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Copyright © 2022 STEPHÂNIA DE CASTRO

Capa e projeto gráfico: Stephânia de Castro


Revisão: Angélica Podda
Diagramação: Stephânia de Castro
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adobestockphotos.
A virgem proibida do BAD BOY
1. Romance contemporâneo
2. Romance nacional

Edição Digital
Criado no Brasil. 1ª edição / 2022
Esta obra segue as Regras ao Novo Acordo Ortográfico
REGISTRADA E PATENTEADA NO REGISTRO DE
OBRAS E NA CBL

Todos os direitos reservados


Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos, são produtos de imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela
lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sinopse
Nota da Autora
Família Salvitierra
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Bônus
Outras Obras
Glossário
Carlos Salvitierra, mais conhecido Angel of darkness nos octógonos
de Las Vegas.
O jovem promissor campeão de WCC dos pesos pesados é um bad
boy nato. O mesmo não teve a infância tão dolorosa quanto seus outros dois
irmãos. Vivendo na pequena cidade mexicana de Cuidad Juárez no estado
de Chihuahua na fronteira com o Estados Unidos da América, Carlos, viu
seu irmão se tornar o braço direito do El Prícipe de Cuidad, o chefe de um
Cartel perigoso. Com isso Castel honrou sua promessa de não deixar os
irmãos menores morrerem na miséria, porém como toda ambição ele
acabou sedento por mais quando o dinheiro já não era o suficiente para
colocá-lo em lugares mais altos. E foi Carlos, o responsável por levar todo
esse prestígio a toda família Salvitierra ao se tornar o campeão mundial de
WCC.
Porém, o bad boy não é alguém fácil de controlar. Ainda mais,
quando mesmo descobre que ele não passa apenas de uma máquina de fazer
dinheiro. Mesmo Castel fazendo de tudo para manter a boa imagem do
irmão, Carlos não quer saber de obedecer.
Ele quer tudo que Castel não quer lhe dar. Inclusive sua protegida.
Sádico, egocêntrico, problemático e ególatra, Carlos reencontra anos
depois Milagros, a jovem noviça e neta de Irmandade, com quem conviveu
parte de sua infância.
Ele vê a oportunidade que esperava para mostrar que ele não é mais
um brinquedo em suas mãos, corrompendo a protegida de seu irmão de
todas as formas apenas para se vingar.
Vamos lá, minhas leitoras incríveis.

Vou deixar alguns avisos para vocês.


- A virgem proibida do Bad Boy é um projeto com mais
duas autoras incríveis. Assim sendo o livro 3.
- Você pode encontrar cenas que causem gatilhos
emocionais.
- Pode conter assuntos e pautas que vão contra seus ideais,
mas lembrando que é apenas uma história de ficção, que pode
acontecer com qualquer pessoa.
- Alguns pontos e no decorrer da história usei a licença
poética tanto cultural e religiosa. Em outros usei dos meus
conhecimentos de bacharel em enfermagem.
- Há cenas de sexo.
- Há cenas de violência.

Boa leitura e amo vocês.


Castel Salvitierra não é só o líder do seu clã, mas o homem e braço
direito de El Príncipe de Cuidad, o chefe de todo o Cartel Cuidad[1]. Ainda
com seus 16 anos, após sua mãe morrer e deixá-lo com mais duas bocas
para alimentar, Mando de 10 anos e Carlos de apenas 1 ano, precisou se
virar como pode em uma cidade onde o narcotráfico e o contrabando de
armas para atravessar a fronteira do México com os EUA era o negócio de
ouro no lugar. Ele precisou ser ainda mais inteligente para alcançar seu
objetivo e honrar a promessa que havia feito, ao jurar que seus irmãos não
passariam fome e que o nome Salvitierra seria respeitado e temido.
E aos 40 anos ele conseguiu tudo e muito mais, não só por ser o
braço direito do líder de um Cartel de drogas, mas por ser os olhos e a
cabeça da expansão dos negócios do El Príncipe de Cuidad[2], levando e
dominando a cidade de Las Vegas como centro de distribuição de drogas
para o todo o estado de Nevada. No entanto, o midas mexicano não só é um
grande traficante como também o El Chapo[3] das apostas clandestinas na
cidade do pecado. Não há um grande apostador que não fature alto quando
passa por ele o rico dinheiro de azarões.
Além de ser uma águia para os negócios, Castel viu em seu irmão
caçula outra de suas máquinas, não só de fazer dinheiro, mas também de
prestígio e fama. Com o talento de Carlos Salvitierra mais seu dinheiro,
Castel o transformou em um campeão mundial de WCC[4] aos 20 anos.
Trazendo a glória que tanto almejava para o nome da sua família.
O segundo nome dos Salvitierra é Mando, o braço direito de Castel.
Um homem sério, frio e implacável. Não costuma aceitar um não como
resposta e está preparado para qualquer situação, fazendo o que tem de ser
feito sem hesitar. Possessivo e calculista, ele sempre consegue o que quer.
Pode-se dizer que ele é o general do chapo Salvitierra, estando sempre a par
de tudo que acontece ao redor, cuidando e protegendo a família.
Já Carlos Salvitierra é o menino de ouro, o único que não precisou
entrar para o submundo e para o cartel do irmão. Aliás, Castel sempre fez
de tudo para que o caçula tivesse não só conforto, mas tudo o que quisesse,
mimando-o. Na verdade, transformando-o em uma valiosíssima máquina de
fazer dinheiro. No entanto, o jovem não tem limites, esbanjando e
colecionando problemas. Ao mesmo tempo que abrilhanta as páginas com
seus feitos, também as manchas com polêmicas ocasionadas por seu status
de bad boy. O campeão de WCC peso pesado não só distribui uma grande
fama nas ruas, mas também é conhecido por toda a escuridão que o
assombra quando está dentro de um octógono. Como se ali fosse seu
mundo, sua essência e toda sua força de vida. De fato, o bad boy era
também o golden boy do clã. Era o cartão de visita.
No entanto, diferente dos outros é impulsivo, carregando o traço
familiar de não aceitar um não como resposta.
Carlos tinha um ano quando a mãe morreu e foi criado por
Irmandade Chunchirreta uma antiga amiga de Sancha Salvitierra.
Irmandade não só deu amparo e acolhimento para o caçula, mas para os
outros dois filhos da amiga. Ela e seu filho Manolo, o melhor amigo de
Castel, foram a família que os Salvitierra não tiveram.
Atualmente, Irmandade é quem gerencia a fortaleza do Cuartel
Salvitierra em Cuidad de Juárez[5] para Castel, como se fosse a matriarca
deles. Porém, ela se tornou uma mulher fechada após a morte horrível do
seu único filho, que lhe deixou uma única neta, Milagros.
Três homens, um nome, uma família, poder e fama.
Lembranças...
Olho para o infinito e respiro fundo, com os demônios do passado
ganhando vida em minha mente.
A vida te dá, mas lhe tira como ela bem quer...
Assim é o contraponto. Você tem e ao mesmo tempo pode perder,
como um objeto de vidro que está em suas mãos e logo depois pode cair e
se quebrar.
E naquela manhã os únicos sons que meus ouvidos registravam era
o choro inconsolável de Irmandade. A mulher que me criou como seu filho
exprimia para fora todo o seu sofrimento ao perder o único filho de sangue
que tinha.
Ela carregava o bebê enrolado em uma manta cor-de-rosa em seus
braços, mas seu olhar se elevava para o alto em súplica. E eu sabia como se
sentia.
Há anos eu experimentava chorar em silêncio por alguém que amo
pela ordem natural da vida, mas que nunca pude conhecer. Minha mãe!
Mesmo Mando dizendo que era uma idiotice minha amar alguém
que nunca me amou.
“— Você não pode sentir saudades daquilo que nunca conheceu...
Daquela que nunca nos amou!”
Mas é claro que poderia amar e sentir saudades mesmo não tendo a
conhecido. Não há uma regra que não permite sentir falta daquilo que nunca
teve. Todo ser humano nasce de alguma mãe e não precisa ter conhecido ela
para sentir falta. Para sentir saudades de um abraço, do conforto e do apoio.
Porém, Irmandade experimentava a dor pela perda de seu filho. Se
era ou não a mesma coisa eu não sabia definir naquela época. Só sabia que
doía, então me aproximei dela e a abracei.
— Meu menino... — Ela olhou para mim e seu rosto estava inchado,
as lágrimas ainda iluminava toda a face. — A vida lhe dá filhos e lhe tira,
ainda bem que o tenho.
Irmandade foi o mais próximo que eu sabia sobre ter uma mãe. E a
mulher com o bebê no colo, mesmo em seu momento de dor, mostrou que
pelo menos uma pessoa nesse mundo me amava, dando a mim o amor
enquanto seu coração sangrava.
Não posso dizer que meus irmãos não me amavam, apenas de que
era solitário quando só tinha ela e agora Milagros.
— Deus me deu, Deus me tomou... — Ela recitou e suspirou,
recolhendo suas lágrimas.
Manolo Chunchirreta foi assassinado nas ruas de Cuidad de Juárez.
Ele e Castel eram inseparáveis e meu irmão jurou vingança contra a gangue
que preparou uma emboscada para a família do amigo.
— Prometo que todos pagarão...
Castel disse à Irmandade ao se aproximar de nós e retirar a pequena
Milagros dos braços dela, pegando-a.
— Ninguém tocará em vocês duas.
Nessa época Castel já era um homem implacável, o braço direito do
El Príncipe do Cartel de Cuidad. Controlando para ele todo o narcotráfico
em expansão para além da fronteira.
Alguém para ser temido.
Aliás, não me lembro do Castel irmão. Apenas de histórias de como
ele ascendeu dentro de um grupo como um cometa, se tornando importante
para a organização. Mas pelo pouco que sei isso fazia parte do seu plano
para não deixar que eu e Mando passássemos fome.
No entanto, seu altruísmo de provedor da família se estendeu,
cresceu e tomou uma proporção da qual ele se tornou um rei. O segundo
nome no Cartel de Cuidad.
Mal o via pela casa recém-adquirida no alto da colina, uma fortaleza
que ele comprou para abrigar a sua família. Irmandade, a bebê Milagros, eu
e Mando.
Logo meu irmão do meio se juntou a ele e passaram mais tempo na
cidade e do outro lado da fronteira do que por aqui. Era só eu, Milagros
bem pequena e Irmandade.
Éramos uma pequena família, mais os empregados e os homens que
faziam nossa segurança. Castel e Mando vinham para casa esporadicamente
e logo Irmandade tomou uma decisão de enviar Milagros para um colégio
de freiras em Novo México, o que me fez mais uma vez me sentir solitário
quando restaram somente nós dois.
Milagros, por mais nova que fosse, era o barulho, era a alegria
dentro daquele mausoléu. Era como se fosse uma irmã mais nova. No
entanto, agora estava sozinho de novo.
Pelo visto essa era a minha sina, não ter uma família por perto.
Passei a brigar na escola e me meter cada vez mais em confusões.
Foi quando Castel achou melhor me levar para Las Vegas com ele. Anos
antes de se tornar o meu dono. Ou melhor, se apoderar do que sempre foi
dele: minha vida!
Como tudo que ele toca se torna dele.
Eu não era livre! Era de Castel Salvitierra.
Fecho os olhos, as luzes vão me consumindo junto com as vozes
altas se misturando em diversos sons. Os mesmos que sempre escuto ao
final de cada combate.
Assim que vim para Las Vegas comecei a treinar boxe e muay thai.
Nunca havia entendido a fixação que Castel tinha para me ver lutando, mas
hoje, após me tornar Angel of Darkness, campeão mundial de WCC, é
nítido qual era realmente seu interesse.
Cada vitória, cada momento como essa noite se repetem como um
looping, sendo sempre a mesma coisa. É como se o dia terminasse e o outro
iniciasse como o de hoje. Nada mudava. Talvez por isso tenha fechado
meus olhos para talvez, quando eu os abrisse, tudo fosse diferente e me
trouxesse de novo o gosto por estar ali.
Um ato de esperança.
Mas não, estava como antes... Com Castel governando e
manipulando a todos ao seu redor. O WCC já não era meu local de refúgio,
era parte do mundo dele.
Abro meus olhos e só o que vejo é uma repetição de situações.
Smokings caros, lindas mulheres, a bancada esportiva anunciando minha
vitória para manter meu título.
— Meu campeão... — Valquez, meu treinador, já está invadindo a
arena após o anúncio de que eu ganhei mais uma vez. Ele me traz para seus
braços comemorando. Mas só o que quero é sair desse lugar. O suor em
meu rosto, meu olho esquerdo não abrindo e o gosto de ferro na minha boca
dizem que dessa vez foi por pouco.
Apanhei muito. Tinha essa convicção marcada em cada ponto
dolorido do meu corpo. Não foi fácil e eu deveria estar comemorando, mas
estava me sentindo vazio como ultimamente.
— Esse é meu garoto. — Outra voz surge próxima, invadindo o
pequeno espaço enquanto os flashes pipocavam quando meu irmão mais
velho, meu empresário e o que mais se assemelhava a um pai em minha
vida se aproxima, ou melhor, o meu dono.
O rei das apostas clandestinas, o segundo homem do Cartel de
Cuidad se movimentava como se ele fosse merecedor de toda aquela glória.
— Minha melhor aposta...
Sim... Castel não só era o provedor, o todo poderoso da minha
família; ele se tornou dono de tudo que pertencia a mim, de forma a que eu
fosse apenas uma marionete em suas mãos.
Assim como ele, os seus abutres ficam ao meu redor.
Posso parecer ingrato e que odeio Castel. Mas não! Eu o amo e não
posso me fazer de cego quando ele se esforçou para que eu e Mando não
morrêssemos na miséria em Cuidad Juárez.
A estimativa de vida para filhos de uma prostituta drogada não era
das melhores. Seríamos frutos do meio apenas. Porém, não sei Mando, mas
eu pago um preço alto por ter minha vida sendo controlada pelas mãos de
Castel.
— Você é o meu campeão. — Ele me puxa para seus braços e sinto
sua voz imponente e dominadora repetir o mesmo de sempre em meus
ouvidos. — É assim que gosto, ganhamos muito essa noite. Está perdoado.
O encaro e vejo o borrão do seu sorriso satisfeito, de rei triunfante
ali. Mas não quero saber o que tudo isso representa. Não quero saber o
quanto está ganhando. A única coisa que quero é sair dali o quanto antes.
Ainda mais porque não preciso do seu perdão, sendo que não fiz nada de
mais além de tentar ter um pouco de vida.
— Sr. Salvitierra, permita uma foto sua com seu irmão? — Um
fotógrafo qualquer diz alto, mas antes mesmo que a foto fosse tirada, me
viro e saio.
Só quero sair daquele espaço, daquelas pessoas que têm me
sufocado. Dessa obrigação.
— Carlos! — Sua voz sobressai às outras vozes, mas me entranho
no meio da multidão ignorando seu chamado.
Valquez me acompanha e só consigo um pouco de paz, sem toques,
sem flashes em meu rosto quando adentro o corredor que me leva ao
vestiário.
— Carlos, seria bom você ter ficado para as fotos. — O treinador
diz, vindo logo atrás, me fazendo parar ao colocar uma de suas mãos sobre
meu ombro.
— Para quê? Deixa Castel fazer seu show. Ele é muito bom no que
faz — respondo ressentido e logo entro no espaço vazio.
Antes da luta não foi o irmão me dando apoio e sim um homem de
negócios exigindo seu investimento, me mostrando que eu não passava de
uma mercadoria para ele.
— Vencer a luta de hoje vai ajudar na sua imagem. As apostas de
que você perderia eram maiores das que você ganharia.
— Você está sendo pago também para repetir o que meu irmão diz,
Valquez?
Eu e o homem à minha frente ficamos nos olhando com uma
resposta vazia quando o restante da minha equipe entra.
A pressão não é só para eu manter o título, mas para parecer o bom
garoto, com uma imagem que atraía patrocinadores e grandes marcas.
Castel não se contenta com o lucro das apostas sobre minha cabeça, ele
sempre quer mais.
E está puto porque estraguei um grande contrato ao me envolver em
uma das festinhas proibidas de Las Vegas, onde vazou fotos comigo
bêbado. O que mancharia a imagem da marca esportiva e fez com que ele
colocasse seus homens observando cada passo que dou.
Após segundos encarando meu treinador, me viro e, sem me
importar com a presença de ninguém, caminho na direção da ducha tirando
meu calção.
— Vai precisar dar pontos nesse supercílio. — Ele avisa, como se eu
mesmo não soubesse que estou com o rosto todo arrebentado.
Pela primeira vez achei que não conseguiria. Eu não queria ter
lutado hoje, queria ter desafiado Castel. Algo dentro de mim crescia como
um animal feroz, desesperado para sair da sua jaula.
Giro o registro, liberando a água. Entro sob ela e continuo ignorando
o que Valquez diz.
— Cadê Carlos? — Escuto Mando, meu outro irmão, perguntar por
mim.
— Ele está no chuveiro. — Meu treinador responde.
Não os vejo, mas escuto atentamente o que dizem, apurando meus
ouvidos.
— Ele vai dar uma coletiva assim que estiver pronto. Castel acha
melhor para dar uma limpada na imagem. Ele acha que após a vitória o
agente da marca pode voltar atrás. Ainda mais porque manteve o título de
campeão mundial.
Mando informa e não consigo deixar de me sentir com mais raiva
ainda. Sou tratado como se fosse uma cifra valiosa, sem direito a decidir o
que quero.
— Tente enfiá-lo a todo custo dentro do terno. — Mando continua.
— Pode deixar.
Porra... Não quero falar com ninguém e não vou!
Meu irmão deixa o vestiário e o que consigo escutar depois é
Valquez conversando com minha equipe.
Demoro um pouco mais do que comumente demoraria. Assim que
termino, ainda com a toalha enrolada na cintura, me sento no longo banco
de metal ao centro do vestiário quando Juan, um dos meus preparadores, se
aproxima e começa a espalhar pomadas onde supostamente deveria estar
com grandes hematomas. Além de fechar o corte logo acima do meu olho
esquerdo com um ponto falso, ele segura uma bolsa de gelo contra meu
olho inchado.
— Você apanhou muito dessa vez. O que aconteceu, cara? — Ele
pergunta baixo.
— Nada. Apenas para deixar mais emocionante — retruco evasivo,
dando uma longa gargalhada.
— Cara, uma hora vai dar ruim.
— E?
— Seu irmão o mata!
Essa era a resposta de sempre. Todos ali tinham medo de Castel,
mas eu não. O odiava e o amava ao mesmo tempo. No entanto, sei que
estava dando risada na cara do perigo quando criava qualquer embate com o
chefe.
— Se prepara, você tem uma coletiva logo agora. Castel o está
esperando. — Valquez informa ao se aproximar e trazer o terno de grife
dentro do protetor.
— Vão se foder, eu não vou! — digo enfático. — Vá lá e diga você
o que tem que ser dito.
— Carlos, não contrarie seu irmão.
Todos por ali não eram bobos e sabiam que há meses tenho me
rebelado, não fazendo como Castel quer.
— Está com medo dele, Valquez? — O encaro e sorrio presunçoso.
— Não, apenas respeito o meu chefe. E não acho que tendo essas
atitudes vai ganhar o respeito dele. Apenas está sendo um moleque com
problemas familiares mal resolvidos.
O treinador termina de falar e atira em mim o terno, dando as costas
em seguida. E o silêncio se instaura com todos esperando que eu acate o
que Castel quer, como um bom menino obediente.
“Eu sou tudo que tem. Eu o amo como um filho, mas não vou
tolerar mais suas rebeldias.”
Foi o que me falou antes da luta, quando disse que pedi uma
revogação. Que não lutaria.
Castel não sabe lidar bem quando é questionado ou mesmo quando
suas vontades não são acatadas.
Não tenho alternativas quando vejo Héctor e Martín na porta do
vestiário me esperando. Porém demoro, enrolo para me vestir
propositalmente, fazendo com que Mando apareça na porta e me encare.
Então, após sorrir vitorioso e saber que Castel está contrariado, me visto e
deixo o vestiário com seus cães de guarda logo atrás de mim.
Ouço o som das câmeras, dos flashes pipocando e é o próprio que se
assegura que eu me sente ao segurar em meu braço e sorrir como se nada
estivesse acontecendo.
Logo as perguntas começam. As mesmas de sempre. Tento sorrir e
dizer que serei invencível enquanto tiver forças para lutar.
— Carlos Salvitierra, nos diga. O resultado do seu doping ainda não
saiu. E após a última festa que participou, diante das fotos, podemos nos
preparar para ver o Angel of Darkness perder o título mundial?
Olho para o último jornalista sentado atrás de outros ali.
Filho da puta...
É Roco Johnson, o jornalista que sempre faz matérias
sensacionalistas com meu nome.
— Quem deixou ele entrar? — Castel vira um pouco a cabeça para o
lado, para um dos seus seguranças, e pergunta entredentes.
— Estou limpo, sou um atleta — respondo.
— Mas pessoas que estavam na festa disseram que você e seus
amigos estavam consumindo algo ilícito. O estranho é a Warriors Cage
Championship ainda não se posicionar e não liberar o resultado antes da
luta. Ou o dinheiro de Castel Salvitierra mais uma vez vai limpar a bunda
do bebezão Salvitierra? Sabemos que ele tende a ser muito persuasivo
quando o assunto é apagar qualquer indício que o irmãozinho possa ser
destronado. — O desgraçado do jornalista continua levantando hipóteses
como se fossem fatos. Ele sorri vitorioso, como se estivesse encurralando
sua presa em um canto.
A tal festa aconteceu faz três dias e rendeu não só a ira de Castel,
mas fotos tendenciosas e muitos comentários, sendo o assunto por esses
dias em Las Vegas.
Não posso dizer que lido bem com a mídia. Respiro fundo e encaro
o homem.
— Não sei do que está falando, mas acho que é porque eu estava
trepando com sua namorada. — Por fim perco a paciência e me levanto
após responder, batendo no microfone com força, mandando-o na direção
dos jornalistas. — Porque a gostosa gemia meu nome e de como estava
gostando, seu fodido.
Em seguida, empurro a mesa, tirando o móvel da minha frente. Vou
na direção do jornalista, mas quando estou prestes a acertá-lo os homens de
Castel me seguram e me afastam enquanto o som das câmeras registra o que
estava prestes a fazer.
Que tudo e todos se fodam...
Respiro fundo quando sinto a boca da loira se fechando sobre meu
falo ereto. Quero ir fundo, encostar em sua garganta e esporrar tudo, mas
não consigo me concentrar. Aliás, sinto que já não me satisfaço com
prostitutas como antes, elas já perderam a graça. Não sei se é o sexo fácil
que tem me feito ver que as opções em Las Vegas sempre são as mesmas.
Dinheiro jogado na cama é sexo garantido.
Gargalho com meus pensamentos enquanto agarro uma grande
proporção de fios loiros, envolvendo-os em meus dedos, fazendo com que a
puta não só gema, mas sorria, arreganhando os lábios com meu pau todo
socado dentro da sua boca.
— Que boca... Mas ficaria ainda mais interessante se chamasse uma
amiguinha para se juntar a nós — digo e pisco, encarando o rosto da linda
loira.
Ela balança a cabeça e faz um som engasgado ao concordar,
sabendo o que quero que faça.
— Isso! Boa menina... — Sorrio e gemo quando ela escorrega seus
lábios liberando toda a extensão, pressionando no final ao soltar a cabeça do
meu pau. — Caralho... — rosno quando escuto o barulho dos seus lábios
estalando ao sugar firme até sair todo meu cacete de sua boca.
— Só mais uma? — Ela pergunta após escorregar a língua pelos
lábios.
Tiffany, a acompanhante de luxo, está pelada, ajoelhada entre
minhas pernas, apenas com a tiara de orelhas de raposa. Uma das coyotes
strippers.
— Me surpreenda, quanto mais melhor — falo e me aconchego
ainda mais sobre o sofá circular.
Na cidade do pecado não se tem hora para putarias. E mesmo
desanimado, eu precisava trepar, extirpar toda minha frustração de ontem à
noite.
E não quero ser um arrogante de merda. Sim... gostava de sexo a
qualquer hora do dia.
— Tudo para meu campeão predileto... — A loira diz e se levanta,
apoiando as mãos nos meus joelhos com o intuito de resfolegar seus seios
nas minhas bolas.
Filhas da mãe... elas eram treinadas para fazer um homem se sentir
desejado de todas as formas, porém eu já estava tão acostumado que não
sentia mais nenhuma graça nos esforços delas. Só queria o meu prazer...
— Então vá, safada... — Dou um leve tapa na polpa de uma das
nádegas dela quando se vira para cumprir minha ordem. A deliciosa stripper
umedece os lábios dando uma última conferida no meu pau esticado e todo
babado, que está repousando sobre minha pelve.
— Volto logo! — Ela diz e se afasta enquanto meus olhos vão
registrando o leve gingado dos seus quadris indo de um lado para o outro.
Me ajeito melhor no sofá em curva abrindo os braços no encosto,
aguardando-a voltar com reforços.
— A tarde está boa, Carlos?
Não me assusto e também não fico feliz ao escutar a voz de Mando.
Sei muito bem o motivo de estar ali a minha procura. Não era
segredo algum que Castel deveria estar colocando minha cabeça a prêmio
depois de tê-lo deixado falando sozinho após a coletiva. Não fiquei para ver
como seria o seu sermão. Ainda mais com o resultado do meu doping sendo
anunciado em toda mídia.
Ergo a cabeça para o alto e encontro o olhar taciturno e controlado
do meu irmão do meio me encarando, como se estivesse passado horas me
procurado por toda Las Vegas.
— Poderia ter mandado qualquer um vir. Mas o que a realeza quer?
Que o fez sair do alto da torre e vir atrás de mim, querido irmão? — Eu
sabia o motivo, porém finjo que não estou ciente de nada. — Ah... e a tarde
está ótima. — Volto a olhar para frente escondendo meu descontentamento.
Não é fácil sempre ter que manter os demônios dentro do seu
cercadinho. Eu já estava no meu limite. Ainda mais quando Castel deixa
explícito como se eu só valesse dinheiro para ele.
— Procurei por você por quase toda Las Vegas. — Mando diz e
ajeita as mãos dentro dos bolsos da calça de alfaiataria de corte impecável,
como se nunca tivesse sido alguém que soubesse o que é miséria e fome.
Fungo desacreditado e debochado.
— Um milagre vocês não saberem onde estou. Ou está mentindo
para fazer um drama típico a la México?
Claro que eles sabiam muito bem o que estava fazendo, aliás, ele e
Castel sabem de todos os meus passos. Aonde vou, com quem estou e o que
estou fazendo. Como meu dono! E é exatamente por isso que tenho estado
constantemente no meu limite. Por estar sendo tratado como uma marionete
nas mãos do meu irmão mais velho.
— Voltamos... — Tiffany surge desinibida acompanhando uma
outra linda loira.
— Castel quer falar com você.
Ignoro Mando e sorrio para a loira que se aproxima mais.
— Se quiser dividir será muito bem-vindo, irmão. Devemos dividir
o pão de cada dia, assim Irmandade me ensinou — digo juntamente com
uma risada rouca, carregada de deboche.
Sim... não acataria as ordens daquela hiena.
Mando se aproxima e apoia suas mãos no encosto, projetando um
pouco seu corpo para frente a fim de que sua boca fique ao lado do meu
ouvido.
— Castel quer falar com você agora. Ou acha que tudo se resume a
foder vagabunda barata, Carlos?
— Qual é, Mando, vai me dizer que nunca frequentou as Coyotes
peppers[6]? — retruco mantendo o tom debochado na voz enquanto
mantenho minha atenção nas loiras que chegam mais perto, com uma delas
voltando à posição que estava ao se ajoelhar entre minhas pernas.
— Dym vai ajudar. Ela adora um campeão de WCC, mas antes
vamos precisar acordar esse menino preguiçoso. — Tiffany diz ao pegar
meu pau de novo entre seus dedos e massageá-lo com lentidão até que ele
fique fodidamente duro novamente. Em seguida, a linda acompanhante de
luxo desce seus lábios sobre toda a extensão. Dym, a outra loira, segura as
bolas e afaga-as, lançando aquele olhar de inocência roubada.
Por mais que esteja cansado de prostitutas adoro esse ar de pureza
que elas fazem quando fingem ser castas e intocadas.
Porra... fode muito com minha cabeça.
Fecho os olhos e ignoro a presença de Mando enquanto elas me
chupam deliciosamente. Vou gemendo como se ele não estivesse ali.
— As duas! — Mando chama a atenção das loiras e como se fossem
comandadas pela voz imperiosa dele, erguem o rosto na sua direção,
consentindo. — Deem o fora agora.
Meu irmão não faz sequer nenhum movimento, basta apenas o tom
autoritário da sua voz para as mulheres acatarem sua ordem sem me dar
oportunidade para dizer que não precisavam ir, pois eu não iria a lugar
algum.
— Castel quer falar com você, Carlos. Não acho melhor irritá-lo
dessa vez. Ele não está em um dos seus melhores dias. Você conseguiu
irritá-lo como nunca vi antes.
— E se eu não for? Vou ser punido? Ou vão mandar Martín e Héctor
virem me buscar? Os lobinhos da velha hiena do deserto? — Rio e prenso
os dentes, contraindo frustrado minha mandíbula.
Não tenho ressentimento contra nenhum dos meus irmãos ou mesmo
de seus homens. Mas estou no meu limite com toda essa atenção para
controlarem meus passos. Ditando o que faço ou deixo de fazer.
— Você brinca com fogo porque se trata do nosso irmão e sabe
muito bem o quanto Castel o ama.
— Não sei se é amor a mim ou ao dinheiro que ganha comigo —
retruco, não me importando se estamos chamando atenção.
— Você é um mimado de bosta, Carlos. Ele o tem como um filho,
mas você insiste em pintá-lo como o vilão.
— O único pau mandado aqui é você, Mando — retruco.
— Se quiser ficar nesse jogo de pirracinha, eu posso ficar o restante
do dia aqui. Porém, eu não tenho a mesma paciência que nosso irmão.
Então vamos, Carlos. Nem tudo se resume a você e sim ao dinheiro que
está envolvido e o quanto podemos perder com a bagunça que anda
fazendo.
— Mando, vá se foder... — digo e respiro fundo.
Meu irmão se aproxima e mostra que não se sente intimidado, que
não vai titubear em me tirar dali à força, mesmo que isso levante outro
escândalo e novas fotos minhas estampem as páginas de fofocas.
— Estou esperando em 10 minutos lá fora. — Ele afirma
ameaçadoramente e me deixa, não esperando por mim, apenas deixando os
cães de guarda de Castel de prontidão para cumprir sua ameaça.
Confesso que estou tentado a não fazer o que querem só para ver
qual o limite em que realmente estão, porém já perdeu a graça tudo isso.
Aliás, ultimamente meu passatempo predileto é fazer o oposto do
que Castel quer. Ainda mais depois daquela porra de coletiva que ele
arquitetou para fazer seu circo de horrores acontecer e limpar o que
aconteceu como se eu fosse o bom menino perdido.
Sim... eu estava naquela festa, muito louco, bebi, fodi. Só não
esperava ser fotografado três dias antes da luta de ontem à noite em meio a
um escândalo.
Porém, não foi a primeira e não seria a última.
***
Abro os lábios e coloco a língua para fora permitindo que Lyla
coloque o pequeno comprido ali, engulo e sorrio quando me pede para ver
se ainda estou com o MD dentro da boca, se o tomei enquanto meu quadril
ondula, metendo fundo em sua amiga. A loira me beija com lasciva,
devorando meus lábios.
— Já estou ficando com ciúmes — ela diz toda dengosa deslizando e
arranhando com suas unhas pintadas de vermelho todo o meu corpo.
— Não fique, tem Carlos para todas — rio e soco todo meu pau
dentro da boceta apertada da ruiva.
Uma comemoração e tanto.
Estamos em uma festa particular, em uma cobertura. E a putaria é
das boas. Estamos praticamente em 20 pessoas, se divertindo.
Sexo, droga e rocking roll literalmente.
Não vou pregar algo que não sou: Santo! Gosto dessa vida e de
tudo que ela me proporciona. Da forma como tenho o mundo aos meus pés.
No entanto a brincadeira é interrompida pelos gritos desesperadores de
uma das mulheres que estavam ali após ouvirmos o barulho de disparo.
— Socorro!
Procuro ver de onde vem o pedido. E logo ela surge desesperada e
aos prantos, enrolada em uma toalha manchada com sangue.
Porra o que aconteceu?
Assustado olho para os lados e começo a perceber a correria e
agitação que toma todos os que estavam ao redor, encerrando assim a
festinha particular com as garotas de programa se vestindo rapidamente.
Pegando suas roupas perdidas pelo chão.
Sem entende o que estava acontecendo me aproximo de apêndice da
suíte onde o entra e sai se torna constante e vejo o corpo todo
ensanguentado caído sobre a cama com uma arma nas mãos com uma
mancha e respingos por todo o lugar.
— Porra... — Nego com a cabeça diante da cena que meus olhos
estão registrando. O filho de um político importante do estado de Nevada
acaba de se suicidar e isso não é nada bom.
Sou empurrado minutos depois para o lado quando os funcionários
do hotel chegam após serem chamados. Mas não só eles estavam ali, a
polícia chega rápido.
— Não entra e não sai ninguém... — Um dos policiais gritam e na
porta de saída do quarto um deles se posiciona impedindo de sairmos.
A confusão foi tanta que esqueci completamente que estava pelado,
mas sou lembrado quando um deles se aproxima e pede que eu me vista. O
que faço rapidamente, ainda mais após ser reconhecido por um deles.
No entanto a situação não tinha como ficar pior quando tento
deixar o quarto. Sou impedido e conduzido por uma equipe de policiais ao
ter que deixar o hotel para ir depor.
A cena repassa diversas vezes na minha mente de como realmente
aconteceu tudo. Mas o problema estava estampado à minha frente, na tela
de um canal de TV, com a minha imagem congelada cobrindo o rosto com o
antebraço, deixando o hotel apenas de calça jeans e acompanhado por um
policial. Logo abaixo escrito em caixa alta: Campeão mundial de pesos
pesados de WCC estava em festa particular regrada a droga e garotas de
programa quando filho de senador se suicida.
— Porra mil vezes! — Castel diz furioso, batendo contra o tampo da
mesa de madeira ao desligar o telefone enquanto eu estava sentado no
longo sofá de couro da antessala da sua suíte no seu hotel.

