidade comum dos cônjuges, ou na sua falta, a residência habitual comum,
ou ainda na falta desta, a conexão mais estreita.

Consequência jurídica: lei nacional comum dos cônjuges, ou na falta desta a lei da residência habitual
comum, ou na falta desta a lei do país com que a vida familiar tenha uma conexão mais estreita.

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A ratio desta norma prende-se com a intenção de assegurar uma certa unidade na duração dos interesses do
casal e com a ideia de paz, solidariedade e equilíbrio das relações entre os cônjuges.

§ Artigo 53.º – Convenções antenupciais e regime de bens

Conceito-quadro: substância e efeitos das relações antenupciais e do regime de bens, legal ou


convencional.

Elemento de conexão: nacionalidade comum dos nubentes, ou na falta desta a residência habitual comum,
ou ainda na falta desta a primeira residência conjugal;

Consequência jurídica: lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento, ou na falta desta
a aplicação da lei da residência habitual comum à data do casamento, ou a lei da primeira residência conjugal.

O legislador define a data da celebração do casamento como o momento para determinação do conteúdo
concreto do elemento de conexão para proteção das expectativas do casal (foi nesse momento que os nubentes,
por exemplo, escolheram determinado regime de bens com expectativas para as suas relações patrimoniais).

A ratio desta norma prende-se com a proteção de um dos membros da relação contra o possível ascendente
do outro e ainda a proteção contra a possibilidade de bens comuns se tornarem bens próprios e vice-versa.

§ Artigo 54.º – Modificações do regime de bens

n.º 1: modificação do regime (legal e convencional) de bens dos cônjuges – conexão dependente da lei
do Artigo 52.º (será decidido pela lei reguladora das relações pessoais a possibilidade de os cônjuges
poderem ou não modificar o regime de bens).

Se essa lei for a lei portuguesa (princípio da imutabilidade) à os cônjuges não podem alterar o regime
de bens.

n.º 2: a nova convenção em caso algum terá efeito retroativo em prejuízo de terceiros.

§ Artigo 55.º – Separação judicial de pessoas e bens e divórcio

n.º 1: conexão acessória dependente, que nos manda encontrar a lei que irá resolver estas questões no
Artigo 52.º.

n.º 2: conexão decisiva, que será aquela que se verifica à data em que é intentada a ação de divórcio ou
separação, se houver mudança da concretização do elemento de conexão (lei competente) entre a data
da propositura da ação e do julgamento da causa (por exemplo, à data em que é intentada a ação de
divórcio o adultério não é considerado fundamento para a ação; no entanto, à data do julgamento,
quando está a ser apreciada a questão, houve uma alteração da lei e passou a ser considerado
fundamento. Aqui atendemos à data em que foi intentada a ação). à resolve um conflito móvel.

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Nem todas as normas de divórcio ou separação estão incluídas neste artigo. A questão dos efeitos
patrimoniais e partilha subsumem-se no Artigo 53.º, as consequências do divórcio em relação aos filhos e as
responsabilidades parentais vão para o Artigo 57.º., etc.

No Artigo 55.º incluem-se as normas respeitantes aos fundamentos do divórcio/separação, prazos de


caducidade das respetivas ações, prazo que pode decorrer na separação para ser convertida em divórcio,
obrigações de alimentos, entre outros.

§ Artigo 56.º – Constituição da filiação

n.º 1

Conceito-quadro: constituição da filiação em relação à mãe e ao pai quando a filiação só venha a ser
constituída mediante perfilhação ou reconhecimento judicial.

Elemento de conexão: lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação é a lei da


nacionalidade do indivíduo (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação (é uma conexão
fixa).

n.º 2

Conceito-quadro: constituição da constituição da filiação de filho de mulher casada em relação ao pai,


relacionando-se assim com questões da presunção de paternidade.

Elemento de conexão: nacionalidade comum da mãe e do marido ou residência habitual comum dos
cônjuges (se não tiverem a mesma nacionalidade) ou a nacionalidade do filho.

Desta forma, quando está em causa um filho de mulher casada, a maternidade é estabelecida nos termos do
n.º 1 e a paternidade nos termos do n.º 2, que tem como conexões a lei nacional comum da mãe e do marido,
subsidiariamente a lei da residência habitual comum dos cônjuges, e subsidiariamente a lei pessoal do filho.

§ Artigo 57.º – Relações entre pais e filhos

n.º 1

Conceito-quadro: relações entre pais e filhos (por exemplo, direitos, deveres, regulação das
responsabilidades parentais, administração dos bens, etc.).

Elemento de conexão: nacionalidade comum dos pais/residência habitual comum dos pais/nacionalidade
do filho (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei da nacionalidade comum dos pais/lei residência habitual comum dos pais/lei
nacionalidade do filho.

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n.º 2: filiação estabelecida apenas em relação a um dos progenitores – Lei da nacionalidade desse
progenitor/lei da nacionalidade do progenitor sobrevivo.

§ Artigo 60.º – Filiação adotiva

n.º 1

Conceito-quadro: constituição da filiação adotiva.

Elemento de conexão: nacionalidade do adotante.

Consequência jurídica: lei da nacionalidade do adotante.

n.º 2: constituição da filiação adotiva quando a adoção é realizada por marido e mulher ou o adotante
for o filho do cônjuge adotante: lei da nacionalidade comum dos cônjuges/lei da residência habitual
comum/lei do país com qual a vida familiar dos adotantes se ache mais estreitamente conexa.

n.º 3

Conceito-quadro: relações entre adotante e adotado e entre este e a família de origem (por exemplo, decidir
sobre a cessação das responsabilidades parentais ou cessação da tutela por parte do tutor, sobre a extinção ou
manutenção da obrigação de alimentos por parte da família de origem, etc.).

Elemento de conexão: nacionalidade do adotante.

Consequência jurídica: lei da nacionalidade do adotante.

§ Artigo 61.º – Requisitos especiais da perfilhação ou adoção

Esta norma trata em particular a questão do consentimento, e aplica-lhe a lei pessoal do perfilhando ou
adotando.

RELAÇÕES DE SUCESSÓRIAS

§ Artigo 62.º – Lei competente

Esta norma é a regra geral, ou seja, quase todas as matérias de sucessões se vão subsumir a este Artigo 62.º
que é a norma de conflitos geral em matéria de sucessões.

Conceito-quadro: sucessão por morte, os poderes do administrador da herança e do executor testamentário.

Elemento de conexão: lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento.

Incluem-se aqui todas as questões relacionadas com a abertura, resolução, transmissão e partilha da herança,
o âmbito da sucessão, tudo exceto a capacidade, a forma e os vícios da vontade.

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§ Artigo 63.º – Lei competente

Conceito-quadro: capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como as
exigências da forma especial das disposições por virtude da idade do disponente.

Elemento de conexão: lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei pessoal do autor ao tempo da declaração.

§ Artigo 64.º – Lei competente

Conceito-quadro: interpretação das cláusulas e disposições, a falta e vícios da vontade e a admissibilidade


de testamentos de mão comum.

Elemento de conexão: lei pessoal é a lei da nacionalidade do indivíduo (Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Consequência jurídica: lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração.

O testamento de mão comum é um instituto que não é permitido na nossa ordem jurídica. No entanto, a sua
inclusão nesta norma prende-se com o facto de o conceito-quadro ter a amplitude de reconhecer institutos
jurídicos estrangeiros com soluções análogas a institutos que existam no nosso ordenamento jurídico,
permitindo assim aceitar o testamento de mão comum.

§ Artigo 65.º – Lei competente

No n.º 1 desta norma temos um conjunto de conexões alternativas com o objetivo de validar o negócio
jurídico: a lei do lugar onde o ato foi celebrado; a lei pessoal do autor da herança (no momento da declaração
ou no momento da morte); a lei para que remeta a norma de conflitos da lei local.

O n.º 2 apresenta uma norma de reconhecimento das NAI. Assim, independentemente das soluções do
Artigo 65.º, se a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou
ineficácia a observância de determinada forma, ainda que o ato seja praticado no estrangeiro, terá de ser
observada aquela forma. No caso português, por exemplo, o Artigo 2223.º do CC.

Nas questões relativas à capacidade de exercício e capacidade de gozo, o legislador entendeu que a lei da
nacionalidade (lei pessoal) é a que traduz a melhor ligação que assegura as expectativas jurídicas.

No entanto, e apesar do princípio da unidade e da estabilidade do estatuto pessoal, a lei estabelece desvios
à aplicação da lei da nacionalidade – Artigo 65.º –, que resultam na aplicação de outra lei para tentar validar
determinado negócio jurídico. Estes desvios só serão equacionados se estiver em causa uma questão de
capacidade.

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CASO PRÁTICO N.º 1

Alexandre, de 20 anos de idade, belga, residente habitualmente na Suíça, celebrou em Faro, em 1991,
testamento pelo qual legou a Berta, portuguesa, residente habitualmente em Faro, os seus bens imóveis situados
nessa cidade.

Por morte de Alexandre, Carlos, seu pai, intenta perante tribunal português ação de anulação do
testamento, com fundamento na incapacidade de Alexandre para testar segundo a lei belga, que considera
aplicável ao caso.

Berta contesta a ação, alegando que o negócio é válido à face da lei suíça, que entende ser competente
para regular a questão. Afirma ainda que, em qualquer caso, o testamento deverá ser tido como insuscetível
de anulação, visto ter sido celebrado em Portugal.

Admitindo que:

1.º À face do DIP suíço, os indivíduos são considerados capazes para testar se como tal forem tidos pela
lei do domicílio, pela lei da residência habitual ou pela sua lei nacional no momento da disposição; o DIP
belga submete a capacidade para testar à lei nacional do autor da herança no momento da declaração.

2.º A capacidade para testar adquire-se na Suíça aos 20 anos e na Bélgica aos 21 anos.

Diga, discutindo os argumentos aduzidos pelas partes, se deve ser considerada procedente a pretensão de
Carlos.

No caso em apreço, a pretensão de Carlos visa a anulação do testamento com fundamento na incapacidade de
Alexandre (seu filho), com base na aplicação da lei belga que considera aplicável ao caso. Compete-nos, portanto, analisar
se o Alexandre podia celebrar este testamento.

Com efeito, estamos perante uma questão que exige capacidade negocial de gozo, sendo o testamento um negócio
estritamente pessoal. A matéria da capacidade está elencada no Artigo 25.º do Código Civil (doravante CC) como sendo
uma das matérias de estatuto pessoal. As matérias de estatuto pessoal são estados, qualidades ou situações que, por afetarem
a pessoa na totalidade da sua esfera jurídica ou num setor importante, o nosso legislador decidiu submeter essas matérias
a uma legislação que é definida em função de tais estados, qualidades ou situações (ISABEL DE MAGALHÃES
COLLAÇO).

Ora, essa legislação resulta da conjugação do Artigo 25.º do CC com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC. O Artigo 25.º do CC
não tem elemento de conexão, sendo que o elemento de conexão está no Artigo 31.º, n.º 1, do CC. Em regra, aplicamos a
lei da nacionalidade a estas matérias, que aprece enquanto lei pessoal das pessoas singulares.

Isto resulta do princípio da unidade e da estabilidade do estatuto pessoal, porque como estão em causa matérias que se
referem à identidade das pessoas, há o interesse de ver essas matérias reguladas por uma só lei, independentemente de onde
estas se encontrem. Como tal, está aqui subjacente uma conceção personalística do direito que coloca a dignidade da pessoa
humana na base de todo o direito (Artigo 1.º da CRP). O legislador considera que existe um conjunto de direitos que são
adquiridos no país de origem, no país da nacionalidade, e que devem ser reconhecidos às pessoas independentemente de

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onde elas se encontrem. Este reconhecimento é feito, nomeadamente, através da aplicação da lei pessoal, da lei da
nacionalidade.

Isto posto, dado que o Artigo 25.º do CC é a regra, importa averiguar se há alguma norma de conflitos específica sobre
matérias de capacidade.

No caso sub iudice, parece aplicar-se, uma vez que estamos em matéria do direito das sucessões, o Artigo 63.º do CC
que regula a capacidade para testar. Sendo uma norma especial, vai revogar a regra geral do Artigo 25.º do CC. Assim, a
lei do foro (portuguesa), ou seja, a lei do tribunal onde está a ser apreciada a questão, irá aplicar o Artigo 63.º do CC para
a capacidade para testar.

O Artigo 63.º do CC considera competente para regular a capacidade para testar a lei pessoal do autor ao tempo da
declaração. Conjugado este artigo com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC temos que a lei pessoal do Alexandre (autor) no momento
em que celebrou o testamento (ao tempo da declaração) era a lei belga. A nacionalidade do Alexandre quando fez o
testamento era belga, logo a lei do foro manda aplicar para resolver a matéria da capacidade para testar a lei belga (lei da
nacionalidade). A lei belga considera-se competente para resolver a questão, uma vez que esta adota o mesmo elemento de
conexão, em matéria de capacidade para testar, que a lei do foro.

O DIP belga submete a capacidade para testar à lei nacional do autor da herança no momento da declaração, o que
significa que se considera competente. Se o direito belga se considera competente, não temos aqui qualquer problema de
reenvio.

L1 remete para L2 que, porque utiliza o mesmo elemento de conexão da lei que o designou (a lei do foro), considera-
se competente para resolver a matéria. Considerando-se competente, temos de olhar para o direito material belga.

No caso em análise, Alexandre tinha apenas 20 anos aquando a celebração do testamento. Por conseguinte, se é o
direito belga o competente para resolver a questão, temos de olhar para o seu direito material, segundo o qual a capacidade
para testar só se adquire aos 21 anos e, portanto, o testamento é inválido.

Assim sendo, estamos perante um negócio de natureza pessoal que é inválido em relação à capacidade. Contudo, este
foi celebrado em Portugal e, como tal, cabe-nos verificar se há algum desvio que permita afastar a aplicação da lei pessoal
para tutelar a confiança do negócio jurídico, uma vez que pretendemos validar o negócio jurídico por se tratar de matérias
de estatuto pessoal, nomeadamente uma questão de capacidade.

Pelo seu âmbito de aplicação, o negócio em apreço foi celebrado em 1991, sendo que temos a possibilidade de aplicar
o Código Civil, a Convenção de Roma ou o Regulamento Roma I. Pelo âmbito temporal, afastamos o Regulamento Roma
I (só se aplica a negócios jurídicos celebrados após 17 de dezembro de 2009) e a Convenção de Roma (só se aplica a
negócios jurídicos celebrados após 1 de setembro de 1994 – Artigo 17.º da Convenção de Roma).

Primeiramente, o Artigo 28.º, n.os 1 e 2, do CC diz respeito a negócios jurídicos celebrados em Portugal. Trata-se de
um desvio a favor do lugar de celebração. Este desvio afasta a aplicação da lei pessoal em virtude do lugar da celebração,
tutelando o princípio da confiança, protegendo a contraparte que está de boa fé que desconhecia a incapacidade do
declarante e pretende ainda tutelar o mercado local. Porém, são necessários requisitos cumulativos:

1 - O negócio é inválido segundo a lei pessoal (segundo a lei da nacionalidade o declarante não tinha capacidade,
mas segundo a lei do lugar da celebração o negócio seria válido porque o declarante teria capacidade). Em Portugal
seria válido, dado que é aos 18 anos;

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2 - Desconhecimento do declaratário da incapacidade do declarante: tem de estar de boa fé. No presente caso, não há
declaratário, uma vez que o testamento é um negócio unilateral, e este desvio só se aplica a negócios bilaterais;

3 - As partes têm de celebrar o negócio no mesmo país. No caso concreto, só temos aqui uma parte;

4 - Este aplica-se quando estão em causa negócios de tráfico de bens e serviços. O n.º 2 exclui os negócios familiares
e sucessórios. Este requisito não estaria igualmente preenchido.

Assim, não se pode aplicar o desvio do Artigo 28.º, n.os 1 e 2, do CC.

Não se aplicando este desvio, podemos ver porque não se podem aplicar igualmente os restantes desvios à aplicação
da lei pessoal.

Por seu turno, o Artigo 47.º do CC constitui um desvio referente à celebração de negócios jurídicos respeitantes à
constituição de direitos reais sobre imóveis. Podemos afastar a lei pessoal a favor da lei do lugar de celebração quando esta
se considera competente. Não estamos perante a capacidade para constituir direitos reais, mas a capacidade negocial de
gozo para testar (capacidade específica regulada por uma norma de conflitos especial, consagrada no Artigo 63.º do CC),
embora o objeto do negócio jurídico seja um bem imóvel. Além disso, não poderia ser tido em consideração pela falta de
um requisito, dado que se aplica quando os imóveis estão situados no estrangeiro e, no presente caso, este está situado em
Faro (Portugal). De qualquer forma, este desvio só se aplica quando está em causa uma capacidade negocial de exercício
para celebrar negócios respeitantes à constituição de direitos reais e não a questões de capacidade de gozo.

Por outro lado, o Artigo 31.º, n.º 2, do CC, desvio relativo a a negócios celebrados no estrangeiro, apresenta-se não
como um verdadeiro desvio à aplicação da lei pessoal, mas como um desvio à aplicação da lei da nacionalidade enquanto
lei pessoal. Como tal, vamos aplicar a lei da residência habitual ao invés da lei da nacionalidade.

Este desvio visa a tutela da confiança do declarante na validade do negócio jurídico de estatuto pessoal celebrado de
acordo com a lei da residência habitual no país da residência habitual. É um desvio a favor da residência habitual, uma vez
que em Direito Internacional Privado a residência habitual tem uma legitimidade próxima da lei da nacionalidade em
matérias de estatuto pessoal. Esta aparece como uma conexão subsidiária em matéria de estatuto pessoal. Porém, também
para aplicar este desvio é necessário verificar alguns requisitos:

1 - Aplica-se quer a nacionais, quer a estrangeiros. Neste caso, Alexandre era belga (requisito preenchido);

2 - O negócio jurídico é inválido segundo a lei da nacionalidade. No caso concreto, como já foi referido supra, de
acordo com a lei belga, o negócio jurídico é inválido (requisito preenchido);

3 - Tem de tratar-se de um negócio jurídico referente a matéria de estatuto pessoal, isto é, um negócio estritamente
pessoal que exija a tal capacidade negocial de gozo. No caso em análise, estamos perante uma questão que exige
capacidade negocial de gozo, uma vez que estamos perante um negócio jurídico (testamento) estritamente pessoal;

4 - Tem de ser um negócio celebrado no país da residência habitual, de acordo com a lei da residência habitual. No
caso concreto, Alexandre residia na Suíça, não celebrou o negócio na suíça, mas em Portugal (Faro), logo este
requisito não está preenchido. Alexandre devia ter sido alertado pelas autoridades competentes das consequências
da celebração deste negócio. Exige-se ainda que o negócio tenha sido celebrado segundo a lei da lei da residência
habitual.

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A aplicação destes requisitos é cumulativa, pelo que não estando um deles preenchido, vamos ter que afastar,
eventualmente, o desvio. No entanto, pode haver a possibilidade de realizar uma interpretação extensiva, que pode
acontecer em duas vertentes: (1) é possível admitirmos negócios jurídicos que, apesar de não terem sido celebrados
no país da lei da residência habitual, são celebrados de acordo com a lei da lei da residência habitual; ou (2), podemos
admitir negócios jurídicos que, não sendo celebrados no país da lei da residência habitual, foram celebrados num 3.º
país, de acordo com uma 3.ª lei que é competente de acordo com da lei da residência habitual.

No presente caso, o negócio jurídico não foi celebrado no país residência habitual (foi celebrado em Portugal),
mas tem de ser de acordo com a lei suíça. No enunciado é-nos dito que a capacidade para testar adquire-se na Suíça
aos 20 anos e na Bélgica aos 21. Podíamos considerar que o negócio podia ser celebrado de acordo com a lei da
residência habitual, apesar de não temos uma indicação expressa no enunciado de que foi celebrado de acordo com a
lei suíça. Todavia, para a vertente (1) da interpretação extensiva é conveniente que o enunciado diga expressamente
que Alexandre celebrou o negócio jurídico de acordo com a lei suíça.

5 - A lei da residência habitual tem de se considerar competente. Ela pode considerar-se competente
independentemente do requisito do elemento de conexão que utiliza, apenas tem de se considerar competente para
resolver o litígio.

Na vertente (2) da interpretação extensiva, admitem-se negócios jurídicos que não foram celebrados no país da
residência habitual, mas que possam ter sido celebrados de acordo com a lei da residência habitual (ou de acordo com outra
lei). Para além disso, tem que estar ainda preenchida a questão da competência, ou seja, é necessário que a lei da residência
habitual considere competente esta 3.ª lei, o que no caso concreto implica que a lei suíça considere competente a lei
portuguesa (lugar da celebração do negócio).

Já que o Direito Internacional Público suíço não tem como elemento de conexão o lugar da celebração do negócio, a
lei portuguesa não é considerada competente e esta interpretação extensiva não pode realizar-se.

Destarte, este desvio não se aplica, visto que os requisitos são cumulativos.

Não se aplicando nenhum dos desvios à lei pessoal, mantemos a solução a que chegamos pela aplicação da regra dos
Artigos 63.º e 31.º, n.º 1, do CC. Logo, para aferir a capacidade negocial de gozo do Alexandre para testar aplica-se
efetivamente a lei belga e, deste modo, a pretensão de Carlos será procedente e o testamento será inválido.

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CASO PRÁTICO N.º 2

Em 11 de dezembro de 1998, Jacques, de nacionalidade francesa e residente no Porto, celebrou em Lisboa


um contrato individual de trabalho com a CONSTRÓI BEM, S.A., com sede estatutária nas Ilhas Caimão
(apesar do conselho de administração e a assembleia geral se reunirem em Lisboa). Em virtude do referido
contrato, obrigou-se o primeiro, mediante retribuição, a prestar a sua atividade profissional à segunda, como
engenheiro-civil na obra que a CONSTRÓI BEM, S.A. está a executar na Arábia Saudita.

O contrato, assinado e escrito por ambas as partes, foi sujeito ao direito da Arábia Saudita. Em 22 de junho
de 1999, a administração da CONSTRÓI BEM, S.A. comunicou a Jacques, que dispensava os seus serviços a
partir do dia 30 do mesmo mês, não tendo sido, para o efeito, elaborado processo disciplinar ou invocado justa
causa, nos termos da legislação laboral portuguesa.

Inconformado, Jacques propõe uma ação em Portugal, em que pede a condenação daquela sociedade no
pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde
a data do despedimento até à data do pagamento e a sua reintegração com base na ilicitude do despedimento.
Invocou para o efeito o Código do Trabalho português que considera aplicável em virtude do art. 6.º, n.º 2, da
Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais.

Na contestação, a CONSTRÓI BEM, S.A. alegou ser o direito da Arábia Saudita aplicável ao caso por
força do art. 3.º da Convenção de Roma, ou, caso assim não se entenda, por força do art. 6.º, n.º 2, último
parágrafo, visto ser com aquele país que o contrato tem a conexão mais estreita.

Contrapõe o autor, que as normas do direito da Arábia Saudita, que permitem o despedimento sem justa
causa, lesam o princípio fundamental da segurança no emprego e o princípio da proibição dos despedimentos
sem justa causa, princípios estruturantes do direito laboral português, consagrados no art. 53.º da CRP, sendo
de afastar a sua aplicação no caso em questão.

Admitindo que:

1.º À face do direito em vigor na Arábia Saudita é lícito o despedimento sem justa causa.

2.º Segundo o Código do Trabalho português, o despedimento sem justa causa é ilícito.

3.º Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a causa.

Diga, discutindo os argumentos aduzidos pelas partes, se a pretensão de Jacques deve ser julgada
procedente. E se o contrato tivesse sido celebrado em 2 de fevereiro de 2010?

No caso em apreço, o contrato foi celebrado a 11 de dezembro de 1998.

Com efeito, é necessário apurar qual a lei aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre Jacques e a CONSTRÓI
BEM, S.A. para aferir a licitude do despedimento e saber se a sociedade deve ou não ser condenada no pagamento de uma
indemnização com base no despedimento ilícito.

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Estamos perante uma questão e obrigações contratuais, isto porque há uma relação prévia estabelecida entre Jacques
e a sociedade. Por isso, para saber qual a lei aplicável ao contrato, temos de recorrer à Convenção de Roma e ao
Regulamento Roma I.

No que diz respeito ao âmbito material (Artigo 1.º da Convenção de Roma), é necessário que estejam em causa
obrigações contratuais que envolvam um conflito de leis, excluindo as matérias elencadas no Artigo 1.º, n.os 2 e 3, da
Convenção de Roma. Neste caso, estamos perante um contrato de trabalho (obrigações contratuais) celebrado entre Jacques
e a CONSTRÓI BEM, S.A., que tem ligações com vários ordenamentos jurídicos, nomeadamente com Portugal, França,
Arábia Saudita e Ilhas Caimão. Não cai nas matérias excluídas da Convenção de Roma e, como tal, este âmbito está
preenchido.

No que concerne ao âmbito espacial (Artigo 2.º da Convenção de Roma), a Convenção de Roma tem caráter universal,
isto é, a lei designada pelas normas de conflitos é aplicável mesmo que seja a lei de um Estado que não seja um Estado-
Membro.

Relativamente ao âmbito temporal (Artigos 17.º da Convenção de Roma e 28.º do Regulamento Roma I), a
Convenção de Roma aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, isto é, 1 de setembro de 1994 (Artigo
17.º da Convenção de Roma). Antes desta data aplicamos as normas do Código Civil. Por sua vez, o Regulamento Roma
I só se aplica a contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009 (Artigo 28.º do Regulamento Roma I). Neste caso, o
contrato foi celebrado em 1998 e, como tal, aplica-se a Convenção de Roma.