Meia hora depois entrava na cobertura do Palace de Mônaco[7], um


hotel que Castel fez questão de ter após cobrar uma dívida milionária
perdida em uma aposta. Desconfio que não foi nenhum jogo limpo, como
nada por aqui é.
Não que isso seja algo que eu reprove. Jamais contestaria meu irmão
e seus meios, foram eles que nos tiraram daquela vida de miséria em
Cuidad Juárez. Mas por se tratar de um figurão do narcotráfico, o braço
direito de El Príncipe do Cartel de Cuidad, Castel se acha um rei, onde só
suas vontades devem prevalecer e isso me irrita profundamente.
Ele acha que está acima de qualquer lei, como se ele fosse a própria.
— De certo estava bebendo e fodendo alguma prostituta barata. —
Castel não espera ficarmos a sós para se virar em minha direção e dizer
irritado, rodando em círculos o copo, gelando a bebida que está dentro antes
de bebê-la em um gole só.
Dessa vez é perceptível que de fato não está em seu melhor humor.
Olho para os lados e tudo está como sempre foi.
Móveis luxuosos, mulheres andando por todos os lados e ele com
seu habitual robe de cetim preto com o CS bordado em dourado na altura do
peito esquerdo.
— Estou errado? Não posso comemorar? Não ganhei a sua luta? —
digo, tentando não transparecer meu ressentimento ou mesmo meu escárnio
ao encará-lo.
Não que lutar para mim seja um fardo. Sempre foi meu refrigério,
mas ultimamente apenas por saber o que está rolando por trás me deixa
desanimado. Que não é só para me ver bem e sim porque representa muito
dinheiro.
— Você pode, a não ser que sua cara não esteja estampada nos
tabloides, como um bad boy. Sabe o quanto me custa cada vez que você se
mete em uma briga, quando apronta por aí? — Castel me encara ao ficar
bem perto de mim e mesmo centímetros menor que eu, posso sentir que não
seria qualquer coisa que o intimidaria.
— Não mantive o cinturão? — ignoro e respondo com outra
pergunta.
— Quase não conseguiu e ainda quase espancou um jornalista
esportivo diante de toda a mídia. Acha que estou feliz? Acha que não perdi
nada com isso hoje?
— Acho que está fazendo uma tempestade em um copo de água —
respondo e me mantenho firme ao sustentar seu olhar feroz.
— Carlos, meu irmão, você acha que está impune a tudo. Nem
mesmo eu estou conseguindo limpar seu rabo. Até estaria tudo bem depois
de ontem, a não ser pela ligação que recebi hoje de manhã.
— Avisando de que estava bebendo no Coyotes peppers?
— Antes fosse... — Castel diz e não termina de falar; movimenta
sua cabeça, ordenando que nos deixassem sozinhos, permanecendo apenas
Mando, Hector e Martín, seus lobos.
— Então o que de tão importante fez o Lord Castel mandar seus
lambe sacos atrás de mim?
Castel me encara e antes de dizer qualquer coisa sinto o dorso da sua
mão direita contra a lateral do meu rosto. O metal daquele maldito anel em
seu dedo mindinho bate em algum osso da minha face, me causando dor.
— Seus exames acusaram MD[8] e você está aí achando que tudo se
resume ao seu umbigo, irmão? — Não satisfeito ele segura meu queixo com
dureza, me forçando a encará-lo.
O olhar firme e perverso daquele homem que muitos temem me
encara como se eu fosse um desertor, alguém que não cumpriu suas ordens
corretamente e que estava prestes a ser punido.
— Você é um campeão e não um drogado das ruas de Las Vegas.
Estou me cansando das suas bagunças e infantilidade. Está fazendo isso
para me provocar?
Remexo o rosto e saio de sua mão, mas mantendo meu olhar no seu.
— A equipe médica, junto com a WCC, nos próximos dias vai
julgá-lo e suspendê-lo por sei lá quantos dias. Sabe o que isso significa,
Carlos?
— Que você vai perder a sua máquina de fazer dinheiro... — Não
consigo terminar de falar o restante da frase quando outro tapa com mais
força ainda me atinge. O local arde, fazendo com que minha mandíbula
estrale quando toco nela, abrindo e remexendo minha boca de um lado para
o outro.
— Toda sua vida não pagaria o que tenho feito por você. Prometi
que você não passaria pelo que eu Mando passamos e é assim que me
retribui?
Respiro fundo e ao invés de encará-lo meu olhar vai para o chão.
Estou apanhando do meu irmão na frente dos seus homens e não só sinto
raiva como também percebo que atingi um local perigoso com ele.
— Hoje mesmo você irá para Cuidad, ficará no Cuartel sendo
vigiado até eu mais uma vez limpar sua bunda e consertar suas burradas.
Vai ficar com Valquez treinando para não ser aquele medíocre que vi ontem
à noite. Aquilo não foi o campeão que criei.
— Eu não vou... — Não penso para falar, apenas digo que não vou
acatar suas ordens.
— Nem que eu pique você por partes e te envie para lá em um saco
preto, mas você vai. — Castel ameaça e deixa claro que não vai aceitar um
não meu.
Que caralho...
— A partir de agora Héctor e Martín vão estar atrás de cada passo,
de cada respiração que você der. Enquanto não decidirem e julgarem seu
caso fará o que eu quero. E vai para Cuidad, onde não fará nada para me
causar mais problemas.
De todos os lugares na face da terra, o que eu menos queria era estar
lá, naquela prisão.
— Acorda, donzela. Não está aqui para ficar parado, hora de treinar.
Mas que caralho...
Respiro fundo quando sinto o calor invadir o meu quarto em Cuidad
Juárez, bem situado na fortaleza de Castel, e Valquez parecendo que está
com sua voz dentro de alto-falantes.
Ontem mesmo, depois da ameaça que meu irmão fez, não tive
tempo sequer de pegar minhas coisas na minha suíte. Não sei se por medo
que eu desaparecesse ou qualquer outro motivo, Castel fez seus homens me
enfiarem contra minha vontade naquele carro e avião. Cumprindo que me
fariam vir conforme queria.
Mal tive tempo de ficar sabendo o que de fato estava acontecendo.
Como sempre, sou o último a saber as decisões que tomam por mim. É um
círculo vicioso, o qual estou pronto para rompê-lo. Mas o maior problema
será como! Já que tudo que sou sempre foi uma história escrita por outra
pessoa.
— Fecha essa porra de cortina! — grito e me viro, enfiando minha
cabeça sob o travesseiro.
Cheguei tarde e não vi Irmandade ou qualquer outro funcionário, ou
melhor, qualquer um dos seus paus mandados. A não ser Héctor, Martín e
Valquez, que são mais como cães sarnentos esperando ser alimentados pela
grande hiena.
E não... mais uma vez tenho que dizer que não sinto ódio de Castel,
apenas odeio ser sua marionete.
— Você não está aqui para descansar. Ouviu as ordens do seu irmão.
Você está aqui para treinar. Melhorar a forma e não ser mais aquele lutador
medíocre que está se tornando. — Meu treinador faz o contrário do que
peço e, enquanto diz, profere as palavras como se estivesse fazendo uma
palestra motivacional.
Ele não só fala disparadamente ao aproximar da minha cama, mas
também puxa todo o lençol, me descobrindo, provando que ele vai cumprir
as ordens de Castel custe o que custar.
— Levanta dessa cama. E pelo menos haja como homem e não
como um moleque, Carlos. Está jogando fora uma oportunidade que muitos
querem.
Sei que não estou em um melhor momento, ainda mais depois de ter
acusado MD no meu doping. O que pode me tirar tudo.
Não que eu quisesse que as coisas tivessem tomado essa proporção,
porém não vou negar que usei uma única vez e foi nesse maldito dia. Só
queria buscar algo novo.
Nunca gostei de drogas, mas estava tão fodidamente fodido que não
me controlei e perdi o controle apenas para atingir Castel. Não pensei que
tudo isso fosse me ferrar muito. No entanto, não daria o braço a torcer como
esperam, que eu abaixe a cabeça e seja um cordeirinho.
— Bom dia, meu menino... — Outra voz surge. Irmandade também
estava ali. Pelo visto combinaram de me acordar bem cedo. A mulher que
me criou talvez fosse a única coisa boa que tinha nesse inferno do qual saí e
tive que voltar.
— Trouxe o que pedi? — Valquez pergunta e escuto mais passos
aproximando, porém ela não fala nada e eu fico como estou, mantendo
minha cabeça sob o travesseiro e de barriga para o colchão. Claro que
evitando responder e mostrando que não levantaria da cama enquanto eu
não achasse o melhor horário. Porém, se eu achei que as coisas seriam
fáceis, que seria vir e ficar parado enquanto Castel age sobre seu tabuleiro,
manipulando e fazendo o seu jogo como bem entende, eu estava errado.
Sinto a água gelada e as pedras de gelo batendo em meu corpo como se
fossem diversas facas se enfiando em mim.
— Filho da puta! — grito e, obrigado a sair da cama, me levanto
molhado ainda sentindo a temperatura baixa contra minha pele.
— Vai levantar todos os dias as 6h ou vamos te tirar da cama assim.
— Ele informa e devolve uma caixa plástica a Héctor, que está ao seu lado.
Olho para Irmandade que me encara como se estivesse desapontada.
Confesso que esse olhar não me deixa feliz por saber de como as coisas
estão acontecendo.
— Carlos, meu menino! — Ela diz e suspira, demonstrando estar
decepcionada ao me entregar uma toalha.
Fico ali por longos minutos, olhando para ela de um jeito que todo
meu outro eu quer se desculpar, de que não quer vê-la triste, mas hesito
quando encontro o olhar do meu treinador me repreendendo com dureza.
— Se troca em cinco minutos para começarmos o treino. — Valquez
informa de modo autoritário, deixando claro que eu não terei voz alguma.
— Eu já não estou aqui como um prisioneiro? Não fiz o que meu
irmão queria? Então foda-se tudo, eu não vou treinar — digo e começo a
me enxugar, passando a toalha pelo rosto.
— Você não entendeu? Você vai fazer o que Castel quer... — Héctor
diz.
O ruim de tudo isso é que os olhares deles e toda a forma como
estão me tratando é como se eu fosse um bebê, que precisa de babá.
— Vá se foder, Héctor — retruco. Se acham que terei medo não vou
ter.
— Me deixem conversar com ele a sós. — Irmandade olha para os
dois homens ali e pede, voltando a me encarar. E os dois não questionam,
apenas atendem o pedido da governanta de Cuartel Salvitierra.
Ela espera que fiquemos apenas nós dois para caminhar até o
cômodo apêndice ao quarto, sumindo atrás das portas de espelho. No
entanto, ela não demora, retornando em seguida com roupas secas.
— Vista e faça o que seu irmão quer, meu querido. Não será sábio
você desafiar o mais forte. Em uma selva, o leão sempre vai levar a melhor
sobre os filhotes dele — suspiro resignado e aceito a camiseta regata e o
short de nylon que me oferece. — E não revire os olhos para mim, Carlos.
— Até você, Irm? Todos estão contra mim. — Dou-lhe as costas
frustrado.
Como pode minha vida ainda ser pior do que estava sendo? Já não
bastava ser o brinquedo predileto de Castel, agora eu precisaria ficar nesse
lugar que tanto quero distância.
Sim... não gosto desse lugar e tudo nele me faz lembrar do que meu
irmão foi capaz de fazer para tê-lo. De nunca ter tido uma mãe, da solidão
em que fui obrigado a viver.
O santuário dele é a fortaleza, onde tudo de mais valioso, obras de
arte e uma boa parte do seu dinheiro está. É uma suntuosa casa no alto de
uma colina, acessível apenas por quem é permitido. O lugar é bonito, mas
não deixa de ser meu inferno particular.
— Ninguém está contra você, Carlos. Apenas estamos preocupados
como tem se comportado. Castel me disse que está usando drogas, bebendo,
entrando em brigas. Que todo aquele sonho de ser o melhor lutador já não
existe aí dentro. — Irmandade diz e coloca a palma de sua mão sobre o
local do meu coração. — Eu não quero te ver como um derrotado na vida.
Ela me encara e seus olhos são ainda mais atormentadores que meus
próprios demônios. Como se tudo que eu estivesse fazendo a afetasse
irreversivelmente.
Irmandade foi a mãe que não tive. Foi ela quem cuidou de mim
enquanto Castel se tornava o segundo homem mais importante dentro do
Cartel de Cuidad. Ela perdeu tudo que tinha, assim como eu, o que lhe
restou foi somente Milagros e nós.
E ver seus olhos, a tristeza contida dentro deles me dói, faz com que
eu me sinta um bastardo filho da puta. Não quero vê-la triste e muito menos
chateada. Pode parecer incoerente da minha parte, mas me importo com ela.
Então me aproximo dela e a abraço, deixando o silêncio permear
entre nós dois. Aninho a mulher, que já tem seus mais de 60 anos, dentro
dos meus braços. Praticamente ela se torna minúscula ali naquele lugar.
Inclino minha cabeça para baixo e beijo o topo de sua cabeça, encostando
meus lábios demoradamente ali.
— Eu amo você como um filho, Carlos, e não quero vê-lo se perder.
— Ela diz e sua voz sai baixa e fraca. A fungada deixa claro o choro preso
na garganta.
— Eu também amo você, Irm.
Sim... eu tinha sentimentos pela mulher que cuidou e me amou.
Como não ter? Claro que não foi a mesma coisa de ter uma mãe, mas tê-la
por perto fez com que o fardo não fosse tão duro e pesado assim.
Ultimamente sei que meu comportamento não tem sido um dos
melhores, mas estou farto de ter que obedecer Castel, fazer suas vontades,
sendo quem ele quer e não eu mesmo.
— Não quero perder você, meu menino.
— Não vai me perder... — digo ao afastar o corpo um pouco para
trás para encarar a mulher.
— Você está usando drogas, Castel está preocupado que você possa
perder tudo. — Sua voz ainda é embargada e chorosa. Porém, não disfarço
meu descontentamento quando diz o que meu irmão pensa.
Não é um modo ingrato de ser, mas quando se tem toda sua vida
controlada, pressionada a sempre ganhar não por você e sim por dinheiro,
tudo se torna complicado de lidar. Sei que minhas atitudes têm refletido nos
cofres de Castel e talvez ele não tenha percebido que quero lutar por prazer
e não por cifras.
Não quero ser controlado.
Não quero que minha vida seja a dele.
Não quero ter que vencer porque representa apenas números.
— Um MDzinho de vez em quando não faz mal — brinco e ganho
dela um tapa na lateral do meu braço.
Não pensava em voltar a usar, mas não demonstraria que estava
errado e que eles estavam certos. Só que não vou ficar me justificando que
tudo isso é por causa de não ter mais uma vida, mas porque não aguento
mais.
Como nesse exato momento, em que estou em Cuidad contra minha
vontade.
— Você sabe, você cresceu vendo que as drogas só afundam cada
vez mais uma pessoa, Carlos. Ela deixa homens ricos e outros ainda mais
pobres.
Sim... não vou negar que Castel e Mando sempre deixaram em
alerta que o que vendiam não deveria entrar em casa, que onde se ganha o
sustento não se deve abusar dele.
— Castel está preocupado. Ele te ama, menino.
Não consigo engolir essa desculpa de que Castel age por amor. Só se
for por amor a ele e pelo poder.
— Castel só ama a si mesmo e tudo que o dinheiro lhe proporcionou
— retruco ressentido por lembrar do que represento para ele, sendo apenas
uma máquina de dinheiro.
— Não diga uma tolice dessas. Você está sendo ingrato, Carlos. —
Me separo dela e sigo na direção da saída, deixando claro que não quero
falar mais sobre meu irmão. Todos por aqui o idolatram. O acham um herói.
O garoto pobre que tirou a família da miséria.
Porém, mesmo conversando com Irmandade eu estava disposto a
enfrentar meu inferno particular sem fazer o que Castel quer. Se ele quer me
manter aqui, que me mantenha como seu prisioneiro então, mas não pense
que será algo fácil.
Chego na cozinha e Valquez está lá com os cães de guarda, Héctor e
Martín.
— Resolveu obedecer? — Ele pergunta debochando e o ignoro
atravessando todo o cômodo e indo na direção das enormes portas de vidro
que dão para um longo terraço, onde a vista do vale dá para toda Cuidad.
Minha relação com meu treinador sempre foi muito boa, mas após
Castel se intrometer até nisso não consigo achar que Valquez faz algo para
meu bem. Sempre acho que está fazendo apenas por ordem do seu chefe.
Fico parado, de costas para as portas de vidro, no entanto posso
sentir ele se aproximar. Antes que se aproxime mais me afasto e começo a
correr, me distanciando, ganhando espaço dele e dos homens de Castel.
Não que eu estivesse fugindo, até porque a casa é uma fortaleza. É
onde Castel se torna ainda mais um rei intocável. Porém, quero ficar
sozinho, já que toda minha vida foi tirada de mim.
Ao contrário do que pensavam, que eu iria acatar as ordens de meu
irmão com Valquez tentando me dissuadir para treinar com um banho
gelado, caminhei e corri pela propriedade por mais de uma hora.
A intenção era mostrar que as coisas não seriam tão fáceis assim.
Em contrapartida até foi bom, deu para espairecer sobre tudo que estava
acontecendo, porém minha raiva não diminuiu, ela apenas aumentou;
contudo, para sair daqui vou precisar jogar o jogo de Castel e ser mais
esperto que ele. Mas por enquanto vou deixar que pensem que ainda estou
contrariando-o.
Não pretendo ficar por muito tempo nesse lugar.
Não me demoro muito para voltar para dentro da enorme casa e
continuar com o meu plano. Quando passo pela entrada da cozinha, vejo
logo ali, ao redor da piscina, Martín e Héctor jogando cartas, como se
estivessem distraídos. Mas não estavam. Era apenas parte de um esquema o
qual sei muito bem como funciona.
Vamos ver quem realmente vai ganhar...
Estou em Cuidad como Castel quer, agora fazer o que ele deseja vai
ser completamente diferente. Vou apenas em dias deixar ele pensar que a
batalha está ganha só para eu sair daqui o quanto antes. Já que seria
impossível uma fuga. Então, o melhor jeito é fazer com que pensem que o
jogo está ganho para o lado deles.
Não estamos em um de cabo de guerra, só estou mostrando que não
sou e não serei mais seu brinquedinho.
Como parte do meu plano, passo pela cozinha, pegando uma das
frutas sobre o cesto em cima da bancada e sigo para meu quarto. Ignorando
completamente quando Valquez me pergunta se vamos começar a treinar.
Ainda não é o momento de fazer o papel do menino bom.
Volto para meu quarto e vou direto para o banho. Ficando lá por um
bom tempo. Não estou disposto a ver ninguém pelo restante do dia, ou
melhor, finjo que não estou de bom humor. Mas por volta do horário de
almoço Irmandade aparece trazendo uma bandeja nos braços.
Ela entra no meu quarto sem bater. Estou deitado sobre minha cama
no escuro, com as cortinas fechadas novamente como se estivesse
dormindo. Acredito que assim que saí para correr alguma das empregadas
da casa tenha vindo trocar toda a roupa de cama, após Valquez ter
derrubado água gelada sobre mim.
— Trouxe o almoço para você, já que provavelmente vai se rebelar e
não almoçar com todos à mesa.
Sim... Irmandade acertou em cheio quando diz que não vou me
juntar ao restante da casa.
A mulher sempre fez questão de estarmos reunidos durante as
refeições. Pelo menos era assim quando eu estava aqui. Não só nós dois
compartilhávamos desse momento como uma família, mas em diversos
outros, como nas datas comemorativas.
E isso me faz lembrar que depois de amanhã Castel e Mando
provavelmente vão estar por aqui para comemorar o dia de Los Muertos.
Há anos evito vir. É como reviver algo que nunca pude ter ao ver as
fotos no altar para os que foram dessa vida para a outra. E Irm é bem
religiosa, um tanto crente e fiel a nossa cultura. Para ela, o dia de Los
Muertos tem que ser celebrado e comemorado como manda a tradição.
Assim como em outras datas também. Mas nesse dia ela prepara um grande
almoço. Mando e Castel sempre estão presentes, ao contrário de mim, que
vivo fugindo de vir nesses momentos. Além de colocar uma foto de Sancha
em sua pequena capela.
— Obrigado, Irm — agradeço e não me mexo na cama. Quero ficar
por um tempo maior ali ainda fingindo que estou com raiva, porém meu
estômago me trai quando sinto o delicioso cheiro de enchiladas[9]. Ele ronca
alto me denunciando e Irmandade sorri ao ir até uma mesa no canto do
quarto e deixar a comida ali.
— Coma tudo. Não quero ver meu menino fraquinho — diz
carinhosamente.
Mas que caralho... Irmandade sabe como me quebrar ao meio
apenas com seu tom amoroso e com suas deliciosas enchiladas.
— Pode deixar, capitã. — Bato continência.
Ela, antes de sair, me dirige um olhar de que não está para
brincadeiras quando se referiu que eu deva comer tudo.
— Vou comer tudo. Estava com saudades da sua comida — digo
alto quando olho na direção da porta e a vejo sair.
Assim que estou a sós, não hesito e vou direto ver o que trouxe e
acertei pelo cheiro ao ver várias enchiladas, acompanhadas com alguns
vegetais.
Irmandade é uma exímia cozinheira. Não tem quem não goste da
sua comida. Particularmente era a única coisa que me fazia sentir saudades
de casa.
Após almoçar deixo a bandeja como está e volto para a cama. Se
Valquez acha que descerei para treinar está enganado. Não quando ainda
estou puto por ter vindo para cá contra minha vontade e é melhor que pense
que terá que vir todos os dias de manhã me acordar.
Fui forçado a algo que não queria.

***

Passo o dia todo dentro daquele quarto, isolado de tudo e todos,


apenas com uma televisão que poderia me dizer o que está acontecendo no
mundo. Sem muitas opções, acabo ligando-a quando está tarde da noite.
Entre os canais que vão aparecendo na tela vou pulando e deixo no
CombatUSA[10]. Há uma luta dos pesos leves passando. Fico por um tempo
assistindo, mas estou completamente enfadado de estar ali e com um pouco
de fome.
Resolvo descer e ir até a cozinha. A essas horas todos já devem estar
dormindo, tendo apenas alguns homens fazendo a segurança nos arredores
da propriedade. Irmandade odeia que eles fiquem zanzando pela casa. E por
incrível que pareça, Castel faz tudo que a mulher quer, mesmo que isso vá
contra o que ele quer. Se tem alguém que faz Castel comer em suas mãos
essa é Irmandade. Assim como todos nós, ele a tem como uma mãe.
A casa está vazia e silenciosa, como pensei, porém, a luz no fim do
corredor quando termino de descer as escadas me chama a atenção. Há um
vulto, uma sombra preta ajoelhada diante do altar de Nossa Senhora de
Guadalupe. Não é Irmandade, a silhueta é pequena e miúda diante do que
seria a mulher um pouco mais forte. Além de que, também está vestindo
hábito como uma freira.
Uma freira...
O longo traje escuro parece ser de uma ou é apenas um manto. O
que é bem estranho, já que as demais mulheres que trabalham aqui vão
embora no fim da tarde.
Por um momento sinto um misto de curiosidade e medo percorrer
minha coluna. Bem aquele típico suspense que te leva a pensar em coisas
ruins. Como uma psicose bem elaborada do subconsciente.
Será que estou dentro de um filme de terror? E logo a freira vai se
virar e me atacar?
Rio com sarcasmo ao me deparar com um lúdico pensamento
imbecil, porém minha curiosidade está atiçada a um nível extraordinário, o
que me faz aproximar ao invés de virar e seguir para onde ia.
Só posso estar vendo coisas...
Caminho com passos calmos para não ser notado pela freira, que se
mantém de costas, com as mãos unidas em oração à frente do rosto. Noto
também o bruxulear das chamas baterem nela e fazer uma sombra contra a
parede.
Castel havia feito um altar para Irmandade não ter que ir todos os
dias à igreja no centro de Cuidad, preocupado com a violência e com algo
que pudesse acontecer à mulher.
Mas não era ali. Poderia até ser algo sobrenatural, mas como não
acredito nessas idiotices, sinto que a freira é tão real quanto os sussurros da
sua voz.
No entanto, paro onde estou, permanecendo estático quando a
mulher se coloca de pé, apoiando as mãos na base de madeira e a usando
como apoio. Ela se mantém ainda de costas para mim. Certamente sem
notar que não estava sozinha.
Mas que caralho...
Quem será?
Observo atentamente cada movimento seu e novamente aquele
perigoso frio cruza toda minha espinha dorsal, me mantendo em estado de
alerta. Pronto para agir a qualquer movimento estranho.
Porra... estou com medo.
Ela então grita simultaneamente quando se vira para deixar o local e
me vê. Ajo por impulso e quando percebo estou tampando sua boca com
uma das mãos enquanto a outra vai parar contra sua nuca, como se eu fosse
o invasor aqui.
A freira é tão real quanto o agudo da sua voz.
Olho por cima do ombro para ver se alguém ouviu e está vindo. O
que menos quero nesse momento é ganhar um sermão de Irmandade por ter
assustado a freira desconhecida que invadiu nossa casa. Vai que ainda é
uma aparição e que só eu estou achando que é de verdade...
— Xi... Por favor não grite — sibilo fraco ao encarar seus olhos
pretos como duas ônix, que me olham com medo como se eu fosse atacá-
la.
O bizarro era que eu estava com medo de que fosse algo
sobrenatural, uma ilusão idiota de lendas lúdicas que passou em um filme
de terror. Contudo, era tão real que conseguia sentir o calor da sua
respiração batendo contra a palma da minha mão.
Não, eu não estava ficando louco como pensava que poderia estar.
— Quem é você? — pergunto no mesmo tom enquanto minha mão
continua comprimindo seus lábios, para evitar que gritasse chamando
atenção aqui. Contudo, não consigo desviar meu olhar de todo o contexto
em que ela se encontrava.
O hábito não só lhe cobria por inteira, mas os cabelos também,
deixando visível apenas o rosto oval com traços bem marcados e
sobrancelhas grossas, bem jovial. Um conjunto interessante para uma
mulher de Deus.
— Vamos lá, me diga, quem é você e o que faz aqui? — pergunto.
Aliás, quem é a estranha aqui é ela, então eu não deveria estar com
medo de que pudessem vir em seu socorro, porém era melhor evitar a essas
horas Irmandade e os homens de Castel aqui querendo saber o que
estávamos fazendo.
Claro que eu fui surpreendido e ela estava em oração. Todavia, não
seria nada demais. Entretanto ainda estou curioso para saber quem era e o
que estava fazendo em minha casa a essas horas.
Suponho que estava fazendo uma oração. — claro, Carlos —, isso
era bem óbvio, dado ao lugar em que está. Mas quem é eu não faço a
mínima ideia.
Insisto e pergunto de novo quando a jovem freira segura gentilmente
meu pulso para que eu retire minha mão, liberando sua boca. No entanto,
não sei se ela vai simplesmente me dizer sem gritar. Por entre o sim e o não
e um medo que não faz sentido algum, resolvo me afastar, liberando-a.
— Vamos lá, o que está fazendo aqui? — repito a pergunta quando a
deixo livre, porém faço algo para que não saia correndo, dou um passo para
frente fazendo com que a freira recue, tropeçando no genuflexório[11], quase
caindo para trás e fazendo barulho ao se chocar contra o móvel religioso.
A seguro imediatamente, antes que caia. Não era bem isso que
queria. Era só para deixá-la encurralada.
— Por nossa Senhora de Guadalupe, me solte agora, Carlos. — A
jovem de olhos pretos se remexe dando leves tapas contra minhas mãos, na
tentativa de que eu a solte, porém não consigo ter qualquer raciocínio lógico
ou reconhecer quem é ela.
Procuro em minha mente quem possa ser...
— Me solta, por favor! — A freira implora e consegue não só se
equilibrar, mas também se soltar, ganhando uma distância segura de mim.
— Quem é você? Está na minha casa e sabe meu nome — interpelo
curioso e inquieto.
— Não vai me dizer que não sabe quem sou eu? — responde e
franze o meio de suas sobrancelhas, como se eu tivesse que saber quem ela
era.
— Não... não sei e nem o que faz aqui.
Olho por cima dos ombros e a casa toda ainda está com as luzes
apagadas, significando que ninguém escutou o barulho.
— Vai me atacar? — pergunto e quando volto a encarar a freira ela
faz caretas como se não estivesse entendendo minha lógica absurda.
— Não vou te atacar. Com que fundamentos está pensando uma
coisa dessas de mim, Carlos?
— Porque você sabe quem sou e eu não sei quem é você.
Estava deixando o Convento de Santa Guadalupe dos Milagres,
onde passei boa parte da minha vida, para passar com toda a família reunida
o feriado de Los Muertos e completar a última etapa do meu processo para
me tornar de fato uma freira.
Não que eu estivesse muito animada para ir para casa. Faltavam
apenas mais dois meses para eu me Noviciar[12] e como parte do protocolo as
madres superiores acharam melhor que eu passasse os meses que faltavam
em casa, como parte do processo, para ter certeza que de fato quero abdicar
de uma vida normal. Não que viver uma vida de servidão à fé fosse algo
anormal, apenas é uma escolha e uma paixão.
E como não tive escolhas, aproveitando que daqui a dois dias seria
feriado de Los Muertos, minha dispensa foi requisitada.
Por dois anos aguardo ansiosa por esse momento.
Para algumas garotas da minha idade o que estou fazendo ao
escolher uma vida casta e de total celibato é uma grande loucura. Mas quem
disse que os desejos do coração não são uma total loucura?
Desde meus 15 anos, quando minha avó propôs que eu voltasse para
casa, quando Castel sugeriu me levar para os EUA para ter um ensino de
qualidade, não quis, optei por ficar no convento por seguir minha paixão e
minha vocação.
Fui questionada se de fato é isso que quero para minha vida.
E sim... é o que quero.
Fui para o convento aos 6 anos, quando os ânimos na Cidade de
Juárez não estavam dos melhores, com gangues se rebelando contra o
Cartel de Cuidad. E com o medo que minha vida seguisse o mesmo de meus
pais, minha avó e Castel decidiram que seria melhor eu estar com a irmãs
do Convento de Santa Guadalupe dos Milagres, bem protegida de todo o
mal desse mundo em que minha família e os Salvitierra estão envolvidos.
Por partes, não posso dizer que foi fácil, porém, mal me lembro de
muitas coisas daquela época, apenas de que um dia eu tinha ela e Carlos e
no outro mais ninguém. Castel e Mando já não moravam mais em Cuidad,
apenas iam até lá com certa frequência, em datas especiais. Ou quando
tinham negócios para tratar com El Príncipe, o senhor de toda cidade.
Claro que poderia até me revoltar por ter tirado o pouco que tinha,
mas cresci aprendendo que eles tiveram na verdade atos de amor,
garantindo que eu estivesse sã e salva de todo o mal. Então, minha vida,
meus anseios é por permanecer aqui até o dia da minha morte.
Era o meu destino.
A viagem da cidade do México até Cuidad de avião demorou um
pouco mais de 2h. E fui recebida por um dos homens de Cuartel Salvitierra,
me esperando para levar para casa. Não só eles estavam a minha espera,
minha avó já estava em pé, próxima à entrada, à frente das enormes portas
de madeira quando o carro estacionou próximo a ela.
Não venho com frequência para casa. São em casos bem
esporádicos, e como preciso desse tempo para provar e decidir se é mesmo
meu destino, tive que vir. O que por outro lado será muito bom. Poder rever
minha avó e passar um tempo com ela. Também ver Castel e Mando.
Independentemente de todos os reveses que tive na vida, ainda sou muito
afortunada por ter os Salvitierra como minha família, inclusive Castel como
um pai. Foi ele que esteve ao meu lado quando Manolo Chunchirreta, seu
melhor amigo, o meu pai, foi assassinado junto de sua esposa.
— Minha doce menina! — Minha avó diz e vem ao meu encontro
assim que desço do carro.
Desconfio que o motorista a tenha informado quando cheguei no
aeroporto em Cuidad só para que ela ficasse aqui de prontidão me
esperando.
— Vovó! — Correspondo enquanto seguro a pequena bolsa com
algumas coisas pessoais que trouxe. Já que não costumo usar outro tipo de
roupa a não ser o hábito por minha vontade própria. Eu poderia usar roupas
bem comportadas ou não usá-las. Então preferia ficar como estava
acostumada.
— Estou tão feliz por tê-la em casa no dia de Los Muertos! — Ela
diz saudosa e me abraça carinhosamente. Ainda não tinha comunicado que
dessa vez não seria apenas um feriado e sim dois meses a mais.
Sorrio e me aconchego em seus braços, sentindo aquela doce
sensação deliciosa de estar em casa.
— Preparei seu bolo predileto.
— Café, coco e chocolate? Ai... que saudades, vovó — suspiro
quando ela afirma.
Era o meu predileto.
O fato da minha escolha de não ter voltado para casa não quer dizer
que sinta falta desse carinho, de tê-la por perto, porém na vida e em todas as
nossas escolhas há um preço a ser pago e o meu, por amar demais a obra de
Deus e de poder ajudar os menos favoráveis, é ficar longe da única família
que tenho.
— Vamos entrar. Deve estar cansada. — Ela diz calmamente ao se
afastar de mim e segurar em minhas mãos e, em seguida enroscando um dos
meus braços no seu.
Assim que passo as enormes portas de madeira antiga da entrada,
tenho um completo vislumbre da sala e de como ainda está. Nada mudou,
tudo está igual à última vez que estive aqui. As poucas e boas lembranças
da minha infância que tenho é desse lugar.
Em seguida, sigo minha avó até a cozinha, onde uma das mulheres
que trabalha aqui vem ao meu encontro, gritando com os braços abertos.
Anunciata, uma antiga amiga da família.
— Milagros! Como está linda a minha menininha... — A mulher
rechonchuda, de traços marcantes, diz eufórica enquanto envolve seus
braços ao meu redor.
— Anun! Que saudades! — digo e retribuo o beijo em sua face.
— Sua avó nos disse que mais dois meses se tornará de fato uma das
irmãs do Convento de Santa Guadalupe dos Milagres.
— Sim. E quero muito todos vocês lá no dia dos meus votos.
— Ai que maravilhoso! É uma benção para a família que possui
uma irmã de caridade em sua família. Abençoados sejam os Chunchirretas e
os Salvitierra. Seu pai estaria muito orgulhoso de você e do caminho que
escolheu.
Sorrio emocionada ao escutar sobre meu pai. E não tinha como não
ficar. Sempre que alguém fala seu nome ou conta qualquer um de seus
feitos, sinto algo tão grande surgir dentro de mim... Acho que é a forma
como posso senti-los por perto.
E sei que eles estariam muito felizes. Não só minha avó, mas todos
por aqui eram muito devotos a nossa religião e aos preceitos dela. Castel
mesmo não é um frequentador, mas faz muitas doações em dinheiro para
nosso humilde convento.
— Eu estarei lá. — Anunciata se afasta e diz convicta, aceitando
meu convite para estar no dia em que farei meus votos de celibato,
abnegação e vocacional.
Eu tenho esperado tanto por esse momento! Há três anos venho me
preparando com afinco desde que decidi o que queria ser. Não vejo a hora!
Distraída e conversando ainda com Anunciata noto um outro
homem ali na cozinha, próximo de minha avó.
O homem era alto e atlético. Fico por alguns minutos olhando para
ele, tentando recordar de onde o conhecia. Lembro-me de tê-lo visto
algumas vezes, mas há anos que não o vejo.
— E ele não desceu? — Ele direciona a pergunta para minha avó. E
tanto eu quanto Anunciata trocamos olhares; na verdade, eu busco o dela
para saber do quem estão falando.
— Almoçou e pelo visto vai passar o dia todo naquele quarto. Acho
que deveriam deixá-lo se acalmar um pouco. Ele é um bom menino.
— Dona Irmandade, com todo respeito, o bad boy lá não é mais o
menino que saiu daqui.
— Acho que deveriam ir com mais calma.
— Compreendo, mas Castel não está nada satisfeito. Ele quer que o
irmão ande na linha e acredita que a senhora vai nos ajudar.
— Só acho que devem dar um pouco de espaço, logo ele vai se
recobrar e voltar a ser quem era.
Fico ainda mais curiosa para saber de quem estão falando. Porém, o
assunto se dissipa assim que minha avó chama pelo meu nome e pede para
eu aproximar mais deles.
— Essa é minha neta, Valquez. Não sei se lembra dela.
— Vagamente, dona Irmandade. Quando era bem pequena.
— Vai se tornar uma freira daqui dois meses. — Ela diz e é nítido o
quanto sente orgulho ao contar sobre minha vocação. O que me deixa
extasiada por saber que de certo modo ela está feliz.
— Freira? — O olhar do homem para em mim com espanto.
— Sim. Futura Irmã Milagros — diz orgulhosa.
O encaro e apenas sorrio em forma de cumprimento.
— Nem deve se lembrar de mim, mas eu me lembro de você
correndo por essa casa com uma boneca de pano toda rasgada. — Ele diz e
se aproxima mais, encurtando o espaço entre nós.
Ele estende a mão no ar para me cumprimentar.
— A Poncha... — Minha avó diz. — Por Nossa Senhora de
Guadalupe, perdi as contas de quantas vezes remendei a boneca.
— Poncha ainda existe, se querem saber — digo animada, entrando
na conversa.
— Deve estar se desfazendo, Milagros. Pano apodrece.
— Ela está bem guardada, vovó.
Continuamos a conversar, mas logo surge um nome e é Valquez
quem o diz. O de Carlos e de que estava aqui também, mas por motivos que
preocupam Castel e ele.
Sei que ele havia se tornado um grande campeão de WCC. Não que
eu tenha assistido alguma luta sua. Um dos meus votos foi não assistir
qualquer tipo de programa de televisão. O que sei dele é mesmo por minha
avó, que conta com orgulho tudo que o seu menino de ouro fez.
Desde que fomos embora, nunca mais o vi. Pelo que sempre dizem
ele tem uma agenda cheia que não lhe sobra tempo para vir até Cuidad.
O garoto de ouro dos Salvitierra.
Fecho os olhos por alguns segundos quando nome dele é o foco
central da conversa me lembrando dos olhos escuros, da forma como
segurava no garfo e Irmandade reclamando. Carlos foi como um irmão,
meio ausente, mas foi; assim como eu, ele também não soube o que era ter
pais.
E ele estava aqui depois de tantos anos sem vê-lo.
Seguro o crucifixo de madeira pendido em meu pescoço e suspiro,
sentindo uma sensação estranha me invadir. Algo desconhecido, com aquele
frio na barriga.
Deve ter sido o voo.
— Vamos comer, Milagros. Você deve estar morta de fome. —
Minha avó por fim encerra o assunto e se vira para se sentar do lado oposto
onde estou. Valquez também fica, a convite dela.
— E me diga, Milagros. Você então vai se tornar uma freira? Mas
não é muito nova ainda?
— Então, ainda sou uma noviça e estou noviciando. Quer dizer,
estou em um processo de aptidão, como um teste para eu me tornar freira —
respondo calmamente, revezando o olhar entre a generosa fatia de bolo que
minha avó coloca sobre um pires e para o homem que parece estar
interessado no que estou dizendo.
— Para mim, fazia o voto de castidade e já se tornava logo. —
Minha avó afirma.
Sorrio e desvio meu olhar do seu quando a palavra castidade é
citada. Não que seja uma vergonha ser casta e ter escolhido essa vida