A esta convenção estão subjacentes vários princípios fundamentais, nomeadamente o princípio da autonomia da
vontade, o princípio da proximidade, o princípio da proteção da parte mais fraca, o princípio do reconhecimento de efeitos
às normas de aplicação imediata (doravante NAI) de um Estado que não sendo o Estado da lei do contrato (lex contractus),
ou sendo esteja fora do seu âmbito de aplicação e, por fim, o princípio do reconhecimento de interesses nacionais através
da reserva da ordem pública internacional (doravante ROPI).

Com efeito, o Artigo 10.º da Convenção de Roma diz-nos o âmbito de aplicação da lei do contrato, isto é, o que a lei
a que vamos chegar por aplicação das normas de conflitos do regulamento irá regular. Tendo em conta a pretensão e os
factos que estão em causa, é necessário indicar o que é que a lei aplicável irá regular: a interpretação do contrato, o
cumprimento das obrigações, a extinção, a invalidade, etc.

No caso em análise, tratando-se de uma situação em que há um pedido de condenação ao pagamento de retribuições e
de reintegração por ilicitude do despedimento, a lex contractus (lei do contrato aplicável) apurada nos termos das normas
da Convenção de Roma irá regular, nos termos do Artigo 10.º, al. d), da Convenção de Roma, as diversas causas de
extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade.

Analisado o âmbito da lei aplicável, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que possa resolver
esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário resolvemos pela norma geral. No caso sub iudice,
há uma parte, o trabalhador, que se encontra numa posição de vulnerabilidade em relação à contraparte, o que motivou esta
pretensão.

Assim, podemos recorrer ao Artigo 6.º da Convenção de Roma, que regula os contratos individuais de trabalho. Esta
norma especial aplicável ao contrato de trabalho internacional visa a proteção do trabalhador enquanto parte mais fraca de
relação contratual (princípio da proteção da parte mais fraca), que se encontra numa posição de subordinação jurídica,
estando sujeito ao poder de direção do empregador.

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O Artigo 6.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção de Roma permite a escolha de lei nos termos do Artigo 3.º da Convenção
de Roma, ou seja, tem subjacente o princípio da autonomia da vontade que permite o reconhecimento às pessoas do espaço
de liberdade na escolha das soluções mais adequadas aos seus interesses e contribui para a certeza e previsibilidade quanto
ao direito a aplicar.

Por conseguinte, é possível escolher a lei quanto ao contrato de trabalho, mas é necessário que essa cumpra os
requisitos do Artigo 3.º da Convenção de Roma.

No caso em apreço, houve escolha de lei, uma vez que as partes decidiram aplicar ao contrato de trabalho a lei da
Arábia Saudita, que não exige justa causa para o despedimento. Isto posto, vamos analisar a validade da electio iuris – os
requisitos do Artigo 3.º da Convenção de Roma:

1 - A escolha, em qualquer circunstância, só pode ser a escolha da lei de um Estado (não se pode escolher princípios).
Constitui um argumento literal que resulta no Artigo 1.º, n.º 1, 2.º e 3.º da Convenção de Roma. Neste caso,
encontra-se preenchido, dado que foi escolhida a lei da Arábia Saudita;

2 - A lei escolhida pode ser aplicada a todo ou a parte do contrato. Neste caso, parece ser aplicada a todo o contrato;

3 - A escolha pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato, sendo que neste caso salvaguardam-se os
direitos de terceiros. Neste caso, foi anterior à celebração do contrato;

4 - A escolha pode ser expressa ou tácita. Neste caso, foi expressa;

5 - A escolha de lei não pode prejudicar, ou não afasta, a aplicação das disposições imperativas da lei do Estado com
a qual o contrato tem todas as suas ligações, no momento da celebração do mesmo (os elementos do contrato não
estão ligados a um único país, mas a vários). Neste caso, ele parece ter todas as ligações com a Arábia Saudita,
mas não são todas, dado que a sede é em Portugal.

Destarte, no caso em análise, a escolha de lei é válida, embora esta escolha de lei, segundo o direito material da Arábia
Saudita, não exigir a justa causa de despedimento, sendo o mesmo considerado lícito. Porém, o Artigo 6.º, n.º 1, da
Convenção de Roma estabelece limitações à aplicação da lei escolhida pelas partes para evitar que, pela escolha de lei, o
trabalhador fique privado da proteção das disposições imperativas da lei que regularia o contrato, caso não existisse escolha
de lei, atuando o princípio da proteção da parte mais fraca (standard mínimo de proteção).

Assim sendo, temos de comparar a lei escolhida pelas partes e a lei que regularia o contrato na ausência de escolha de
lei ou numa escolha inválida, para apurar qual a lei que protege melhor a parte mais fraca. Tendo em conta que podemos
afastar a escolha de lei aplicaríamos a lei prevista no Artigo 6.º, n.º 2, da Convenção de Roma, que é aquela que revela
uma ligação mais próxima com o contrato de trabalho/trabalhador.

A lei aplicável, na falta de escolha das partes, é uma das presentes nas als. a) e b) do Artigo 6.º, n.º 2, da Convenção
de Roma. A al. a) refere-se à lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido
destacado temporariamente para outro país, enquanto que, por outro lado, quando o trabalhador não preste habitualmente
o seu trabalho no mesmo país, é regulado pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o
trabalhador – al. b).

No caso concreto, aplicamos a al. a) do Artigo 6.º, n.º 2, da Convenção de Roma, isto porque o trabalhador presta
habitualmente o seu trabalho na Arábia Saudita. Ora, esta é uma conexão que tutela o interesse do trabalhador e também

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os interesses sociais que estão na base de muitas normas imperativas do direito do trabalho e cuja finalidade só é alcançada
se forem de aplicação territorial. O lugar da prestação habitual do trabalho, em execução do contrato, é aquele onde ou a
partir do qual o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com o trabalhador (onde recebe ordens, onde estão
as ferramentas, etc.). Neste caso, é na Arábia Saudita. Ou seja, quer pela aplicação da lei escolhida pelas partes quer pela
aplicação do Artigo 6.º, n.º 2, al. a), da Convenção de Roma, a solução é a mesma. Posto isto, aplicamos a lei da Arábia
Saudita, cujo direito permite o despedimento sem justa causa. Portanto, os argumentos da sociedade CONSTRÓI BEM,
S.A. são procedentes.

Ademais, esta lei da Arábia Saudita é aquela que se encontra objetivamente mais conectada com o trabalhador, isto é,
é a lei mais próxima ao contrato. Assim, não há aplicação da cláusula de exceção presente no Artigo 6.º da Convenção de
Roma (“salvo se, resultarem do conjunto de circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita
com outro país, sendo aplicada a lei desse país”), isto porque não há uma conexão com uma lei mais próxima para afastar
a aplicação da lei da Arábia Saudita. Como tal, o despedimento era justo.

No entanto, ara protegermos os interesses do trabalhador, a parte mais vulnerável nesta relação, podemos recorrer às
NAI ou à ROPI.

Podemos fazer uso das NAI chamando a NAI do Artigo 53.º da CRP por força das disposições imperativas do Artigo
7.º, n.º 2, da Convenção de Roma. As NAI são normas materiais, espacialmente autolimitadas, que pelo fim social que
visam atingir e pela especial intensidade valorativa que revestem, reclamam a sua aplicação independentemente do âmbito
de competência da ordem jurídica a que pertencem, derrogando o sistema conflitual geral do Estado do foro.

Por seu turno, as NAI revestem as seguintes características: normas materiais (dão-nos a solução material para o caso
concreto em oposição às normas de conflitos que são meramente formais), podem revestir natureza pública ou privada, são
normas imperativas, refletem uma intervenção do Estado na tutela de determinados interesses, vão reclamar a sua aplicação
ao caso concreto, explicitamente ou implicitamente, possuem um caráter de territorialidade, o tipo de fins sociais ou valores
que estas normas visam atingir varia de Estado para Estado, em função de circunstâncias particulares e da própria
conjuntura temporal (relatividade espacial e temporal), possuem autonomia face ao sistema conflitual do Estado do foro,
possuem um caráter excecional e além de terem a solução para o caso concreto, elas definem a própria conexão que vai
demonstrar a relação entre a situação plurilocalizada e o Estado da ordem jurídica do foro.

O âmbito de aplicação espacial do Artigo 53.º da CRP tem de ser retirado dos seus objetivos e funções. Considera-se
aplicável nos casos em que o trabalhador resida ou seja nacional português (é o caso), quando seja contratado por empresas
estabelecidas em Portugal (neste caso, tem sede em Portugal), através desses estabelecimentos (é o caso), para prestar
trabalho mesmo que seja no estrangeiro (é o caso: Arábia Saudita) ou a contratos executados em Portugal ainda que sujeitos
à lei estrangeira.

Quanto aos efeitos, a NAI será aplicada com primazia face ao direito da lei aplicável, pois pertence ao direito do foro.
Assim, por força do Artigo 53.º da CRP, nós iríamos afastar o funcionamento das normas de conflitos que mandaram
aplicar a lei da Arábia Saudita e aplicávamos o direito português para proteger este trabalhador, sendo necessária justa
causa para ser despedido. Assim, nos termos do Artigo 53.º da CRP, o despedimento seria considerado ilícito.

Por outro lado, como como há posições doutrinais que não consideram o Artigo 53.º da CRP como uma NAI, ainda
havia forma de protegermos o trabalhador através da invocação da ROPI.

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A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao reconhecimento
de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado da intervenção
da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções
ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 16.º da Convenção de Roma).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente – no caso, afastamento da lei da Arábia Saudita) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o
caso, ou seja, aplicação da norma de lei estrangeira competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei
estrangeira – no caso, não existe uma norma estrangeira semelhante que permita indemnizar, logo aplicamos o direito de
substituição, isto é, a lei do foro, que é a lei portuguesa).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro (no caso, ofendem princípios fundamentais da ordem jurídica do foro: proteção do trabalhador);

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro (no caso, há uma ligação estreita entre os factos e o
nosso ordenamento jurídico – residência habitual em Portugal; contrato celebrado em Portugal – sede principal e
efetiva em Portugal).

Em suma, a ação de Jacques seria julgada procedente com base na aplicação do Artigo 53.º da CRP (ou como NAI)
ou por força da ROPI.

Se o contrato fosse celebrado em 2 fevereiro de 2010, passaríamos a aplicar o Regulamento Roma I:

〉 Analisar os âmbitos material, espacial e temporal (Artigos 1.º, 2.º e 28.º do Regulamento Roma I): tem os âmbitos
idênticos, alterando apenas o âmbito temporal;

〉 Os princípios são os mesmos da Convenção de Roma;

〉 No caso seria aplicável o Artigo 8.º do Regulamento Roma I (norma especial para as questões em que estão em
causa trabalhadores);

〉 Este permite a escolha de lei (Artigo 3.º do Regulamento Roma I) – a escolha não pode privar o trabalhador da
proteção que lhe proporciona aas disposições não derrogáveis por acordo;

〉 Comparar a escolha de lei com a lei aplicável caso esta não existisse;

〉 n.º 2: se não houvesse escolha/se fosse afastada a escolha de lei, era aplicável a lei da Arábia Saudita (lei do país
onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato);

〉 Aplicávamos o Artigo 53.º da CRP como NAI, por força do Artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento Roma I ou chamar
a ROPI por força do Artigo 21.º do Regulamento Roma I.

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CASO PRÁTICO N.º 3

Em 20 de dezembro de 2009, António, nacional português, com residência habitual em Braga, resolve fazer
umas férias na neve, nos Alpes franceses, na companhia de uns amigos, entre os quais estava Carlos, de
nacionalidade portuguesa e espanhola, atualmente residente em Vigo. Devido ao seu espírito altamente
competitivo e prevendo manobras arriscadas na neve, antecipadamente, o grupo de amigos acorda que em
caso de acidente envolvendo membros do grupo será aplicável a lei portuguesa.

Em 21 de dezembro, durante uma descida íngreme, Carlos que seguia uma trajetória paralela a António,
entra em colisão com este no final da pista, tendo António sofrido uma rutura de ligamentos no joelho, como
consequência. Não foi possível apurar a culpa de Carlos.

Após o regresso a Portugal, António pede a Carlos o ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos,
inclusive as despesas com todos os tratamentos que fez em Portugal, invocando a lei francesa, que considera
aplicável, nomeadamente uma norma material prevista no Código Civil francês que responsabiliza aquele que
tem ao seu cuidado certa coisa, pelos danos causados pela mesma, a título de responsabilidade objetiva.

Carlos contesta afirmando que as partes tinham acordado a aplicação do direito português em caso da
ocorrência de algum acidente durante as férias na neve, que não tem uma norma similar. Considera, ainda,
que se as despesas com os tratamentos ocorreram em Portugal, assim como os danos resultantes de ausências
no emprego, justifica-se a aplicação da lei portuguesa. Por fim, considera que a aplicação do direito francês,
nomeadamente a ausência da exigência da culpa, constitui uma violação da reserva de ordem pública do
Estado português.

Admitindo que:

1.º A jurisprudência francesa aplica a norma invocada por António aos acidentes de Ski, pelos skis serem
considerados um meio de locomoção.

2.º A ordem jurídica portuguesa não tem uma norma idêntica à francesa, a partir do qual os tribunais
nacionais façam a mesma interpretação adotada pelos tribunais franceses.

3.º Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes.

Diga, discutindo os argumentos aduzidos pelas partes, se a pretensão de António deve ser considerada
procedente.

No caso em apreço, estamos perante uma situação responsabilidade civil, uma vez que António pede o ressarcimento
dos danos sofridos na colisão com Carlos, que lhe provocou uma rutura de ligamentos no joelho. Há, então, a violação de
um direito de personalidade absoluto (integridade física) que dá origem à responsabilidade civil extracontratual.

Para resolução de uma questão de responsabilidade civil extracontratual podemos recorrer ao Regulamento Roma II,
se estiverem preenchidos os seus âmbitos de aplicação material, espacial e temporal. Caso não estejam preenchidos esses
âmbitos, temos de recorrer ao Artigo 45.º do CC, que é a norma de conflitos que regula a responsabilidade civil
extracontratual.

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No que concerne ao âmbito material (Artigos 1.º e 2.º do Regulamento Roma II), aplica-se quando estejam em causa
relações extracontratuais que envolvam conflitos de leis, com ressalva das situações elencada no n.º 2 do Artigo 1.º do
Regulamento Roma II (no caso, não se aplica nenhuma das situações elencadas). Ao Artigo 1.º, n.º 2, al. g), do
Regulamento Roma II tem de ser feita uma interpretação restritiva e, por conseguinte, vamos admitir que está incluído no
âmbito do regulamento a violação dos direitos de personalidade, com a exceção dos delitos de imprensa. Neste caso, é um
acidente na neve, sendo que há danos provocados por Carlos a António entre os quais não há qualquer relação contratual,
há uma violação de direitos absolutos e há ainda danos patrimoniais (que são pedidos). Ora, existe um conflito de leis,
porque António tinha nacionalidade portuguesa e residia em Portugal, Carlos tinha nacionalidade portuguesa e espanhola
e residia em Espanha, e o acidente aconteceu em França.

Relativamente ao âmbito espacial (Artigo 3.º do Regulamento Roma II), este regulamento tem um âmbito universal,
o que significa que a lei designada pelas normas de conflitos do regulamento será aplicada ainda que não seja a lei de um
Estado-Membro.

No que diz respeito ao âmbito temporal (Artigo 32.º do Regulamento Roma II), o regulamento é aplicável a factos
ocorridos após 11 de janeiro de 2009. No caso, como o acidente ocorre em 21 de dezembro de 2009, está preenchido o
âmbito temporal.

A este regulamento está subjacentes uma série de princípios, nomeadamente o princípio da autonomia da vontade, a
tendência para a especialização das normas de conflitos, o princípio da primazia do meio social comum, a lex loci delicti
commissi (concretizada como lugar do dano), o equilíbrio entre a segurança e certeza jurídica e a flexibilização, o
reconhecimento de efeitos a normas de aplicação imediata de um Estado que não seja a lex delicti, ou que seja, mas fora
do seu âmbito de aplicação e o reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

O Artigo 15.º do Regulamento Roma II vai delimitar o âmbito da lei do delito, isto é, a lei que vamos apurar nos
termos das normas de conflitos do Regulamento Roma II. Atendendo à pretensão do caso, a alínea a) vai regular o
fundamento da responsabilidade e a quem pode essa responsabilidade ser imputada, bem como pode ser chamada a alínea
c) e ainda irá regular a existência e a natureza dos danos e da reparação exigida.

Analisado o âmbito da lei aplicável, e uma vez que o Regulamento Roma II consagra o princípio da tendência para a
especialização das normas de conflitos, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que possa resolver
esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário resolvemos pela norma geral. As normas especiais
encontram-se nos Artigos 5.º a 12.º do Regulamento Roma II.

No caso concreto, não há nenhuma norma especial que se possa aplicar a este caso e, como tal, temos de recorrer às
normas gerais (Artigos 14.º e 4.º do Regulamento Roma II). Ora, no caso houve escolha de lei, dado que é referido no
enunciado os amigos antecipadamente acordaram que em caso de acidente envolvendo algum dos membros, seria aplicável
a lei portuguesa (escolheram a lei portuguesa), estando em causa, por isso, o princípio da autonomia da vontade.

Assim sendo, temos de averiguar a verificação dos requisitos do Artigo 14.º do Regulamento Roma II:

1 - A escolha de lei também pode ser expressa ou tácita (Artigos 14.º, n.º 1, do Regulamento Roma II); no caso, a
escolha foi expressa;

2 - A escolha não pode prejudicar direitos de terceiros (Artigos 14.º, n.º 1, do Regulamento Roma II);

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3 - A escolha só pode incidir sobre o direito de um Estado (argumento literal retirado dos Artigos 3.º e 14.º, n.os 1, 2
e 3, do Regulamento Roma II);

4 - A escolha de lei deve respeitar a aplicação das disposições imperativas da lei que está em contacto com os
elementos relevantes da situação no momento da ocorrência do facto delitual (Artigos 14.º, n.º 2, do Regulamento
Roma II) e deve ainda respeitar a aplicação das disposições imperativas do direito da União Europeia, quando é
escolhida a lei de um terceiro Estado, quando os elementos relevantes da situação estão localizados na União
Europeia no momento da ocorrência do facto delitual (Artigos 14.º, n.º 3, do Regulamento Roma II);

5 - A convenção pode ser anterior ou posterior ao facto que deu origem ao dano (Artigos 14.º, n.º 3, do Regulamento
Roma II). Mas quando é anterior, obedece ainda a requisitos adicionais: só é válida se as partes envolvidas
desenvolverem atividades económicas e desde que a escolha de lei tenha sido livremente negociada pelas partes
(exclui os contratos de adesão), isto atendendo ao considerando 31; visa a proteção das partes mais fracas. Neste
caso, a escolha de lei foi anterior ao facto que deu origem ao dano, logo tem de obedecer a estes requisitos. Porém,
as partes envolvidas não desenvolvem atividades económicas e o acidente ocorreu durante uma viagem de lazer.
Como são requisitos cumulativos e um dos sub-requisitos não se encontra preenchido, a escolha de lei é inválida.

Assim sendo, temos de recorrer à regra geral consagrada no Artigo 4.º do Regulamento Roma II. O princípio
fundamental nesta matéria, por onde devemos começar, é a primazia do meio social comum, presente no n.º 2 do Artigo
4.º do Regulamento Roma II (só se o n.º 2 não estiver preenchido é que vamos ao n.º 1). Este princípio é concretizado no
elemento de conexão da residência habitual comum do lesado e da pessoa cuja responsabilidade é invocada, isto é, temos
de averiguar se o lesado e esta pessoa tem residência habitual comum. Esta conexão é definida em função do princípio de
proximidade com as partes e do princípio da confiança, uma vez que é a lei que as partes melhor conhecem e com a qual
conformam habitualmente o seu comportamento, por isso esperam que seja aplicada essa lei.

A pessoa cuja responsabilidade é invocada é aquela pessoa cuja responsabilidade se pretende apurar no processo que
pode não ser o autor material do dano, pode não ser o agente. Neste caso, é o Carlos (autor material do dano), que não tem
residência habitual em Portugal.

O lesado é a vítima direta do dano, que pode não ser a pessoa que está a pedir o ressarcimento (Artigo 4.º, n.º 2, do
Regulamento Roma II – este artigo dá importância ao dano direto e real). Neste caso, é António que tem residência habitual
em Portugal.

Não há, portanto, um meio social comum, logo temos de recorrer ao critério subsidiário consagrado no Artigo 4.º, n.º
1, do Regulamento Roma II (lex loci delicti comissi). Enquanto lei do lugar do dano, o que interessa é o dano direto e real,
o local onde se verificou a lesão do bem jurídico tutelado pelo direito ou onde se materializou o dano resultante do evento
causal. O Artigo 2.º, n.º 3, al. b), do Regulamento Roma II esclarece que o dano inclui os danos suscetíveis de ocorrer.
Para além disso, o Artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento Roma II consagra uma conexão objetiva do dano real e direito com
o lugar do delito e está relacionado com a função compensatória da responsabilidade civil.

Ademais, o lugar da violação do bem jurídico (ofensa à integridade física) foi em França, apesar de ocorrerem danos
indiretos em Portugal, em função do tratamento. Assim, pelo Artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento Roma II, aplica-se a lei
francesa.

Porém, o Artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento Roma II prevê uma cláusula de exceção, isto é, um mecanismo que permite
afastar a solução da norma de conflitos tradicional, que diz que se existir uma lei com uma conexão mais estreita com a

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situação concreta, seria aplicada essa lei. Todavia, esta cláusula é concretizada por uma conexão acessória que exige que
haja uma relação prévia entre as partes, com ligação à situação de responsabilidade extracontratual que justifica a aplicação
de outra lei.

No caso sub iudice, não existe outra lei melhor do que a lei francesa, logo aplicamos a lei francesa e a pretensão de
António é procedente, sendo que Carlos vai responder a título de responsabilidade objetiva, mesmo sem culpa.

Por outro lado, Carlos invoca ainda a ROPI com base no facto de a ordem jurídica portuguesa delimitar as situações
de responsabilidade sem culpa e não existe nenhuma norma material portuguesa que numa circunstância semelhante
permita a responsabilidade sem culpa.

A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao reconhecimento
de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado da intervenção
da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções
ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 26.º do Regulamento Roma II).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação da norma de lei estrangeira
competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro; no caso, Carlos invoca que no ordenamento jurídico português não existe nenhuma norma material que
sancione aqui este tipo de facto, a responsabilidade objetiva. O que existe, no caso, é efetivamente uma mera
divergência de regulamentação da mesma situação, já que o Estado do foro exigiria a culpa (responsabilidade
subjetiva) e a lei estrangeira não. Contudo, a mera divergência de soluções para a mesma situação nação ofende
qualquer princípio ético-fundamental do Estado do foro – é apenas uma forma diferente de regulamentação que
também se justifica pelo país em que estes acidentes de ski ocorrem; em Portugal não há a mesma necessidade de
tutelar este tipo de acidentes como seria no caso de França;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro; no caso, C residia em Espanha, mas tinha dupla
nacionalidade, pelo que cumpre agora ver qual é a nacionalidade que prevalece. A nacionalidade é o vínculo
jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado soberano. As normas que resolvem o conflito positivo de
nacionalidade encontram-se previstas nos Artigos 27.º e 28.º da Lei da Nacionalidade; a primeira resolve aquelas
situações em que uma das nacionalidades em confronto é a portuguesa, e a segunda resolve as demais, quando
não está em causa a nacionalidade portuguesa. Uma vez que Carlos tem nacionalidade portuguesa, e nos termos
do Artigo 27.º da Lei da Nacionalidade é esta que prevalece, confirmamos a existência de uma ligação com a
ordem jurídica do foro, já que não havia dúvidas sobre a nacionalidade de António. Assim, o requisito encontra-
se preenchido.

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Por fim, a ROPI não atua, pois não se preenche o juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei
estrangeira e os princípios fundamentais do direito do foro, logo mantém-se a aplicação da lei francesa e Carlos seria
chamado a responder, sendo a pretensão de António procedente.

CASO PRÁTICO N.º 4

António, de 19 anos de idade, português, residente habitualmente em Genebra, e Berta, cidadã da Irlanda,
residente em Dublin, celebraram nesta cidade, em 1990, convenção antenupcial pela qual o primeiro doou à
segunda um imóvel sito na Suíça. Após o casamento, os cônjuges fixaram residência em Dublin.

Por morte de António, que não possuía quaisquer outros bens para além daquele que doou a Berta, Carlos,
seu pai, português, vem perante tribunais portugueses reclamar a anulação da doação com fundamento na
falta de capacidade de António à face do direito suíço que considera competente para regular essa questão;
subsidiariamente, pede a redução por inoficiosidade da doação, com fundamento no disposto no art. 1759.º do
CC português, que entende ser aplicável ao caso, sob pena de ser sancionada uma situação intolerável para a
ordem jurídica portuguesa.

Berta contesta a pretensão de Carlos, sustentando a validade do negócio face da lei irlandesa, que
considera competente para regular a questão.

Admitindo que:

1.º Na Irlanda a capacidade para o exercício de direitos privados adquire-se aos 18 anos de idade; na
Suíça aos 20 anos.

2.º O direito de conflitos irlandês submete a capacidade de exercício à lei do domicílio, a validade das
convenções antenupciais à lei do primeiro domicílio conjugal e a sucessão imobiliária à lex rei sitae.

3.º As questões de capacidade são sujeitas pelo DIP suíço à lei do domicílio.

Diga, apreciando os argumentos das partes, se deve ser considerada procedente a pretensão de Carlos.