celibatária, porém é algo que me deixa completamente desconfortável.
Então, por alguns segundos, fico pensando o que dizer sem entrar nesse
assunto.
Acredito que isso deve ser curioso para todos.
— Não. Eu escolhi seguir o caminho da abnegação do mundo,
vivendo uma vida de servidão. Apenas estou em casa não só por causa do
feriado, mas porque preciso passar dois meses em teste fora do convento.
As Madres querem que de fato eu tenha certeza da minha vocação e da
escolha que fiz tão nova.
Explico e logo em seguida, com um pequeno garfo, retiro um
pedaço de bolo e levo à boca. Semicerro os olhos e aprecio toda aquela
explosão de sabores com um suspiro.
No convento não somos muito acostumadas a comer coisas
diferentes. O voto não é só a abnegação, mas sim de termos uma vida
simples, sem luxo algum. E isso inclui uma fatia generosa desse delicioso
bolo que só Dona Irmandade Chunchirreta sabe fazer.
Confesso que estar aqui às vezes me faz ver essa balança
discrepante. Eles com muito e outros com tão poucos. Não que isso me
importe, apenas de que sou feliz onde estou.
— Está delicioso, vovó — elogio e me calo enquanto vou comendo
calada, escutando a conversa entre eles sobre Carlos. O quanto ele tem
estado perdido.
Lastimável...
Depois de algum tempo despeço-me informando que desejo ir para
meu quarto. Um bem diferente do qual estou acostumada.
Claro que no convento eu divido o meu com outra colega. Lá não
temos luxo, é simples, mas acolhedor. O que me deixa um pouco
desconfortável pela falta de costume.
O cômodo com certeza daria uns cinco do meu. A enorme cama está
ao centro e duas portas no fundo, uma que vai para o banheiro e a outra para
o guarda-roupas. O que é irônico, já que tenho bem pouco para guardar.
Trouxe apenas mais um hábito para trocar e alguns itens pessoais.
Nada mais.
Por um tempo procuro algo para fazer, andando de um lado para o
outro, indo até a janela e olhando toda a extensão e a vista da casa no alto
da colina. Que gera um enorme contraste com toda a pobreza de Cuidad
logo abaixo. No entanto, meus pensamentos não só vagueiam por uma
causa social, eles vão até Carlos.
O que me deixa completamente incomodada por pensar nele. Com
esse desejo de revê-lo que surgiu do nada. Sem razão alguma.
O estranho é porque em todos esses anos não dei tanta importância
para querer revê-lo. Ter notícias suas era o suficiente. Era como se fosse
algo insípido, nada atrativo que despertasse minha atenção ou curiosidade.
Deve ser porque ele não está aqui apenas por estar, e sim porque
Castel o obrigou; segundo o que pude entender nas entrelinhas que minha
avó e seu treinador conversavam é que ele está com problemas.
Pobre Carlos...
Já está quase de noite e como de costume, sem nada para fazer, pego
meus livros que trouxe e volto a ler sobre a história de Santo Agostinho e
suas peregrinações. Passo horas enfiada nas páginas e só me dou conta que
já é de noite quando minha avó surge, avisando sobre o jantar. Porém
dispenso e digo que não tenho jantado como parte de um jejum e de um
voto que fiz.
Mesmo insistindo que se não comesse ficaria fraca, eu consigo
dissuadi-la a me deixar ali por mais algumas horas, no entanto, minha
mente está inquieta, então resolvo fazer minhas orações, antes de dormir,
em seu pequeno altar.
Todas as vezes que vinha até Cuidad não deixava de servir aos meus
propósitos e por mais que eu ainda tenha apenas 18 anos, sei o que quero.
Como minha avó sempre diz que herdei não só essa obstinação de meu pai,
mas a fé de minha mãe.
Vago calmamente pela casa escura até o altar de Nossa Senhora de
Guadalupe, que fica ao fim do corredor no andar debaixo da casa. Noto que
algumas velas precisavam ser trocadas quando me aproximo. Pego na caixa
ao lado algumas e encostando uma na outra para acender vou enfileirando-
as, conforme estavam e como Irmandade gosta.
Após deixar tudo organizado me ajoelho no genuflexório e não sei
por quanto tempo fico ali em oração. Mas sou surpreendida ao me virar.
Quando estou para sair e voltar para meu quarto, me deparo com Carlos ali
à minha frente, como um fantasma. Me assusto e acabo reagindo por
impulso ao gritar.
A princípio penso na possibilidade de ser um dos homens de Castel,
mas a intensidade dos olhos escuros, firmes, as sobrancelhas pretas e
grossas e do nariz angular sei que é ele. É uma característica única dos
Salvitierra.
Então só pode ser ele.
Que rapidamente me cala com uma de suas mãos sobre minha boca,
evitando que eu gritasse de novo. E eu não faria, apenas reagi pelo susto
levado e também por não esperar vê-lo ali aquelas horas. Contudo, a maior
surpresa vem de mim, com meu corpo reagindo, com minha respiração se
acelerando com ele tão perto, me encarando como se eu fosse uma intrusa
em sua casa depois de tantos anos.
Realmente se o visse na rua, se passasse ao meu lado, não acharia
que se tratava de Carlos Salvitierra e sim de outro homem qualquer. O
garoto magricelo agora é alguém ameaçadoramente grande, com músculos
evidentes, forte e que se ele quisesse poderia me esmagar apenas com um
aperto seu.
Sinto meu ar falhar quando tento jogá-lo contra a sua mão enquanto
não consigo parar de encará-lo. Ele questiona e busca por respostas,
parecendo ainda mais perigoso de quando me virei e o vi. Porém, estou
impedida e quando resolvo tentar me soltar, segurando em seu pulso,
reagindo por impulso sinto meus dedos formigarem ao tocar em sua pele.
No entanto, não demora e assim que me solta digo seu nome, na tentativa
de fazê-lo se lembrar de mim, mas é o contrário, Carlos mantém sua postura
ameaçadora contra mim, me deixando com pouco espaço para tomar
distância dele.
Quase caio no genuflexório, suas mãos me agarram e o que não
deveria sentir, o que não poderia acontecer, que é ser tocada por um
homem, aconteceu. No entanto, não me puno mentalmente, mesmo sendo
completamente errado.
É só o Carlos, aquele que eu convivi quando era criança antes de ir
para o convento.
Peço insistentemente que me solte, mas quando pergunta se eu vou
atacá-lo fico intrigada e acho um tanto cômico um homem daquele tamanho
fazer esse tipo de pergunta.
De onde ele tirou essa ideia absurda?
A única pessoa que poderia atacar alguém e ter chance de vencer
aqui seria ele. Então respondo e interpelo, porém me sinto frustrada quando
não me reconhece.
Mas o que eu esperava? Que 12 anos depois ele fosse ser o mesmo
daquela época? E que fosse pular de alegria? Além de que, nem contato
temos para ele ficar feliz em me ver.
— Sou eu, Milagros! — Após alguns segundos de silêncio eu o
quebro e digo quem sou.
— Milagros? — Ele repete meu nome em um sussurro com
surpresa. — Mas como?
Estou prestes a responder, mas por um minuto não sei o que dizer.
Minha mente dá diversas voltas. E é tão simples. É só dizer que sou eu, mas
não consigo quando seu olhar se fixa no meu com intensidade. Tento
respirar e procurar ser racional enquanto seus braços ainda estão em mim e
seus dedos contra minha carne. Jamais deveria permitir que um homem me
tocasse, mesmo sendo quem fosse, alguém que conheço desde que me
entendo por gente.
— Sim, sou eu e... — falo baixo e minha voz quase falha, no entanto
sou ciente de que meu corpo está reagindo estranhamente ao sentir calor
onde suas mãos estavam em mim. É quase como se eu pudesse sentir pele
com pele.
Por Deus! O que estava acontecendo? — respiro fundo, começando
a entender que é errado e que nunca me senti assim, com medo e ansiosa ao
mesmo tempo.
Por um momento minha mente gira no reverso e não consegue
associar o que meus olhos estão presenciando bem ali à minha frente. Não
consigo acreditar e perco qualquer noção do que estou fazendo.
Como assim? Era Milagros?
Não poderia ser, a última vez que a vi era apenas uma menina de
seis anos. A espevitada e alegre Milagros que falava pelos cotovelos era
totalmente exaustiva para uma criança da sua idade. Eu mesmo, quantas
vezes me escondi para não ter que lhe dar atenção? Pois não queria brincar
com ela, aliás, já tinha passado dessa fase e queria apenas estar com pessoas
mais velhas que eu, então a garota era a pessoa de quem mais eu me
escondia para não estar perto.
Mas agora está tão... bonita! Linda!
Olho com mais atenção para o rosto de traços bem marcantes que
está sendo iluminado pelas velas.
Porra... Mas ela é uma freira.
Refaço a afirmação mentalmente diversas vezes sem interrompê-la,
dando continuidade pelos segundos seguintes. Ainda permaneço estático
pelo mesmo tempo que minha mente segue dando voltas, tentando associar
o conjunto de informações que estava recebendo.
Quantos anos faz que não a vejo e já não sei mais nada sobre ela? E
por que ninguém me contou que ela havia se tornado uma freira? E por que
saber é tão importante? E no que fará diferença?
Começo a contar mentalmente quanto tempo se passou e chego à
conclusão que foram longos 12 anos. Lembro-me de que Cuidad estava um
verdadeiro pandemônio quando Castel achou melhor me levar embora para
Las Vegas enquanto ela iria para a cidade do México para uma escola de
freiras, evitando que algo acontecesse com nós dois.
Mais uma vez Castel se intrometendo no fluxo da vida.
Por mais que nossa partida se deu por uma questão de segurança não
difere o fato de que meu irmão mais velho tenha feito tudo ao seu modo.
Acho que egoísmo é coisa de família. Porque até então, não me lembrava
dela e muito menos me preocupei em saber o que estava fazendo e por onde
esteve por esses anos.
Analiso rapidamente, respondendo às minhas próprias indagações
enquanto volto a encará-la seriamente, pois ainda sinto a inconformidade de
ver o quanto Milagros se transformou para melhor ao longo desses anos que
não a vi. Aquela criança desengonçada e chata se tornou uma bela mulher,
inocente e provavelmente uma virgem intocada.
Suspiro e penso nos últimos adjetivos que permeiam minha mente.
O que está pensando, Carlos? Está louco?
É tão absurda a forma como estou reparando atentamente cada
detalhe dela com curiosidade. Ela não só parece ser algo intocável, mas
também um anjo. E é claro que a vendo assim tão de perto, e sabendo de
quem se trata, jamais me atacaria.
Rio internamente o quanto estou sendo contraditório enquanto
mantenho meu olhar fixo no seu, ansioso e esperando para saber mais dela.
Matando assim minha curiosidade que repentinamente resolveu aparecer.
Caralho... Milagros está tão linda...
Balanço a cabeça de um lado para o outro como se isso fosse ser
suficiente para eu voltar para meu quarto. Aliás, eu jamais deveria estar
pensando e reparando em Milagros como a surpresa de revê-la me fez.
Porra... porra... porra!
Meus olhos permanecem nos seus e meus dedos estão trêmulos onde
estou tocando-a, bem na curva de sua cintura, segurando para não cair. Pelo
menos a princípio foi para evitar que caísse, mas agora o que estava
fazendo ao remexê-los, afagando o tecido, retorcendo-o contra sua carne.
— Sou eu, Carlos, seu bobão! — Ela quebra o silêncio após
segundos, porém não consigo expressar verbalmente qualquer raciocínio
lógico. Não ainda, quando estou procurando a criança que chegou aqui
sendo apenas um bebê e que eu queria distância todas as vezes que ela
gritava meu nome por essas paredes. Porém é totalmente diferente do que
quero nesse momento.
Ela não só cresceu, mas se tornou diferente do que um dia jamais
poderia imaginar que se tornaria. E por Deus... não quero mais olhar para
ela. É tudo muito estranho, ainda mais a forma como despertou minha
atenção.
Então a solto de uma vez e me afasto rapidamente, como se ela
fosse algo que não pudesse ser tocado. E quase a derrubo, me afastando de
uma vez como se pudesse me queimar, como se ela pudesse me destruir.
— Mas você era criança! Como pode ter crescido assim? — aponto
e meus olhos seguem meus movimentos com a mão, indo dos pés ao seu
rosto de traços tão diferentes do que conheci um dia.
Indignado.
Inacreditável.
— Todos crescem. Você também cresceu. É o processo do Criador,
nascer, crescer se mul... — Ela faz uma pausa e até sei o que estava prestes
a dizer, multiplicar no cunho sexual, mas acho que essa palavra talvez seja
proibida para seus lábios e ao invés de completar a frase ela pula para a
palavra final, quase engasgando —, e morrem.
Sorrio ao perceber o leve rubor em seu rosto. Aliás é só o que
consigo ver, já que está toda coberta dos pés à cabeça, literalmente.
— Eu sei como funciona o ciclo da vida. Mas digo que... —
continuo analisando-a por completo, deixando que esse misto de
curiosidade e surpresa paralise meu raciocínio.
Aliás, nem sei porque de fato estou me sentindo assustadoramente
impressionado com alguém que praticamente é da minha família e que seria
tão normal, tão comum vê-la por aqui.
— Você também mudou. Há anos que não o vejo, exatamente 12
anos, as únicas informações que sei sobre você são de minha avó, que me
conta como o garoto de ouro dos Salvitierra está. — Milagros diz e a nota
final do tom de sua voz se abaixa, junto com seu olhar ao desviá-lo para o
lado, no entanto quando volta a me encarar não consigo me mover.
É intenso e abrasador.
E proibido...
Contudo, saber que falam de mim, que desperto sua curiosidade
para saber como estou faz com meu ego se eleve a um nível
surpreendentemente alto. É um sentimento estranho e bem complexo,
porém ao mesmo tempo duplo, pois em todos esses anos não fiquei
sabendo, muito menos tive curiosidade por saber como Milagros
Chunchirreta estava. Diferente do desejo que se aflora e me faz sentir uma
curiosidade absurda por mais respostas de como chegamos aqui.
— Os anos passaram rápidos. Estive muito ocupado... — digo
despretensiosamente, porém, sem querer acabo sendo um pouco arrogante,
como se só minha vida importasse e o resto não tivesse importância alguma.
— É! Se tornando um campeão. — Milagros sorri e mexe os
ombros. — Cada um seguiu seu caminho. E como um verdadeiro campeão
imagino que não teve mais tempo para as coisas simples da vida.
É amargo pensar dessa forma. Meu caminho foi direcionado por
outra pessoa. Não que eu não amasse o que faço, mas se tem algo que
jamais poderei fugir é de que meu irmão mais velho foi quem esteve à
frente de tudo e de quem me tornei, fazendo as coisas a sua maneira e não a
minha. Tanto que estou aqui, como um prisioneiro.
Talvez eu nunca tenha voltado a Cuidad anos antes pelo simples fato
de aqui ser a fortaleza dele e por me sentir ainda mais aprisionado aos seus
mandos e desmandos. No entanto, não posso julgar quando sei que, assim
como eu, ela também não teve escolhas ao ter que ir embora daqui. Não que
isso fosse algo ruim. Aqui sempre seria meu inferno particular, onde tantas
lembranças me são dolorosas.
— E você uma freira — retruco o óbvio, apontando de novo para
seu corpo, consecutivamente para sua vestimenta característica.
Na verdade, ainda estou surpreso e ao mesmo tempo consternado,
sem conseguir acreditar que a Milagros criança se tornou uma mulher.
— Quase. Ainda sou uma noviça. Daqui dois meses me tornarei
uma freira de fato. — Milagros diz empolgada, como se isso fosse a melhor
coisa do mundo.
Como assim? Freiras não têm uma vida.
— Está feliz por que vai se tornar uma freira? — penso e pergunto
em voz alta, me arrependendo no segundo seguinte ao perceber que ela não
gostou da maneira como agi por impulso ao questioná-la.
— E o que tem? Há outros meios de ser feliz sem se tornar um
campeão famoso que só sabe sair por aí e viver sua vida desregradamente.
— Milagros interpela e rebate diretamente, me respondendo com um pouco
de rancor, apontando o dedo na minha ferida em como eu vivo, como se
isso sim fosse ser ruim. Contudo, o tom e a forma como fala me faz
lembrar de Castel e Mando quando me repreendem.
Ela é bem direta. O que deu nela?
Talvez eu tenha me expressado mal e isso tenha feito ela reagir
assim.
— Não quis criticá-la. Apenas...
Ela não me deixa explicar e toda aquela fisionomia suave e calma se
transfigura ao me encarar firme e desafiadoramente. Percebo o quanto isso
foi rude da minha parte.
O que tenho a ver se ela é feliz ou não? Estou revendo-a depois de
tantos anos sem ao menos ter uma notícia sua.
— Boa noite, Carlos. Eu nem deveria estar aqui conversando com
você a essas horas.
Então Milagros é ainda mais direta. Ela simplesmente se despede e
sai, não esperando para escutar minhas desculpas.
— Milagros? — A chamo para me desculpar, mas ela finge não me
escutar e continua caminhando tranquilamente na direção da escadaria que
levaria ao segundo andar da casa.
Não quis ofendê-la.
Por um tempo fico parado entre o fim do corredor e o altar de Nossa
Senhora de Guadalupe, tentando reorganizar o que aconteceu. Em como
estou me sentindo ao ter encontrado com alguém que até neste momento
não tinha importância alguma para mim.
Sim... se ela fosse alguém relevante eu saberia de cada passo que
teria dado nesses últimos anos. Acho que estou é impressionado e surpreso
com esse inesperado acaso.
Volto para meu quarto esquecendo o que realmente eu tinha ido
fazer no andar de baixo. A fome foi sucumbida por um sentimento
desconhecido, que não me faz parar de pensar em Milagros e de como
cresceu. De como está diferente.

***

Acho que mal dormi porque já tinha feito isso durante o dia, que por
um lado não vai sair como queria. Logo, daqui a pouco, Valquez vai estar
entrando por aquela porta como parte de me fazer abaixar a guarda e ir
treinar. Se ele me ver acordado vai achar que já está avançando vitorioso
para o território inimigo. Não é bem o que quero que pense ou ache. Castel
não deve achar que está ganhando. Portanto, me resta fingir que ainda estou
dormindo e aguentar mais um tempo nessa cama.
Mesmo dormindo pouco não quero ficar aqui pelo restante do dia
como ontem. Meu corpo está condicionado a poucas horas de sono. Se
durmo três horas por noite já é o suficiente, mas preciso mostrar que não
vou ceder facilmente.
Remexo e fico de barriga para cima contemplando o teto, cobrindo
meus olhos em seguida com o antebraço. Milagros mais uma vez invade
minha mente. Já até perdi as contas de quantas vezes pensei nela durante as
horas que fiquei acordado.
Da surpresa que foi revê-la.
— A donzela vai levantar e treinar ou vai preferir um banho gelado
de novo? — A voz de Valquez soa alto, deixando claro que ele está parado
ao meu lado.
— Vá se foder... — digo e sei que isso o irritará. — O capacho de
Castel aqui são vocês não eu.
Minha voz diz que estou acordado, porém de novo, como no dia
anterior, sinto a água extremamente fria sobre meu corpo.
— Resposta errada. — Ele diz e um dos homens de Castel gargalha
junto com ele.
Esses merdas estão se divertindo às minhas custas.
Levanto rapidamente e como se estivesse cego parto para cima de
Héctor, mas sou impedido por Valquez que me empurra, evitando que eu
brigue com um dos seguranças.
— Já não disse que não vou treinar — grito e me aproximo do
treinador ameaçadoramente, batendo com meu tórax contra ele.
Ao invés de entrar em uma luta corporal comigo, Valquez segura
meu rosto nas laterais e o aperta, fazendo com que eu o encarasse.
— Vai mesmo querer medir forças comigo? Você pode ser o
campeão aqui, mas não vou poupá-lo. Castel já me deu permissão para
fazer o que eu quiser com você. E enquanto continuar a se portar como um
menino mimado, vai receber tratamento como tal — diz e dispara tapas. —
Você é um campeão e não um drogado por aí.
O empurro quando mais uma vez levanta essa questão.
Porra... eu só usei uma vez.
— Vá se foder você e Castel juntos.
Os deixo ali mesmo, não me importando com mais nada. Sei que
tinha planos para agir assim de início, mas toda vez que o nome de meu
irmão é falado, e imposto como dono absoluto de tudo, minha ira só
aumenta e acabo explodindo.
Vou na direção das escadas, porém não percebo que Milagros está
saindo do seu quarto e acabo quase derrubando-a ao trombar com ela,
contudo consigo ainda segurá-la, abraçando e agarrando antes de que caia
com tudo no chão.
“Eu escolhi servir e não querer saber o que esse mundo caótico
pode ser... Foi minha escolha e meu chamado!”
Esses são meus primeiros pensamentos quando acordo das poucas e
difíceis horas que consegui adormecer.
É um teste e vou vencê-lo...
Foi uma escolha minha seguir os passos para esse caminho da minha
fé, da minha paixão. No entanto, até o dia de hoje ainda não tinha passado
por nada parecido como ontem à noite. Não tinha sequer sentido coisas
destoantes do que senti na presença de Carlos.
O curioso é que mal consigo lembrar da época em que morávamos
aqui. Mas não sei porque, sempre quando ficava sabendo de algo a seu
respeito, eu me sentia compelida a querer saber mais. Acho que é
curiosidade. Aquela típica de alguém comum, sem atrativo algum, mas que
tem uma estrela das lutas dentro da família.
Acho que é a novidade. Uma expectativa por não o ter visto nesses
últimos 12 anos. Sei lá! Carlos é uma celebridade e ter alguém assim por
perto sempre deve despertar esse tipo de sensações, de euforia.
É isso aí... Só uma novidade!
Faço todo meu devocional, minhas orações, me preparo e por fim,
antes de deixar o quarto, cubro meus cabelos curtos com o véu branco. Sei
que poderia não usá-lo quando estivesse em casa e que também poderia
usar os outros dois vestidos que seguem o mesmo padrão do meu hábito,
mas prefiro me manter assim, confortável comigo e para minhas
convicções.
Então, pronta para ir até o altar e fazer minhas preces, saio do
quarto, mas quase caio, mal tendo tempo de me equilibrar. Sinto meu corpo
sofrer um solavanco e ir diretamente para dentro dos braços dele de novo,
tornando de novo tudo dentro de mim um completo frenesi ao bater com
minhas mãos espalmadas contra seu peito musculoso e firme como uma
parede de aço, que estava com a camiseta toda molhada e colada em cada
entranha definida.
Por Deus...
Lamento mentalmente ao sentir que estou tocando nele e tudo é tão
rápido que segundos, na verdade, se tornam milésimos. É uma sequência de
atos rápidos e acelerados. E em desespero por saber que é tão errado o que
estou fazendo ao estar com as mãos em seu tórax, tento empurrá-lo antes de
encará-lo. No entanto, meu corpo age de forma contrária e é quando nossos
olhares se cruzam e fixam-se um no outro por longos segundos.
Vejo ali a tempestade e o caos.
A expressão endurecida é como uma grande e atrativa tormenta,
tanto que não consigo deixar de notar cada traço masculino de seu rosto, da
forma como trava sua mandíbula contraindo-a. No entanto, eu jamais
deveria permitir tal aproximação mesmo Carlos sendo alguém tão familiar.
Após deixá-lo ontem à noite, não lhe dando a oportunidade de falar
mais nada, fiz a coisa certa. Meu propósito é manter a distância não só dele,
mas de todos os homens da face da Terra. E ele, ainda mais depois da forma
como fiquei perturbadoramente incomodada em revê-lo.
A princípio achei que estivesse sendo por causa dos longos anos
sem vê-lo, mas a cada virada na cama durante a noite eu pensava nele, em
como mudou, como estava tão diferente. E uma noviça em seu processo de
se tornar uma freira jamais deveria estar pensando no sexo oposto,
deixando-o perpetuar os pensamentos de forma constante como os meus
estavam nele.
Foi tão errado... E de novo está sendo...
Sim! Me culpei muito por notar que fui permissiva ao ser tocada por
ele, mesmo que fosse apenas para me segurar. E se não fosse o bastante por
uma vez, novamente estou no meio dos braços dele e diferente, ciente de
que é errado, eu me sinto estranhamente à vontade; o que jamais deveria
acontecer. Todavia, minha capacidade de optar pelo que é correto e sensato
fica completamente anuviado, sem saber o que fazer. O que não posso negar
é que sua presença é algo forte como um ímã.
Por mais que eu não tenha experiências com certas coisas do mundo
eu sei que estou me sentindo confusa e estranhamente incoerente.
— Está tudo bem? — Não respondo verbalmente e assinto
balançando a cabeça. — Me desculpe.
— Tudo bem. Eu estava distraída — digo e me remexo, empurrando
meu corpo para trás usando seu musculoso tórax como apoio, no entanto
seus braços são como uma fortaleza que se mantém ao meu redor, me
aprisionando ali. Contudo, Carlos me solta assim que vozes e passos
surgem no corredor muito perto de nós. O que para mim acaba sendo um
alento, entretanto quase caio. Minhas pernas não estavam preparadas e
acredito que estejam sob o efeito do momento. Foi um susto inesperado. É
só meu corpo reagindo.
— Deveria olhar melhor por onde anda.— Ele diz de forma rude e
vira seu rosto na direção dos outros dois homens que surgem no fim do
corredor, saindo em seguida como se nada tivesse acontecido e no fundo, —
tenho que admitir —, me deixando frustrada pela forma como me
respondeu.
Está certo que podemos dizer que somos meros conhecidos. Com
uma convivência zero através dos anos, mesmo me sentindo incomodada,
curiosa, saudosa, ansiosa, amedrontada e estranha. Uma completa confusão
mental. Então o melhor a ser feito é manter distância de Carlos o quanto
posso até entender porque estou me sentindo estranha.
— Bom dia, Milagros. — Valquez passa por mim e além de assentir,
fazendo uma menção, diz saudoso.
— Bom dia. Que seu dia seja abençoado — respondo e sorrio
cordialmente quando os dois param a minha frente. O outro homem que
acompanha o treinador de Carlos sorri, devolvendo o cumprimento. Em
seguida, os mesmos seguem na direção da escadaria e caminham
tranquilamente à minha frente.
Quando chego à cozinha, Carlos não está ali — o que é muito bom
—, estão apenas algumas mulheres andando de um lado para o outro,
agitadas, e minha avó. Acredito que toda essa movimentação é para o dia de
amanhã, para a comemoração do dia de Los Muertos. E acerto quando vejo
minha avó dando ordens e entregando uma lista para ser comprada ao
motorista do carro que me buscou ontem no aeroporto.
— Bom dia, minha princesa! — Ela diz assim que entrega o pedaço
de papel ao homem e se vira na minha direção. — Dormiu bem? — assinto
como um sim. — E porque não tirou o hábito? Comprei alguns vestidos
para que pudesse usar enquanto estiver dentro de casa.
— Prefiro usar minhas roupas que trouxe do convento, me sinto
mais confortável — respondo diretamente, não querendo aparentar
ingratidão. Mas usar algo que não estou acostumada talvez não me faça
sentir à vontade. Até porque não acho que seria de bom-tom, já que estou
prestes a me tornar uma freira em breve.
E sim... tenho apenas dois hábitos tradicionais e dois vestidos cinzas
que seguem no mesmo modelo para ser usado de forma mais intimista. No
entanto, não me sinto à vontade nem para tirar o véu branco que cobre meu
cabelo.
— Tudo bem minha querida, achei que poderia querer usar algo
comum quando estivesse em casa. — Minha vó retruca e força um sorriso.
A conhecendo sei que se sentiu ofendida, mas, por mais que eu
tenha que passar por esse teste, para saber se de fato eu tenho vocação e o
que tenho certeza é que tenho, não quero deixar meus princípios.
A conhecendo sei que se sentiu ofendida, no entanto, por mais que
eu precise passar por esse teste para saber se tenho vocação de fato, uma
coisa é certa: não quero deixar meus princípios. Além do mais, certeza de
minha vocação.
— Sente-se para tomar seu café.
— Obrigada, mas primeiro quero fazer umas orações e acender
algumas velas a Nossa Senhora de Guadalupe, vovó — informo minha
intenção. — Inclusive queria ver com a senhora se hoje eu poderia visitar o
centro de Cuidad e a Paróquia de Nossa Senhora de Guadalupe de Juárez.
Queria muito me apresentar para um serviço voluntário enquanto eu estiver
por aqui.
— Mas que coisa mais linda, minha querida. — O brilho e o sorriso
acolhedor voltam ao seu rosto quando digo minhas intenções e o que
pretendo fazer.
E sim... desde que meus pensamentos ficaram fixos em Carlos por
toda uma noite não vejo outra solução a não ser orar incessantemente,
procurar estar perto da obra de Deus para que essa fixação passe e que seja
apenas uma euforia momentânea por estar revendo um antigo conhecido.
Devo me distanciar o máximo que puder. Logo ele se tornará apenas mais
alguém dessa casa.
— Não irei, mas faço questão de ligar para o Padre Juan e pedir-lhe
para vê-la.
— Obrigada, vovó.
Não é segredo algum que Irmandade Chunchirreta é uma mulher
bem religiosa e que além de estar constantemente nas missas, — mesmo
tendo seu altar em casa —, ela é um dos membros ativos e contribuintes da
paróquia principal da cidade.
E assim como disse, com meu plano traçado para me manter sóbria
e no caminho que escolhi e para que fui chamada, sigo para o altar após
deixar a cozinha.