No caso em apreço, estamos perante duas pretensões que temos de analisar para ver se são procedentes ou não: Carlos
vem, por um lado, reivindicar a anulação da doação por falta de capacidade de A; por outro lado, quanto à substância em
si dessa doação, ele vem ainda pedir a redução por inoficiosidade da doação por aplicação do Artigo 1759.º do CC, que
entende ser aplicável ao caso.

Vamos analisar, em primeiro lugar, a 1.ª pretensão.

Com efeito, estamos perante uma questão de capacidade para celebrar a convenção antenupcial. A matéria da
capacidade está elencada no Artigo 25.º do CC como sendo uma das matérias de estatuto pessoal. As matérias de estatuto
pessoal são estados, qualidades ou situações que, por afetarem a pessoa na totalidade da sua esfera jurídica ou num setor
importante, o nosso legislador decidiu submeter essas matérias a uma legislação que é definida em função de tais estados,
qualidades ou situações (ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO).

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Ora, essa legislação resulta da conjugação do Artigo 25.º do CC com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC. O Artigo 25.º do CC
não tem elemento de conexão, sendo que o elemento de conexão está no Artigo 31.º, n.º 1, do CC. Em regra, aplicamos a
lei da nacionalidade a estas matérias, que aprece enquanto lei pessoal das pessoas singulares.

Isto resulta do princípio da unidade e da estabilidade do estatuto pessoal, porque como estão em causa matérias que se
referem à identidade das pessoas, há o interesse de ver essas matérias reguladas por uma só lei, independentemente de onde
estas se encontrem. Como tal, está aqui subjacente uma conceção personalística do direito que coloca a dignidade da pessoa
humana na base de todo o direito (Artigo 1.º da CRP). O legislador considera que existe um conjunto de direitos que são
adquiridos no país de origem, no país da nacionalidade, e que devem ser reconhecidos às pessoas independentemente de
onde elas se encontrem. Este reconhecimento é feito, nomeadamente, através da aplicação da lei pessoal, da lei da
nacionalidade.

Isto posto, dado que o Artigo 25.º do CC é a regra, importa averiguar se há alguma norma de conflitos específica sobre
matérias de capacidade.

Ao presente caso parece aplicar-se, uma vez que estamos em matéria de direito da família, o Artigo 49.º do CC que
regula a capacidade para celebrar convenções antenupciais. Esse artigo manda aplicar a lei pessoal (lei da nacionalidade)
de cada nubente em conjugação com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC. No caso concreto, António tinha nacionalidade portuguesa,
pelo que é a lei portuguesa competente para regular a capacidade de celebrar convenção antenupcial. António, adquire
capacidade com 18 anos e como à data já tinha 19 anos, tinha capacidade para celebrar a convenção (Artigos 1708.º, 1600.º
e 1601.º, al. a), do CC).

Assim, a pretensão sobre a capacidade vai ser improcedente, isto porque a convenção é perfeitamente válida (António
tinha capacidade para a celebrar).

Analisemos, agora, a 2.ª pretensão.

Carlos invoca a aplicação do Artigo 1759.º do CC, uma norma material que diz respeito à redução por inoficiosidade
da doação para casamento, e para saber se esta é aplicável ao caso é necessário fazer a sua qualificação, para verificar se é
possível subsumi-la no conceito-quadro de uma norma de conflitos para acionar a sua consequência jurídica e averiguar se
efetivamente a ordem jurídica competente é a que ela engloba. Assim, para saber se será procedente o pedido, há que
encontrar uma norma de conflitos que, acionando a sua consequência jurídica, remeta para a ordem jurídica portuguesa,
ou seja, é necessário subsumir o Artigo 1759.º do CC no conceito-quadro de uma norma de conflitos.

Posto isto, a qualificação é uma operação prévia à aplicação de qualquer norma jurídica, com o objetivo de preencher
a previsão da norma, ou seja, subsumir os factos em normas, determinando uma consequência jurídica. Depois de
preenchida a previsão, pode-se aplicar a 2.ª parte da norma, ou seja, recorrer ao elemento de conexão e saber qual a ordem
jurídica aplicável ao caso. A qualificação é feita em qualquer área do Direito. Por outras palavras, a particularidade do
Direito Internacional Privado é que o que estamos a qualificar já são dados normativos (já foi concretizado numa norma)
e, além disso, são utilizadas categorias de relações jurídicas no conceito-quadro (a previsão da norma). Tal serve para, em
seguida, fazer funcionar a sua consequência jurídica, de maneira a saber qual é, em concreto, a ordem jurídica aplicável ao
caso.

Nesta situação, para saber se a ordem jurídica portuguesa é aplicável ao caso devemos sempre fazer uma referência
do sentido e alcance da referência feita pela norma de conflitos à lei designada. Ou seja, quando a normas de conflitos
remete para determinada lei temos de saber se remete para todas as normas materiais da lei designada ou só para algumas.

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A referência aberta é quando a norma de conflitos remete para todas as normas materiais, enquanto que a referência seletiva
é quando a referência feita pelas normas de conflitos à lei designada apenas compreende as normas materiais que, pelo seu
conteúdo e função, vão integrar o conceito-quadro da norma de conflitos.

É esta última que o legislador português escolheu seguir, no Artigo 15.º do CC, já que só uma referência seletiva
permite salvaguardar os interesses que estão na base do elemento de conexão.

A operação de qualificação tem três momentos, nomeadamente a interpretação do conceito-quadro, a caracterização


do objeto da qualificação e a qualificação em sentido restrito.

No que se refere à interpretação do conceito-quadro designativo do objeto de qualificação (1.º momento), temos de
indicar as formas de interpretar o conceito-quadro. Este momento termina com a indicação das normas de conflitos
potencialmente aplicáveis. Não temos de indicar a norma que em concreto se aplica, mas as potencialmente aplicáveis. As
formas de interpretação são:

Interpretação meramente de acordo com o direito do foro (há desvantagens aqui): por um lado, restringe em
demasia o âmbito do conceito-quadro, pois nega a aplicação em Portugal de institutos jurídicos estrangeiros
desconhecidos ao nosso direito material ou com conteúdo diferente, ainda que visem finalidades sociais idênticas.
Por outro lado, ao fazer esta interpretação põe-se em causa a confiança nas situações plurilocalizadas;

Interpretação de acordo com o direito comparado (esta interpretação também não é adotada): não permite captar
o juízo de valor que está na base de toda a norma de conflitos, juízo esse que é responsável por recortar
devidamente o âmbito do conceito-quadro da norma de conflitos. Por outro lado, leva à impossibilidade de
encontrar conceitos únicos através do direito comparado;

Interpretação de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica (adotada no ordenamento jurídico
português): partimos da ideia de que o legislador que elaborou as normas de conflitos foi o mesmo que elaborou
as normas materiais de direito interno. Por isso, vamos presumir que os conceitos utilizados pelas normas de
conflitos, em regra, exprimem os mesmos conteúdos jurídicos que estes conceitos exprimem do direito material
do Estado do foro. Logo, esta teoria vai buscar as duas outras teorias. Começamos por partir do direito material
do foro e, por isso, para interpretar, devemos partir do direito material do Estado do foro para delimitar o conceito-
quadro da norma de conflitos. Mas, não ficamos por aqui (1.ª teoria). Vamos aditar outros preceitos, institutos
jurídicos estrangeiros, que exerçam função análoga à função que compete às normas materiais do direito interno
que se integram no conceito-quadro daquela norma de conflitos. Nesta interpretação, há, por um lado, um grau de
autonomia na interpretação, pelo julgador, do conceito-quadro em relação às normas materiais do Estado do foro.
E, além desse grau de autonomia, fazemos também uma interpretação teleológica, em que se atende ao seu teor e
finalidade para delimitar o conceito-quadro que retira da norma geral (Artigos 9.º, 15.º e 64.º, al c), do CC).

No caso concreto, as normas de conflitos potencialmente aplicáveis são, por um lado, o Artigo 53.º do CC (parte da
ideia de que os conteúdos que estão numa norma de conflitos exprimem os mesmos valores que aqueles que estão na norma
material, e atendendo a que a questão a tratar é a validade substancial da doação feita numa convenção antenupcial, esta é
a norma que remete para o direito da família) e, por outro lado, o Artigo 62.º do CC (o falecimento de António e o facto
de a própria norma a qualificar remeter para o direito das sucessões). Ainda não sabemos qual destes artigos vamos aplicar
ao caso.

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No que respeita à caracterização do objeto da qualificação (2.º momento), esta trata-se de um dado normativo que, em
termos gerais, não é mais do que uma situação da vida corrente caracterizada à luz de uma ordem jurídica (é necessário
saber qual é a ratio da norma). No caso, o objeto da qualificação é o Artigo 1759.º do CC (situação do quotidiano
caracterizada à luz de uma ordem jurídica com o conteúdo que já lhe foi imputado por uma norma material).

De acordo com o Artigo 15.º do CC, as normas materiais caracterizam-se à luz da ordem jurídica a que pertencem.
Podemos caracterizar normas jurídicas, normas estrangeiras, mas à luz da ordem jurídica a que pertencem. Como tal, se a
norma pertencer à ordem jurídica portuguesa, vamos apurar a sua ratio de acordo com a ordem jurídica portuguesa.

A ratio do Artigo 1759.º do CC considera que as doações para casamento, quer se trate de doações entre os esposados
ou doações aos esposados, estão sujeitas ao regime da redução por inoficiosidade. Esta norma visa proteger os interesses
da família do autor da liberalidade, nomeadamente o instituto da legítima, salvaguardando os interesses dos herdeiros
legitimários. Este artigo caracteriza-se, pela função e conteúdo que tem na ordem jurídica portuguesa, como norma de
direito das sucessões.

Em relação à qualificação em sentido restrito ou subsunção das normas materiais no conceito-quadro de uma norma
de conflitos (3.º momento), tem de existir uma correspondência funcional entre as normas cuja aplicação está em causa e
o conceito-quadro da norma de conflitos.

Assim sendo, fazemos uma qualificação lege fori (a partir da lei do foro), com base numa caracterização lege causae
(lei aplicável, a que a norma material pertence). O julgador tem neste momento um grau de autonomia para aferir da
correspondência, isto é, ele não está limitado de forma restrita ao conceito-quadro, embora tenha de atender à finalidade,
ao teor da norma material e, de acordo com este conteúdo/função, averiguar em que conceito-quadro das normas de
conflitos potencialmente aplicáveis se enquadra, atendendo às noções jurídicas que integram esse conceito-quadro.

No caso em análise, vamos subsumir no conceito-quadro do Artigo 62.º do CC (norma que diz respeito à substância
das sucessões). Uma vez encontrada a norma de conflitos, temos de encontrar a lei aplicável: lei da nacionalidade ao tempo
do falecimento. Ora, António era português ao tempo do falecimento, pelo que a lei portuguesa vai ser a aplicada.

Dessa forma, aplica-se, de facto, a lei portuguesa (Artigo 1759.º do CC), ou seja, a lei do foro vai considerar-se
competente.

Por fim, e porque resulta do enunciado, Carlos invoca a ROPI

A ROPI não se vai aplicar, uma vez que esta pressupõe que a lei aplicável seja direito estrangeiro e no caso vai ser
aplicado direito português.

A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao reconhecimento
de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado da intervenção
da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções
ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 22.º do CC).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação da norma de lei estrangeira
competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira).

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É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro; a ROPI só atua quando a aplicação de uma lei estrangeira ofenda princípios ético-jurídicos fundamentais
do foro, sendo que neste caso está em causa a lei portuguesa e não uma lei estrangeira, pelo que o requisito não
se preenche;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro; no caso, há uma conexão entre os factos e a ordem
jurídica do foro, uma vez que o autor da sucessão é português, o herdeiro também é português e o bem imóvel
objeto da doação situa-se em Portugal.

Em suma, a pretensão subsidiária de Carlos é procedente, já que se aplica a lei portuguesa.

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CASO PRÁTICO N.º 5

António, português, casou em 1985, sem convenção antenupcial, com Bernardette, francesa. O casal fixou
inicialmente domicílio em Paris, mas em 1989 mudou-se para Lisboa, onde passou a residir habitualmente.

Em 1991, António trespassou a Carlos, domiciliado em Lisboa, por escritura pública celebrada em
Badajoz, Espanha, aonde ambos se haviam deslocado expressamente para o efeito, um estabelecimento
comercial sito em Lisboa, que herdara de seu pai.

Bernardette reclama, perante tribunais portugueses, a anulação do trespasse com fundamento no disposto
no art. 1682-A, n.º 1, al. b), do CC português, que considera aplicável em virtude do art. 52.º do mesmo Código.
António contesta alegando designadamente que é aplicável ao caso o direito espanhol, por o negócio ter sido
celebrado em Espanha.

Admitindo que:

1.º Os efeitos pessoais do casamento são regidos, segundo o DIP francês, pela lei nacional comum dos
cônjuges e, na falta desta, pela lei do seu domicílio; e segundo o DIP espanhol, na falta de nacionalidade
comum dos cônjuges, pela lei pessoal do marido ao tempo da celebração do casamento.

2.º O regime supletivo de bens é regulado, segundo o DIP francês, pela lei do primeiro domicílio conjugal
e segundo o DIP espanhol, na falta de nacionalidade comum, pela lei pessoal do marido ao tempo do
casamento.

3.º Nos direitos francês e espanhol vigoram supletivamente regimes de comunhão de adquiridos e são
considerados próprios os bens adquiridos a título gratuito após o casamento.

4.º Nos referidos direitos não é exigido o consentimento do outro cônjuge para a alienação de
estabelecimento comercial próprio.

5.º Todos os ordenamentos interessados consideram que o primeiro domicílio conjugal foi em França.

Diga, justificando a resposta, qual das pretensões deve proceder.

No caso em apreço, está aqui em causa saber se era ou não necessário o consentimento para este negócio, vigorando
o regime da comunhão de bens. Para avaliar esta pretensão sobre o trespasse, temos de qualificar a norma material, uma
vez que se alguém invocar uma norma material tem de a qualificar. Aqui temos a invocação do Artigo 1682.º-A, n.º 1, al.
b), do CC para fundamentar o pedido de anulação do trespasse. Para saber se esta norma é aplicável ao caso, temos de a
subsumir no conceito-quadro de uma norma de conflitos, para em seguida fazer funcionar a consequência jurídica da
norma, de maneira a saber, neste caso, se a ordem jurídica portuguesa é a competente.

Quando dada norma de conflitos remete para determinada ordem jurídica, pode fazer dois tipos de referência: uma
referência aberta, quando remete para o conjunto das normas materiais da lei designada; ou uma referência seletiva, quando
a referência feita pelas normas de conflitos à lei designada apenas compreende as normas materiais que, pelo seu conteúdo
e função, vão integrar o conceito-quadro da norma de conflitos.

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É esta última que o legislador português escolheu seguir, no Artigo 15.º do CC, já que só uma referência seletiva
permite salvaguardar os interesses que estão na base do elemento de conexão.

A operação de qualificação tem três momentos, nomeadamente a interpretação do conceito-quadro, a caracterização


do objeto da qualificação e a qualificação em sentido restrito.

No que se refere à interpretação do conceito-quadro designativo do objeto de qualificação (1.º momento), temos de
indicar as formas de interpretar o conceito-quadro. Este momento termina com a indicação das normas de conflitos
potencialmente aplicáveis. Não temos de indicar a norma que em concreto se aplica, mas as potencialmente aplicáveis. As
formas de interpretação são:

Interpretação meramente de acordo com o direito do foro (há desvantagens aqui): por um lado, restringe em
demasia o âmbito do conceito-quadro, pois nega a aplicação em Portugal de institutos jurídicos estrangeiros
desconhecidos ao nosso direito material ou com conteúdo diferente, ainda que visem finalidades sociais idênticas.
Por outro lado, ao fazer esta interpretação põe-se em causa a confiança nas situações plurilocalizadas;

Interpretação de acordo com o direito comparado (esta interpretação também não é adotada): não permite captar
o juízo de valor que está na base de toda a norma de conflitos, juízo esse que é responsável por recortar
devidamente o âmbito do conceito-quadro da norma de conflitos. Por outro lado, leva à impossibilidade de
encontrar conceitos únicos através do direito comparado;

Interpretação de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica (adotada no ordenamento jurídico
português): partimos da ideia de que o legislador que elaborou as normas de conflitos foi o mesmo que elaborou
as normas materiais de direito interno. Por isso, vamos presumir que os conceitos utilizados pelas normas de
conflitos, em regra, exprimem os mesmos conteúdos jurídicos que estes conceitos exprimem do direito material
do Estado do foro. Logo, esta teoria vai buscar as duas outras teorias. Começamos por partir do direito material
do foro e, por isso, para interpretar, devemos partir do direito material do Estado do foro para delimitar o conceito-
quadro da norma de conflitos. Mas, não ficamos por aqui (1.ª teoria). Vamos aditar outros preceitos, institutos
jurídicos estrangeiros, que exerçam função análoga à função que compete às normas materiais do direito interno
que se integram no conceito-quadro daquela norma de conflitos. Nesta interpretação, há, por um lado, um grau de
autonomia na interpretação, pelo julgador, do conceito-quadro em relação às normas materiais do Estado do foro.
E, além desse grau de autonomia, fazemos também uma interpretação teleológica, em que se atende ao seu teor e
finalidade para delimitar o conceito-quadro que retira da norma geral (Artigos 9.º, 15.º e 64.º, al c), do CC).

No caso concreto, está em causa uma eventual anulação do trespasse por falta de consentimento. Uma das partes já
invocou uma norma de conflitos potencialmente aplicável (Artigo 52.º do CC), cujo conceito-quadro aborda as relações
pessoais e patrimoniais gerais dos cônjuges (relações que não estão dependentes de um particular regime de bens, isto é,
comuns a qualquer tipo de casamento). Normalmente, surge-lhe associado o Artigo 53.º do CC, que abrange as questões
patrimoniais, dependentes de um particular regime de bens, bem como a questão das convenções antenupciais (que não
releva aqui).

Há que atender ainda a outra norma de conflitos potencialmente aplicável, resultante do argumento de António, quando
refere que considera aplicável a lei do lugar da celebração. Assim, a lei do lugar da celebração não é mais do que uma
questão de obrigações contratuais. Surge então o Artigo 41.º do CC, uma vez que está em causa uma escolha de lei e, já
que o contrato foi celebrado em 1991, não preenche o âmbito de aplicação do Regulamento Roma I.

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No que respeita à caracterização do objeto da qualificação (2.º momento), esta trata-se de um dado normativo que, em
termos gerais, não é mais do que uma situação da vida corrente caracterizada à luz de uma ordem jurídica (é necessário
saber qual é a ratio da norma). No caso, o objeto da qualificação é o Artigo 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC.

De acordo com o Artigo 15.º do CC, as normas materiais caracterizam-se à luz da ordem jurídica a que pertencem.
Podemos caracterizar normas jurídicas, normas estrangeiras, mas à luz da ordem jurídica a que pertencem. Como tal, se a
norma pertencer à ordem jurídica portuguesa, vamos apurar a sua ratio de acordo com a ordem jurídica portuguesa.

O Artigo 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC parece só vigorar para alguns regimes, como a comunhão, em detrimento da
separação, sendo que apenas para o regime da comunhão é que se exige o consentimento. Em relação a esta questão há
uma divisão doutrinária: BAPTISTA MACHADO e A. FERRER CORREIA consideram que nesta norma não estão em
causa os efeitos gerais do casamento, pois o artigo só é aplicável aos regimes de comunhão e não ao regime da separação,
ou seja, é uma questão patrimonial dependente de um particular regime de bens (se a norma exige consentimento é apenas
no caso de comunhão de bens); por outro lado, ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO considera que esta norma pretende
tutelar os efeitos gerais do casamento, estando em causa a manutenção de um certo tipo de bens no meio familiar com
suporte da economia doméstica (tratando-se de negócios importantes para a economia do casal, a lei entendeu submeter ao
consentimento de ambos).

Em relação à qualificação em sentido restrito ou subsunção das normas materiais no conceito-quadro de uma norma
de conflitos (3.º momento), tem de existir uma correspondência funcional entre as normas cuja aplicação está em causa e
o conceito-quadro da norma de conflitos.

Segundo a posição de BAPTISTA MACHADO e A. FERRER CORREIA, ou seja, entendendo que, de acordo com a
ordem jurídica portuguesa, o Artigo 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC tem o objetivo de proteger ou tutelar as normas materiais
de um particular regime de bens e os efeitos são específicos de determinado regime de bens, atendendo ao teor e finalidade
desta norma material, vai ser subsumida no conceito-quadro do Artigo 53.º do CC.

Encontrada a norma de conflitos, há que acionar a consequência jurídica em matéria de relações patrimoniais
dependentes de um particular regime de bens: a lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração (nacionalidade comum).
Neste caso, António era português e Bernardette era francesa pelo que, subsidiariamente, devemos procurar a conexão no
n.º 2 do Artigo 53.º do CC: lei da residência habitual comum ao tempo da celebração do casamento e, se não existir, a lei
do 1.º domicílio conjugal. Como não havia residência habitual comum ao tempo da celebração, aplicamos aqui a lei do 1.º
domicílio conjugal, ou seja, a lei francesa.

Deste modo, L1 (Portugal – Artigo 53.º do CC) remete para L2 (lei francesa). Ou seja, a lei portuguesa não se considera
competente para resolver esta matéria e remete para a lei francesa, a lei do 1.º domicílio conjugal. A lei francesa considera-
se competente, porque adota o mesmo elemento de conexão da lei que a designou. Assim sendo, o direito francês aceita a
competência da lei do foro. É competente o direito francês e, de acordo com o enunciado, à luz desta lei, o regime de bens
supletivo é o regime da comunhão de bens adquiridos, incluindo os de título gratuito após o casamento. O trespasse é
válido e afasta-se o Artigo 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC.

Assim, na posição de A. FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO, o negócio seria válido e a pretensão de
Bernardette seria improcedente.

De acordo com a posição de ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, ou seja, entendendo que o que está aqui subjacente
à norma é a tutela dos bens comuns do casal, nomeadamente, negócios jurídicos que possam afetar esses bens, estes devem

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ser tutelados exigindo o consentimento de ambos os cônjuges para celebrar o negócio. Esta visão leva à subsunção da
norma material no Artigo 52.º do CC, que trata as questões das relações patrimoniais gerais.

Neste caso, a lei do foro iria remeter para a lei da nacionalidade comum dos cônjuges (n.º 1), que não existe e,
subsidiariamente, para a lei da residência habitual comum ao tempo em que a questão está a ser apreciada (n.º 2). Este
elemento de conexão já é passível de ser concretizado, uma vez que ao tempo da apreciação da questão os cônjuges têm
residência habitual comum em Lisboa (Portugal).

Isto significa que a lei do foro se considera competente para resolver a questão, remetendo para ela própria. Logo, por
esta via, seria aplicado o Artigo 1682.º-A, n.º 1, al. b), do CC), e o trespasse seria anulável por falta de consentimento.

Destarte, na posição de ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, o negócio seria inválido e a pretensão de Bernardette
seria procedente.

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CASO PRÁTICO N.º 6

Alan, nacional da África do Sul e da Alemanha, nasceu em 1938 na Cidade do Cabo, onde residiu até 1991,
altura em que transferiu o seu domicílio para Madrid tendo aí residido até à data da sua morte em 1997.

Em fevereiro de 1993, numa visita à Cidade do Cabo, Alan fez aí um testamento, deixando todos os seus
bens a uma instituição de caridade inglesa.

À data da sua morte, o património de Alan era apenas constituído por bens móveis.

Bernardo, filho de Alan, nacional português, vem requerer perante os tribunais portugueses a redução por
inoficiosidade da disposição testamentária por ofender a sua legítima.

Indique qual a lei aplicável ao pedido de Bernardo, admitindo que:

1.º As normas de conflitos da África do Sul sujeitam a sucessão mobiliária à lei do domicílio no momento
da morte; as normas de conflitos espanholas e alemãs sujeitam a sucessão à lei da nacionalidade no momento
da morte.

2.º Os tribunais da África do Sul praticam, nesta matéria, a dupla devolução; o Direito Internacional
Privado espanhol consagra a teoria da devolução simples apenas em caso de retorno; o Direito Internacional
Privado alemão adota a teoria da devolução simples.

3.º À luz do direito material da África do Sul a deixa testamentária é eficaz; à luz do direito material
espanhol e alemão a deixa testamentária é ineficaz.

No caso em apreço, Bernardo vem requerer perante os tribunais portugueses a redução por inoficiosidade da disposição
testamentária por ofender a sua legítima. Esta matéria está relacionada com as sucessões, isto é, trata-se de uma questão
relacionada com a substância das disposições testamentárias, pois está em causa determinar se devia ou não ter sido
garantida a legítima do filho.

Tendo em conta que estamos perante uma questão de validade substancial das sucessões, há uma norma de conflitos
que trata em específico a matéria da substância das sucessões, nomeadamente o Artigo 62.º do CC. Assim, a lei do foro
(L1) irá aplicar o Artigo 62.º do CC para saber qual a lei aplicável ao pedido de Bernardo. O conceito-quadro desta norma
de conflitos é a substância das disposições testamentárias, enquanto que a sua consequência jurídica é a lei pessoal ao
tempo do falecimento que, conjugada com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC, significa que L2 será a lei da nacionalidade do autor
da sucessão ao tempo do falecimento.

No entanto, Alan tinha dupla nacionalidade (África do Sul e Alemanha) e, como tal, temos de averiguar a nacionalidade
ao tempo do falecimento para saber qual é a nacionalidade que vai prevalecer para determinar L2 (conflito positivo de
nacionalidades).

Com efeito, o elemento de conexão desta norma de conflitos é a nacionalidade. A interpretação deste elemento de
conexão é feita de acordo com a lei do foro. Assim, para efeitos do Artigo 62.º do CC, a nacionalidade é o vínculo jurídico-
político que liga um indivíduo a um Estado soberano.