***
E assim como quis, consegui me manter o mais distante de Carlos.
Pela tarde fui até o centro da cidade e por longas horas me dediquei a ficar
na igreja conversando com Padre Juan Carmesito. O que me fez ficar longe
o bastante para não vê-lo mais.
E o que iria acontecer ao longo dos dias seguintes, quando me
ofereci para dar aulas de religião a crianças carentes de Cuidad. Amanhã
começaria, porém ajudaria as mulheres que trabalham na igreja, que fazem
parte de todo o diaconato a preparem as festividades do dia de Los Muertos.
O que significava que passaria o quanto menos possível próximo dele.
Não que eu estivesse fugindo, só estava afugentando qualquer tipo
de pensamento.
No entanto, o assunto daquela casa era ele. Descobri o real motivo
por estar ali e no fundo acabei me comovendo ao saber que Carlos estava
com mais problemas que poderíamos imaginar. Escutei uma conversa sobre
ele estar usando drogas e se envolvendo em escândalos cada vez mais e por
isso Castel achou melhor mandá-lo para cá. Além de que estava suspenso
da Liga de WCC por 60 dias. Aliás, a informação havia acabado de chegar
e por acaso acabei ouvindo Valquez contando para minha avó.
“— Castel está muito nervoso, pois não conseguiu reverter e Carlos
vai ficar suspenso por 60 dias, depois irá fazer um novo antidoping para
poder voltar a lutar. Ele vai acabar perdendo seu cinturão.
— Não sei o que está acontecendo com ele. Carlos sempre foi um
bom menino. Eu o conheço bem, cuidei dele desde um ano. Então o que
posso dizer é que tem algo acontecendo.
— Desculpe dona Irmandade, mas acredito que ele esteja fazendo
isso para afrontar o irmão. E Carlos não é nenhum Santo. É incrível no que
faz, mas está jogando toda sua sorte pelo ralo.”
Foi o que escutei e por parte me senti compelida a querer saber
mais, mas esse era só um aviso de que eu deveria ficar longe dele, o que se
torna o oposto.
Depois de passar a tarde e voltar de noite para o Cuartel Salvitierra,
além de escutar escondida toda a conversa, a primeira pessoa que encontro
na cozinha é ele, quando tarde da noite, ao terminar minha vigília e terminar
de arrumar as fotos no altar de meu pai, minha mãe e Sancha Salvitierra,
vou buscar um copo de água para levar para meu quarto.
— Boa noite, Milagros. — Carlos diz e sorri como se estivesse de
bom humor. Ele está encostado em um dos balcões segurando uma maçã
mordida.
— Boa noite, Carlos — falo incisiva e caminho na direção do jarro
de barro que minha avó faz questão de ter com água fresca.
— Como foi seu dia? — Diferente da forma como me tratou de
manhã, ele parece querer puxar assunto, me deixando intrigada.
— Bom. E o seu? — Acabo por educação lhe respondendo e
devolvendo a pergunta que bem lá no fundo instiga de novo minha
curiosidade de saber mais dele.
Mas não me esqueço que, por mais que nos conhecemos desde
pequenos, devemos ser dois estranhos um para o outro.
— O mesmo inferno de sempre... — Ele diz e dá uma lenta e grande
mordida, abocanhando a metade da maçã.
E por Deus... o som e a forma como sua boca se fecha na fruta me
faz ficar estática observando o ato. Contudo, fico desconcertada quando o
encaro e ele está apenas com os lábios alargados em um sorriso de
satisfação. Engulo em seco, viro meu rosto e lhe dou as costas quando sigo
para pegar o copo em um dos armários, disposta a evitá-lo e sair dali o
quanto antes.
— Não pode tirar o hábito e esse véu?
Estranho sua pergunta e então giro minha cabeça olhando na sua
direção por cima do ombro.
— Só uma curiosidade. Nada demais. — Carlos dá outra mordida na
fruta quase me encarando ao mesmo tempo. No entanto, não lhe respondo,
mas fico prestando atenção no som das mastigadas e na forma como ainda
mantém o sorriso estampado em seu rosto.
Respiro fundo e sinto as batidas fortes do meu coração pulsar e se
misturar com o som que faz ao dar uma última abocanhada na maçã.
— Se não quiser responder tudo bem. Mas deveria tirar essa roupa
feia.
Quem ele acha que é para falar do que estou vestindo?
O encaro quando sua língua é ainda mais rude ao se referir que o
hábito era algo feio. Está certo que não é nenhum vestido de grife e algo na
moda, mas era algo que me deixava à vontade e também porque já estava
tão acostumada a usá-lo que pouco me importava. Eu gostava. Contudo,
pondero em não lhe responder mal, como que se está bom para mim não me
importa se é feio ou bonito.
— O que os dois estão fazendo aqui? — Ouço minha avó logo ali
atrás e meu olhar com o de Carlos vagam até ela. Que por sinal seu
semblante é de que acha que algo está acontecendo ali. Aliás, já é a segunda
noite seguida que está tarde e eu o encontro por acaso, mas ela não precisa
saber.
— Vim pegar um copo de água e já estou subindo para dormir —
justifico e volto a pegar o copo, levantando-o para mostrar a ela ao me virar,
ficando de frente.
— Tarde assim? — Ela indaga escrutinando seu olhar como se não
acreditasse no que tivesse falado.
O que não faz sentido algum. Já que estou há apenas dois dias aqui e
tenho total liberdade para andar pela casa. Sei que meus horários no
convento são totalmente diferentes e a essas horas já era para eu estar
dormindo.
E sei o que deve estar pensando, mas estou dizendo a verdade até
porque era de fato verdade e estava ali apenas poucos minutos antes dela
chegar.
— Estava fazendo uma vigília e arrumando o altar como me pediu
mais cedo. Já estava indo dormir. — Carlos não fala nada, apenas sou eu
que responde as indagações desconfiadas dela.
— E você, Carlos? O que estava fazendo aqui? — Minha avó então
se dirige a ele.
— Comendo! Andando um pouco pelo inferno Salvitierra. — Ele
diz um tanto ácido e logo levanta o miolo da maçã em suas mãos, provando
que também estava dizendo a verdade.
— Deveriam dormir. Está muito tarde e logo mais será dia de Los
Muertos, não é bom estar acordados quando os espíritos de quem já se foi
começarem a chegar. E Carlos, não fale assim. Sei que está chateado, mas...
— Boa noite, Irm, Milagros. — Carlos interrompe minha avó e
coloca o restante da maçã, a parte não comível, sobre a pia e sai,
demonstrando que ele não quer conversar.
Em seguida também faço o mesmo, no entanto antes de entrar no
quarto em que estou dormindo olho para o fim do corredor, para onde deve
ser o seu e sinto algo como piedade, tristeza. Imagino que seja, já que o que
escutei mais cedo não justifica ainda essa sua mudança de humor.
Sigo do mesmo jeito, mas hoje certamente era um dia que desejo
que acabe rápido. E tudo começou bem cedo quando Valquez não me
acordou com água gelada e sim com a notícia de que Castel havia chegado
para o feriado.
Hipoteticamente para “um dia em família”.
E que estava me esperando para conversarmos.
E pelo jeito Valquez vai ficar aí parado ao meu lado como um dois
de paus enquanto eu não me levantar.
— Vê se não vai discutir com ele. Respeite o dia de Los Muertos. —
Meu treinador não compreende meu silêncio e continua. Porém, estou
pouco me importando com Castel e Mando, apenas quero ir embora desse
inferno.
— Vá se foder, Valquez. Não tem outra pessoa para ir torrar a
paciência? — pergunto ao meu treinador que ultimamente venho pensando
se realmente ele está ali por mim ou se é porque Castel precisa saber de
cada passo que dou. — Vai embora!
Acho que a segunda opção.
Pouco estava me importando com uma tradição importante para
eles. Posso ser alguém indiferente, mas nunca fui pragmático a ponto de
nesse dia comemorar a vinda dos espíritos de quem já foi. Inclusive da
mulher que é minha mãe. Pelo que pude ver ontem, quando estava voltando
para o quarto, sua foto estava junto com a dos pais de Milagros, todas
expostas no altar, logo abaixo da imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.
Sendo velados por velas e flores.
— Não vou sem antes conversar com você. Passou três dias desde
que chegamos aqui, já dei tempo para repensar no que está fazendo com sua
vida.
Ignoro-o. Não vou falar e muito menos me justificar. Não entendem,
então não adianta, é jogar palavras ao léu.
— Se não vai sair eu vou — digo e me coloco de pé. Sei que ao sair
desse quarto é bem provável que eu encontre com meu irmão e acabe
falando com ele. Mas quero demonstrar para meu treinador que não vou
ceder facilmente.
— Ele quer falar com você.
— Estou bem aqui. Inclusive não tem outro lugar que possa estar, já
que sou prisioneiro dele — rebato ironicamente ao sorrir com deboche.
Se tem algo que não vou fazer é ir até meu irmão como um cão
domado. Se realmente quer falar comigo, ele que venha.
— Ele quer contar a decisão do comitê do WCC. — Valquez finge
que não disse nada e continua agindo como se nada tivesse acontecido.
— Pela sua cara já sabe o que deu. E já que é o garoto de recado
dele poderia muito bem fazer seu papel e me informar.
Ultimamente qualquer um que agisse como se Castel fosse total e
absoluto não tinha minha consideração. Podem dizer que sou mimado,
egoísta, ingrato e diversos adjetivos que me deponham, não me importo.
Quando era mais novo eu até acreditava que era um modo protetivo, mas
cada ano que se passa, cada nova luta, cada nova cobrança, me faz ver que
eu não passo de cifras para ele.
Castel só pensa nele e age como se todos precisassem dele, de como
ele é indispensável.
Porra, eu não tive culpa, eu estava apenas me divertindo.
Claro que lamento tudo que tenha acontecido, jamais acharia que
estava certo diante do que aconteceu, mas o que me deixa furioso em toda
essa história é a forma como Castel está me tratando e tudo porque
represento para ele apenas dinheiro.
— Carlos, sei que está puto com seu irmão, mas vamos ser francos
um com o outro. Não me envolva mais nessa disputa familiar. Sou apenas
seu treinador e quero o melhor para você. E estou preocupado com você.
— Você, assim como todos, é um baba-ovos dele e vem com esse
discurso de que “estão preocupados”. Uma ova que estão. Sabe, eu não sou
mais uma criança que precisa de babá ou mesmo ser trazido para esse
inferno. Por causa de um MD? — rebato. Pelo menos foi um dos últimos
acontecimentos.
— Não foi só por isso, você só se safou daquela noite porque seu
irmão interviu e a prostituta depôs a seu favor.
— Eu não estava participando da brincadeira. E todos sabem bem,
não tenho culpa alguma por eles estarem doidos e brincarem de roleta russa.
Eu só estava fodendo.
— E se drogando. Seu doping acusou o MD e você confessou. Na
sua última luta mostrou o quanto você precisa de ajuda; quase perdeu, quase
acabou surrando um jornalista na frente de toda a imprensa. Não entende
que não é você e sim o comportamento que ultimamente tem levado. Que
você faz o que bem entende e que é egoísta isso nunca foi o problema.
— Valquez, foi uma única vez — falo mais uma vez e estava
cansado de ficar justificando. Mas se tem algo que não sou e nem faço é
ficar implorando para que acreditem, aliás, Castel já fez seu tribunal me
condenando a vir para esse inferno. — Aahh... se quer saber, não adianta
falar, não acreditam, então você fique aí — digo e não fico para escutar o
que estava prestes a dizer; no entanto, mal pisei no último degrau da
escadaria e lá estava meu irmão, dentro do seu terno caro, com suas
tatuagens todas à mostra pela gola da impecável camisa branca.
Aliás, ele não estava sozinho. Castel segurava a mão de Milagros e
sorria como nunca o vi fazer antes, como se estivesse hipnotizado e como
se ela fosse uma santa em toda sua glória. Na verdade, seu olhar era
carinhoso e brilhava, cintilando admiração. Diferente do homem duro e
impositor que sempre foi. Eu estava diante de uma cena digna de ser
registrada com o todo poderoso em rendição a uma noviça.
— Estou muito orgulhoso de você, Milagros. Farei questão de
organizar uma grandiosa festa no dia dos seus votos. Seu pai deve estar
vibrando e me sinto muito honrado por poder cumprir a promessa que fiz
para ele. Eu a protegi do mundo e de todos...
Mais uma vida coordenada por suas vontades...
Rio, ciente do que meu irmão está fazendo, chamando a atenção
deles, que olham na minha direção.
— Já estava mandando Martín subir e te buscar.
— Ah... qual é, Castel? Dê folga paras as minhas babás no dia de
hoje — falo com ironia ao encarar Martín e Héctor.
— Por favor, meninos. — Irmandade intervém antes que meu irmão
rebata. E era o que iria fazer após soltar as mãos de Milagros e se
empertigar, respirando fundo e estufando o peito ao me olhar com desprezo.
Adoro provocá-lo, ainda mais quando declarei guerra com ele.
— Vamos conversar. — Castel diz em tom de ordem assim que olha
para Irmandade e sorri.
Pelo menos alguma pessoa faz com que Castel mantenha a postura
hipócrita de bom moço.
— Por favor, Carlos. — Irmandade agora se dirige a mim ao pedir
nas entrelinhas que eu aceite falar em particular com meu irmão sem causar
uma cena.
— Será que são boas notícias? — Caçoo ao assentir e sorrir
debochadamente. Sei que nada seria bom, pelo menos foi o que Valquez,
que está descendo as escadas logo atrás de mim, deixou transparecer
minutos atrás.
— Não conte com isso. — Mando fala e o seu tom de voz é ainda
mais irônico que o meu.
Não tenho como escapar...
Que os ânimos não eram amigáveis entre nós não era novidade, no
entanto não vou dar o gosto para nenhum dos dois. Então sigo em silêncio,
indo logo atrás de Castel e fecho a porta assim que ele entra no escritório
que tem em Cuidad, trancando antes que Mando entre.
— Por favor, Carlos. — Castel diz impaciente quando percebe o que
fiz.
— A conversa não é só entre nós dois, caro irmão? — Rio
entredentes ao perceber sua chateação por ter deixado nosso irmão de fora.
Sento-me relaxadamente em uma das poltronas vermelhas e apoio a
cabeça nos braços atrás dela, esperando por ele começar o que tanto quer
falar.
— Você está suspenso por dois meses, mas vai lutar assim que
voltar para garantir a permanência do cinturão. Já está agendado na Arena e
espero que não faça como na última luta que quase perdeu.
— E se eu não quiser? — questiono, sabendo que isso vai irritá-lo. E
acerto na mosca, quando vejo Castel contrair toda sua mandíbula,
contrariado.
— Você vai lutar e vai fazer o que quero — diz sem me dar opções,
mas ele esqueceu que depende de mim, do que eu quero fazer. E penso até
dizer isso para ele, mas sei que é bem capaz dele me colocar dentro daquele
octógono sob ameaça de morte se eu não fizer o que quer. Mas sei bem qual
o seu jogo.
— Então volto com você para Las Vegas hoje?
Hum...
— Não é uma troca, Carlos. Você vai ficar em Cuidad longe de
problemas até poder voltar. Assim como disse.
Não que tivesse esperança que fosse me tirar daqui, mas como
dizem a esperança é a última que morre.
— Você não disse, Castel, você impôs e estou nesse inferno contra
minha vontade. — Levanto-me e aproximo de sua mesa e espalmo as mãos
sobre ela ao acusá-lo indiretamente de me fazer de seu prisioneiro.
— Eu faço o que acho melhor para você. E agora, deixar você à
solta em Las Vegas vai me custar muito caro.
— Desgraçado... Você não é meu dono — grito e bato contra o jogo
de canetas que estava no suporte, mandando-as para o chão.
— Você e sua vida me pertencem. Foi eu quem se arriscou para te
colocar no topo, moleque. — Castel se levanta e se não tivesse a mesa
entre nós ele teria avançado em mim, no entanto não tenho medo dele. — É
minha cabeça que tem um preço e foi a mesma que te fez campeão. Então
você vai fazer o que eu quero. Você não é uma máquina de dinheiro como
gosta de dizer que representa para mim. Você é como se fosse meu filho e
vai fazer o que acho melhor para você.
— Hipócrita! Usa o discurso de que é como um filho só para fazer o
que bem entende — retruco e custo acreditar que suas ações são todas de
boa-fé.
— Você não teria nada se não fosse por mim, então haja com atos de
gratidão pelo menos uma vez. Se não fosse eu ir atrás daquela prostituta
barata estaria preso, acusado de um crime que não cometeu. Eu fiz com que
diminuíssem a suspensão e não perdesse a glória do seu nome e da nossa
casa. Então você vai ficar aqui, como eu quero, até completar os 60 dias.
Vai treinar, vai voltar e defender seu título.
Castel, assim como eu, não cede e veremos se realmente vou fazer o
que quer. Não é me prendendo nesse inferno que vai conseguir o que deseja.
— Vá se foder.
— Desde que você esteja naquele octógono daqui dois meses e na
forma do campeão Salvitierra. Cansei de manchas no nosso sobrenome nas
páginas de escândalos.
Começo a gargalhar...
— Olha só quem fala em manchas. O braço direito de um cartel, o
homem que ganha dinheiro com a ambição dos outros. Você é um
sanguessuga que drena a vida de todos ao seu redor. Está me usando para
ter prestígio. Que tipo de homem vocês se tornou? — despejo, cuspindo
toda a verdade que jamais nossa família vai ser prestigiada e é exatamente
nesse momento que percebo qual o plano de Castel, o que me leva a sentir
ainda mais raiva.
Eu sou um troféu...
— O que fez você ser quem é. E vai ficar aqui enquanto for minha
vontade, não temos um acordo e nunca teremos. Algumas pessoas vendem
suas vidas no nascimento e a sua é em prol da família, assim como a minha
também, então faça sua parte. Nem todos temos tudo aquilo que queremos...
Filho da puta, miserável!
Não vou ficar mais nenhum momento ali. O deixo e quando saio
bato de frente com Mando. O empurro e até penso em subir para o quarto e
pensar no que fazer, mas assim que passo pelo meu outro irmão vejo
Milagros e na forma como me olha, com julgamentos. Provavelmente
escutou toda a discussão.
Ela desvia o olhar, disfarçando ao perceber que eu estava olhando
fixo para ela.
A protegida de Castel...
Só que ela não precisa dar nada em troca!
Por quê?
A vontade que tinha era de vomitar quando Castel pagava de bom
moço, do responsável patriarca. Ainda mais quando ele se senta na ponta da
mesa como um rei. Eu ia ficar trancado o dia todo até ele ir embora, mas
não daria o gosto de mostrar o quanto estou ressentido. E enquanto eles
conversam entre si, observo a forma como sorri, como é dissimulado como
uma cobra. Rasteiro e perigoso. Pronto para dar o bote em quer que seja.
— Milagros, sua avó me disse que vai fazer trabalhos na Paróquia
do Padre Juan. Quero ajudar de alguma forma. — Castel muda até o tom de
voz para mostrar que é uma pessoa caridosa e boa.
Do que adianta ser perspicaz, se com os seus age com pulsos
firmes?
Sei que meu comportamento não foi um dos melhores, mas não era
para me manter aqui como seu prisioneiro, quando bajula e age como se
Milagros fosse uma de suas pedras preciosas.
— Meu amigo, que sei que está entre nós nesse dia, pode ver que
cumpri com minha promessa. — Ele diz e estende a mão, alcançando a da
noviça que está sentada a sua direita.
— Manolo confiou a única filha a um verdadeiro amigo. —
Irmandade diz e sorri ao segurar a outra mão de Castel, sentada a frente de
sua sobrinha.
Que tríade... — penso com desdém.
— Eu disse a ele que sua filha seria protegida e que ninguém na face
da terra ousaria tocar nela. — Castel fala e segura sua mão, agarrando
também a mão da mulher mais velha e a beija com respeito no dorso. — Só
fiz o que o deveria ter feito. Você sempre esteve aqui por mim, Mando e
Carlos, que o criou como um filho. E proteger Milagros não é mais de que
uma honra e minha obrigação por tudo que fizeram por mim. — Nesse
momento, o chefe dos Salvitierra olha na minha direção e me encara, como
se reafirmasse o que me disse ainda há pouco, sobre cada um ter vendido
sua vida de uma forma ou outra.
— Carlos é o meu menino. Foi a minha missão! — Irm diz e sorri,
voltando seu rosto na minha direção.
— E Milagros a minha. Jamais me perdoarei se algo acontecer com
nossa linda menina. — Castel tem a mesma atitude que Irmandade ao olhar
para a jovem noviça e sorrir paternalmente. — Ninguém tocará em você e
sairá impune. Você será uma linda freira. E eu continuarei garantindo que
nada lhe aconteça. Que ninguém roube esse lindo coração.
Olho para ela e a vejo admirar as palavras de Castel. Seu perfil é
lindo e o filho da puta do meu irmão pelo visto tem sua vida na palma das
mãos dele.
Lembro-me da tal promessa que ele fez a Manolo Chunchirreta que
cuidaria de sua filha como se fosse dele caso acontecesse algo com ele e
Enrieta. Os dois eram melhores amigos, digamos que inseparáveis. E um
daria a vida pelo outro, assim como tenho certeza que Castel daria a dele
por Milagros.
Milagros foi enviada ao convento desde muito nova por segurança,
mas acredito que estava nos planos de Castel mantê-la escondida do mundo.
De mim...
Fico chocado com tal pensamento que surge, que faz com que eu
sinta meu sangue ferver de tal modo que tudo clareia como um dia
ensolarado.
Castel acha que tem tudo que quer e sob seu controle. Assim como
eu, Milagros teve sua vida vendida a ele, mas é muito inocente para ver que
foi manipulada para achar que está no caminho certo. Assim deduzo ao
perceber sua devoção a tudo que meu irmão fala para ela.
Continuo com meus olhos fixos na jovem noviça. Vou reparando
como seu nariz faz uma delicada curva e como seus lábios são cheios. Dá
para ver parte do cabelo que aparece no alto da testa. Fios pretos e lisos
como ébano.
Será que é comprido?
Questiono-me como deve ser.
— Lembro de Carlos se escondendo de Milagros pequena. Ele não
queria brincar com ela. Já se mostrava egoísta desde pequeno. — Mando
até então não havia dito nada e fala despretensiosamente, mas com aquele
ar sádico e provocativo. Porém relevo e fungo como se estivesse enfadado
de estar ali, contudo sou atraído quando os olhos pretos como ônix de
Milagro se voltam na minha direção.
Sorrio e aquele ar de ingenuidade, a forma como desvia seu olhar,
me faz lembrar de que embaixo de toda aquela roupa está uma mulher e a
protegida de Castel.
Pode-se dizer que vou formando em minha mente cada coisa que
pretendo fazer em Cuidad nesses dois meses, cada detalhe. E um deles está
a jovem noviça.
O que Castel irá fazer se soubesse que o lobo está dentro da sua casa
vai ter desejado que eu estivesse em Las Vegas e não aqui. Até porque
ninguém, em sã consciência, coloca o próprio demônio perto dos seus
anjos.
Sei que assim como eu, Milagros ficará aqui pelo mesmo tempo.
Talvez ela fique para sempre depois que conhecer e saber quem é Castel
Salvitierra. Mas no momento, meus pensamentos e desejos começam a
aflorar, a me dominar, a dar partida em minha imaginação.
É... nem todos os homens podem ter tudo que quer.
— E você é um idiota, uma sombra — retruco Mando e encaro
Castel quando ele trava sua mandíbula e me devolve o peso de que estou
ultrapassando os limites durante o almoço tradicional do dia de Los
Muertos.
— Hoje não vamos lembrar de coisas tristes, vamos celebrar nossos
mortos. — Irmandade intervém, como uma cirurgiã com precisão ao cortar
a tensão em que eu e Mando sempre estamos.
— Sim. Depois de vários anos estamos com a família toda reunida.
Com Milagros e Carlos junto a nós. — Castel, se fazendo de bom chefe de
família diz, como se de fato fôssemos uma grande família perfeita.
O almoço se estende um pouco mais. Finjo que nada aconteceu, não
demonstro que estou louco para subir e pensar, achar um contraponto onde
posso começar a me vingar de Castel.
Infelizmente está em nossa natureza não deixar para lá quando as
coisas não saem como queremos.
E assim Castel e Mando vão embora. Ele não ficariam em Cuidad,
vieram apenas para o almoço. Mas antes de ir, Valquez e eles conversam
enquanto Milagros segue ajoelhada diante do altar. Sei que seria a
oportunidade perfeita para me afugentar no quarto pelo restante do dia, mas
depois da percepção que tive durante o almoço, a melhor forma de estudar
todo meu território era andar pela casa até ele ir de vez e Milagros terminar
suas orações.
Assim que a vejo deixar o pequeno cômodo a sigo sem que perceba
que estou logo atrás. E espero até atingirmos o segundo andar e estarmos
sozinhos. Irmandade estava ainda no andar de baixo. Os cães de guarda
Héctor e Martín, junto com Valquez, estão jogando cartas próximo a
piscina.
Porra, Carlos, ela é uma quase freira. Não deveria estar fazendo
isso.
Que se fodam todos... Tenho pressa!
Os dois anjos pendurados em meus ombros começam a discutir o
que devo e o que não posso fazer.
Ando com passos largos para alcançá-la e consigo assim que
entramos no longo corredor que levava aos oito quartos. Quatro de cada
lado. O meu era o último, o dela o primeiro na posição oposta. E antes que
entre, apresso-me e entro ela e a porta do quarto, pegando-a desprevenida.
— Que susto, Carlos! — Milagros diz e leva a mão ao peito e segura
o crucifixo em prata que pende do seu pescoço e cai até pouco acima da
marcação dos seios, que parecem ser pequenos.
Tudo nela é delicado. E passo a conferir e reconferir com os olhos a
forma como seu rosto se forma delicadamente. Todo aquele véu não tira o
fato de que Milagros é uma jovem mulher bonita. Contudo, meus
pensamentos vagueiam até um local muito perigoso ao ficar olhando fixo
para ela.
Ela não deveria ser tão bonita assim. Mesmo que minha intenção
não é achá-la atraente e sim me aproximar a ponto de fazer Castel temer