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A concretização desse elemento de conexão é feita de acordo com a lex causae, isto é, é à lei do Estado cuja
nacionalidade está em causa que compete decidir quem são os seus nacionais (lei da Alemanha ou da África do Sul). Esta
ideia tem subjacente o princípio da liberdade dos Estados na fixação dos seus nacionais. Deste princípio geral resulta
necessariamente o princípio da unilateralidade ou insusceptibilidade de bilateralização das regras de direito da
nacionalidade de cada Estado.

Para interpretar se um indivíduo tem nacionalidade de um Estado tem de se interrogar as normas desse Estado com
base na harmonia de julgados, pois apenas assim é possível que os tribunais dos vários Estados que adotam a conexão da
nacionalidade não cheguem a resultados diferentes, e por outro lado, com base na soberania dos Estados que está
consagrada no Artigo 3.º, n.º 1, da Convenção Europeia sobre o Direito da Nacionalidade de 1957.

Porém, esta liberdade de os Estados fixarem os seus nacionais tem limite, nomeadamente o princípio da efetividade
ou da nacionalidade efetiva, isto é, para que a nacionalidade de um Estado possa ser oposta a outro Estado, deve
corresponder a um vínculo real e efetivo entre a pessoa em questão e o Estado que a tem por nacional.

Assim sendo, como é cada Estado a quem compete definir quem são os seus nacionais, nós não temos de nos
pronunciar sobre o facto de a Alemanha e a África do Sul terem atribuído a nacionalidade a Alan (presumimos que foram
cumpridos os pressupostos para a atribuição).

No entanto, estamos perante um concurso de nacionalidades ou um conflito positivo de nacionalidades (problema de


dupla nacionalidade – duas leis consideram-se competentes para resolver o problema). Por conseguinte, temos de recorrer
ao Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade que dá prevalência à nacionalidade efetiva segundo o critério de jurisprudência de
Nottebohm:

1 - Verificar se o plurinacional tem residência habitual num dos Estados que o tem por nacional: vai prevalecer a
nacionalidade desse Estado, porque se considera que este representa o vínculo nacional e estreito. No caso, Alan
não tem residência habitual em nenhum desses Estados;

2 - Tendo em conta que Alan não tem residência habitual em nenhum desses Estados, vai-se atender à nacionalidade
do Estado com o qual Alan tenha um vínculo mais estreito. O enunciado mostra que este vínculo é com África do
Sul, que vai prevalecer, pois é a que representa o Estado com a qual o nacional tem um vínculo mais estreito.

Portanto, L2 será a lei da África do Sul.

A lei da África do Sul (L2) indica que a lei competente para resolver a questão da substância das sucessões não é ela
própria, mas sim a lei do domicílio do autor da sucessão no momento da morte (lei do último domicílio). Neste caso, a lei
espanhola (L3). Isto é, como a lei da África do Sul (L2) não se considera competente remete para a lei do domicílio no
momento da morte (lei espanhola).

Por sua vez, o DIP espanhol também não se considera competente e remete as matérias sucessórias para a lei da
nacionalidade do autor no momento da morte, ou seja, a lei da África do Sul (L2). Há aqui um retorno para L2 (fechamos
o reenvio).

L1 L2 L3
Artigo 62.º do CC Lei da África do Sul Lei Espanhola

Artigo 31.º, n.º 1, do CC Lei da Nacionalidade Lei do último domicílio


no momento da morte
Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade

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Posto isto, estamos perante um caso de reenvio, isto é, um conflito negativo de sistemas que resulta do facto das várias
leis envolvidas no sistema para resolver a questão adotarem elementos de conexão distintos, pelo que nenhuma delas se
considera competente para resolver a questão: Portugal → África do Sul → Espanha → África do Sul.

Para chegar à resolução deste problema é necessário analisar as teorias do reenvio. A questão que se coloca é: como é
que os nossos tribunais devem encarar a posição da lei estrangeira de não querer resolver a questão e, mais concretamente,
quando uma norma de conflitos remete para uma lei estrangeira se abrange apenas as normas materiais ou também as
normas de conflitos. A resposta a estas perguntas varia consoante o ordenamento jurídico em causa, consoante este seja
mais ou menos afeto ao reenvio, segundo uma das teorias: a teoria da referência material, a teoria da referência global
(teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução) ou a teoria mista.

A teoria da referência material é absolutamente contra o reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro
remete para uma lei estrangeira, remete apenas para as normas materiais dessa lei, ignorando as normas de conflitos e
normas auxiliares. Esta teoria é a única compatível com a vontade das partes quando exista autonomia da vontade das
partes. É obvia nas situações em que a norma de conflitos manda aplicar a lei que tenha uma conexão mais estreita e facilita
a resolução dos litígios internacionais, já que não implica o contacto com normas de conflitos estrangeiras.

A teoria da referência global é a favor do reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro remete para
uma lei estrangeira, está a fazer uma remissão em bloco (remete para a ordem jurídica completa), ou seja, abrange as
normas materiais, as normas de conflitos e de reenvio. A referência global permite obter harmonia de julgados entre a lei
do foro e as leis que estão envolvidas com aquela situação (apesar da diferença de elementos de conexão), o favor negotii
(aproveitamento do negócio que seria inválido pela lex causae) e a aplicação do direito do foro nas situações de retorno
(boa administração da justiça). Esta teoria traz igualmente problemas práticos, como nos casos de retorno, em que a
aceitação do reenvio pode conduzir a ciclos viciosos, ou nos casos de transmissão de competências (remetemos para a lex
causae, e este remete para outra lei que também não quer resolver e assim sucessivamente), em que se pode gerar o reenvio
ad eternum.

Para suprir estes problemas, os Estados foram adotando variáveis da teoria da referência global, pelo que surgiram
duas modalidades: teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução.

No que concerne à teoria da devolução simples, esta considera que a referência feita pela lex causae a outra lei é uma
referência material, de modo a parar o reenvio. Poderíamos continuar a remeter para outras leis ad eternum, mas a
devolução simples arranjou um mecanismo para tornar o reenvio praticável. Para isso, o julgador aceita este 2.º reenvio,
mas para-o, considerando que a 2.ª referência é material. Esta teoria tem como principal argumento a uniformidade de
julgados ou harmonia jurídica internacional. No entanto, a devolução simples não funciona no sentido de gerar harmonia
de julgados quando todos os países põem em prática esta teoria.

No que diz respeito à teoria da dupla devolução (Foreign Court Theory), a referência da norma de conflitos do foro a
determinada lei estrangeira impõe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada
no Estado onde essa lei vigora. Como o próprio nome indica, o tribunal do Estado do foro deve julgar como julgam os
tribunais da lex causae, a lei que se considera competente, exatamente da mesma forma. Assim como na teoria da devolução
simples, a teoria da dupla devolução não funciona no caso de ambos os Estados em questão praticarem a dupla devolução.

Por existirem dificuldades nestas duas, o nosso legislador opta por adotar uma teoria mista. A regra no nosso sistema
é a referência material (Artigo 16.º do CC). Há Estados que adotam uma teoria mista (ordenamento jurídico português,

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entre outros), que permite o reenvio apenas quando através dele se permite a harmonia de julgados ou a validação do
negócio (isto é uma exigência do princípio da confiança). É uma posição intermédia.

O enunciado refere que África do Sul pratica dupla devolução, isto é, compromete-se a julgar a causa da mesma forma
como julgam os tribunais da lei para a qual a sua norma de conflitos remete (lex causae). No caso, ela julga como julgar
L3 (lei espanhola).

Todavia, Espanha pratica devolução simples em caso de retorno. Ao praticar devolução simples, o Estado faz duas
referências sucessivas: faz uma primeira referência global à lex causae (normas materiais e às normas de conflitos da lei
que a sua norma de conflitos considerou aplicável – L2) e ficciona a referência da lex causae para a lei designada pela sua
norma de conflitos como uma referência material. Ou seja, faz uma referência global às normas materiais e às normas de
conflitos de L2 (lex causae) e ficciona uma referência material para ela própria (L3), ou seja, indiretamente considera-se
competente.

Assim, L3 vai aplicar L3. Como L2 manda aplicar L3 e L3 manda aplicar L3, isto é, se os tribunais espanhóis vão
aplicar a lei espanhola, a África do Sul também vai aplica a lei espanhola, temos harmonia de julgados.

Encontrada a lei aplicável, é necessário agora olhar para a lei do foro e verificar se o ordenamento jurídico português
aceita ou não o reenvio.

Regra geral, nos termos Artigo 16.º do CC, Portugal não aceita o reenvio, fazendo apenas uma referência material. No
entanto, podemos permiti-lo apenas como meio para atingir determinados resultados, nomeadamente a harmonia de
julgados (princípio da igualdade) e a conservação dos negócios jurídicos (favor negotii e tutela da confiança), através dos
Artigos 17.º (transmissão de competências) e 18.º do CC (retorno).

No caso concreto, estamos perante uma transmissão de competências com inclusão de retorno. Assim sendo, nós
resolvemos a situação com o Artigo 17.º do CC quando há transmissão de competências. Porém, quando houver retorno à
lei do foro (L1) aplicamos o Artigo 18.º. do CC, em regra (embora haja desvios).

Destarte, cabe-nos agora analisar o Artigo 17.º do CC.

Nos termos do n.º 1 do Artigo 17.º do CC aceitamos o reenvio se:

1 - O DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa aplicar outra legislação, sendo que esta remissão pode
ser direta ou indireta. Neste caso, o DIP de L2 remete para outra legislação (L3);

2 - E essa outra legislação tem que se considerar competente – é o caso (L3 aplica L3). Assim, a lei espanhola (L3)
considera-se indiretamente competente.

Logo, por força do Artigo 17.º, n.º 1, do CC, tendo em conta que preenchidos os dois requisitos, aceitamos o reenvio
para atingir a harmonia de julgados e vamos aplicar a lei espanhola.

No entanto, o reenvio pode ser paralisado por força do n.º 2 do Artigo 17.º do CC, mediante o preenchimento de certos
requisitos, em matérias de estatuto pessoal (como é o caso, pois as sucessões são uma das matérias que consta do Artigo
25.º do CC). Só aplicamos este n.º 2 se:

1 - A lei referida pela norma de conflitos portuguesa for chamada lei pessoal, lei da nacionalidade em matéria de
estatuto pessoal (L2 tem que ser chamada como lei da nacionalidade); foi o caso, dado que a lei da África do Sul
foi chamada como lei da nacionalidade;

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2 - O interessado residir habitualmente em território português (no caso, não se verifica, pois Alan, aquele que faz
desencadear o elemento de conexão da norma de conflitos, residia até à data da sua morte em Espanha) ou residir
habitualmente em país cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno da nacionalidade do
interessado para resolver a questão (no caso, não está preenchido, pois a lei da residência habitual – lei espanhola
– considera-se indiretamente competente porque pratica devolução simples, e para se preencher este requisito L3
deveria aplicar L2, o que não acontece).

Apesar de o primeiro requisito do Artigo 17.º, n.º 2, do CC estar preenchido, o segundo não está e, sendo que estes
são cumulativos, mantém-se o reenvio.

O desvio do Artigo 17.º, n.º 2, do CC justifica-se para aplicar à matéria de estatuto pessoal a lei da nacionalidade, mas
aqui há um acordo estre a lei da nacionalidade e a lei da residência habitual, que são as duas competentes para estas
matérias. Ora, como não se preenche o n.º 2, nem sequer vamos aplicar o Artigo 17.º, n.º 3, do CC.

Por conseguinte, chegamos à conclusão que aplicamos o direito espanhol, à luz do qual o testamento é ineficaz.

Neste sentido, cumpre aplicar o Artigo 19.º do CC para paralisar o reenvio, de modo a conservar o negócio jurídico,
permitindo a sua validade e garantindo a vontade do testador. Assim, e de acordo com o presente artigo, se pelas regras do
reenvio o negócio jurídico é inválido ou ineficaz, se fizéssemos apenas a referência material prevista no Artigo 16.º do CC
o negócio seria válido ou eficaz. Ou seja, pelo reenvio temos um testamento ineficaz, mas através da referência material
para as normas da África do Sul (Artigo 16.º do CC), o negócio seria válido ou eficaz. Deste modo, vamos paralisar o
reenvio para garantir a vontade do testador.

Porém, esta deixa testamentária ao ser eficaz com a aplicação da lei de África do Sul, vai prejudicar Bernardo na sua
legítima – há uma violação de princípios fundamentais do DIP pela aplicação de uma norma estrangeira. Como tal, temos
de ter em conta a ROPI, desde que se preencham os seus requisitos.

A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao reconhecimento
de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado da intervenção
da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções
ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 22.º do CC). A ROPI tem quatro características, nomeadamente a
atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação da norma de lei estrangeira
competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro. No caso, a aplicação da lei da África do Sul faz com que a legítima do herdeiro fique afetada; esta questão
é de tal importância para a ordem jurídica portuguesa que estabeleceu a redução por inoficiosidade;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro. No caso, verifica-se uma conexão suficiente entre os
factos e a ordem jurídica portuguesa, já que o herdeiro tem nacionalidade portuguesa.

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Posto isto, como ambos os requisitos estão preenchidos, vamos afastar a lei normalmente competente (lei da África
do Sul). Atendendo ao princípio do mínimo dano à lei estrangeira, vamos num primeiro momento dar oportunidade a esta,
ou seja, vamos procurar na lei de África do Sul uma norma para resolver a questão e, caso não exista (como parece ser o
caso), vamos aplicar a lei do foro (Artigos 2168.º e ss. do CC).

Em suma, Bernardo teria direito à legítima, já que se aplica a lei portuguesa por meio da ROPI.

CASO PRÁTICO N.º 7

Martin, nacional dos Estados Unidos e da Argentina, nasceu em Nova Orleães, em 1940, onde viveu até
1980. Nessa data decidiu transferir a sua residência para Nice, devido não só ao clima mais ameno, mas
também porque a carga fiscal era mais baixa. Durante a sua vida efetuou várias viagens de férias à América
do Sul.

Faleceu em março de 2001, tendo-lhe sobrevivido uma filha, Joana, nacional dos Estados Unidos, fruto de
um casamento com uma portuguesa.

Em 1999, Martin resolveu excluir a sua filha da sua herança. Como o Direito do Luisiana não o permitia,
adquire a nacionalidade do Reino Unido. Por testamento celebrado em Londres, no mesmo ano, Martin deixou
todos os seus bens a um hospital londrino.

À data da sua morte, Martin era proprietário de dois imóveis, um situado no Paraguai e outro no Reino
Unido.

Poucos meses antes do falecimento de seu pai e tendo conhecimento do conteúdo do testamento, Joana
adquire a nacionalidade portuguesa, através da declaração prevista no art. 1.º, al. c), da Lei n.º 37/81 de 3 de
Outubro. Mantém, no entanto, a nacionalidade norte-americana. Joana reclama, agora, perante os tribunais
portugueses, o reconhecimento da sua qualidade de herdeira legitimária e a consequente redução por
inoficiosidade da referida deixa testamentária. Admitindo que:

1.º O Direito de conflitos do Luisiana, do Reino Unido e da França sujeitam a sucessão imobiliária à lei
do lugar da respetiva situação. O Direito Internacional Privado argentino e paraguaio submetem a sucessão
à lei do último domicílio do autor da sucessão.

2.º Os tribunais da Luisiana, argentinos, paraguaios e franceses praticam a devolução simples. Os


tribunais do Reino Unido praticam a dupla devolução.

3.º À luz do direito material inglês a deixa testamentária é válida, mas não à face dos outros ordenamentos
jurídicos envolvidos.

4.º No Reino Unido e nos Estados Unidos vigora um ordenamento jurídico complexo e não existe direito
interlocal ou Direito Internacional Privado unificado.

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5.º Todos os ordenamentos jurídicos interessados consideram que Martin teve o seu último domicílio em
Nice.

Indique, fundamentando devidamente a resposta, se o tribunal português deve considerar procedente a


pretensão de Joana.

No caso em apreço, Joana vem pedir o reconhecimento da sua qualidade de herdeira legitimária e a consequente
redução por inoficiosidade da disposição testamentária feita por Martin.

Esta é uma questão relacionada com as sucessões, legítima e redução por inoficiosidade, bem como com a substância
das disposições testamentárias, já que está em causa determinar se deveria ou não ter sido garantida a legítima de Joana.
Por isso, é aplicável a norma de conflitos do Artigo 62.º do CC.

A consequência jurídica desta norma é a aplicação da lei pessoal do autor ao tempo do falecimento que, em articulação
com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC, nos diz que a lei pessoal é a lei da nacionalidade. O enunciado diz que a nacionalidade do
autor da sucessão ao tempo do falecimento era do Reino Unido. Ora, quando Martin resolveu excluir a sua filha da sua
herança, ele adquire a lei do Reino Unido. Como tal, temos de ponderar se esta aquisição da lei do Reino Unido se
consubstancia numa situação de fraude à lei. Assim sendo, Martin alterou a sua nacionalidade de propósito para excluir a
filha da herança, sendo que a lei do Luisiana (lei da sua nacionalidade) não o permitia.

A fraude à lei está prevista no Artigo 21.º do CC e consiste na constituição formalmente regular de uma situação de
facto ou de direito que serve de elemento de conexão a uma norma de conflitos, para evitar a aplicação da lei normalmente
competente e, assim, alcançar um resultado que esta lei não permite. É uma concretização irregular do elemento de conexão
e cuja sanção se vai basear no princípio da boa fé. Para se verificar uma situação de fraude à lei, é necessário o
preenchimento de requisitos:

Requisito subjetivo – intenção fraudatória: traduz-se na vontade de aplicação de uma lei diferente daquela que
seria normalmente competente para fugir às disposições imperativas dessa lei e obter um resultado que por ela
seria proibido (no caso, o único objetivo foi afastar a filha da sucessão);

Requisito objetivo – atividade fraudatória: manipulação com êxito do elemento de conexão relevante, que serve
de base à aplicação de certa lei. Neste caso, o elemento nacionalidade é relevante para a substância das sucessões,
isto é, trata-se do elemento de conexão relevante para o Artigo 62.º do CC.

Ora, preenchidos estes requisitos, verifica-se que há fraude à lei. A consequência será a irrelevância total da situação
criada artificialmente e a inaplicabilidade da lei por ela designada (lei do Reino Unido). Neste caso, é irrelevante ele ter
alterado a nacionalidade para o Reino Unido, não vamos considerar essa nacionalidade.

Assim sendo, no caso concreto, sancionamos a fraude à lei do foro (lei portuguesa) e a fraude à lei estrangeira, salvo
se a própria lei estrangeira não o sancionar (princípio da boa fé). Nada nos é dito sobre o Reino Unido sancionar ou não
esta fraude à lei, logo presumimos que sim e consideramos irrelevante esta nacionalidade.

Porém, Martin tem nacionalidade dos EUA e da Argentina e, como tal, temos aqui um problema de dupla nacionalidade
(conflito positivo de nacionalidades).

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Com efeito, o elemento de conexão desta norma de conflitos é a nacionalidade. A interpretação deste elemento de
conexão é feita de acordo com a lei do foro. Assim, para efeitos do Artigo 62.º do CC, a nacionalidade é o vínculo jurídico-
político que liga um indivíduo a um Estado soberano.

A concretização desse elemento de conexão é feita de acordo com a lex causae, isto é, é à lei do Estado cuja
nacionalidade está em causa que compete decidir quem são os seus nacionais (lei da Argentina ou dos EUA). Esta ideia
tem subjacente o princípio da liberdade dos Estados na fixação dos seus nacionais. Deste princípio geral resulta
necessariamente o princípio da unilateralidade ou insusceptibilidade de bilateralização das regras de direito da
nacionalidade de cada Estado.

Para interpretar se um indivíduo tem nacionalidade de um Estado tem de se interrogar as normas desse Estado com
base na harmonia de julgados, pois apenas assim é possível que os tribunais dos vários Estados que adotam a conexão da
nacionalidade não cheguem a resultados diferentes, e por outro lado, com base na soberania dos Estados que está
consagrada no Artigo 3.º, n.º 1, da Convenção Europeia sobre o Direito da Nacionalidade de 1957.

Porém, esta liberdade de os Estados fixarem os seus nacionais tem um limite, nomeadamente o princípio da efetividade
ou da nacionalidade efetiva, isto é, para que a nacionalidade de um Estado possa ser oposta a outro Estado, deve
corresponder a um vínculo real e efetivo entre a pessoa em questão e o Estado que a tem por nacional.

Como é cada Estado a quem compete definir quem são os seus nacionais, nós não temos de nos pronunciar sobre o
facto de a Argentina e os EUA terem atribuído a nacionalidade a Alan (presumimos que foram cumpridos os pressupostos
para a atribuição).

No entanto, estamos perante um concurso de nacionalidades ou um conflito positivo de nacionalidades (problema de


dupla nacionalidade – duas leis consideram-se competentes para resolver o problema). Por conseguinte, temos de recorrer
ao Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade que dá prevalência à nacionalidade efetiva segundo o critério de jurisprudência de
Nottebohm:

1 - Verificar se o plurinacional tem residência habitual num dos Estados que o tem por nacional: vai prevalecer a
nacionalidade desse Estado, porque se considera que este representa o vínculo nacional e estreito. No caso, Martin
não tem residência habitual em nenhum desses Estados;

2 - Tendo em conta que Martin não tem residência habitual em nenhum desses Estados, vai-se atender à nacionalidade
do Estado com o qual Martin tenha um vínculo mais estreito. No enunciado verificamos que ele nasceu e residiu
muito tempo nos EUA e, como tal, parece que seja com este o vínculo mais estreito.

Assim, à luz do Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade vamos atribuir primazia à lei dos Estados Unidos.

Porém, os Estados Unidos são um ordenamento plurilegislativo de base territorial, pois são constituídos por várias
ordens jurídicas aplicáveis a diferentes parcelas do território. Logo, coloca-se a questão de saber qual a ordem jurídica
local que se vai aplicar concretamente ao caso.

Destarte, o Artigo 20.º do CC resolve esta questão desde que a remissão para o ordenamento plurilegislativo seja feita
para a lei da nacionalidade em matéria de estatuto pessoal (o que se verifica, dado que a remissão para os EUA foi feita a
título de lei da nacionalidade em matéria de estatuto pessoal – sucessões).

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Em primeiro lugar, de acordo com o Artigo 20.º, n.º 1, do CC devemos recorrer ao direito interlocal unificado do
ordenamento jurídico plurilegislativo, ou seja, às normas que regulam o conflito de lei no direito interno, ou então à situação
idêntica que resulta dos vários sistemas locais. Esta é a solução mais direta e rápida e dá oportunidade ao ordenamento
plurilegislativo para resolver a situação de acordo com a harmonia de julgados. Contudo, não existe no caso este direito
interlocal unificado.

Assim, o Artigo 20.º, n.º 2, do CC manda aplicar o DIP unificado do ordenamento plurilegislativo ou a mesma solução
consagrada por todos os sistemas de DIP do ordenamento plurilegislativo (no caso, também não existe).

Ora, a 2.ª parte do Artigo 20.º, n.º 2, do CC diz-nos que temos de procurar a solução de acordo com a lei da residência
habitual do interessado. Contudo, há aqui uma divergência doutrinal: se esta tem de se situar dentro do ordenamento
plurilegislativo ou se esta se aplica independentemente de onde quer que a lei da residência habitual se situe (dentro ou
fora do ordenamento).

De acordo com A. FERRER CORREIA e BATISTA MACHADO, deve fazer-se uma interpretação literal do artigo,
logo devemos aplicar a lei da residência habitual do interessado onde quer que esta se situe, pois, para os autores, esta é
uma solução que corresponde à intenção do legislador nos trabalhos preparatórios e que, como a lei da nacionalidade se
mostrou incompetente para resolver um problema que ela própria gerou, tudo se vai passar como se o indivíduo não tivesse
nacionalidade ou fosse impossível averiguar a sua nacionalidade, dando assim primazia à lei da residência habitual.

Segundo a Professora ISABEL MAGALHÃES COLAÇO, só admite a aplicação da residência habitual quando esta
se situe dentro do ordenamento plurilegislativo. Segundo esta, deve fazer-se uma interpretação restritiva desta norma
baseada no facto de em DIP, em matéria de estatuto pessoal, existir uma preponderância, primazia da conexão
nacionalidade em detrimento da residência habitual. Esta é a posição seguida pela disciplina. Deve ser feita uma
interpretação teleológica deste artigo. No caso, a residência habitual situava-se fora dos EUA.

Portanto, seguindo esta segunda posição, quando a residência habitual se situa fora do ordenamento plurilegislativo,
temos uma lacuna oculta que nos leva a ter de considerar, na falta de caso análogo, o espírito do sistema, ou seja, vamos
recorrer à norma que o intérprete criaria se tivesse que legislar dentro do espírito do sistema. Espírito do sistema esse que,
em matéria de estatuto pessoal, determina, e para salvaguardar as legítimas expetativas dos interessados, a aplicação da
ordem jurídica local com a qual o interessado tem uma ligação mais estreita.

O que significa que, neste caso, Martin não residia nos EUA, dado que a sua residência habitual era em França (fora
do ordenamento). Logo, não aplicamos a lei francesa. Como tal, tem de aplicar-se a lei da ordem jurídica local dentro dos
EUA com a qual Martin tem uma ligação mais estreita – lei do Luisiana. Assim, a L2 não é a lei dos EUA, mas sim a Lei
do Luisiana.

L1 L2
Artigo 62.º do CC Lei do Luisiana

Artigo 31.º, n.º 1, do CC Lei da Nacionalidade

Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade


Artigo 20.º do CC

Posto isto, temos de olhar para o DIP do Luisiana (chamado a título de nacionalidade) para ver o que aplica em matéria
de substância de sucessões.

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As normas de conflitos do Luisiana remetem para o lugar da situação da coisa. Ora, tal obriga-nos a analisar a situação
do imóvel que se situa no Paraguai e o imóvel que se situa no Reino Unido.

Analisemos, em 1.º lugar, o imóvel situado no Paraguai.

O DIP do Paraguai não se considera competente e remete para a lei do último domicílio, isto é, para a lei francesa
(L4). Segundo as normas de conflitos da lei francesa é competente a lei do lugar da situação do imóvel, logo L4 remete
para L3.

L1 L2 L3 L4
Artigo 62.º do CC Lei do Luisiana Lei do Paraguai Lei da França
Artigo 31.º, n.º 1, do CC Lei da Nacionalidade Lei da situação do imóvel Lei do último domicílio
no momento da morte
Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade
Artigo 20.º do CC

Posto isto, estamos perante um caso de reenvio, isto é, um conflito negativo de sistemas que resulta do facto das várias
leis envolvidas no sistema para resolver a questão da substância das sucessões adotarem elementos de conexão distintos,
pelo que nenhuma delas se considera competente para resolver a questão: Portugal → Luisiana → Paraguai → França →
Paraguai.

Para chegar à resolução deste problema é necessário analisar as teorias do reenvio. A questão que se coloca é: como é
que os nossos tribunais devem encarar a posição da lei estrangeira de não querer resolver a questão e, mais concretamente,
quando uma norma de conflitos remete para uma lei estrangeira se abrange apenas as normas materiais ou também as
normas de conflitos. A resposta a estas perguntas varia consoante o ordenamento jurídico em causa, consoante este seja
mais ou menos afeto ao reenvio, segundo uma das teorias: a teoria da referência material, a teoria da referência global
(teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução) ou a teoria mista.

A teoria da referência material é absolutamente contra o reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro
remete para uma lei estrangeira, remete apenas para as normas materiais dessa lei, ignorando as normas de conflitos e
normas auxiliares. Esta teoria é a única compatível com a vontade das partes quando exista autonomia da vontade das
partes. É obvia nas situações em que a norma de conflitos manda aplicar a lei que tenha uma conexão mais estreita e facilita
a resolução dos litígios internacionais, já que não implica o contacto com normas de conflitos estrangeiras.

A teoria da referência global é a favor do reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro remete para
uma lei estrangeira, está a fazer uma remissão em bloco (remete para a ordem jurídica completa), ou seja, abrange as
normas materiais, as normas de conflitos e de reenvio. A referência global permite obter harmonia de julgados entre a lei
do foro e as leis que estão envolvidas com aquela situação (apesar da diferença de elementos de conexão), o favor negotii
(aproveitamento do negócio que seria inválido pela lex causae) e a aplicação do direito do foro nas situações de retorno
(boa administração da justiça). Esta teoria traz igualmente problemas práticos, como nos casos de retorno, em que a
aceitação do reenvio pode conduzir a ciclos viciosos, ou nos casos de transmissão de competências (remetemos para a lex
causae, e este remete para outra lei que também não quer resolver e assim sucessivamente), em que se pode gerar o reenvio
ad eternum.

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Para suprir estes problemas, os Estados foram adotando variáveis da teoria da referência global, pelo que surgiram
duas modalidades: teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução.

No que concerne à teoria da devolução simples, esta considera que a referência feita pela lex causae a outra lei é uma
referência material, de modo a parar o reenvio. Poderíamos continuar a remeter para outras leis ad eternum, mas a
devolução simples arranjou um mecanismo para tornar o reenvio praticável. Para isso, o julgador aceita este 2.º reenvio,
mas para-o, considerando que a 2.ª referência é material. Esta teoria tem como principal argumento a uniformidade de
julgados ou harmonia jurídica internacional. No entanto, a devolução simples não funciona no sentido de gerar harmonia
de julgados quando todos os países põem em prática esta teoria.

No que diz respeito à teoria da dupla devolução (Foreign Court Theory), a referência da norma de conflitos do foro a
determinada lei estrangeira impõe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada
no Estado onde essa lei vigora. Como o próprio nome indica, o tribunal do Estado do foro deve julgar como julgam os
tribunais da lex causae, a lei que se considera competente, exatamente da mesma forma. Assim como na teoria da devolução
simples, a teoria da dupla devolução não funciona no caso de ambos os Estados em questão praticarem a dupla devolução.

Por existirem dificuldades nestas duas, o nosso legislador opta por adotar uma teoria mista. A regra no nosso sistema
é a referência material (Artigo 16.º do CC). Há Estados que adotam uma teoria mista (ordenamento jurídico português,
entre outros), que permite o reenvio apenas quando através dele se permite a harmonia de julgados ou a validação do
negócio (isto é uma exigência do princípio da confiança). É uma posição intermédia.

Todos estes praticam devolução simples:

L2 ao praticar devolução simples faz uma primeira referência global para as normas materiais e normas de conflito
de L3 (da lex causae designada como competente pela sua norma de conflitos) e vai ficcionar uma referência
material para L4 (que é a lei designada pela norma de conflitos de L3). Assim, L2 aplica o direito material de L4
à L2=L4;

L3 ao praticar devolução simples faz uma primeira referência global para as normas materiais e normas de
conflitos de L4 e vai ficcionar uma referência material para si própria. Assim, L3, indiretamente, considera-se
competente à L3=L3;

L4 ao praticar devolução simples faz uma primeira referência global para as normas materiais e normas de
conflitos de L3 e vai ficcionar uma referência material para si própria. Assim, L4 indiretamente, considera-se
competente à L4=L4.

Assim sendo, temos aqui uma transmissão de competências com inclusão de retorno. Para saber se se aplica o reenvio
é necessário analisar os requisitos do Artigo 17.º do CC.

Nos termos do n.º 1 do Artigo 17.º do CC aceitamos o reenvio se:

1 - O DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa aplicar outra legislação, sendo que esta remissão pode
ser direta ou indireta. Neste caso, o DIP de L2 remete para outra legislação (L4);

2 - E essa outra legislação tem que se considerar competente – é o caso (L4 aplica L4). Assim, a lei espanhola (L4)
considerou-se indiretamente competente por praticar devolução simples.

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Logo, por força do Artigo 17.º, n.º 1, do CC, tendo em conta que preenchidos os dois requisitos, aceitamos o reenvio
para atingir a harmonia de julgados e vamos aplicar a lei francesa.

No entanto, o reenvio pode ser paralisado por força do n.º 2 do Artigo 17.º do CC, mediante o preenchimento de certos
requisitos, em matérias de estatuto pessoal (como é o caso, pois as sucessões são uma das matérias que consta do Artigo
25.º do CC). Só aplicamos este n.º 2 se:

1 - A lei referida pela norma de conflitos portuguesa for chamada lei pessoal, lei da nacionalidade em matéria de
estatuto pessoal (L2 tem que ser chamada como lei da nacionalidade); foi o caso, dado que a lei do Luisiana foi
chamada como lei da nacionalidade;

2 - O interessado residir habitualmente em território português (no caso, não se verifica, pois Martin, aquele que faz
desencadear o elemento de conexão da norma de conflitos, residia até à data da sua morte em França) ou residir
habitualmente em país cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno da nacionalidade do
interessado para resolver a questão (no caso, não está preenchido, pois a lei da residência habitual – lei francesa
– considera-se indiretamente competente porque pratica devolução simples, isto é, era necessário que o direito
francês considerasse competente o Estado de Luisiana, o que não se verifica, dado que a França ao praticar
devolução simples, considera-se, indiretamente, competente a ela mesma).

Apesar de o primeiro requisito Artigo 17.º, n.º 2, do CC estar preenchido, o segundo não está e, sendo que estes são
cumulativos, mantém-se o reenvio. Assim, aplica-se a lei francesa, logo o testamento seria inválido e, por isso, Joana teria
direito à redução por inoficiosidade em relação ao imóvel situado no Paraguai.

Analisemos agora o imóvel situado no Reino Unido.

O Reino Unido é um ordenamento plurilegislativo de base territorial, mas é chamado a outro título que não o da lei da
nacionalidade, logo, considera-se que há uma referência direta e imediata para a ordem jurídica local e há que entender que
essa remissão é feita para um sistema local como um local autónomo e tratado para todos os efeitos como se fosse um país.
Ou seja, há uma remissão direta para o local onde está situado o bem imóvel, e é tratado como se fosse um país, uma ordem
jurídica diferente. Esta remissão, neste caso, é feita diretamente para o direito inglês (fala em Londres).

DD

L1 L2 L3
DS
Artigo 62.º do CC Lei do Luisiana Lei do Reino Unido
Inglaterra
Artigo 31.º, n.º 1, do CC Lei da Nacionalidade
Lei da situação do imóvel
Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade
Artigo 20.º do CC

Já tínhamos visto que a lei de Luisiana pratica devolução simples (L2 aplica L3) e que o Reino Unido pratica dupla
devolução (L3 pratica L3 – compromete-se a julgar a causa tal como julgam os tribunais da lei para que a sua norma de
conflitos remete, ou seja, tal e qual julgam os seus tribunais).

No entanto, estamos perante uma transmissão de competências com inclusão de retorno. Para saber se se aplica o
reenvio é necessário analisar os requisitos do Artigo 17.º do CC.

Nos termos do n.º 1 do Artigo 17.º do CC aceitamos o reenvio se:

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1 - O DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa aplicar outra legislação, sendo que esta remissão pode
ser direta ou indireta. Neste caso, o DIP de L2 remete para outra legislação (L3);

2 - E essa outra legislação tem que se considerar competente – é o caso, uma vez que a lei inglesa (L3) considerou-
se competente para resolver a questão.

Logo, por força do Artigo 17.º, n.º 1, do CC, tendo em conta que preenchidos os dois requisitos, aceitamos o reenvio
para atingir a harmonia de julgados e vamos aplicar a lei inglesa.

No entanto, o reenvio pode ser paralisado por força do n.º 2 do Artigo 17.º do CC, mediante o preenchimento de certos
requisitos, em matérias de estatuto pessoal (como é o caso, pois as sucessões são uma das matérias que consta do Artigo
25.º do CC). Só aplicamos este n.º 2 se:

1 - A lei referida pela norma de conflitos portuguesa for chamada lei pessoal, lei da nacionalidade em matéria de
estatuto pessoal (L2 tem que ser chamada como lei da nacionalidade); foi o caso, dado que a lei do Luisiana foi
chamada como lei da nacionalidade;

2 - O interessado residir habitualmente em território português (no caso, não se verifica, pois Martin, aquele que faz
desencadear o elemento de conexão da norma de conflitos, residia até à data da sua morte em França) ou residir
habitualmente em país cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno da nacionalidade do
interessado para resolver a questão. No caso, não está preenchido, pois a lei da residência habitual – lei francesa
– teria que considerar competente o Estado de Luisiana, o que não se verifica, dado que a França não consta do
esquema, basta olhar para a norma de conflitos. Ou seja, O DIP de França considera competente a lei do lugar da
situação da coisa e não a lei da nacionalidade, logo este requisito não se verifica.

Apesar de o primeiro requisito do Artigo 17.º, n.º 2, do CC estar preenchido, o segundo não está e, sendo que estes
são cumulativos, mantém-se o reenvio. Assim, aplica-se a lei inglesa, logo o testamento seria válido em relação ao imóvel
situado no Reino Unido e a Joana não teria direito à redução por inoficiosidade da referida deixa testamentária.

Deste modo, podemos chamar aqui a ROPI desde que se preencham os seus requisitos.

A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao reconhecimento
de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado da intervenção
da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções
ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 22.º do CC).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente; no caso, a lei londrina) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação
da norma de lei estrangeira competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira; no caso, procurar
na lei inglesa uma soluça e na falta de solução, aplica-se a lei portuguesa).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro. No caso, ao aplicar o direito inglês estaríamos a colocar em causa a legítima de um herdeiro legitimário,
impedindo também o direito à redução por inoficiosidade;

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2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro. No caso, Joana tem dupla nacionalidade, sendo uma
dessas nacionalidades a portuguesa. De acordo com o Artigo 27.º do CC, prevalece a nacionalidade portuguesa.
A Joana ao adquirir a nacionalidade portuguesa, exerce um direito que lhe é dado pela lei da nacionalidade (Artigo
1.º, n.º 1, al. c), da Lei da Nacionalidade) – aquisição originária da nacionalidade por efeito da vontade. Quando
num conflito positivo de nacionalidade uma das nacionalidades é portuguesa, é esta nacionalidade que prevalece.
Note-se que aqui não podemos falar de fraude à lei, porque a nacionalidade aqui não funciona como elemento de
conexão de uma norma de conflitos.

Em suma, em relação ao imóvel situado no Reino Unido, como coloca em causa a legítima da Joana, fazemos uso da
ROPI (Artigo 27.º do CC), logo a ROPI vai atuar para proteger uma herdeira legitimária de nacionalidade portuguesa.

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CASO PRÁTICO N.º 8

Em setembro de 1998, Alexandre, estudante suíço de 19 anos, com residência habitual em Lisboa, depara
numa revista norte-americana, com um anúncio de comercialização de velas de windsurf pela sociedade Surf.
Inc., com sede estatutária nas Ilhas Virgens, cujo conselho de administração se reúne em San Diego, no Estado
norte-americano da Califórnia. A revista foi adquirida por Alexandre em Portugal, onde é distribuída uma
edição especial da mesma. Alexandre preenche imediatamente as condições gerais de contratação, que
constavam do anúncio, pagando imediatamente com cartão de crédito. Respeitando as condições gerais de
contratação, a Surf. Inc. enviou a vela no prazo de 15 dias.

Seis dias após a entrega da mercadoria, Alexandre arrepende-se da compra, comunicando à outra parte a
vontade de devolver a vela e recuperar o preço pago. Perante a recusa da Surf. Inc., propõe em Portugal uma
ação em que requereu a anulação do contrato com fundamento na sua incapacidade por menoridade e a
resolução do contrato com base na lei portuguesa que regula as vendas à distância, segundo a qual o
consumidor tem um prazo de catorze dias para resolver o contrato após a entrega da mercadoria.

Na contestação, a Surf. Inc. alega que Alexandre é maior à face da lei portuguesa que entende ser aplicável
ao caso e que as disposições da lei portuguesa, relativas às vendas à distância, não são aplicáveis ao caso,
uma vez que, nos termos das condições gerais de contratação subscritas por Alexandre, o contrato encontra-
se sujeito ao direito em vigor nas Ilhas Virgens, ou caso assim não se entenda, ao direito da Califórnia, mas
nunca ao direito português.

Analise, discutindo os argumentos aduzidos pelas partes, a procedência da pretensão de Alexandre, tendo
em conta que:

1.º Na Suíça a maioridade atinge-se aos 20 anos.

2.º Nos termos da norma de conflitos suíça, à capacidade de exercício é aplicável a lei do domicílio. O DIP
suíço consagra o sistema de referência material, mas aceita o retorno da lei estrangeira ao direito suíço em
matéria de estatuto pessoal.

3.º Nos EUA vigora um ordenamento plurilegislativo, não existindo direito interlocal nem DIP unificado.

4.º O direito do Estado da Califórnia reconhece o direito de arrependimento do consumidor nos contratos
celebrados à distância, nos mesmos termos que o direito português, mas não o direito das Ilhas Virgens.

No caso em apreço, Alexandre pede a anulação do contrato com base na sua incapacidade, por ser menor, assim como
a resolução do contrato com base na lei portuguesa relativa aos contratos à distância que permite o direito ao
arrependimento no prazo de 14 dias.

No que diz respeito à primeira pretensão (anulação do contrato com base na incapacidade por ser menor), estamos
perante uma matéria de estatuto pessoal, nomeadamente a capacidade negocial de exercício para celebrar o negócio do
tráfego de bens e serviços em questão. A matéria de estatuto pessoal está elencada no Artigo 25.º do CC, sendo estas
matérias estados, qualidades ou situações que, por afetarem a pessoa na totalidade da sua esfera jurídica ou num setor

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importante, o nosso legislador decidiu submeter essas matérias a uma legislação que é definida em função de tais estados,
qualidades ou situações (ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO).

Ora, essa legislação resulta da conjugação do Artigo 25.º do CC com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC. O Artigo 25.º do CC
não tem elemento de conexão, sendo que o elemento de conexão está no Artigo 31.º, n.º 1, do CC. Em regra, aplicamos a
lei da nacionalidade a estas matérias, que aprece enquanto lei pessoal das pessoas singulares.

Isto resulta do princípio da unidade e da estabilidade do estatuto pessoal, porque como estão em causa matérias que se
referem à identidade das pessoas, há o interesse de ver essas matérias reguladas por uma só lei, independentemente de onde
estas se encontrem. Como tal, está aqui subjacente uma conceção personalística do direito que coloca a dignidade da pessoa
humana na base de todo o direito (Artigo 1.º da CRP). O legislador considera que existe um conjunto de direitos que são
adquiridos no país de origem, no país da nacionalidade, e que devem ser reconhecidos às pessoas independentemente de
onde elas se encontrem. Este reconhecimento é feito, nomeadamente, através da aplicação da lei pessoal, da lei da
nacionalidade.

Isto posto, dado que o Artigo 25.º do CC é a regra, importa averiguar se há alguma norma de conflitos específica sobre
matérias de capacidade.

O presente caso aborda a capacidade para celebrar um contrato de consumo, ou seja, a capacidade de exercício. Como
não existe nenhuma norma especial que regule a capacidade em questão, aplicamos a regra geral do Artigo 25.º do CC,
que submete à lei pessoal dos sujeitos a regulação das matérias de estatuto pessoal, da capacidade, as relações de família e
as sucessões por morte.

Ora, este artigo, articulado com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC, considera competente para regular a capacidade a lei da
nacionalidade. No caso, a lei da nacionalidade de Alexandre é a lei suíça, pelo que o direito português (L1) remete para o
direito suíço (L2).

Porém, a lei suíça não se considera competente e remete a resolução da questão para a lei da residência habitual. No
caso, Alexandre tem residência habitual em Portugal. Assim, a lei suíça devolve a questão para a lei portuguesa. Logo, L2
não se considera competente e remete para L1.

L1 L2
Lei do foro Lei suíça
Artigo 25.º do CC Lei da Nacionalidade
Artigo 31.º, n.º 1, do CC

Posto isto, estamos perante um caso de reenvio, isto é, um conflito negativo de sistemas que resulta do facto das várias
leis envolvidas no sistema para resolver a questão da capacidade de exercício adotarem elementos de conexão distintos,
pelo que nenhuma delas se considera competente para resolver a questão: Portugal → Suíça → Portugal.

Para chegar à resolução deste problema é necessário analisar as teorias do reenvio. A questão que se coloca é: como é
que os nossos tribunais devem encarar a posição da lei estrangeira de não querer resolver a questão e, mais concretamente,
quando uma norma de conflitos remete para uma lei estrangeira se abrange apenas as normas materiais ou também as
normas de conflitos. A resposta a estas perguntas varia consoante o ordenamento jurídico em causa, consoante este seja

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mais ou menos afeto ao reenvio, segundo uma das teorias: a teoria da referência material, a teoria da referência global
(teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução) ou a teoria mista.

A teoria da referência material é absolutamente contra o reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro
remete para uma lei estrangeira, remete apenas para as normas materiais dessa lei, ignorando as normas de conflitos e
normas auxiliares. Esta teoria é a única compatível com a vontade das partes quando exista autonomia da vontade das
partes. É obvia nas situações em que a norma de conflitos manda aplicar a lei que tenha uma conexão mais estreita e facilita
a resolução dos litígios internacionais, já que não implica o contacto com normas de conflitos estrangeiras.

A teoria da referência global é a favor do reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro remete para
uma lei estrangeira, está a fazer uma remissão em bloco (remete para a ordem jurídica completa), ou seja, abrange as
normas materiais, as normas de conflitos e de reenvio. A referência global permite obter harmonia de julgados entre a lei
do foro e as leis que estão envolvidas com aquela situação (apesar da diferença de elementos de conexão), o favor negotii
(aproveitamento do negócio que seria inválido pela lex causae) e a aplicação do direito do foro nas situações de retorno
(boa administração da justiça). Esta teoria traz igualmente problemas práticos, como nos casos de retorno, em que a
aceitação do reenvio pode conduzir a ciclos viciosos, ou nos casos de transmissão de competências (remetemos para a lex
causae, e este remete para outra lei que também não quer resolver e assim sucessivamente), em que se pode gerar o reenvio
ad eternum.

Para suprir estes problemas, os Estados foram adotando variáveis da teoria da referência global, pelo que surgiram
duas modalidades: teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução.

No que concerne à teoria da devolução simples, esta considera que a referência feita pela lex causae a outra lei é uma
referência material, de modo a parar o reenvio. Poderíamos continuar a remeter para outras leis ad eternum, mas a
devolução simples arranjou um mecanismo para tornar o reenvio praticável. Para isso, o julgador aceita este 2.º reenvio,
mas para-o, considerando que a 2.ª referência é material. Esta teoria tem como principal argumento a uniformidade de
julgados ou harmonia jurídica internacional. No entanto, a devolução simples não funciona no sentido de gerar harmonia
de julgados quando todos os países põem em prática esta teoria.

No que diz respeito à teoria da dupla devolução (Foreign Court Theory), a referência da norma de conflitos do foro a
determinada lei estrangeira impõe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada
no Estado onde essa lei vigora. Como o próprio nome indica, o tribunal do Estado do foro deve julgar como julgam os
tribunais da lex causae, a lei que se considera competente, exatamente da mesma forma. Assim como na teoria da devolução
simples, a teoria da dupla devolução não funciona no caso de ambos os Estados em questão praticarem a dupla devolução.

Por existirem dificuldades nestas duas, o nosso legislador opta por adotar uma teoria mista. A regra no nosso sistema
é a referência material (Artigo 16.º do CC). Há Estados que adotam uma teoria mista (ordenamento jurídico português,
entre outros), que permite o reenvio apenas quando através dele se permite a harmonia de julgados ou a validação do
negócio (isto é uma exigência do princípio da confiança). É uma posição intermédia.

Com efeito, a lei suíça pratica devolução simples, o que significa que faz uma referência global às normas materiais e
às normas de conflitos de L1 e ficciona uma segunda referência material para si própria (L2). Ou seja, indiretamente a lei
suíça considera-se competente. Logo, L2 aplica L2.

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Encontrada a lei aplicável, é necessário agora olhar para a lei do foro e ver se o ordenamento jurídico português aceita
ou não o reenvio. Se há um caso de retorno à lei do foro, para aceitar o reenvio e qual a lei que L1 vai aplicar, é necessário
que estejam preenchidos os requisitos do Artigo 18.º, n.º 1, do CC:

1 - O DIP da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno português, ou seja , é necessário
que L2 devolva para o direito material português (direito interno).

No caso concreto, L2 ao praticar devolução simples, devolveu para o direito material suíço e não para o direito material
português, isto é, ela considerou-se indiretamente competente. Portanto, este requisito não está preenchido – não aceitamos
o reenvio. Esta é a posição que nós seguimos. Pelo contrário, BATISTA MACHADO considera que se aplica a lei do foro
sempre que há retorno para a lei do foro.

Como não está preenchido o Artigo 18.º, n.º 1, do CC, temos de recorrer à regra geral do Artigo 16.º do CC: considera-
se que a lei portuguesa ao designar a lei da nacionalidade (Suíça) faz uma referência material para o direito suíço e
aplicamos também o direito material suíço (L2), independentemente de se considerar competente. Alexandre não tinha
capacidade para celebrar o contrato, uma vez que a maioridade só se atinge, na suíça, aos 20 anos, tendo este apenas 19
anos. O contrato é inválido por incapacidade do comprador.

No entanto cabe-nos ainda verificar se há algum desvio à aplicação da lei pessoal, uma vez que queremos validar o
negócio jurídico, por se tratarem de matérias de estatuto pessoal, nomeadamente uma questão de capacidade. O que invalida
aqui o negócio jurídico é a falta de capacidade de Alexandre para celebrar este negócio; assim, podemos verificar se se
preenche algum dos desvios à aplicação da lei pessoal em favor de uma outra lei.