apenas por imaginar que estou a poucos passos de invadir seu local seguro.
De acertar seu tendão de Aquiles.
Vingativo ou não. Não posso ter tudo, mas posso ter aquilo que
estiver ao meu alcance.
— Precisa de algo? — Por fim Milagros quebra o silêncio ao fazer
uma simples pergunta, como se eu estivesse ali porque estava precisando de
algo.
— Sim... — Faço uma afirmação, mas não digo o que de fato quero,
apenas mantenho meu olhar sobre ela, medindo cada pedacinho de pele
exposta do pescoço fino e delicado.
— E eu posso ajudá-lo?
— Hunhum... — Sorrio enquanto busco uma desculpa para dizer o
que preciso sem ir direto. Até porque não teria uma explicação para dizer o
motivo para agora estar querendo ficar tão perto, se nesses dias o pouco que
ficamos na presença um do outro foi trocando poucas palavras.
Além de que, se eu dissesse o que queria a assustaria. E tenho
certeza que para o padrão, por esse ar de inocência, com certeza a faria
correr para bem longe de mim.
— Quero me confessar.
Milagros arregala os olhos e se assusta. Acho que não esperava por
essa, mas tenho certeza que não me negará um pedido desses, já que não
tem nada demais escutar um pobre pecador.
— Você quer o quê? Confessar?
— Sim! Estou cheio de pecados e talvez você possa escutá-los e
conceder-me perdão por eles — falo com seriedade, como se quisesse que
de fato ela acreditasse em minhas palavras. O que daqui para frente quero
que aconteça, que me veja como um perdido em busca de salvação. E não
há mal algum no que estou fazendo.
Por outro lado, estarei ajudando-a a não seguir o que Castel decidiu
para a sua vida.
— Acho que não o entendi. — Milagros ainda está consternada e é
nítido que há uma certa descrença no que lhe disse.
— Quero me confessar — falo com calma, deixando explícito o que
quero dela.
— Mas eu não sou padre. Não posso tomar uma confissão sua.
— Mas é uma freira.
— Noviça! Serei uma freira em breve. — Ela me corrige. — E
mesmo assim freiras não podem colher uma confissão. O que posso fazer é
falar com Padre Juan e perguntar se ele pode escutá-lo. — Milagros
justifica, criando uma possibilidade que não era a que eu esperava.
— Não posso sair daqui — digo e dessa vez é totalmente a verdade.
Castel colocou seus lobinhos de guarda, impossibilitando que eu dê sequer
um passo para fora dos portões de Cuartel Salvitierra.
— Castel o proibiu? — sibila baixo.
Respiro fundo antes de responder que sim. Confessar que estou aqui
contra minha vontade e porque ele quer, por achar que é o certo, será meu
ato de rendição imposta.
— Sim e quero muito falar meus pecados para alguém — insisto e
uso de todo o drama que consigo expressar, como se de fato eu quisesse
falar sobre pecados. Não que não quisesse. Era justamente o que queria
falar com ela.
Premeditado ou não, era exatamente onde queria chegar. Milagros,
assim como eu, é uma vítima e talvez ela veja que essa vida não lhe
pertença e eu tenha algo que Castel tem um certo apreço.
Por que Carlos estava me dizendo essas coisas?
Seu olhar é penetrante, parecendo que está prestes a me perfurar, e
por segundos vejo tudo em câmera lenta, com sua boca se movendo,
proferindo a palavra pecado, insistindo no absurdo de querer se confessar
comigo.
Minha cabeça rodopia, meu rosto esquenta, minha boca seca. Sei
que estou corada, pelo menos o calor nas bochechas demonstra que posso a
qualquer momento entrar em combustão. Preciso entrar e parar de reparar
em Carlos, em como a camiseta de malha fica justa em seus braços, com
seus músculos ainda mais em evidência.
Em seu queixo há uma penugem rala e sinto o cheiro amadeirado
que sai de seu corpo.
Por Deus... Eu não posso e não devo.
Minha alma está clamando desesperadamente para que eu fuja para
bem longe. Sei que Carlos deve estar precisando conversar e expor tudo que
está acontecendo com ele. Boa parte da discussão que teve com Castel pela
manhã eu escutei. Não só eu, mas qualquer um que passasse por ali perto de
onde estavam.
— Acho que vou me sentir mais leve para encarar essa casa como
uma prisão se me libertar do que estou sentindo. — Carlos insiste e vai
abaixando o tom da sua voz, deixando-a com um timbre rouco. — Sei que
pode me ajudar, você sabe melhor que eu o que é penitência.
Como assim? O que estava acontecendo?
Quero entrar no quarto, quero que ele vai embora...
Carlos se aproxima, diminuindo o espaço, se colocando entre eu e a
porta, criando uma enorme barreira. É como se seu tamanho dobrasse,
ficando maior do que era em relação a mim.
— Por favor, eu quero entrar — choramingo em desespero, sentindo
que estou prestes a cair ali, a desmaiar quando o ar começa a ficar rarefeito.
Preciso sair dali, de perto dele. Carlos estava despertando tantas coisas
diversas do que poderia sentir... E nenhuma delas se assemelhava com
curiosidade como pensei que era anteriormente.
É errado...
Minha consciência começa a acusar insistentemente. Estou
reparando em como é bonito e em como é estar perto dele.
Não devo.
Não posso.
Só pode ser um teste. Não é para eu estar desse jeito, com medo,
desesperada por algo que tenho certeza que não é para mim. Que é na
verdade a provação da luxúria.
— Poderíamos conversar melhor. — Carlos diz e, sem que eu
perceba ou tenha um reflexo rápido para me afastar, ele desliza o polegar
pela lateral do meu rosto. Sinto cada fração dessa carícia como algo bom.
Recuo um passo para trás. Certa de que devo repelir qualquer toque. Se
antes permiti sua aproximação, o contato, foi por mero acaso, mas agora
tenho que me afastar de qualquer mal que me tire do meu caminho e Carlos
não é nada santificado.
O pior não é saber que ele tem a perversidade do pecado em seu
DNA, mas sim que descobri o que me faz ficar pensando nele. É a tentação
de querer estar perto.
— Não, não podemos — falo com rispidez e vou andando para trás
até estar na parede oposta, já que ele está bloqueando a porta com todo seu
tamanho.
Esse misto de culpa e de dúvidas não é bom. A Madre Superiora me
disse que um dia eu poderia sentir isso e que eu precisaria ser forte.
— O que está acontecendo? Está tudo bem? Parece que está com
medo. — Carlos dá os mesmos passos que eu, só que na minha direção, e
de novo está à minha frente, tão perto que preciso de espaço não só para me
manter sã, mas porque preciso respirar.
— Eu preciso sair, por favor. E não estou com medo e também não
podemos conversar.
— Por que não podemos conversar? Se não pode ouvir minha
confissão como uma freira...
— Noviça. — O interrompo novamente, corrigindo-o.
— Está bem. Noviça! Mas pode me escutar como amiga. Ou não
podemos ser mais amigos? Sempre fomos, somos quase uma família,
Milagros. E não precisa ter medo de mim, não vou fazer nada contra sua
vontade. Estarei aqui para protegê-la. — Carlos vai dizendo e as palavras se
misturam todas, me confundindo.
Sei que somos quase uma família, pelo menos fomos criados juntos
e ter amizade com ele não parece ser errado, mas meu corpo reage todas as
vezes de um jeito que não é o certo. Então não sei se devo.
Nego com a cabeça e olho para o chão. Evito encará-lo.
— Olhe para mim, Milagros. Sou eu, o Carlos!
Se realmente fosse confessar meus pecados um deles seria sobre ela.
Em como esse jeito inocente, angelical me deixa tentado a querer
corrompê-la. E não só porque quero mostrar a Castel que eu posso ser o que
ele menos espera. Estou tão perto que quero tocá-la, quero atingi-lo, tenho
vontades. Seu olhar, essa sua inocência me faz acessar um lado que não
queria, que não deveria.
E caralho... estou muito perto. Sei que estou sendo um filho da puta
ao não recuar, ao diminuir o espaço ainda mais. Ao deixá-la acuada, ao ver
o desespero refletido em seus olhos. Sou mais experiente. E a forma como
estou agindo é covarde? Sim, mas quero e não vou parar, não vou me privar.
— Apenas somos amigos e não vai passar disso — reafirmo na
tentativa de ganhar sua confiança, já que Milagros está amedrontada.
Entendo que isso não é tanto medo e sim um grande conflito. E posso
afirmar que vê-la assim só me faz querer prosseguir até o fim, sem piedade
alguma.
No entanto, percebo que por hoje é necessário recuar e não
pressioná-la como estou fazendo. Deixá-la se tranquilizar. Para logo
conseguir chegar aonde quero. Sou um competidor nato e sei quando é a
melhor hora de dar o golpe. Então me afasto sem deixar de encará-la,
apenas para que comece a confiar que estarei dizendo a verdade, que não
vou fazer nada que ela não queira. Volto a ficar na parede oposta, não mais
entre ela e a porta.
— Se puder me ajudar, ficarei agradecido. — Por fim digo como
quem está realmente precisando de ajuda e fico esperando por sua resposta,
que não vem. Contudo, sei que logo ela abaixará a guarda e aí será a minha
hora de nocauteá-la.
Aceito por hoje e espero que entre no seu quarto para seguir depois
para o meu. E é lá que permaneço o restante do dia. Pensando nela e em
como poderei fazer para quebrar esses estigmas, pois sei que não disse sim
porque deve estar pensando que é errado. Mas o errado só é errado quando
ele nos coloca em risco ou nos impede de seguir em frente porque
ultrapassa o limite imposto por uma sociedade.
E ter Milagros não é errado, é algo que quero.
Durante boa parte da noite perambulo pelo quarto e quando me
aproximo da sacada vejo que ela está do lado de fora, caminhando. E penso
em como começar a me aproximar sem estar presente, em como fazê-la
aceitar ser minha amiga.
E é por onde devo começar. Ninguém se entrega sem confiar.
Deixo meu quarto, caminho e vou para o andar de baixo, mas ao
invés de ir atrás de onde ela está, faço com que Milagros me veja ao ficar
por trás das portas de vidro, esperando que me note e que se sinta vigiada,
que corra para onde se sinta segura.
Sorrio e a encaro, deixando a sombra de que estou a vendo. Então
Milagros me evita ao seguir para longe. É bem o que quero e não demora
muito para ela correr para a segurança do seu quarto. Saio para fora da casa
e caminho ao redor da piscina. Arrisco olhar para o alto, na direção da
janela que dá para a sacada do cômodo onde está. A luz acesa é a
confirmação que precisava.
Então tiro a roupa, deixo o short e a camiseta jogada pelo chão,
ficando completamente como vim ao mundo. Paro e fico próximo à borda
da piscina, esperando e apurando meu ouvido para ouvir qualquer barulho e
como pensei e previ, escuto a porta de correr se abrir. Só pode ser ela, já
que os quartos opostos são os que estão ocupados por Irmandade e Valquez.
Sinto seu olhar e não preciso olhar para trás para saber que Milagros
está ali. Então estico meu corpo e me jogo contra a água, fazendo barulho.
Não me importo que alguém venha até aqui para saber o que estou fazendo,
apenas que ela me veja, que eu desperte curiosidade.
Mergulho e fico submerso, indo de uma ponta a outra. Quando subo
permaneço de costas para a direção do seu quarto, não me viro ainda e nado
até a borda e é de lá que olho para o alto e a vejo paralisada, olhando para
mim. A encaro em silêncio, até esboço um sorriso por vê-la em estado
cataléptico. Mas não falo nada, apenas me encosto na borda e estico os
braços para fora da piscina. Em seguida relaxo meu corpo, deixando-o
flutuar um pouco, como se estivesse distraído.
Faço meu show e vou para a luta, mesmo que desta vez ela seja
desleal. Como um verdadeiro campeão eu quero ganhar, quero ir até o fim.
Permaneço por alguns minutos encarando e me distraio, virando o
rosto na direção das portas duplas quando vejo Irmandade caminhar. A
mulher me encara com os olhos inchados. Provavelmente estava dormindo
e o barulho a fez sair da cama, além de que, sei que estava sendo vigiado
constantemente pelas câmeras de segurança. Então estava tranquilo por ser
flagrado ali aquelas horas. Só volto a afundar meu corpo, impedindo que a
mulher veja como realmente estou.
— Irm... — digo em tom animoso.
— Carlos, isso são horas de nadar? — Sorrio e por segundos, desvio
meu olhar para o alto e Milagros não está mais ali. De certo correu para
dentro assim que escutou sua avó.
— Está quente demais. Como o inferno — debocho.
— Por Deus, menino, para de dizer essas coisas. — Ela retruca e
avança mais um pouco para frente tentando ver para onde estou olhando; no
entanto volto a encará-la e demonstro que de todos os dias que estava ali, eu
já estava me conformando por ter que ficar.
— Então que tal o purgatório?
Irmandade sorri e balança a cabeça.
— O que faço com você? Ainda bem que está de bom humor. Pelo
menos não está se rebelando. Acredito que o feriado em família tenha lhe
feito bem.
— Será? — tripudio, como se de fato meu bom humor devesse ser
atribuído a isso, mas mal ela sabe que meu bom humor se deve a outra
coisa, ou melhor, a sua neta e o que pretendo fazer com ela sem remorso
algum.
Alguém precisa mostrar para ela que a nossa vida pertence somente
a nós e não a meu irmão.
— Vá dormir logo. — Ela gesticula e se vira, retornando para dentro
da casa.
— Daqui a pouco eu vou — falo um pouco mais alto. Novamente
retorno a olhar para a direção do quarto de Milagros e a luz se apaga. Sorrio
satisfeito e saio da piscina. Certamente ela deve ter ido dormir. E eu devo
fazer o mesmo.
Estou olhando para as crianças que estão ali todas sentadas em um
grande círculo ao meu redor enquanto conto a história do nascimento de
Jesus para elas.
Após o que vi ontem à noite, quando por curiosidade me deixei ser
levada até a varanda do quarto assim que Carlos entrou nu na piscina. Eu
nunca e nem sequer tinha visto um homem em sua essência como ele
estava. Foi um choque, não conseguia me mover, tudo dentro de mim se
tornou uma verdadeira tormenta. Eu queria sair dali, mas meu corpo não
respondia aos comandos que minha consciência enviava para ele.
Era como se estivesse em um cabo de guerra e vencesse o melhor e
mais forte dos lados.
E venceu o da necessidade de ficar olhando para ele e o que estava
fazendo. Em como seu corpo era atlético e ainda mais musculoso do que
pensava ser. Mas o que mais impressionou foram as enormes asas riscadas
em suas costas e no centro delas uma cruz. Um anjo justiceiro, ou melhor,
um anjo da escuridão. Era como eu o via. Preso no meio dela, pronto para
ser resgatado.
Não vou negar que ele tem mexido com tudo que creio e acredito.
Às vezes, acho que é a necessidade de ser alguém que não pode ser e nas
outras vejo que Carlos é a própria tempestade. Provocativo e tentador. Tanto
que senti vontade de tocar cada traçado daquelas asas, apenas para sentir
seus músculos com as pontas dos meus dedos.
O melhor que posso fazer é ficar distante o máximo que conseguir
dele. Ainda mais porque vamos ficar na mesma casa durantes os próximos
60 dias.
Não posso cair em tentação. Sei o que quero para minha vida. E por
mais que eu o tenha achado bonito não deve passar dessa percepção.
Preciso ter o foco nas minhas escolhas. No mundo que quero para mim.
Por isso pretendo passar o maior tempo que conseguir ajudando
Padre Juan em sua paróquia. Decidi isso quando consegui me acalmar antes
de adormecer e sonhar com Carlos. Quando acordei suada, com a respiração
ofegante, procurando encontrá-lo com suas mãos em mim após sonhar que
eu estava com ele dentro daquela piscina e que sua boca estava na minha.
Pedi perdão. Clamei por misericórdia.
Estou carregando tanto remorso.
Eu nunca tive contato com um homem e nem teria, então tudo era
confuso e sem explicações do porquê Carlos estava mexendo tanto assim
comigo. Inclusive liguei para a Madre Superiora para contar da minha ideia
de ajudar na Paróquia da cidade e pedir para poder voltar mais cedo, mas
ela apenas comentou sobre a ideia e negou meu retorno, alegando que eu
deveria ter esse tempo para saber se de fato é o que quero.
E poxa... eu sei disso desde sempre. Vivi a maior parte da minha
vida com elas. Como não ter certeza que quero me tornar uma freira?
Talvez se Carlos não estivesse ali, para me confrontar indiretamente
eu estaria melhor e não perturbadoramente desatenta, confusa e
desesperada.
Aaah... mas você pode dizer que não o quer por perto, ignorá-lo.
Sim... mas infelizmente quase somos da mesma família. Minha avó
o criou como se fosse seu filho e seu irmão a mim como se fosse a sua.
Não é para temer.
Não há nada demais.
Talvez eu esteja vendo coisas onde não exista e fazendo uma
tempestade em um copo com água. Ou apenas meu corpo esteja reagindo
por nunca ter tido essa experiência, por ser uma novidade.
— E quais foram os presentes que os três Reis Magos deram ao
menino Jesus? — Uma das crianças me tira desse transe.
Não percebo que estou quase terminando a história.
Respiro fundo e volto minha atenção a elas e tento pelo restante do
dia não deixar que meus pensamentos ganhem força e muito menos pense
em Carlos.
Não vou buscar mais entender o que está acontecendo, apenas ficar
longe, o quanto mais longe dele possível. Não que ele fosse ruim, mas eu
estava sentindo coisas que mesmo não as conhecendo sei que não poderia
sentir.
Já era fim de tarde quando minha avó apareceu por lá, com a
desculpa que queria falar com Padre Juan. Sei que estava fazendo isso
porque disse que não precisava de motorista ou qualquer conforto. Não
estava acostumada a ter tudo e todos fazendo as coisas para mim. Eu disse a
ela que voltaria caminhando para meditar e fazer minhas preces. Mas pelo
jeito ela não me escutou e veio assim mesmo. Eu queria mesmo era ter um
tempo sozinha para reorganizar-me e buscar a voltar a mim e a me colocar
no prumo.
— Milagros é uma excelente menina, vai ser uma freira incrível. É
amorosa e muito cuidadosa e as crianças a adoraram. — Escuto quando
Padre Juan me elogia enquanto caminha ao lado de minha avó, vindo os
dois na minha direção.
— Milagros nasceu para o chamado de Deus. Castel estava certo
quando me deu a sugestão de enviá-la ao convento anos atrás. É pura e
muito bondosa. — Minha avó diz e olha para mim com o sorriso de alguém
que está muito orgulhosa.
Como queria que não dissesse essas palavras finais. Não me sinto
tão pura assim. Ando tendo pensamentos que não são de alguém que está
prestes a se tornar uma freira e logo passar pelo Juniorato[13].
— Dá para ver que ela tem vocação. Vejo como é dedicada. — O
clérigo para de falar ao parar e também olhar para mim. — Tem muita sorte
da neta que tem. — Ele conclui e em seguida minha avó pede sua benção
para irmos.
Nos despedimos do padre e, em seguida, o carro que está a nossa
espera nos leva embora. E assim que o automóvel ganha a estreita estrada
que nos leva para o alto da colina vou sentindo um comichão, uma sensação
de aperto na garganta. O frio na barriga aumenta quando o motorista para o
carro bem à frente da enorme casa de Castel.
— Está tudo bem, Milagros? — Minha avó segura na minha mão
antes de descer e questiona.
— Sim, um pouco cansada. Não estou acostumada a passar o dia
todo com diversas crianças — respondo não tão convicta. Na verdade, estou
mentindo. Esse desconforto que sinto tem nome.
O curioso é que cada novo pensamento que tenho com ele tem me
sucumbido, tem drenado minhas energias.
No entanto, assim que desço me sinto um pouco mais tranquila ao
não encontrar com ele. Não o ver perambulando ali me deixa em paz. O que
me fará conseguir distanciar-me dele como planejo. Apesar que ainda corro
o risco de esbarrar nele, nossos quartos ficam no mesmo corredor, apenas
separados por outros quartos que tem no mesmo andar.
Pretendo me trancar no meu e só sair de lá quando achar seguro.
Assim evito ver Carlos por acaso.
E sigo meu plano à risca, fazendo tudo que gosto de fazer em minha
rotina noturna antes que por acaso eu o veja por aí. Não me demoro muito
nem com as minhas orações. Me mantenho sempre próxima de alguém e
assim que minha avó informa que vai se recolher faço o mesmo. Contudo,
já estava deitada quando me assusto com as batidas contra a porta. Já tinha
tirado o hábito e fico calada, como se tivesse dormindo, assim quem
estivesse ali iria embora. Mas não, o barulho se torna insistente e quando
percebe que não vou atender parece que a pessoa vai embora.
Independentemente de quem quer que fosse que estivesse ali, eu não
deveria atender.
Sinto-me aliviada e triste ao mesmo tempo quando percebo que de
fato, e por mais que não fosse ver quem estava aquelas horas batendo na
porta, eu queria que fosse Carlos.
Por Deus... tinha que parar com isso!
Tinha que parar de pensar assim. Talvez Carlos só estivesse sendo
ele mesmo e agindo de boa-fé. E era eu que estava com tantos pensamentos
distorcidos. Ele não tinha culpa alguma.
Viro-me na cama, olho a escuridão do quarto e fecho os olhos, na
tentativa de dormir logo, mas se achei que conseguiria, estava enganada.
Escuto o barulho de alguém entrando na piscina e provavelmente só poderia
ser ele. E como na noite passada, o anjo ruim em meu ombro esquerdo pede
que eu vá até a sacada e o veja.
Não posso — o grito fica preso na minha garganta enquanto pego o
travesseiro e sufoco esse sentimento que não consigo nomear, que insiste
em brincar comigo.
Sei que Milagros passaria a me evitar. Era previsível. Contudo
passei o dia pensando em como me aproximar mais, deixando-a sem saídas
para correr de mim. Até treinei e descarreguei toda minha energia enquanto
planejava cada articulação. Claro que Valquez ficou surpreso quando me
viu na academia, no subsolo da casa.
Castel a mantinha lá não sei porquê. Talvez por ostentação. Era
quase inacessível, já que para ir até ela precisava atravessar toda a área
externa e descer por uma escada escondida que levava para debaixo da
enorme casa. Todavia, o local era sofisticado e as pedras naturais, que
imagino que faziam parte da estrutura da casa e compunham a maior parte
da decoração rústica. Os aparelhos ficavam em um canto e no outro tinha
tatames dispersos pelo chão e o saco de areia suspenso no ar.
Passei praticamente a tarde inteira por lá. Quando subi e fui para a
cozinha comer algo, fiquei sabendo que Irmandade havia ido buscar a neta
na Paróquia, no centro de Cuidad. Além de que também me informaram
que Milagros estaria fazendo trabalhos voluntários por lá. E acabei que não
consegui vê-la.
Com certeza esse era o plano para não nos encontrarmos mais. Ela
disse que não poderíamos ser amigos, então estava fugindo. Talvez fosse
melhor dar esse espaço, mostrar que minha aproximação não tinha segundas
intenções. Contudo, quando estava tarde e eu tinha certeza que Irmandade
estava em seu décimo sono fui até o quarto de Milagros, mas a danada não
abriu a porta, certamente estava dormindo. E mesmo eu fazendo barulho na
piscina após perceber que não abriria, não a vi.
Portanto, voltei para o quarto e esperaria pelo próximo dia.
O que deu certo.
Sabia que acordava mais cedo que todos por ali, até mesmo que sua
avó. E assim que deixou seu quarto a segui até a cozinha, esperando poucos
minutos para entrar e pegá-la a sós.
Fico um tempo observando-a, analisando enquanto parece estar
distraída próxima ao fogão.
Não sei o que deu a mim, mas desde que percebi que Milagros era o
ponto fraco de Castel ela se tornou ainda mais atraente. Não só ela, mas
todo o conjunto que a compunha, que a deixava extremamente inofensiva.
O que será que posso esperar por baixo desse hábito?
Não quero nem pensar. Ontem pela primeira vez me excitei ao
pensar em como seu corpo deve ser. O curioso é que fiquei apenas tentando
adivinhar. Nunca antes lidei com uma mulher que não sabia o que era
prazer, que esteja a maior parte do tempo completamente vestida dos pés à
cabeça. E talvez seja por isso que estou desejando-a. Por causa de toda essa
sua inocência. Até porque Milagros era certamente algo intocável, uma
virgem, a única coisa pura que meu irmão tinha.
— Bom dia — digo, chamando sua atenção enquanto me posiciono
em um local estratégico, que se ela quiser escapar será fácil de não permitir.
Milagros se vira e não diz nada, o que me faz sentir satisfeito ao
contemplar o seu olhar de surpresa. Com certeza não esperava me ver a
essas horas.
— Ontem fui ao seu quarto para ver se estava precisando de algo,
mas estava dormindo. — Sou direto.
— Não o ouvi bater. — Sua voz sai tremida e quando eu a encaro
firme, pois sei que está mentindo, ela desvia o olhar.
— Achei que freiras não mentiam.
— Noviça...
— Que seja. Não tem algo como não poder mentir para se tornar
uma freira, Milagros? — A questiono e enquanto percebo que se encolhe e
tenta esconder não só a verdade, mas como também se sente, vou
caminhando para mais perto dela.
Um verdadeiro predador sabe quando sua presa emite medo...
— Está mentindo? — falo baixo, quase em um sussurro, parando e
ficando próximo dela. A deixo encurralada contra o mármore que se
estende por toda a lateral da cozinha, amparando não só a pia, mas o
restante dos eletrodomésticos. Milagros não terá como sair daqui. E como
se a deixasse enjaulada apoio as mãos na beirada da pedra, segurando e
mantendo-a no espaço entre meus braços. Me inclino e fico com o rosto na
mesma altura do seu. — Ou você é uma mentira?
Minha intenção não era confrontá-la, mas estou jogando conforme