No caso, está em causa a capacidade negocial de exercício, portanto excluímos:

Artigo 31.º, n.º 2, do CC: desvio em relação a negócios jurídicos estritamente pessoais celebrados no estrangeiro,
a favor da lei da residência habitual. É um desvio quanto à aplicação da lei da nacionalidade como lei pessoal,
que visa tutelar a confiança do declarante na validade do negócio em matérias de estatuto pessoal, matérias que
exijam a capacidade negocial de gozo, quando é celebrado de acordo com a lei da residência habitual, no país da
residência habitual. No caso, não se aplica porque não está em causa um negócio pessoal (capacidade negocial de
gozo), mas do tráfego corrente de bens e serviços (capacidade negocial de exercício);

Artigo 47.º do CC: desvio quanto à capacidade para constituir ou dispor de direitos reais sobre imóveis, logo
também não se aplica, uma vez que não está em causa a constituição de direitos reais sobre imóveis;

Artigos 28.º do CC, 11.º da Convenção de Roma ou 13.º do Regulamento Roma I: desvio a favor da lei do lugar
da celebração (permite afastar a lei da nacionalidade em função da lei do lugar da celebração). Este tem subjacente
o princípio da confiança, isto é, pretende proteger a confiança da contraparte e ainda o comércio jurídico local.
No caso, aplica-se o Artigo 11.º da Convenção de Roma, uma vez que o contrato foi celebrado em 1998 (Artigo
17.º da Convenção de Roma cai no âmbito temporal deste diploma). Ora, este desvio tem como requisitos:

1 - Negócio inválido segundo a lei pessoal (incapaz) – o negócio é inválido segundo a lei da nacionalidade (no
caso, Alexandre não tinha capacidade);

2 - Desconhecimento do declaratário da incapacidade do declarante (Artigos 28.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC, 11.º da
Convenção de Roma e 13.º do Regulamento Roma I); no caso, podemos presumir que a empresa não tinha
como saber da incapacidade de Alexandre, nem o dever de saber;

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3 - Negócio jurídico celebrado entre pessoas que se encontram fisicamente no mesmo país, porque se permite
tutelar a aparência do negócio celebrado nesse país (Artigos 28.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC, 11.º, 1.ª parte, da
Convenção de Roma ou 13.º, n.º 1, 1.ª parte, do Regulamento Roma I); no caso, não está preenchido, dado
que o negócio foi celebrado entre pessoas que se encontram em países distintos (negócio entre ausentes);

4 - Negócio corrente do tráfego de bens e serviços. Estão excluídos os negócios familiares e sucessórios (Artigos
28.º, n.º 2, do CC e 1.º, n.º 2, al. b) da Convenção de Roma e do Regulamento Roma I) – é o caso;

5 - Negócio jurídico bilateral (Artigos 28.º, n.º 2, do CC e resulta do âmbito material da Convenção de Roma e
do Regulamento Roma I) – é o caso;

6 - Não pode estar em causa um negócio sobre a disposição de imóveis situados no estrangeiro (Artigo 28.º, n.º
1, in fine, do CC) à apenas para o Artigo 28.º do CC. Os Artigos 11.º da Convenção de Roma e 13.º do
Regulamento Roma I não têm esta restrição. Como tal, este requisito não tem aplicabilidade no caso.

O segundo requisito não está preenchido, e sendo requisitos cumulativos, não há aqui forma de validar o negócio
jurídico, mantendo a aplicação do direito suíço (Artigos 25.º, n.º 1, e 31.º, n.º 1, do CC), não se verificando qualquer desvio
à aplicação da lei pessoal. Sendo assim, Alexandre não tinha capacidade negocial de exercício para celebrar este contrato.
Logo, é procedente o argumento de Alexandre.

Em segundo lugar, vamos analisar a resolução do contrato com base na lei portuguesa relativa aos contratos à distância
que permite o direito ao arrependimento no prazo de 14 dias. Estamos perante uma questão e obrigações contratuais. Por
isso, para saber qual a lei aplicável ao contrato, nomeadamente as causas de extinção, temos de recorrer à Convenção de
Roma e ao Regulamento Roma I.

No que diz respeito ao âmbito material (Artigo 1.º da Convenção de Roma), é necessário que estejam em causa
obrigações contratuais que envolvam um conflito de leis, excluindo as matérias elencadas no Artigo 1.º, n.os 2 e 3, da
Convenção de Roma. Neste caso, estamos perante um contrato celebrado entre Alexandre e a sociedade Surf. Inc. (mais
concretamente, matéria de extinção de obrigações contratuais), que tem ligações com vários ordenamentos jurídicos,
nomeadamente com Portugal, EUA e Ilhas Virgens. Não cai nas matérias excluídas da Convenção de Roma e, como tal,
este âmbito está preenchido.

No que concerne ao âmbito espacial (Artigo 2.º da Convenção de Roma), a Convenção de Roma tem caráter universal,
isto é, a lei designada pelas normas de conflito é aplicável mesmo que seja a lei de um Estado que não seja um Estado-
Membro.

Relativamente ao âmbito temporal (Artigos 17.º da Convenção de Roma e 28.º do Regulamento Roma I), a
Convenção de Roma aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, isto é, 1 de setembro de 1994 (Artigo
17.º da Convenção de Roma). Antes desta data aplicamos as normas do Código Civil. Por sua vez, o Regulamento Roma
I só se aplica a contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009 (Artigo 28.º do Regulamento Roma I). Neste caso, o
contrato foi celebrado em 1998 e, como tal, aplica-se a Convenção de Roma.

A esta convenção estão subjacentes vários princípios fundamentais, nomeadamente o princípio da autonomia da
vontade, o princípio da proximidade, o princípio da proteção da parte mais fraca, o princípio do reconhecimento de efeitos
às normas de aplicação imediata de um Estado que não sendo o Estado da lei do contrato (lex contractus), ou sendo esteja
fora do seu âmbito de aplicação e, por fim, o princípio do reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

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Por sua vez, o Artigo 10.º da Convenção de Roma fala-nos do âmbito de aplicação da lei do contrato. Atendendo à
pretensão e aos factos que estão em causa, é necessário indicar o que é que a lei aplicável irá regular: a interpretação do
contrato, o cumprimento das obrigações, a extinção, a invalidade, etc. No nosso caso, o Artigo 10.º, al. d), da Convenção
de Roma constitui a lei do contrato (lex contractus) apurada nos termos das normas da Convenção de Roma que irá regular
as causas de extinção das obrigações.

Analisado o âmbito da lei aplicável, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que possa resolver
esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário resolvemos pela norma geral. Neste caso, há uma
parte, o consumidor, que se encontra numa posição de vulnerabilidade em relação à contraparte, o que motivou esta
pretensão.

No caso sub iudice, parece ser um contrato de consumo, logo há uma norma especial aplicável ao contrato de consumo
que visa a proteção da parte mais fraca (Artigo 5.º da Convenção de Roma). Esta norma visa a proteção do consumidor
enquanto parte mais fraca, pois é a parte que tem menos experiência no comércio internacional, e tem uma menor
organização (comparada com o comerciante). Porém, para a aplicação do n.º 1 têm de verificar-se certos requisitos para
que se possa aplicar este artigo:

1 - O contrato tem de ter por objeto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou serviços prestados a uma pessoa
(no caso, a vela é um bem móvel corpóreo);

2 - Para uma finalidade estranha à sua atividade profissional (no caso, a vela foi adquirida para fins pessoais/de lazer);

3 - Bem como os contratos destinados ao financiamento desse fornecimento.

Ora, o Alexandre atuou como consumidor para efeitos do Artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Roma, pois adquiriu uma
vela de windsurf para uma finalidade estranha à sua atividade profissional, logo verificam-se os requisitos.

O Artigo 5.º, n.º 2, da Convenção de Roma vem permitir a escolha de lei aplicável ao contrato (princípio da autonomia
da vontade).

No caso em apreço, houve escolha de lei, uma vez que as partes decidiram aplicar ao contrato a lei das Ilhas Virgens.
Isto posto, vamos analisar a validade dessa escolha – os requisitos do Artigo 3.º da Convenção de Roma:

1 - A escolha, em qualquer circunstância, só pode ser a escolha da lei de um Estado (não se pode escolher princípios).
Constitui um argumento literal que resulta no Artigo 1.º, n.º 1, 2.º e 3.º da Convenção de Roma. Neste caso,
escolha da lei das Ilhas Virgens;

2 - A lei escolhida pode ser aplicada a todo ou a parte do contrato. Neste caso, parece ser aplicada a todo o contrato;

3 - A escolha pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato, sendo que neste caso salvaguardam-se os
direitos de terceiros. Neste caso, foi anterior à celebração do contrato;

4 - A escolha pode ser expressa ou tácita. Neste caso, foi expressa;

5 - A escolha de lei não pode prejudicar, ou não afasta, a aplicação das disposições imperativas da lei do Estado com
a qual o contrato tem todas as suas ligações, no momento da celebração do mesmo (os elementos do contrato não
estão ligados a um único país, mas a vários).

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Assim sendo, a escolha de lei é válida, o que significa que de acordo com o direito das Ilhas Virgens não existe direito
ao arrependimento.

Porém, o Artigo 5.º, n.º 2, 2.ª parte, da Convenção de Roma estabelece uma limitação à escolha de lei: aplicam-se as
disposições imperativas da lei da residência habitual do consumidor que lhe sejam mais favoráveis comparativamente às
normas da lei escolhida para proteção da parte mais fraca (garantir o standard mínimo de proteção), sob certas condições:

1 - Quando previamente à celebração do contrato houve um convite a contratar dirigido ao país da residência habitual;
é o caso, porque houve um anúncio publicitário que consta de revista estrangeira com distribuição em Portugal;

2 - O consumidor tem de executar no país da residência habitual os atos necessários à celebração desse contrato; foi
o caso, porque Alexandre executou em Portugal os atos necessários à celebração do contrato (preencheu as
condições de contratação e efetuou o pagamento).

Por fim, a escolha de lei é válida, mas aplicam-se as disposições imperativas da lei da residência habitual do
consumidor que lhe sejam mais favoráveis. Assim sendo, preenchendo estes requisitos adicionais, estamos perante uma
situação em que vamos aplicar a lei da residência habitual do consumidor em detrimento da lei escolhida pelas partes para
proteger a parte mais fraca, Alexandre, visto que face ao direito das Ilhas Virgens não há a possibilidade de arrependimento
e aplicando a lei da residência habitual há a possibilidade do direito ao arrependimento. No caso, a lei da residência habitual
é a lei portuguesa que permite o direito ao arrependimento. Logo, aplica-se a lei da residência habitual. O argumento de
Alexandre é procedente.

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CASO PRÁTICO N.º 9

Alfredo e Beatriz, casados, de nacionalidade italiana, residentes habitualmente em Lisboa, desejam vender
a Cristina, sua filha, de nacionalidade portuguesa, residente em Faro, um imóvel situado nesta cidade, de que
são proprietários.

Para esse efeito, em 1993, deslocam-se os três a Roma, onde celebraram um contrato de compra e venda.

Daniel, também filho do casal, português e residente em Lisboa, que não deu o seu consentimento para a
venda, vem perante tribunais portugueses pedir a anulação do negócio nos termos do disposto no art. 877.º do
Código Civil, que considera aplicável ao caso por força do estabelecido nos artigos 21.º e 22.º do Código Civil.

Admitindo que:

1.º No contrato de compra e venda não houve designação expressa da lei aplicável.

2.º O Direito Internacional Privado italiano submete as relações entre pais e filhos à lei da nacionalidade
comum dos pais e as sucessões por morte à lei nacional do de cujos.

3.º O direito de conflitos italiano permite que as partes escolham a lei aplicável aos contratos e, no caso
da falta escolha, aplica, sucessivamente, a lei da residência habitual comum das partes e a lei do lugar da
celebração.

4.º A lei italiana não contém qualquer disposição semelhante à do art. 877.º do Código Civil português.

Diga, justificando a resposta, se deve ser considerada procedente a pretensão de Daniel.

No caso em apreço, a pretensão de Daniel é a anulação do negócio com base na aplicação do Artigo 877.º do CC que
considera aplicável e, além disso, invoca a fraude à lei e a ROPI (Artigos 21.º e 22.º do CC).

O Artigo 877.º do CC exige o consentimento de todos os filhos para a celebração deste negócio, o que efetivamente
não aconteceu. Ora, Alfredo, Beatriz e Cristina foram celebrar o contrato a Itália para afastar a regra do Artigo 877.º do
CC, daí a ponderação da existência de fraude à lei.

A fraude à lei está prevista no Artigo 21.º do CC e consiste na constituição formalmente regular de uma situação de
facto ou de direito que serve de elemento de conexão a uma norma de conflitos, para evitar a aplicação da lei normalmente
competente e, assim, alcançar um resultado que esta lei não permite. É uma concretização irregular do elemento de conexão
e cuja sanção se vai basear no princípio da boa fé. Para se verificar uma situação de fraude à lei, é necessário o
preenchimento de requisitos:

Requisito subjetivo – intenção fraudatória: traduz-se na vontade de aplicação de uma lei diferente daquela que
seria normalmente competente para fugir às disposições imperativas dessa lei e obter um resultado que por ela
seria proibido (no caso, o único objetivo da deslocação a Roma foi celebrar um contrato que seria anulável em
Portugal em caso de ausência de consentimento de todos os filhos; porém, o lugar da celebração do contrato é o
país da nacionalidade dos pais);

Requisito objetivo – atividade fraudatória: manipulação com êxito do elemento de conexão relevante, que serve
de base à aplicação de certa lei. Neste caso, o elemento de conexão lugar de celebração não é um elemento de

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conexão relevante em matéria de estatuto pessoal (em negócios familiares e sucessórios); mesmo em matéria de
obrigações contratuais, o lugar da celebração apenas tem competência subsidiária.

Tendo em conta que não está preenchido o requisito objetivo, não há fraude à lei.

Ademais, temos ainda uma norma material que Daniel invoca ao pedir a anulação do negócio nos termos do disposto
no Artigo 877.º do CC. Ora, para a aplicação da norma é necessário proceder à qualificação da mesma.

Posto isto, a qualificação é uma operação prévia à aplicação de qualquer norma jurídica, com o objetivo de preencher
a previsão da norma, ou seja, subsumir os factos em normas, determinando uma consequência jurídica. Depois de
preenchida a previsão, pode-se aplicar a 2.ª parte da norma, ou seja, recorrer ao elemento de conexão e saber qual a ordem
jurídica aplicável ao caso. A qualificação é feita em qualquer área do Direito. Por outras palavras, a particularidade do
Direito Internacional Privado é que o que estamos a qualificar já são dados normativos (já foi concretizado numa norma)
e, além disso, são utilizadas categorias de relações jurídicas no conceito-quadro (a previsão da norma). Tal serve para, em
seguida, fazer funcionar a sua consequência jurídica, de maneira a saber qual é, em concreto, a ordem jurídica aplicável ao
caso.

Nesta situação, para saber se a ordem jurídica portuguesa é aplicável ao caso devemos sempre fazer uma referência
do sentido e alcance da referência feita pela norma de conflitos à lei designada. Ou seja, quando a normas de conflitos
remete para determinada lei temos de saber se remete para todas as normas materiais da lei designada ou só para algumas.
A referência aberta é quando a norma de conflitos remete para todas as normas materiais, enquanto que a referência seletiva
é quando a referência feita pelas normas de conflitos à lei designada apenas compreende as normas materiais que, pelo seu
conteúdo e função, vão integrar o conceito-quadro da norma de conflitos.

É esta última que o legislador português escolheu seguir, no Artigo 15.º do CC, já que só uma referência seletiva
permite salvaguardar os interesses que estão na base do elemento de conexão.

A operação de qualificação tem três momentos, nomeadamente a interpretação do conceito-quadro, a caracterização


do objeto da qualificação e a qualificação em sentido restrito.

No que se refere à interpretação do conceito-quadro designativo do objeto de qualificação (1.º momento), temos de
indicar as formas de interpretar o conceito-quadro. Este momento termina com a indicação das normas de conflitos
potencialmente aplicáveis. Não temos de indicar a norma que em concreto se aplica, mas as potencialmente aplicáveis. As
formas de interpretação são:

Interpretação meramente de acordo com o direito do foro (há desvantagens aqui): por um lado, restringe em
demasia o âmbito do conceito-quadro, pois nega a aplicação em Portugal de institutos jurídicos estrangeiros
desconhecidos ao nosso direito material ou com conteúdo diferente, ainda que visem finalidades sociais idênticas.
Por outro lado, ao fazer esta interpretação põe-se em causa a confiança nas situações plurilocalizadas;

Interpretação de acordo com o direito comparado (esta interpretação também não é adotada): não permite captar
o juízo de valor que está na base de toda a norma de conflitos, juízo esse que é responsável por recortar
devidamente o âmbito do conceito-quadro da norma de conflitos. Por outro lado, leva à impossibilidade de
encontrar conceitos únicos através do direito comparado;

Interpretação de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica (adotada no ordenamento jurídico
português): partimos da ideia de que o legislador que elaborou as normas de conflitos foi o mesmo que elaborou

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as normas materiais de direito interno. Por isso, vamos presumir que os conceitos utilizados pelas normas de
conflitos, em regra, exprimem os mesmos conteúdos jurídicos que estes conceitos exprimem do direito material
do Estado do foro. Logo, esta teoria vai buscar as duas outras teorias. Começamos por partir do direito material
do foro e, por isso, para interpretar, devemos partir do direito material do Estado do foro para delimitar o conceito-
quadro da norma de conflitos. Mas, não ficamos por aqui (1.ª teoria). Vamos aditar outros preceitos, institutos
jurídicos estrangeiros, que exerçam função análoga à função que compete às normas materiais do direito interno
que se integram no conceito-quadro daquela norma de conflitos. Nesta interpretação, há, por um lado, um grau de
autonomia na interpretação, pelo julgador, do conceito-quadro em relação às normas materiais do Estado do foro.
E, além desse grau de autonomia, fazemos também uma interpretação teleológica, em que se atende ao seu teor e
finalidade para delimitar o conceito-quadro que retira da norma geral (Artigos 9.º, 15.º e 64.º, al c), do CC).

No caso concreto, as normas de conflitos que podem ser chamadas a resolver potencialmente a questão são o Artigo
57.º do CC (trata as relações entre pais e filhos, excetuando a constituição da filiação), o Artigo 42.º, n.º 1, do CC
(substância das obrigações contratuais) e o Artigo 62.º do CC (substância das sucessões por morte e respetivos institutos).

No que respeita à caracterização do objeto da qualificação (2.º momento), esta trata-se de um dado normativo que, em
termos gerais, não é mais do que uma situação da vida corrente caracterizada à luz de uma ordem jurídica (é necessário
saber qual é a ratio da norma). No caso, o objeto da qualificação é o Artigo 877.º do CC.

De acordo com o Artigo 15.º do CC, as normas materiais caracterizam-se à luz da ordem jurídica a que pertencem.
Podemos caracterizar normas jurídicas, normas estrangeiras, mas à luz da ordem jurídica a que pertencem. Como tal, se a
norma pertencer à ordem jurídica portuguesa, vamos apurar a sua ratio de acordo com a ordem jurídica portuguesa.

A ratio do Artigo 877.º do CC proíbe a venda feita por pais/avós sem consentimento de filhos ou netos, que está
inserida no direito das obrigações. Ela estabelece uma proibição entre parentes para assegurar as relações harmoniosas
entre pais e filhos e a igualdade sucessória (entre filhos e netos), evitando-se simulações difíceis de prova em prejuízo da
legítima dos descendentes, o que terá consequências a nível do direito da família e do direito das sucessões.

Em relação à qualificação em sentido restrito ou subsunção das normas materiais no conceito-quadro de uma norma
de conflitos (3.º momento), tem de existir uma correspondência funcional entre as normas cuja aplicação está em causa e
o conceito-quadro da norma de conflitos.

Assim sendo, fazemos uma qualificação lege fori (a partir da lei do foro), com base numa caracterização lege causae
(lei aplicável, a que a norma material pertence). O julgador tem neste momento um grau de autonomia para aferir da
correspondência, isto é, ele não está limitado de forma restrita ao conceito-quadro, embora tenha de atender à finalidade,
ao teor da norma material e, de acordo com este conteúdo/função, averiguar em que conceito-quadro das normas de
conflitos potencialmente aplicáveis se enquadra, atendendo às noções jurídicas que integram esse conceito-quadro.

No caso concreto, pelo conteúdo e função que tem na ordem jurídica portuguesa (Artigo 15.º do CC), o Artigo 877.º
do CC é subsumível no Artigo 57.º do CC. Uma vez encontrada a norma de conflitos, temos de apurar se remete para a
ordem jurídica portuguesa de forma a se aplicar o Artigo 877.º do CC.

Assim, tendo em conta o Artigo 57.º do CC alicerçado no Artigo 31.º, n.º 1, do CC, submetemos a relação entre pais
e filhos à lei da nacionalidade comum dos pais – lei italiana. A Itália considera-se competente, uma vez que adota o mesmo
elemento de conexão da lei que a designou, isto é, submete também estas relações à lei da nacionalidade comum.

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L1 L2
Lei do foro Lei italiana

Artigo 57.º do CC Lei da Nacionalidade


Artigo 31.º, n.º 1, do CC L2 = L2

L1 = L2

Assim, a lei italiana é competente e não prevê o consentimento como o Artigo 877.º do CC. Logo, o negócio é válido.

Se fossemos pela interpretação da alínea b) aplicamos o Artigo 62.º do CC com o apoio do Artigo 31.º, n.º 1, do CC
(lei do autor ao tempo do falecimento – lei da nacionalidade). A Itália, mais uma vez, considera-se competente e
chegaríamos à mesma conclusão – não é necessário o consentimento de Daniel.

Por fim, temos de falar da ROPI, que se trata de um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao
reconhecimento de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado
da intervenção da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou
com conceções ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 22.º do CC).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente; no caso, a lei portuguesa) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação
da norma de lei estrangeira competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro; a ROPI só atua quando a aplicação de uma lei estrangeira ofenda princípios ético-jurídicos fundamentais
do foro; no caso, a venda não foi celebrada de forma justa;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro; no caso, Daniel é português, com residência habitual
em Portugal, e o imóvel também se encontra situado em Portugal.

Por fim, ambos os requisitos estão preenchidos. Assim, justifica-se que se aplique a ROPI.

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CASO PRÁTICO N.º 10

Yvon, francês, pintor reconhecido, viveu em Nice até 2004, data em que decidiu mudar a sua residência
para Portugal, seduzido pelo clima ameno do país, mas também por uma carga fiscal mais baixa, que tornava
o custo de vida em Portugal mais fácil de suportar. Yvon instalou-se em Vilamoura em 2004, onde passou a
residir até falecer em dezembro de 2009.

Em 2006, durante um cruzeiro a bordo de um navio de pavilhão português, matriculado em Lisboa, fez um
testamento hológrafo, pelo qual deixou todos os seus bens ao Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. A
herança de Yvon era constituída por um imóvel, sito em Londres, e por várias pinturas expostas em galerias de
arte em Paris, Londres e Lisboa.

Martin, de nacionalidade do Reino Unido e espanhola, há longo tempo incompatibilizado com o pai,
nascido e residente em Londres, vem, perante os tribunais portugueses, reclamar a atribuição de toda a
herança, por invalidade formal do testamento, que não respeitou o disposto no art. 2204.º do CC português.
Sem prescindir, invocando os artigos 2156.º, 2157.º e 2162.º do CC português, pede que lhe seja garantida a
legítima, a que tem direito, também, segundo as leis espanhola e francesa, invocando ainda, em abono das suas
pretensões os artigos 21.º e 22.º do CC português.

Admitindo que:

1.º Tanto o DIP francês como o DIP inglês regulam a sucessão mobiliária pela lei do último domicílio do
de cujos e a sucessão imobiliária pela lex rei sitae;

2.º Tanto o DIP francês como o DIP inglês regulam a validade formal do testamento pela lei do lugar da
celebração;

3.º Yves tinha domicílio em Portugal na altura do seu falecimento, segundo todos os direitos em causa;

4.º Os direitos francês e espanhol reconhecem a figura da legítima, ao passo que o direito inglês admite a
plena liberdade de testar;

5.º O art. 970.º do CC francês admite o testamento hológrafo, assim como o direito inglês.

6.º Os tribunais franceses praticam a devolução simples e os tribunais ingleses adotam a dupla devolução;

7.º O direito francês dá relevância autónoma à figura da fraude à lei, ao passo que o DIP inglês só a admite
se houver ofensa à ordem pública internacional.

Diga, fundamentando devidamente a resposta, se as pretensões de Martin devem proceder.

No caso em apreço, Martin vem reclamar a atribuição de toda a herança alegando a questão da invalidade formal do
testamento por não respeitar o Artigo 2204.º do CC e pede também que lhe seja garantida a legítima, por força dos Artigos
2156.º, 2157.º e 2162.º do CC.

Para a aplicação da norma é necessário proceder à qualificação da mesma, mas temos um problema prévio para resolver
(Artigo 21.º do CC).

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Assim sendo, temos de analisar previamente a questão da fraude à lei que também foi invocada, visto ter havido uma
alteração do conteúdo concreto do elemento de conexão. No caso, Yvon residiu toda a sua vida em França e a partir de
2004, seduzido pelo clima ameno do país, mas também por uma carga fiscal mais baixa, que tornava o custo de vida em
Portugal mais fácil de suportar, vem residir para Portugal – há alteração do elemento de conexão residência habitual.

A residência habitual é um elemento de conexão móvel e, como tal, estamos perante um conflito móvel (alteração do
conteúdo concreto do elemento de conexão, do qual resulta uma sucessão de leis aplicáveis; entende-se que a lei
correspondente à nova concretização do elemento de conexão não se aplica aos factos constitutivos, modificativos ou
extintivos da situação jurídica já verificada ao tempo da mudança do conteúdo concreto deste elemento de conexão).

A fraude à lei está prevista no Artigo 21.º do CC e consiste na constituição formalmente regular de uma situação de
facto ou de direito que serve de elemento de conexão a uma norma de conflitos, para evitar a aplicação da lei normalmente
competente e, assim, alcançar um resultado que esta lei não permite. É uma concretização irregular do elemento de conexão
e cuja sanção se vai basear no princípio da boa fé. Para se verificar uma situação de fraude à lei, é necessário o
preenchimento de requisitos:

Requisito subjetivo – intenção fraudatória: traduz-se na vontade de aplicação de uma lei diferente daquela que
seria normalmente competente para fugir às disposições imperativas dessa lei e obter um resultado que por ela
seria proibido (no caso, a fraude à lei com intuitos fiscais não releva para efeitos de DIP; o objetivo da mudança
da residência habitual não foi evitar a lei francesa, nem de nenhuma lei, apenas alterou a residência habitual para
fins de lazer/fiscais);

Requisito objetivo – atividade fraudatória: manipulação com êxito do elemento de conexão relevante, que serve
de base à aplicação de certa lei. Neste caso, não há nenhuma lei que ele pretendeu aplicar com a mudança da
residência habitual, logo não há elemento de conexão.

Logo, não há fraude à lei.

Em relação à primeira pretensão (invalidade do testamento com base no Artigo 2204.º do CC), para saber se esta norma
é aplicável ao caso temos de a qualificar.

Nesta situação, para saber se a ordem jurídica portuguesa é aplicável ao caso devemos sempre fazer uma referência
do sentido e alcance da referência feita pela norma de conflitos à lei designada. Ou seja, quando a normas de conflitos
remete para determinada lei temos de saber se remete para todas as normas materiais da lei designada ou só para algumas.
A referência aberta é quando a norma de conflitos remete para todas as normas materiais, enquanto que a referência seletiva
é quando a referência feita pelas normas de conflitos à lei designada apenas compreende as normas materiais que, pelo seu
conteúdo e função, vão integrar o conceito-quadro da norma de conflitos.

É esta última que o legislador português escolheu seguir, no Artigo 15.º do CC, já que só uma referência seletiva
permite salvaguardar os interesses que estão na base do elemento de conexão.

A operação de qualificação tem três momentos, nomeadamente a interpretação do conceito-quadro, a caracterização


do objeto da qualificação e a qualificação em sentido restrito.

No que se refere à interpretação do conceito-quadro designativo do objeto de qualificação (1.º momento), temos de
indicar as formas de interpretar o conceito-quadro. Este momento termina com a indicação das normas de conflitos

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potencialmente aplicáveis. Não temos de indicar a norma que em concreto se aplica, mas as potencialmente aplicáveis. As
formas de interpretação são:

Interpretação meramente de acordo com o direito do foro (há desvantagens aqui): por um lado, restringe em
demasia o âmbito do conceito-quadro, pois nega a aplicação em Portugal de institutos jurídicos estrangeiros
desconhecidos ao nosso direito material ou com conteúdo diferente, ainda que visem finalidades sociais idênticas.
Por outro lado, ao fazer esta interpretação põe-se em causa a confiança nas situações plurilocalizadas;

Interpretação de acordo com o direito comparado (esta interpretação também não é adotada): não permite captar
o juízo de valor que está na base de toda a norma de conflitos, juízo esse que é responsável por recortar
devidamente o âmbito do conceito-quadro da norma de conflitos. Por outro lado, leva à impossibilidade de
encontrar conceitos únicos através do direito comparado;

Interpretação de acordo com o princípio da unidade da ordem jurídica (adotada no ordenamento jurídico
português): partimos da ideia de que o legislador que elaborou as normas de conflitos foi o mesmo que elaborou
as normas materiais de direito interno. Por isso, vamos presumir que os conceitos utilizados pelas normas de
conflitos, em regra, exprimem os mesmos conteúdos jurídicos que estes conceitos exprimem do direito material
do Estado do foro. Logo, esta teoria vai buscar as duas outras teorias. Começamos por partir do direito material
do foro e, por isso, para interpretar, devemos partir do direito material do Estado do foro para delimitar o conceito-
quadro da norma de conflitos. Mas, não ficamos por aqui (1.ª teoria). Vamos aditar outros preceitos, institutos
jurídicos estrangeiros, que exerçam função análoga à função que compete às normas materiais do direito interno
que se integram no conceito-quadro daquela norma de conflitos. Nesta interpretação, há, por um lado, um grau de
autonomia na interpretação, pelo julgador, do conceito-quadro em relação às normas materiais do Estado do foro.
E, além desse grau de autonomia, fazemos também uma interpretação teleológica, em que se atende ao seu teor e
finalidade para delimitar o conceito-quadro que retira da norma geral (Artigos 9.º, 15.º e 64.º, al c), do CC).

No caso concreto, as normas de conflitos que podem ser chamadas a resolver potencialmente a questão são o Artigo
65.º do CC (forma do testamento e outras disposições por morte), o Artigo 36.º do CC (forma da declaração negocial) e o
Artigo 62.º do CC (substância das sucessões por morte e respetivos institutos).

No que respeita à caracterização do objeto da qualificação (2.º momento), esta trata-se de um dado normativo que, em
termos gerais, não é mais do que uma situação da vida corrente caracterizada à luz de uma ordem jurídica (é necessário
saber qual é a ratio da norma). No caso, o objeto da qualificação é o Artigo 2204.º do CC.

De acordo com o Artigo 15.º do CC, as normas materiais caracterizam-se à luz da ordem jurídica a que pertencem.
Podemos caracterizar normas jurídicas, normas estrangeiras, mas à luz da ordem jurídica a que pertencem. Como tal, se a
norma pertencer à ordem jurídica portuguesa, vamos apurar a sua ratio de acordo com a ordem jurídica portuguesa.

A ratio do Artigo 2204.º do CC impõe uma forma pública para a celebração do testamento. Assim, há a necessidade
de existir um controlo por parte de uma autoridade pública que possa garantir que a vontade do testador fique fielmente
vertida no testamento, daí o estabelecimento de forma.

Em relação à qualificação em sentido restrito ou subsunção das normas materiais no conceito-quadro de uma norma
de conflitos (3.º momento), tem de existir uma correspondência funcional entre as normas cuja aplicação está em causa e
o conceito-quadro da norma de conflitos.

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Assim sendo, fazemos uma qualificação lege fori (a partir da lei do foro), com base numa caracterização lege causae
(lei aplicável, a que a norma material pertence). O julgador tem neste momento um grau de autonomia para aferir da
correspondência, isto é, ele não está limitado de forma restrita ao conceito-quadro, embora tenha de atender à finalidade,
ao teor da norma material e, de acordo com este conteúdo/função, averiguar em que conceito-quadro das normas de
conflitos potencialmente aplicáveis se enquadra, atendendo às noções jurídicas que integram esse conceito-quadro.

Atendendo ao conteúdo e função desta norma material na ordem jurídica portuguesa, nós vamos subsumir o Artigo
2204.º do CC no Artigo 65.º do CC, uma vez que o Artigo 2204.º do CC pelo seu conteúdo e função que tem na ordem
jurídica portuguesa (Artigo 15.º do CC) é subsumível no conceito-quadro do Artigo 65.º do CC. Isto é, há a tal
correspondência funcional entre a norma material em causa e o conceito-quadro da norma de conflito do Artigo 65.º do
CC. Este contém um conjunto de conexões que têm como finalidade assegurar a validade no negócio jurídico, testamento,
e que são conexões contrárias ao reenvio (o Artigo 65.º do CC é um desvio autónomo).

Por sua vez, uma das conexões do Artigo 65.º do CC é o lugar da celebração. O testamento foi celebrado a bordo de
um navio, que é permitido pelo Artigo 2214.º do CC – remete para o Artigo 24.º do CC (lei do lugar da matrícula) –, com
matrícula portuguesa. Portanto, considera-se que o testamento foi celebrado em Portugal. Assim, ao remeter para ela
mesma (lei do foro), o testamento seria inválido por ter sido celebrado ao abrigo da lei portuguesa, que exige forma pública.

Por outro lado, outro elemento de conexão do Artigo 65.º do CC é a lei pessoal (nacionalidade – Artigos 65.º e 31.º,
n.º 1, do CC à lei francesa). Isto posto, é chamada a lei francesa (lei da nacionalidade), que não se considera competente
e remete em matéria da forma do testamento para a lei do lugar da celebração (Portugal). Assim, L2 (lei francesa) devolve
para L1 (lei portuguesa).

Posto isto, estamos perante um caso de reenvio, isto é, um conflito negativo de sistemas que resulta do facto das várias
leis envolvidas no sistema para resolver a questão da capacidade de exercício adotarem elementos de conexão distintos,
pelo que nenhuma delas se considera competente para resolver a questão: Portugal → França → Portugal.

Para chegar à resolução deste problema é necessário analisar as teorias do reenvio. A questão que se coloca é: como é
que os nossos tribunais devem encarar a posição da lei estrangeira de não querer resolver a questão e, mais concretamente,
quando uma norma de conflitos remete para uma lei estrangeira se abrange apenas as normas materiais ou também as
normas de conflitos. A resposta a estas perguntas varia consoante o ordenamento jurídico em causa, consoante este seja
mais ou menos afeto ao reenvio, segundo uma das teorias: a teoria da referência material, a teoria da referência global
(teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução) ou a teoria mista.

A teoria da referência material é absolutamente contra o reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro
remete para uma lei estrangeira, remete apenas para as normas materiais dessa lei, ignorando as normas de conflitos e
normas auxiliares. Esta teoria é a única compatível com a vontade das partes quando exista autonomia da vontade das
partes. É obvia nas situações em que a norma de conflitos manda aplicar a lei que tenha uma conexão mais estreita e facilita
a resolução dos litígios internacionais, já que não implica o contacto com normas de conflitos estrangeiras.

A teoria da referência global é a favor do reenvio e considera que quando a norma de conflitos do foro remete para
uma lei estrangeira, está a fazer uma remissão em bloco (remete para a ordem jurídica completa), ou seja, abrange as
normas materiais, as normas de conflitos e de reenvio. A referência global permite obter harmonia de julgados entre a lei
do foro e as leis que estão envolvidas com aquela situação (apesar da diferença de elementos de conexão), o favor negotii
(aproveitamento do negócio que seria inválido pela lex causae) e a aplicação do direito do foro nas situações de retorno

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(boa administração da justiça). Esta teoria traz igualmente problemas práticos, como nos casos de retorno, em que a
aceitação do reenvio pode conduzir a ciclos viciosos, ou nos casos de transmissão de competências (remetemos para a lex
causae, e este remete para outra lei que também não quer resolver e assim sucessivamente), em que se pode gerar o reenvio
ad eternum.

Para suprir estes problemas, os Estados foram adotando variáveis da teoria da referência global, pelo que surgiram
duas modalidades: teoria da devolução simples e teoria da dupla devolução.

No que concerne à teoria da devolução simples, esta considera que a referência feita pela lex causae a outra lei é uma
referência material, de modo a parar o reenvio. Poderíamos continuar a remeter para outras leis ad eternum, mas a
devolução simples arranjou um mecanismo para tornar o reenvio praticável. Para isso, o julgador aceita este 2.º reenvio,
mas para-o, considerando que a 2.ª referência é material. Esta teoria tem como principal argumento a uniformidade de
julgados ou harmonia jurídica internacional. No entanto, a devolução simples não funciona no sentido de gerar harmonia
de julgados quando todos os países põem em prática esta teoria.

No que diz respeito à teoria da dupla devolução (Foreign Court Theory), a referência da norma de conflitos do foro a
determinada lei estrangeira impõe aos tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada
no Estado onde essa lei vigora. Como o próprio nome indica, o tribunal do Estado do foro deve julgar como julgam os
tribunais da lex causae, a lei que se considera competente, exatamente da mesma forma. Assim como na teoria da devolução
simples, a teoria da dupla devolução não funciona no caso de ambos os Estados em questão praticarem a dupla devolução.

Por existirem dificuldades nestas duas, o nosso legislador opta por adotar uma teoria mista. A regra no nosso sistema
é a referência material (Artigo 16.º do CC). Há Estados que adotam uma teoria mista (ordenamento jurídico português,
entre outros), que permite o reenvio apenas quando através dele se permite a harmonia de julgados ou a validação do
negócio (isto é uma exigência do princípio da confiança). É uma posição intermédia.

No caso concreto, L2 pratica devolução simples (faz uma referência global às normas materiais e às normas de
conflitos da lei que a sua norma de conflitos considerou aplicável – L1) e ficciona uma segunda referência material para
L2. L2 aplica L2.

Como o Artigo 65.º do CC é um desvio autónomo, não vamos ao Artigo 17.º do CC ou Artigo 18.º do CC, isto é,
vamos aceitar a aplicação da lei francesa para validar o negócio jurídico. Logo, o testamento é válido pela aplicação da lei
francesa.

O mesmo acontece com o Artigo 36.º do CC que também é um desvio autónomo (não vamos ao Artigo 17.º do CC
nem ao Artigo 18.º do CC, aceitamos a solução dada).

O último elemento de conexão do Artigo 65.º do CC são as prescrições da lei para que remete a norma de conflitos da
lei local. A lei do lugar da celebração do negócio é a lei portuguesa que, pelo Artigo 65.º do CC remete para a lei do lugar
da celebração (Portugal – testamento é inválido) ou para a lei da nacionalidade do autor da herança. (lei francesa –
testamento é válido).

Assim, para atingir o objetivo material deste artigo (validade do negócio jurídico), vamos aplicar a lei francesa. O
testamento é formalmente válido. Logo, não se aplica o Artigo 2204.º do CC e este argumento invocado por Martin é
improcedente.

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Na segunda pretensão, Martin pede também que lhe seja garantida a legítima por força dos Artigos 2156.º, 2157.º e
2162.º do CC. Estas normas materiais vão qualificar-se em conjunto. Sabendo que se trata de uma questão de direito à
legítima e ele se considera um herdeiro legitimário:

1 - Interpretação do conceito-quadro designativo do objeto de qualificação (remete para o referido anteriormente):


Artigo 62.º do CC (substância das sucessões por morte e respetivos institutos);

2 - Caracterização do objeto de qualificação: os Artigos 2156.º, 2157.º e 2162.º do CC têm como objetivo garantir a
legítima dos herdeiros (porção de bens que o testador não pode dispor e pertencem aos herdeiros legitimários);

3 - Qualificação em sentido estrito: atendendo ao conteúdo e função desta norma material na ordem jurídica
portuguesa, nós vamos subsumir estas normas materiais no Artigo 62.º do CC.

Posto isto, o Artigo 62.º do CC articulado com o Artigo 31.º, n.º 1, do CC manda aplicar a lei pessoal (nacionalidade)
do autor na altura do falecimento.

Quanto ao imóvel, L1 (Artigos 62.º e 31.º, n.º 1, do CC) remete para a lei francesa L2 (lei da nacionalidade) que
remete para L3 (Reino Unido – lei do lugar da situação da coisa). Por sua vez, L3 também considera competente a lei do
lugar da situação da coisa (L3).
DD

L1 L2 L3
DS
Artigo 62.º do CC Lei francesa Lei inglesa
Artigo 31.º, n.º 1, do CC Lei da Nacionalidade Lei do lugar da situação da coisa

O Reino Unido é um ordenamento plurilegislativo de base territorial, mas é chamado a outro título que não o da lei da
nacionalidade, logo, considera-se que há uma referência direta e imediata para a ordem jurídica local e há que entender que
essa remissão é feita para um sistema local como um local autónomo e tratado para todos os efeitos como se fosse um país.
Ou seja, há uma remissão direta para o local onde está situado o bem imóvel, e é tratado como se fosse um país, uma ordem
jurídica diferente. Esta remissão, neste caso, é feita diretamente para o direito inglês (fala em Londres).

Por conseguinte, temos de analisar agora as teorias do reenvio:

L2 pratica devolução simples, uma vez que faz uma referência global às normas materiais e de conflitos de L3 e
ficciona uma referência material a L3. Logo, L2 aplica L3;

L3 pratica dupla devolução e, como tal, considera-se diretamente competente, pois compromete-se a julgar a causa
tal e qual julgam os tribunais da lei designada pela sua norma de conflitos, ou seja, aplica L3.

Assim, estamos perante um caso de transmissão de competências ou reenvio em 2.º grau e, por isso, temos de recorrer
ao Artigo 17.º do CC para saber se aceitamos o reenvio:

1 - DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa aplicar outra legislação. Este remeter pode ser direto ou
indireto. Neste caso, L2 remete para L3;

2 - E essa outra legislação tem de se considerar competente; é o caso, L3 aplica L3 (a lei inglesa considera-se
competente).

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Tendo em conta que estão preenchidos os dois requisitos do Artigo 17.º, n.º 1, do CC, aceitamos o reenvio e aplicamos
a lei inglesa, com base na harmonia de julgados.

No entanto, o reenvio pode ser paralisado por força do n.º 2 do Artigo 17.º do CC, mediante o preenchimento de certos
requisitos, em matérias de estatuto pessoal (como é o caso, pois as sucessões são uma das matérias que consta do Artigo
25.º do CC). Só aplicamos este n.º 2 se:

1 - A lei referida pela norma de conflitos portuguesa for chamada lei pessoal, lei da nacionalidade em matéria de
estatuto pessoal (L2 tem que ser chamada como lei da nacionalidade); foi o caso, dado que a lei francesa foi
chamada como lei da nacionalidade;

2 - O interessado residir habitualmente em território português (no caso, verifica-se) ou residir habitualmente em país
cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno da nacionalidade do interessado para resolver
a questão.

Estão preenchidos os pressupostos do Artigo 17.º, n.º 2, do CC, logo paralisamos o reenvio, para aplicar a lei da
nacionalidade em matérias de estatuto pessoal.

Contudo, de acordo com o Artigo 17.º, n.º 3, do CC, há determinadas situações nas quais podemos voltar a
aceitar/reabilitar o reenvio:

1 - É necessário que esteja em causa uma das matérias elencadas neste artigo (é o caso, uma vez que está em causa
matéria de sucessões);

2 - A lei da nacionalidade tem que remeter para a lei do lugar da situação do bem imóvel (no caso verifica-se, L2
devolve para L3);

3 - Lei do lugar da situação do bem imóvel tem de se considerar competente (é também o nosso caso, pois L3
considera-se competente).

Assim, como estão preenchidos os pressupostos do Artigo 17.º, n.º 3, do CC reabilitamos o reenvio em nome do
princípio da efetividade das decisões (quando o direito da nacionalidade está de acordo com a lei do lugar da situação da
coisa vamos aplicar a lei do lugar da situação em detrimento da nacionalidade).

Isto posto, aplica-se a lei inglesa, logo o testamento seria válido e o Martin não teria direito à redução por inoficiosidade
em relação a este bem.

Quanto à sucessão mobiliária, continuamos com a aplicação do Artigo 62.º do CC, modificando apenas o tipo de bens.

L1 L2
Lei do foro Lei francesa
Artigo 62.º do CC Lei da Nacionalidade
Artigo 31.º, n.º 1, do CC

L2 não se considera competente, adota um elemento de conexão diferente da lei que a designou e remete para L1
(retorno para a lei do foro). L2 ao praticar devolução simples vai aplicar L2 (considera-se competente). Assim sendo, faz
uma referência global a L1 (às suas normas materiais e de conflitos) e ficciona uma referência material para si própria.

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Ademais, se há um caso de retorno à lei do foro (retorno direto), para saber se aceitamos o reenvio e qual a lei que L1
vai aplicar, temos de analisar os requisitos do Artigo 18.º do CC:

1 - É necessário que o DIP da lei designada pela norma de conflitos portuguesa (L2) devolva para o direito material
português (direito interno) – n.º 1. Neste caso, não está preenchido, pois L2 ao praticar devolução simples,
devolveu para o seu direito interno, isto é, ela considerou-se indiretamente competente. Esta é a posição que nós
seguimos. BAPTISTA MACHADO considera que se aplica a lei do foro sempre que há retorno para a lei do foro.

Destarte, como o Artigo 18.º, n.º 1, do CC não está preenchido, aplicamos o Artigo 16.º do CC e fazemos a referência
material e aplicamos diretamente o direito material da lei francesa.

De acordo com o direito francês o testamento é inválido e o Martin terá direito à redução por inoficiosidade para
reconhecer a sua legítima em relação à sucessão imobiliária.

Por fim, temos de falar da ROPI, que se trata de um limite à aplicação do direito estrangeiro competente ao
reconhecimento de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no estrangeiro, quando o resultado
da intervenção da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios fundamentais do Estado do foro ou
com conceções ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 22.º do CC).

A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente; no caso, a lei londrina) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação
da norma de lei estrangeira competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira; no caso, procurar
na lei inglesa uma solução – na falta de solução, aplica-se a lei portuguesa).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro; a ROPI só atua quando a aplicação de uma lei estrangeira ofenda princípios ético-jurídicos fundamentais
do foro. No caso, a aplicação da lei estrangeira gera como resultado que a legítima do herdeiro fique afetada; no
direito inglês não há um direito à legítima, isto é, não há um princípio fundamental com validade universal;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro; no caso, Martin tem dupla nacionalidade e, de acordo
com o Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade, prevalece a nacionalidade do Reino Unido (residência habitual neste
país). Ora, não há qualquer ligação com a ordem jurídica portuguesa, a não ser o facto de o autor da herança viver
em Portugal à data da morte.

Por fim, não se justifica que se aplique a ROPI. Como tal, este pedido seria improcedente.

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CASO PRÁTICO N.º 11

Em fevereiro de 2006, Ana, residente habitualmente em Lisboa, folheando uma revista norte-americana,
depara com um anúncio de um revolucionário programa informático, a preço convidativo, comercializado pela
sociedade Microcom Inc, com sede estatutária nas Ilhas Virgens, cujo conselho de administração se reúne em
Silicon Valley, Califórnia, local onde se situa todo o processo produtivo da empresa. A revista foi adquirida
em Portugal, onde é distribuída uma edição da mesma.

Ana preencheu e enviou as condições gerais de contratação, procedendo imediatamente ao pagamento. A


Microcom Inc enviou a Ana um código, com o qual esta transferiu diretamente o programa para o seu
computador, através da Internet.

Após experimentar o programa, Ana arrepende-se e comunica à Microcom Inc a vontade de devolver o
programa e recuperar o preço. Face à recusa desta, Ana demanda a Microcom Inc perante tribunal português,
invocando o direito de livre resolução do contrato previsto na lei portuguesa, mais concretamente no decreto-
lei relativo à proteção dos consumidores nos contratos celebrados à distância, que entende ser aplicável ao
caso, enquanto lei da sua residência habitual.

A Microcom Inc contesta a ação, alegando que as disposições do decreto-lei português não são aplicáveis
ao caso, pois, nos termos das condições gerais de contratação subscritas por Ana, o contrato encontra-se
sujeito aos usos do comércio internacional.

Ana contrapõe que a recusa ao consumidor do direito de arrependimento invocado ofenderia os princípios
fundamentais da ordem pública internacional do Estado português.

Admitindo que:

1.º No direito vigente nas Ilhas Virgens não existe uma regra equivalente à norma portuguesa que prevê o
direito de resolução do consumidor nos contratos à distância, sem necessidade de invocar o motivo ou pagar
indemnização, no prazo de 14 dias. O direito do Estado da Califórnia reconhece o direito de arrependimento
do consumidor nos contratos celebrados por correspondência.

2.º Nos Estados Unidos vigora um ordenamento jurídico complexo e não existe direito interlocal, nem
Direito Internacional Privado unificado.

3.º Todos os ordenamentos em presença consideram que Ana tem o seu domicílio em Lisboa.

4.º O tribunal português é internacionalmente competente.

a) Diga, fundamentando devidamente a resposta, se as pretensões de Ana devem proceder.

No caso em apreço, queremos determinar a lei aplicável ao contrato de consumo para aferir a possibilidade de
resolução do contrato com base no direito de arrependimento pela lei portuguesa. Tendo em conta que há uma relação
prévia estamos, portanto, no âmbito da responsabilidade contratual. Logo, vamos ponderar a aplicação da Convenção de
Roma e do Regulamento Roma I.

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No que diz respeito ao âmbito material (Artigo 1.º da Convenção de Roma), é necessário que estejam em causa
obrigações contratuais que envolvam um conflito de leis, excluindo as matérias elencadas no Artigo 1.º, n.os 2 e 3, da
Convenção de Roma. Neste caso, estamos perante um contrato celebrado entre Ana e a sociedade Microcom Inc, que tem
ligações com vários ordenamentos jurídicos, nomeadamente com Portugal, EUA e Ilhas Virgens. Não cai nas matérias
excluídas da Convenção de Roma e, como tal, este âmbito está preenchido.

No que concerne ao âmbito espacial (Artigo 2.º da Convenção de Roma), a Convenção de Roma tem caráter universal,
isto é, a lei designada pelas normas de conflitos é aplicável mesmo que seja a lei de um Estado que não seja um Estado-
Membro.

Relativamente ao âmbito temporal (Artigos 17.º da Convenção de Roma e 28.º do Regulamento Roma I), a
Convenção de Roma aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, isto é, 1 de setembro de 1994 (Artigo
17.º da Convenção de Roma). Antes desta data aplicamos as normas do Código Civil. Por sua vez, o Regulamento Roma
I só se aplica a contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009 (Artigo 28.º do Regulamento Roma I). Neste caso, o
contrato foi celebrado em 2006 e, como tal, aplica-se a Convenção de Roma.

A esta convenção estão subjacentes vários princípios fundamentais, nomeadamente o princípio da autonomia da
vontade, o princípio da proximidade, o princípio da proteção da parte mais fraca, o princípio do reconhecimento de efeitos
às normas de aplicação imediata de um Estado que não sendo o Estado da lei do contrato (lex contractus), ou sendo esteja
fora do seu âmbito de aplicação e, por fim, o princípio do reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

O Artigo 10.º da Convenção de Roma fala-nos do âmbito de aplicação da lei do contrato. Atendendo à pretensão e
aos factos que estão em causa, é necessário indicar o que é que a lei aplicável irá regular: a interpretação do contrato, o
cumprimento das obrigações, a extinção, a invalidade, etc. No nosso caso, tratando-se de uma situação em que há um
pedido de resolução do contrato, a lei do contrato apurada nos termos das normas de conflitos que irá regular as causas de
extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade resulta do Artigo 10.º, al. d), da Convenção de Roma.

Analisado o âmbito da lei aplicável, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que possa resolver
esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário resolvemos pela norma geral. Neste caso, há uma
parte, o consumidor, que se encontra numa posição de vulnerabilidade em relação à contraparte, o que motivou esta
pretensão.

Assim sendo, estamos perante um contrato de consumo, logo há uma norma especial aplicável ao contrato de consumo
que visa a proteção da parte mais fraca (Artigo 5.º da Convenção de Roma). Porém, têm de verificar-se certos requisitos
para que se possa aplicar este artigo:

1 - O contrato tem de ter por objeto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou serviços prestados a uma pessoa;

2 - Para uma finalidade estranha à sua atividade profissional;

3 - Bem como os contratos destinados ao financiamento desse fornecimento.

Ora, no caso concreto, o objeto do contrato é um software, ou seja, um bem incorpóreo. Por conseguinte, não estão
preenchidos os requisitos do Artigo 5.º da Convenção de Roma, não se aplicando a proteção ao consumidor.

Posto isto, seguimos para as normas gerais, sendo uma delas a escolha de lei (Artigo 3.º da Convenção de Roma) e a
outra o Artigo 4.º da Convenção de Roma.

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No caso sub iudice, houve escolha de lei, dado que as partes submeteram o contrato aos usos do comércio internacional.
Cabe-nos então aferir os requisitos do Artigo 3.º da Convenção de Roma:

1 - Escolha da lei de um Estado. Constitui um argumento literal que resulta no Artigo 1.º, n.º 1, 2.º e 3.º da Convenção
de Roma. No caso, as partes submeteram o contrato aos usos do comércio internacional, o que não é a lei de um
Estado e, como tal, não está preenchido;

2 - A lei escolhida pode ser aplicada a todo ou a parte do contrato (no caso, parece ser aplicada a todo o contrato);

3 - A escolha pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato, sendo que neste caso salvaguardam-se os
direitos de terceiros (no caso, foi anterior à celebração do contrato);

4 - A escolha pode ser expressa ou tácita (no caso, foi expressa);

5 - A escolha de lei não pode prejudicar, ou não afasta, a aplicação das disposições imperativas da lei do Estado com
o qual o contrato tem todas as suas ligações no momento da celebração do mesmo.

Com efeito, no caso concreto, a escolha de lei é inválida, por isso também temos que afastar a solução deste artigo.
Como não é válida, recorremos ao critério subsidiário para determinação da lei aplicável previsto no Artigo 4.º da
Convenção de Roma.

Este critério tem subjacente o princípio da proximidade, isto é, aplica-se a lei do país com a qual o contrato apresenta
uma conexão mais estreita (Artigo 4.º, n.º 1, da Convenção de Roma). Esta norma consagra um conjunto de presunções
que nos ajudam a concretizar o país que tem uma conexão mais estreita. Os n.os 2, 3 e 4 fornecem presunções interpretativas
para determinar qual a lei com a conexão mais estreita.

Através do Artigo 4.º, n.º 2, 1.ª parte, da Convenção de Roma, que se aplica ao caso em apreço, aplicamos a lei da
residência habitual ou, em caso da sociedade, onde tem a administração central/sede real do devedor da prestação
caraterística do contrato (entrega da coisa ou prestação de um serviço). Esta terá sempre uma contraprestação (pagamento
de uma quantia em dinheiro). Neste caso, o devedor tem sede real na Califórnia, nos EUA.

Porém, temos de atender também à 2.ª parte do Artigo 4.º, n.º 2, da Convenção de Roma, que refere que se o contrato
for celebrado no exercício da atividade económica ou profissional aplica-se a lei do país em que se situa o estabelecimento
principal ou do país onde se situa o estabelecimento que fornece a prestação. No caso, indicia ser também na Califórnia.

Posto isto, no caso concreto, o devedor da prestação característica é sociedade (tem a obrigação de entregar a coisa),
sendo que a Ana só tem a obrigação de pagar o preço. Ora, a sociedade tem sede real nos EUA e o seu estabelecimento
também se situa nos EUA. Logo, os EUA constitui o país com conexão mais estreita.

Porém, os EUA são um ordenamento plurilegislativo de base territorial (Artigo 19.º da Convenção de Roma), isto é,
cada unidade territorial é considerada um país para efeitos da Convenção de Roma, sendo aplicável o direito do Estado da
Califórnia que prevê o direito ao arrependimento.

Por sua vez, Ana invocou a ROPI. A reserva de ordem pública internacional é um limite à aplicação do direito
estrangeiro competente ao reconhecimento de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados no
estrangeiro, quando o resultado da intervenção da lei estrangeira seja manifestamente incompatível com os princípios
fundamentais do Estado do foro ou com conceções ético-jurídicas fundamentais do Estado do foro (Artigo 16.º da
Convenção de Roma).

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A ROPI tem quatro características, nomeadamente a atualidade, a excecionalidade, a imprecisão e o caráter nacional.

Para além disso, a ROPI tem dois efeitos, nomeadamente o efeito imediato (afastamento da lei normalmente
competente) e o efeito secundário (procurar uma solução material para o caso, ou seja, aplicação da norma de lei estrangeira
competente, de acordo com o princípio do mínimo dano da lei estrangeira).

É necessário ainda o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

1 - Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do direito
do foro;

2 - Conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro, cujo grau de maior ou menor exigência vai variar
consoante a importância do princípio para o direito do foro

Em suma, não se justifica a aplicação da ROPI, uma vez que a solução do direito americano seria igual à solução do
direito português, não se verificando o requisito que exige um juízo de incompatibilidade entre a aplicação do direito
estrangeiro e os princípios fundamentais.

b) Diga, fundamentando, se a resposta seria diferente, e em que termos, se o contrato tivesse sido
celebrado em fevereiro de 2010.

No caso em apreço, se o contrato tivesse sido celebrado em fevereiro de 2010 seria aplicável o Regulamento Roma I,
por causa do âmbito temporal (os âmbitos material e espacial seriam iguais). Os princípios também são os mesmos.

Para além disso, mudava a norma quanto ao âmbito da lei aplicável (Artigo 12.º, al. d), do Regulamento Roma I), isto
porque a lei do contrato apurada nos termos das normas de conflitos irá regular as causas de extinção das obrigações.

Neste caso, tendo em conta que estamos perante um contrato de consumo e existe uma norma especial para os contratos
de consumo, aplica-se o Artigo 6.º do Regulamento Roma I (pretende proteger a parte mais fraca, o consumidor, pois é a
parte com menos experiência negocial no comercio internacional e com menor organização; alarga a sua aplicação aos
bens incorpóreos, como é o caso do programa informático em questão).

Os requisitos para aplicar o Artigo 6.º do Regulamento Roma I são cumulativos para se poder aplicar a lei da residência
habitual do consumidor:

1 - Contrato celebrado por pessoa singular (foi o caso, Ana);

2 - Para uma finalidade estranha à sua atividade comercial ou profissional (no caso, para fins pessoais, não
relacionados com uma atividade profissional);

3 - Tem de celebrar com alguém que atua no quadro das suas atividades profissionais e comerciais (no caso, a uma
sociedade no exercício das suas funções);

4 - O comerciante tem de exercer as suas atividades comerciais no país da residência habitual do consumidor ou
dirigir essa atividade para esse país da residência habitual do consumidor (no caso, a sociedade faz vendas através
de uma revista distribuída em Portugal);

5 - O contrato tem de estar abrangido pelo âmbito dessas atividades (foi o caso);

6 - O contrato não pode estar excluído nos termos do Artigo 6.º, n.º 4, do Regulamento Roma I (no caso, não está).

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O programa informático foi adquirido por uma pessoa singular, para fins pessoais, a uma sociedade no exercício das
suas atividades que faz distribuição através de uma revista distribuída no país da residência habitual do consumidor
(Portugal). Assim, pelo Artigo 6.º do Regulamento Roma I estão preenchidos os requisitos da proteção da parte mais fraca
enquanto consumidor, logo seria aplicável a lei da residência habitual do consumidor (Ana), por força do Artigo 6.º, n.º 1,
do Regulamento Roma I, que seria a lei portuguesa.

Porém, o Artigo 6.º, n.º 2, do Regulamento Roma I admite a escolha de lei. É permitida a escolha de lei, mas aplicando-
se as disposições imperativas da lei da residência habitual do consumidor que lhe sejam mais favoráveis. No entanto, esta
escolha não é válida pelos mesmos fundamentos da alínea anterior (Artigo 3.º do Regulamento Roma I).

Logo, nos termos do Artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, aplicamos a lei da residência habitual do consumidor
(lei portuguesa), que também permitiria o direito ao arrependimento, assim como permitiria a Ana resolver o contrato. Ao
aplicarmos a lei portuguesa, nem se pode invocar a ROPI, tendo em conta que esta só funciona quando é competente uma
lei estrangeira, para defender princípios fundamentais da ordem jurídica do foro (no caso, estamos a aplicar o direito
português).

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CASO PRÁTICO N.º 12

Em fevereiro de 2010, quatro amigos, Alexandre, Beatriz, Diogo, de nacionalidade portuguesa, e Charlotte,
de nacionalidade francesa, residentes em Braga, contratam com a agência de viagens, Mundivoyage, com sede
em Paris, e estabelecimento em Braga, uma visita turística ao Camboja durante 10 dias, que incluía o
alojamento numa estância de férias de 5 estrelas e uma excursão, que consistia na descida do rio Mekong. O
contrato foi celebrado em Braga e sujeito à lei do Camboja.

Ao chegar ao Camboja, o grupo de amigos depara-se com uma estância de férias, com a classificação de
apenas três estrelas, que não correspondia àquela contratada e de qualidade muito inferior. Pedindo
explicações imediatas à agência de viagens, foi-lhes dito que a estância de férias, onde iriam inicialmente ficar,
estava com a lotação completa e, por esse motivo, a agência de viagens decidiu transferi-los para aquela.

Apenas Charlotte e Diogo fizeram a excursão prevista, uma vez que Alexandre e Beatriz ficaram doentes
com uma intoxicação alimentar. Quando estavam sobre o rio Mekong, a piroga que os transportava virou, por
excesso de lotação, tendo-se Charlotte afogado. Em consequência, deste trágico acidente, os pais de Charlotte,
nacionais franceses e residentes em Paris, acionam a agência de viagens pedindo uma indemnização pelos
danos morais que sofreram com o falecimento da única filha, uma vez que caíram ambos em profunda
depressão, invocando para tal a lei francesa, que lhes concede esse direito. A Mundivoyage recusa-se a pagar
qualquer indemnização, uma vez que a lei do Camboja, que considera competente, não reconhece esse direito
aos parentes da vítima.

Chegados a Portugal, Alexandre e Beatriz pedem uma indemnização por o hotel que escolheram e pagaram
não corresponder àquele onde efetivamente ficaram, sendo este de qualidade muito inferior. Para tanto,
invocam a lei portuguesa, nomeadamente, os arts. 798.º e seguintes do Código Civil, pois consideram que a
Mundivoyage deveria ter assegurado os quartos no hotel escolhido ou noutro de qualidade equivalente. A
Mundivoyage recusa pagar qualquer indemnização, invocando que, segundo a lei do Camboja, a permanência
do casal na nova estância de férias equivale a uma aceitação tácita da modificação do contrato operada pela
Mundivoyage.

Admitindo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes; a lei francesa, ao contrário
da lei do Camboja, concede aos pais o direito à indemnização por danos não patrimoniais, por morte da vítima,
numa situação de responsabilidade extracontratual; a lei do Camboja considera que a permanência do casal
na nova estância de férias equivale a uma aceitação tácita da modificação do contrato operada unilateralmente
pelo outro contraente:

a) Diga, fundamentando devidamente a resposta, se a pretensão de Alexandre e Beatriz será procedente.

No caso em apreço, Alexandre e Beatriz pedem uma indemnização à agência de viagens, porque o hotel que
escolheram e pagaram não corresponde ao hotel em que efetivamente ficaram, sendo este de qualidade muito inferior.

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Posto isto, temos de saber qual a lei que regula este contrato, nomeadamente no que toca às consequências do
incumprimento do contrato (responsabilidade contratual) para averiguar o direito à indemnização.

Estamos perante uma questão e obrigações contratuais e, como tal, para saber qual a lei aplicável ao contrato, temos
de recorrer à Convenção de Roma e ao Regulamento Roma I.

No que diz respeito ao âmbito material (Artigo 1.º da Convenção de Roma), é necessário que estejam em causa
obrigações contratuais que envolvam um conflito de leis, excluindo as matérias elencadas no Artigo 1.º, n.os 2 e 3, da
Convenção de Roma. Neste caso, estamos perante um contrato celebrado com agência de viagens Mundivoyage, que tem
ligações com vários ordenamentos jurídicos, nomeadamente com Portugal, França e Camboja. Não cai nas matérias
excluídas da Convenção de Roma e, como tal, este âmbito está preenchido.

No que concerne ao âmbito espacial (Artigo 2.º da Convenção de Roma), a Convenção de Roma tem caráter universal,
isto é, a lei designada pelas normas de conflitos é aplicável mesmo que seja a lei de um Estado que não seja um Estado-
Membro.

Relativamente ao âmbito temporal (Artigos 17.º da Convenção de Roma e 28.º do Regulamento Roma I), a
Convenção de Roma aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, isto é, 1 de setembro de 1994 (Artigo
17.º da Convenção de Roma). Antes desta data aplicamos as normas do Código Civil. Por sua vez, o Regulamento Roma
I só se aplica a contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009 (Artigo 28.º do Regulamento Roma I). Neste caso, o
contrato foi celebrado em 2010 e, como tal, aplica-se o Regulamento Roma I.

A este regulamento estão subjacentes vários princípios fundamentais, nomeadamente o princípio da autonomia da
vontade, o princípio da proximidade, o princípio da proteção da parte mais fraca, o princípio do reconhecimento de efeitos
às normas de aplicação imediata de um Estado que não sendo o Estado da lei do contrato (lex contractus), ou sendo esteja
fora do seu âmbito de aplicação e, por fim, o princípio do reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

Por seu turno, o Artigo 12.º do Regulamento Roma I vai determinar qual o âmbito da lei aplicável apurada nos termos
do regulamento. Assim, sabendo que estamos perante um incumprimento contratual, aplicamos a alínea c) – a lei do
contrato apurada nos termos do regulamento irá regular as consequências do incumprimento total ou parcial do contrato.

Analisado o âmbito da lei aplicável, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que se aplique a
este contrato e, por conseguinte, que possa resolver esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário
resolvemos pela norma geral. Neste caso, estamos perante um contrato de consumo, sendo que existe uma norma especial
para os contratos de consumo, nomeadamente o Artigo 6.º do Regulamento Roma I.

O Artigo 6.º do Regulamento Roma I pretende proteger a aparte mais fraca, o consumidor, pois é a parte com menos
experiência negocial no comércio internacional e com menor organização comparada com o comerciante, que se encontra
numa posição de vulnerabilidade em relação à contraparte, o que motivou esta pretensão.

O Artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Roma I indica que a lei aplicável aos contratos de consumo é a lei da residência
habitual do consumidor. No entanto, a aplicação deste artigo tem alguns requisitos (cumulativos):

1 - Contrato celebrado por uma pessoa singular (foi o caso);

2 - Que celebra um contrato para uma finalidade estranha à sua atividade comercial ou profissional (é o caso – para
fins pessoais, de lazer);

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3 - Tem de celebrar com outra pessoa que atua no exercício das suas atividades profissionais e comerciais (foi o caso,
dado que a agência de viagens Mundivoyage atua no quadro das suas atividades profissionais ou comerciais);

4 - O comerciante tem de exercer as suas atividades comerciais no país da residência habitual do consumidor ou
dirigir essa atividade para esse país da residência habitual do consumidor (foi o caso, pois tem um estabelecimento
em Portugal onde foi celebrado o contrato);

5 - O contrato tem de estar abrangido pelo âmbito dessas atividades (foi o caso);

6 - O contrato não pode estar excluído nos termos do Artigo 6.º, n.º 4, do Regulamento Roma I (não está).

Assim sendo, consideramos Alexandre e Beatriz consumidores para efeitos do Artigo 6.º do Regulamento Roma I e
aplicamos a lei da sua residência habitual (Portugal).

No entanto, nos termos do Artigo 6.º, n.º 2, 1.ª parte, do Regulamento Roma I há a liberdade de escolha de lei
(princípio da autonomia da vontade). Neste caso, houve escolha de lei (Camboja). Todavia, se houver escolha de lei têm
de verificar-se os requisitos do Artigo 3.º do Regulamento Roma I:

1 - A escolha, em qualquer circunstância, só pode ser a escolha da lei de um Estado (argumento literal retirado do
Artigo 1.º, n.º 1, 2.º e 3.º do Regulamento Roma I; não se pode escolher princípios). Neste caso, encontra-se
preenchido (lei do Camboja);

2 - A lei escolhida pode ser aplicada a todo ou a parte do contrato (Artigo 3.º, n.º 1, in fine, do Regulamento Roma
I). Neste caso, parece ser aplicada a todo o contrato;

3 - A escolha pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato (Artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento Roma I),
sendo que neste caso salvaguardam-se os direitos de terceiros (no caso, a escolha foi anterior à celebração do
contrato);

4 - A escolha pode ser expressa ou tácita (Artigo 3.º, n.º 1, 1.ª parte, do Regulamento Roma I). Neste caso, foi
expressa;

5 - A escolha de lei não pode prejudicar, ou não afasta, a aplicação das disposições imperativas da lei do Estado com
o qual o contrato tem todas as suas ligações no momento da celebração do mesmo e também o respeito pelas
disposições não derrogáveis por acordo do direito comunitário (Artigo 3.º, n.os 4 e 5, do Regulamento Roma I).

Assim, parece haver uma escolha expressa da lei válida, logo aplica-se a lei do Camboja. Ao aplicar esta lei faz
equivaler o comportamento de Alexandre e Beatriz (ao ficar nesse hotel) a uma aceitação tácita da modificação do contrato,
que foi operada unilateralmente pela agência de viagens. Isto posto, Alexandre e Beatriz não teriam direito a qualquer
indemnização.

Porém, o Artigo 6.º, n.º 2, in fine, do Regulamento Roma I estabelece que a lei escolhida não pode prejudicar as
disposições imperativas da lei da residência habitual do consumidor que lhe sejam mais favoráveis comparativamente às
normas da lei escolhida, para garantir a proteção da parte mais fraca (standard mínimo de proteção) – temos de fazer uma
comparação. Este artigo dá prevalência à proteção da parte mais fraca sobre a autonomia da vontade.

Em suma, afastamos a aplicação da lei do Camboja e aplicamos as normas portuguesas para proteção de Alexandre e
Beatriz, pois pela lei portuguesa eles têm direito à indemnização. Ora, a lei mais protetora é a lei da residência habitual e,
como tal, será a lei portuguesa a ser aplicada.

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b) Diga, fundamentando devidamente a resposta, se a pretensão dos pais de Charlotte será procedente.

No caso em apreço, os pais de Charlotte vêm pedir uma indemnização pelos danos morais que sofreram com o
falecimento da filha, sendo por isso necessário apurar a lei que regula a matéria de responsabilidade extracontratual (está
em causa a violação de direitos absolutos), nomeadamente, a indemnização por danos morais.

Para resolução de uma questão de responsabilidade civil extracontratual podemos recorrer ao Regulamento Roma II,
se estiverem preenchidos os seus âmbitos de aplicação material, temporal e espacial. Caso não estejam preenchidos esses
âmbitos, temos de recorrer ao Artigo 45.º do CC, que é a norma de conflitos que regula a responsabilidade civil
extracontratual.

No que diz respeito ao âmbito material (Artigos 1.º e 2.º do Regulamento Roma II), o regulamento é aplicável quando
estejam em causa relações extracontratuais que envolvam conflitos de leis, com a ressalva das situações elencada no n.º 2
do Artigo 1.º do Regulamento Roma II. Ao Artigo 1.º, n.º 2, al. g), do Regulamento Roma II tem de ser feita uma
interpretação restritiva e vamos admitir que está incluído no âmbito do regulamento a violação dos direitos de
personalidade, com exceção dos delitos de imprensa. No caso, estamos perante danos provocados aos pais pela morte da
filha (há uma violação de direitos absolutos), há danos não patrimoniais (que são pedidos), existe um conflito de leis, uma
vez que se trata de um acidente que ocorreu no Camboja, os pais e a filha têm nacionalidade francesa, a residência habitual
da filha é em Portugal e a agência de viagens Mundivoyage tem sede em França e estabelecimento em Portugal.

No que concerne ao âmbito espacial (Artigo 3.º do Regulamento Roma II), o Regulamento Roma II tem caráter
universal, , o que significa que a lei designada pelas normas de conflitos do regulamento será aplicada ainda que não seja
a lei de um Estado-Membro.

Relativamente ao âmbito temporal (Artigo 32.º do Regulamento Roma II), o regulamento é aplicável aos factos
ocorridos após 11 de janeiro de 2009. Este acidente ocorreu em 2010, logo está preenchido o âmbito temporal.

A este regulamento estão subjacentes vários princípios fundamentais, nomeadamente o princípio da autonomia da
vontade, o princípio da tendência para a especialização das normas de conflitos, o princípio da primazia do meio social
comum, o princípio da lex loci delicti commissi (concretizada enquanto lei do lugar do dano), o princípio do equilíbrio
entre a segurança e certeza jurídica e a flexibilização, o princípio do reconhecimento de efeitos a normas de aplicação
imediata de um Estado que não seja a lex delicti, ou que seja, mas fora do seu âmbito de aplicação e o princípio do
reconhecimento de interesses nacionais através da ROPI.

O Artigo 15.º do Regulamento Roma II vai delimitar o âmbito da lei do delito (lex delicti), isto é, a lei que vamos
apurar nos termos das normas de conflito do Regulamento Roma II. Atendendo à pretensão dos pais, temos de apurar se
eles têm direito a esta indemnização pelos danos morais. Assim, vamos aplicar a alínea f) – a lei do delito irá regular as
pessoas com direito à reparação.

Analisado o âmbito da lei aplicável, e porque o Regulamento Roma II consagra o princípio da tendência para a
especialização das normas de conflitos, temos de verificar se existe alguma norma de conflitos especial que possa resolver
esta questão. Se existir, resolvemos pela norma especial, caso contrário resolvemos pela norma geral. As normas especiais
encontram-se consagradas nos Artigos 5.º a 12.º do Regulamento Roma II.

No caso sub iudice, há a violação de um direito absoluto, pelo que não há nenhuma norma especial que regule esta
situação. Assim sendo, aplicamos as regras gerais (Artigos 14.º e 4.º do Regulamento Roma II).

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Para além disso, no caso concreto, não houve escolha de lei. Embora eles tenham escolheram a lei do Camboja, esta
refere-se apenas às obrigações contratuais, mas não para as obrigações extracontratuais, logo, não pode ser aproveitada
automaticamente para as obrigações extracontratuais, devido aos requisitos mais exigentes do Artigo 14.º do Regulamento
Roma II (a escolha para as obrigações contratuais foi feita para regular essa relação de consumo e não para outras
responsabilidades). Assim, para este aspeto, não houve escolha de lei. Logo, vamos aplicar o Artigo 4.º do Regulamento
Roma II.

Resta-nos agora a regra geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual prevista no Artigo 4.º do
Regulamento Roma II. O princípio fundamental nesta matéria é o do meio social comum, que é concretizado no elemento
de conexão da residência habitual comum do lesado e da pessoa cuja responsabilidade é invocada (Artigo 4.º, n.º 2, do
Regulamento Roma II) – temos de ver se o lesado e esta pessoa têm residência habitual comum. Esta conexão é definida
em função do princípio de proximidade com as partes e do princípio da confiança, uma vez que é a lei que as partes melhor
conhecem e com a qual conformam habitualmente o seu comportamento e, por isso, esperam que seja aplicada essa lei.

A pessoa cuja responsabilidade é invocada é aquela pessoa cuja responsabilidade se pretende apurar no processo que
pode não ser o autor material do dano, pode não ser o agente. Neste caso, é agência de viagens (que não foi quem praticou
o dano). A residência habitual das sociedades, nos termos do Artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento Roma II, é o local onde
se situa a sua administração central (no caso, em França). Mas, quando o facto ilícito que foi realizado ou o facto que dá
origem ao dano seja praticado por uma sucursal, agência ou estabelecimento, considera-se a residência habitual no local
onde se situa a sucursal, agência ou estabelecimento (Artigo 23.º, n.º 1, in fine, do Regulamento Roma II).

Nestes termos, a pessoa cuja responsabilidade é invocada é a agência de viagens Mundivoyage, com residência
habitual em Portugal (estabelecimento de Braga).

Ademais, para efeitos do Regulamento Roma II, o lesado é a vítima direta do dano, que pode não ser a pessoa que está
a pedir o ressarcimento (Artigo 4.º, n.º 2, do Regulamento Roma II – este artigo dá importância ao dano direto e real).
Neste caso, são os pais que pedem o ressarcimento, mas o lesado é Charlotte (ressarcimento por ricochete). A Charlotte
tem residência habitual em Portugal.

Assim, há um meio social comum entre o lesado e a agência e, como tal, aplica-se a lei da residência habitual comum,
isto é, a lei de Portugal. Sendo a lei portuguesa a regular esta situação, os pais teriam direito à indemnização por danos
morais pela morte da filha (Artigo 496.º do CC), não tendo aplicação ao caso o direito francês.

Por fim, o Artigo 17.º do Regulamento Roma II permite tomar em consideração as normas de segurança e de
comportamento da lei do lugar do facto, entendido nos termos do Artigo 2.º, n.º 3, al. a), do Regulamento Roma II (no
caso, a lei do lugar do facto foi a lei do Camboja). Trata-se de normas relativas à segurança rodoviária, segurança em
construções, etc., que devem ser aplicadas às condutas que ocorrem nesses países. Assim, pela lei da residência habitual
haveria direito à indemnização. Ou seja, aplica-se a lei da residência habitual comum (lei portuguesa), mas a lei do lugar
do facto pode ser tomada em consideração para determinar o montante dos danos ressarcíeis. No entanto, para calcular o
montante dessa indemnização nós podíamos atender à lei do Camboja para averiguar se havia culpa, se foram cumpridas
as normas de segurança, etc.

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