avanço as casas e ver seu estado de vulnerabilidade me dá mais forças para
ir ao ataque. Confesso que estava disposto a ir com calma, mas o animal em
mim se torna incontrolável ao estar diante desse seu jeito de virgem
intocada.
A encaro e sorrio, quando me remexo buscando seus olhos que
parecem dançar, evitando os meus.
— Não acho que deveria atendê-lo àquela hora. — Por fim ela
responde, após segundos de silêncio entre nós dois.
— Por quê?
— Porque não devo ter contato com homens.
— Mas sou quase um irmão. O que há de mal nisso? — rebato-a,
mal dando tempo para pensar em se safar com uma desculpa qualquer.
— Nenhum.
— Então por que me evitar? Não se esqueça que eu a vi crescer, só
não a vi se tornar mulher. — Vou falando e olhando para seu corpo,
retornando em seguida para seu rosto. — Está me evitando?
Milagros fica em silêncio e porra mil vezes. Ela morde o lábio
inferior em uma atitude involuntária, mas que para mim funciona como um
gatilho para me sentir excitado.
Aperto mais o mármore com a mão, ao perceber que estou reagindo,
que quero beijar sua boca. Que quero arrancar esse véu horroroso de sua
cabeça.
Esse desejo pode até ser para ter algo que me é proibido, ou mesmo
por uma afronta, mas essa reação, de sentir que meu pau se contrai ereto
dentro da cueca boxer não tem nada a ver com o que tinha em mente.
— Vamos lá, me responda: por que está me evitando? Se mentir vou
saber e então vou acreditar que por trás dessa carcaça de noviça tem outra
Milagros.
— Foi somente ontem. — Milagros responde e sua voz está tão
baixa que é como se estivesse sussurrando.
— E por quê? — insisto e a jovem noviça volta a morder o lábio
inferior como se estivesse segurando para a verdade não sair. — Está com
medo de mim?
Milagros não responde verbalmente, mas balança a cabeça
confirmando minha pergunta.
— Não precisa ter medo de mim. Não sou o bicho-papão, não sou
um monstro. Eu disse que não farei nada com você que não queira. Só
quero ser seu amigo. Quero protegê-la.
Santa hipocrisia, Carlos... Protegê-la só se for de você mesmo!
— Eu não tenho medo de você e sim...
— E sim? — incito-a a terminar de responder, mas preciso sair
rápido dali quando escuto passos ali perto. Vou para o lado oposto,
contornando a enorme mesa. Me sento em uma das cadeiras como se
estivesse ali há minutos. Espero enquanto encaro Milagros e Anunciata
entra na cozinha.
— Bom dia, Milagros! — A mulher diz e acho que não me viu, pois,
seu olhar é de surpresa ao me ver ali também. — Carlos?!
Fomos interrompidos pela manhã, mas entendi completamente que
eu afetava Milagros. Era visível que estava transtornada, porém não sei se é
medo ou se estava despertando nela qualquer outro sentimento.
Meu dia foi tomando por uma passagem de ideias, desejos e
vontades. Cada minuto dele foi preenchido pelo pensamento de que essa
noite eu saberia muito mais de Milagros. Seria assim que conseguiria
ultrapassar as jogadas e passar para a casa seguinte do tabuleiro.
— Estou gostando de ver que voltou a treinar. — Valquez chega e
para a minha frente, segurando o saco de areia para que eu desferisse socos
contra. No entanto, não respondo, continuo a me movimentar e a pensar em
como ficar próximo da noviça sem que seja interrompido por qualquer
pessoa.
Todas as vezes alguém chega e precisamos ser rápidos e nos afastar.
Por mais que não tivéssemos fazendo nada, sei que poderiam interpretar
errado. Então preciso de uma solução para estar a sós com ela, como se não
tivesse nada para ser maldado ou ninguém para atrapalhar. Por isso estava
executando a ideia de deixar que pensem que cedi. De que havia aceitado
que não adiantaria brigar e relutar. De que teria que ficar aqui os dois meses
mesmo. Então comecei a treinar e pedi até que chamassem por Valquez.
Assim não levantaria suspeitas e acabaria não dando margens para
desconfiarem.
Passo a tarde treinando, como sempre fiz antes de vir para cá, e
descarrego toda a frustração de ter que brincar, de ir com calma com
Milagros.
A noite chega e após o jantar, que surpreendi a todos ao descer e me
juntar a eles, espero o horário para eu procurá-la, mas acabo sendo
atrapalhado por Irmandade que demora muito tempo em sua reza junto com
ela. E quando voltam Irm parece um cão de guarda ao ir antes no meu
quarto verificar se eu estava dormindo.
Mas que velha desconfiada...
Acredito que Anunciata tenha dito algo, que estavam eu e Milagros
a sós na cozinha de manhã.
Oh...Mulherada fofoqueira dessa casa.
E para não gerar nenhuma desconfiança, resolvo recuar e faço isso
por dois dias seguidos. Inclusive evito estar no mesmo lugar que Milagros
quando ela está em casa. Deixo-a pensar que acatei o que quer. Contudo sei
de cada passo seu. De que anda passando o dia em trabalho voluntário na
paróquia no centro de Cuidad.
Então espero de novo a noite chegar e, como antes, Irmandade vai
dormir e após um tempo verifico se de fato está dormindo quando sigo para
o quarto de Milagros. Hoje estou disposto a tudo ou nada. Já não aguento
segurar o animal enjaulado dentro de mim. Ao menos preciso conversar,
descobrir e saber como vou perfurar essa sua carcaça.
Paciência nunca foi meu forte...
Decidido, caminho pelo corredor, parando a frente do seu quarto.
Com cuidado para evitar que Irmandade apareça ali, dou leves batidas
contra a porta.
— Milagros? — chamo pelo seu nome ao encostar minha boca na
junção da porta. E fico ali por alguns minutos, repetindo com a voz baixa.
Sei que não está dormindo, dá para escutar a movimentação dentro
do cômodo, mas ela parece que vai fingir que não há ninguém aqui,
contudo, já estava quase desistindo quando escuto o barulho da chave girar
e metade do seu rosto surgir em um vão ao abrir um pouco a porta.
— Por favor, Carlos. Só abri porque fiquei com medo de que
alguém o escutasse. Diga o que quer e me deixe em paz. — Milagros sibila
as palavras sussurrando-as.
— Quero ser seu amigo. Já lhe disse que amigos não precisam ter
medo um do outro — falo no mesmo tom que o seu.
— Não posso ter amigos homens. Não...
— Não existe isso, somos quase irmãos, então podemos sim ser
amigos. Deixe-me entrar.
Eu deveria era entender que não podíamos nem nos falar muito, mas
não iria recuar. Sei que Milagros não é qualquer mulher. Só está em casa
para testar sua vocação. A qual acho que pensa que é um dom, mas que não
passa de uma manipulação de Castel.
— Não... — Milagros diz e nega, mas não me movo quando tenta
fechar a porta e coloco o pé para impedir.
Claro que se eu entrar não vou tentar nada, pelo menos vou testar.
— Eu preciso ter uma amiga. Preciso conversar e sei que pode me
ajudar. Você ajudaria?
Sou apelativo e não sinto remorso algum por tentar invadir seu
psicológico.
Insisto e ela acaba cedendo ao me deixar passar, abrindo toda a porta
para que eu entre. Ela está vestida e com os cabelos cobertos por aquele véu
horrível que os esconde. Aliás, toda sua roupa é horrorosa e... não quero
ficar pensando em como seria se usasse um dos vestidos caros que tem nas
lojas de alta costura em Las Vegas.
— Por que demorou para abrir? — pergunto assim que ela fecha a
porta e fica próximo a ela.
— Estava me trocando. Colocando meu hábito.
— Não pode ser vista sem ele? — A questiono ao entrar mais para
dentro do seu quarto.
Milagros poderia até ficar ali parada na porta, se assim se sentisse
segura. Ao contrário de mim, que me sinto totalmente confortável e sigo até
a porta de vidro que dá para a varanda. Seguro um pedaço da cortina e
afasto-a um pouco, espiando se havia alguém lá fora.
— Não deveria usar quando não está no convento. É horrível.
— Eu gosto! E Carlos...
Olho por cima dos ombros quando diz meu nome e me viro sem
deixar de encará-la. Sigo até uma poltrona que fica no canto, próximo a
cama e me sento confortavelmente. Praticamente os quartos aqui tem as
mesmas mobílias. Uma cama grande, uma poltrona, mesa de cabeceira e
uma televisão suspensa no ar e presa à parede. As portas na lateral com
certeza é uma para o banheiro e a outra para um closet.
— Diga.
— Não me sinto à vontade com você aqui.
— Por quê? — Fico inquieto ao questioná-la, talvez Milagros diga
para eu sair. Já deixou claro que não pode estar na minha presença.
Levanto-me e caminho pelo quarto.
— Porque... — Milagros titubeia e não responde de novo.
— Não vou fazer nada. Já lhe disse que não precisa ter medo de
mim.
— Sei que não vai fazer nada contra mim. Só não quero ter
problemas.
— Quais problemas? Não vejo nenhum. Se eu fosse um estranho
teria motivos. Mas não sou. Então qual problema teria em sermos amigos?
Sei que vai se tornar uma freira e eu preciso de sua ajuda — falo e vou me
aproximando, parando diante dela ao fazer o apelo mentiroso.
— Não sei se sou a melhor pessoa para ajudá-lo. — Ao mesmo
tempo que a vejo convicta com suas respostas há algo nela que não
transmite veracidade, é como se estivesse escondendo realmente seus
sentimentos.
— Por quê?
— Porque não acho que precisa da minha ajuda.
— Claro que preciso... Todos precisamos uns dos outros. Não é
assim que é ensinado? Que devemos sempre ajudar o próximo?
Milagros assente e então sorrio ao perceber que sua respiração se
tornou pesada e travada.
— Então, você melhor que ninguém pode me ajudar.
— No que?
— Com coisas da vida — digo e vou abaixando o tom de voz.
— Mas eu não sei nada da vida. Certamente é mais experiente que
eu em tudo. O que uma noviça poderia ensinar para um campeão mundial?
Que deve ter viajado o mundo. E que mora em Las Vegas!
Penso e repenso no que de fato ia dizer, porém uma curiosidade
surge.
— Gostaria de conhecer o mundo? De ir a Las Vegas?
— O mundo sim. Acompanhar o trabalho voluntário da Cruz
Vermelha e visitar lugares que precisam de ajuda humanitária. Mas Las
Vegas não.
Ponto para mim...
Milagros diz e deixa eu ver um pouco mais dela. Acho que sei por
onde ir. Mas acho curioso que Las Vegas ela tenha dito não.
— Por que Las Vegas não?
— Não é um lugar que eu sinta que seria para mim.
— Por ser a cidade do pecado? Lá não é assim... — minto
descaradamente. Las Vegas é o celeiro da perdição e do pecado. E imaginar
Milagros lá, com seu hábito, seria uma heresia com direito à forca.
— Está rindo de mim? — Milagros pergunta e sorri também, o que
me faz ficar paralisado quando vejo as duas covinhas nas suas bochechas
deixando-a ainda mais com o ar de inocente.
Caralho...
Respiro fundo e nego com a cabeça, incapaz de reagir.
— Não... só fiquei encantado com você sorrindo. — Assim que falo
Milagros para de sorrir, ficando séria novamente. — Sorrir não é pecado.
Posso estar pulando as etapas. Mas a forma como fala é carregada
por medo, por reticências. E não precisa ter experiência alguma para ver
que ela está brigando com si mesma.
A encaro e deixo de sorrir.
— Eu sei! Mas...
— Mas o quê? Sorrir e ser feliz não é pecado e você não está
fazendo nada de errado.
— Eu sei que não estou. — Seu tom é um pouco irritadiço. — É que
não acho que deveríamos estar conversando a sós e a essas horas.
— Você está mentindo de novo. — Por fim dou um foda-se no que
planejei e me aproximo mais, não deixando espaço entre nós. Tenho certeza
de que se ela pudesse se afundaria contra a parede, abrindo um buraco nela
para sair.
— É pecado... — Milagros murmura e semicerra as pálpebras.
Percebo que também fecha as mãos e as aperta firme.
— Pecado é resistir a qualquer tentação — digo e aproveito que está
de olhos fechados para tirar o véu que cobre seus cabelos. Mas sou
impedido quando ela percebe o que estou fazendo. Então abre os olhos de
novo, arregalando-os, mostrando estar assustada. E os olhos são a porta de
entrada para transmitir, para fazê-la entender que não precisa temer. No
entanto, insisto e ela acaba cedendo quando seguro seu rosto delicadamente,
fazendo com que me encare, que confie no que vou fazer.
Não vou parar e não quero ir por etapas.
— Não estamos fazendo nada demais — murmuro quando termino
de descobrir todo seu cabelo preto como ébano, como imaginei, mas curtos,
na altura dos ombros. Imaginava que seriam longos, que cairiam por suas
costas.
Pego uma mecha e deslizo-a entre os dedos enquanto com o polegar
da outra mão afago a pele do seu rosto, subindo e descendo por um curto
espaço, sentindo toda a maciez.
— São curtos e lindos...
Aliás Milagros parece um anjo, uma doce fada celestial.
Queria pará-lo e até tentei vencer essa ânsia que desejo que
continue, que vá e cruze todos os limites impostos.
Tenho que fazer algo, mas já não tenho forças. Já não sei como parar
de pensar em Carlos. É tudo repentino e estranho. Tinha certeza de que não
seria uma boa ideia deixá-lo entrar, no entanto já sou escrava das suas
ordens. E nada faz mais sentido algum. Tanto que permito que tire o véu e
veja meus cabelos. É como se estivesse me traindo, mas ao mesmo tempo já
não sei de mais nada.
Fecho os olhos quando sinto seu toque e os dedos entranhando nos
fios do meu cabelo, indo até o couro cabeludo e massageando. Suspiro por
causa da carícia e apoio minhas mãos, espalmando-as contra a solidez da
parede. Sinto que sou tragada para a escuridão. Mal consigo respirar, tenho
vontade de fugir e ficar ao mesmo tempo.
Não é certo, mas também não é errado.
Choramingo quase inaudível ao fechar os olhos, gostando desse
contato. Minha respiração falha, meu corpo esquenta, minhas pernas estão
bambas. Acho que vou cair a qualquer momento.
O que fui fazer?
— Deixou ele entrar... — O anjo bom diz em tom de acusação ao se
pendurar no meu ombro direito.
— Você tem apenas uma vida para ser vivida, aproveite... — O anjo
mau diz, incentivando ao repousar escrachadamente no outro ombro.
O bem e o mal discutem, mas...
— Você é linda. — Carlos encosta sua boca quente e úmida na
minha. Seus lábios se remexem e posso sentir suas palavras contra os meus,
me levando para um lugar que jamais imaginei que existisse. — O maior
pecado é resistir à tentação. Somos amigos e ninguém saberá de nada.
Aperto os olhos e estou sendo varrida para longe ao acreditar em
suas palavras. É como se estivesse agarrada a algo, a uma convicção e que
agora estava a soltando, libertando-a, permitindo que parta para dar lugar a
toda essa volúpia da sua boca tão perto, da sua respiração se fundindo com
a minha.
E era muito bom... Algo misturado a ansiedade, a uma antecipação
de coisas boas. Meu corpo fica leve quando seus dedos descem pelo meu
pescoço, acariciando delicadamente, possuindo-o, roubando-o, tornando
seu.
— Amar não é pecado... Ter prazer não é errado... Viver a vida não
te leva para o inferno...
Como ele pode dizer tais coisas quando ainda luto para não me trair,
como estou fazendo? Sou pecadora, sou traidora e já não consigo sustentar
minhas verdades. Sou uma incoerência ambulante!
— Posso te mostrar coisas das quais se não quiser vivê-las daqui a
dois meses é só fingir que nada aconteceu e seguir em frente, levando com
você nosso segredo. — Carlos diz com a voz rouca, sugerindo que eu minta
para todos. Contudo, o timbre de sua voz me toca como se fossem seus
dedos e faz com que eu assinta, permitindo que sua boca ganhe vida,
resfolegando-se pela minha pele e fazendo um longo caminho, indo até meu
ouvido. — Ter segredo não te faz pecadora, te faz uma sobrevivente.
Confesse, Milagros... — Fico arrepiada, meu corpo se torna sôfrego e
minha respiração se entrecorta.
Preciso de ar. Preciso abrir meus olhos para ter certeza de que não
vou me arrepender e não morrer de remorsos depois.
— O quê? — pergunto quase não conseguindo respirar ao encarar a
ferocidade do seu olhar no meu.
— Que sente isso também.
Não consigo dizer que sim, não quero confessar. Ainda é turvo e
incompreensível, mesmo sendo incrível.
— Que quer, que não aguenta mais. Pois eu quero você!
Por Deus...
— Por favor, Carlos... — Minha voz sai como um miado, chorosa e
cadente.
Quero correr, mas também quero ficar.
— O que, meu anjo? Minha doce Milagros. — Não resisto e mordo
meu lábio tão forte que a dor não faz nem cócegas perto da sensação
deliciosa que é a ponta da sua língua contornando minha orelha.
— Ah meu Deus! — balbucio sons incompreensíveis.
Acho que vou cair.
Que sensação é essa?
Que me faz sentir tremores que não são de frio, que me faz
esquentar, mas não é de calor. Sinto algo que se espreme no alto das minhas
coxas. Quero tocar e ver o que tem ali, porque sinto que estou suando, que
estou molhada.
— Isso é só o começo... E o que posso te falar é que é a criação,
mesmo antes da mulher comer o fruto proibido. Então, amar e ser amada
não é pecado. É um ato abençoado.
Sua boca agora não está mais em meus ouvidos, ela está
escorregando pelo meu pescoço.
É maravilhoso...
— Você é doce... — Carlos continua a dizer baixo contra a minha
pele após raspar seus dentes ali. Suspiro desajeitadamente, emitindo sons
desconexos que pulam da minha boca para fora involuntariamente.
Como pode existir algo tão potente como isso?
Questiono-me e não penso mais em nada que não seja o que estou
fazendo. Sei que é errado, mas não sou forte o suficiente para rejeitá-lo. Ou
melhor, não quero. É tão delicioso que necessito, que tenho uma fome que
nunca senti antes, que tenho sede e que não pode ser saciada.
E por fim, então me liberto e me jogo no abismo quando as suas
mãos me levam para o meio dos seus braços; para não cair me seguro,
agarrando a malha da sua camiseta e retorcendo-a firme. Por alguns
segundos acho que o mundo parou de girar, ficamos nos encarando e então
sou devastada quando Carlos cola seus lábios nos meus de novo e invade
minha boca com ferocidade. Movo a minha boca, abrindo-a, permitindo que
a invada.
Deve ser assim que tem que ser feito para ser beijada. Por mais que
nunca tenha sido, sei o que é a fusão de duas bocas juntas.
É um beijo e algo que jamais pensei que seria era ser beijada, ainda
mais por Carlos. E ele intensifica com movimentos únicos e possuidores,
dominando, escravizando minha língua com a sua. O gosto é delicioso, só
que não tem um sabor específico, só sei que é maravilhoso.
Inexplicável...
Quando dou por mim, já não faço ideia de quanto tempo estou ali
com ele, sendo beijada, sendo depravada. Uma pontada de culpa, de saber
que não poderia, que eu deveria ter reprimido surge, mas é tão avassalador
que não sei se conseguiria resistir.
Além de todos esses sentimentos difusos, sinto-me confusa quando
o acusador e a defesa invadem minha mente, digladiando entre si, para ver
quem vencerá e comandará todo meu corpo. Mas é a luxúria que se torna
campeã, exigindo que eu nunca mais prive meu corpo dessas sensações, de
Carlos.
Então permito que suas mãos deslizem pelo meu corpo, que
massacre todo o tecido contra minha pele.
Antes de abrir para ele entrar corri para vestir meu hábito, mas só
estava com ele, sem o camisolão que usávamos por baixo. Por isso, cada
pressão que seus dedos exercem contra meu corpo me faz suspirar. Mas
Carlos parece gostar de me atormentar, ele vai lentamente se afastando ao
deixar minha boca enquanto me pressiona mais contra seu corpo, ficando
com uma das suas mãos no centro das minhas costas. Já a outra sobre e se
entranha em meus cabelos. Ele me segura e me espreme, me aperta e arfa. E
seus olhos se tornam inquisidores.
— É bom?
— Sim... — balbucio e só quero fechar meus olhos, deixar que
continue, no entanto sou surpreendida ao sentir o aperto dos seus braços se
desfazerem, me soltando, me libertando, me dando a oportunidade de
escolher.
— Somos amigos e não precisa ter medo de mim. Quer parar? Te
disse que não faria nada que não quisesse.
Aquiesço insegura, mas não é o que quero, porém sei que não posso.
Que estou sendo herética, pecadora.
— Não se esconda de mim e se você não quer, não continuo.
Carlos age como disse: que não faria nada que eu não quisesse ao
me soltar e se afastar um pouco, não totalmente, após esfregar seus lábios
como se estivesse se despedindo. E então, quando acho que posso me
equilibrar sozinha, solto o tecido enrugado por ter sido retorcido. O encaro
e não sei mais o que sinto de fato; se é culpa, se o desejo, se é remorso ou se
é simplesmente luxúria.
Tento raciocinar, mas está difícil com meu corpo ainda trêmulo e
febril. Minha boca está inchada e sedenta por mais. Toco nela
inspecionando, prestes a pedir por mais, mas Carlos recua um passo para
trás.
— Acho que devo ir. — Ele diz e então se afasta totalmente
enquanto seus olhos são ainda tentadoramente hipnotizantes.
Tudo bem que eu sei que não deveria, mas não vou negar que gostar
foi pouco. Foi como se estivesse sendo aquecida em um dia de muito frio.
Ganhando uma nova corrente elétrica por todo meu corpo, sendo
impregnada por Carlos de uma forma que poderia passar mil anos e jamais
me esqueceria. No entanto, assim que ele sai, sou jogada no lamaçal da
minha consciência pela culpa.
Ajoelho-me e o anjo acusador pousa em meu ombro, me lembrando
que não deveríamos, que não é certo o que acabou de acontecer. Que minha
escolha não inclui contatos íntimos com um homem, mesmo que não tenha
sido nada consumado. Que errei, que pequei, que não agi corretamente,
mesmo sendo Carlos.
E por longos minutos busco minha redenção. Talvez eu necessite me
autoflagelar. A sensação de ter sido corrompida me assombra. Fui imoral,
fui depravada. E por pior que possa parecer, não consigo me arrepender
como deveria, mesmo sendo inundada por diversas culpas.
Ali ajoelhada, exposta a minha vergonha, começo a me repreender
mentalmente pelos ensinamentos do correto e do errado. Busco tudo que
aprendi entre o que é carnal e o que é virtuoso, entretanto não encontro nada
para justificar. Agi por uma necessidade do meu corpo e de todas as
sensações que venho tendo quando estou perto dele, que fazem com que eu
ultrapasse todos os limites morais e éticos da minha escolha.
Confesso que poderia ter negado, que poderia ter sido mais firme e
convicta, já que ele não faria nada que eu não quisesse, só que a realidade
de que eu queria tanto quanto ele me assusta, me surpreende, pois estou
disposta a não negá-lo se caso acontecer de novo.
É perigoso. Estou à beira do precipício e não posso e não devo
cruzar essa linha.
Um beijo! Foi só o que aconteceu...
E ninguém jamais deve saber.
Reafirmo diversas vezes para ver se essa inverdade se torne uma
verdade absoluta.
E pior é que o dito é verídico...
Tudo que é proibido é melhor.
— Não sei o que aconteceu, mas gosto dessa disposição que está
hoje. — Valquez elogia ao segurar a barra com os pesos para eu levantá-la
no ar, mas meus pensamentos estavam longe, estavam na morena de cabelos
curtos da boca deliciosamente tentadora.
Ali, sustentando todo o peso no alto, minha mente gira e revira ao
lembrar de como beijá-la mexeu comigo de um jeito inexplicável. O gosto
da sua inocência foi o bônus extra.
Minha intenção não era beijar Milagros, não era pular várias casas
do jogo. Eu ia só conversar, fazer com que pudesse confiar em mim, mas
todo aquele violento desejo, com seu olhar de inocência pronta para ser
roubada, me fez agir como um adolescente desesperado e beijá-la. Matar a
curiosidade que tive ao saber que seus olhos pediam e seu corpo também
queria.
O que mais tive nessa vida foi mulher e sabia muito bem quando
elas queriam me seduzir ou mesmo se entregar, porém nenhuma delas me
deixou sedento por mais como quero ter daquela noviça proibida. Se Castel
sonhar serei castrado, julgado e condenado ao seu inferno particular.
Milagros era ingênua e com certeza eu fui o primeiro a beijá-la.
O que faz com que eu sinta que ela não pertence mais a meu irmão e
sim a mim.
Culpa?
Nenhuma.
Empurro a barra para o alto e prenso meus dentes, segurando firme
ao descer e subir enquanto queria estar fazendo outra coisa. Queria estar
com ela, atormentando e querendo mais.
— Isso... — Valquez incentiva e ao fim da série de 20
levantamentos consecutivos ele ajuda a colocar a barra com os pesos no
suporte.
Levanto e solto uma longa lufada de ar e me encaro no espelho ali.
Meus músculos estão brilhantes de suor e vermelhos.
— Há tempos não o vejo assim. O que aconteceu? — O treinador
me olha ressabiado. E é claro que estaria. Dias atrás eu queria que todos se
fodessem e o estava contrariando ao não querer treinar e nem ao menos sair
do quarto.
Estou aqui também por causa dela e não para mostrar ou mesmo
querer provar algo. Treinar sempre foi meu refúgio particular, é onde penso
e consigo organizar meus pensamentos. Mas hoje estava sendo o contrário.
Não parei um momento sequer de pensar em Milagros, em como senti calor
e quase me queimei ao provar dos seus lábios inocentes. Preciso de mais, de
provar novamente e saber como de fato é seu gosto.
— Não aconteceu nada. Não tem nada melhor para fazer, já que sou
tratado como um prisioneiro por vocês — digo e pego uma das toalhas que
está em um aparador logo no fundo da academia. Enxugo meu suor nela e
por minutos encaro meu reflexo no espelho.
Penso nela mais uma vez. Perco as contas de quantas vezes repeti
mentalmente que a quero e que terei de qualquer forma.
— Dois meses vão passar rápido. Quando perceber já estará
voltando para Las Vegas.
O encaro ao me virar e sorrio, falso e premeditado. Mal eles sabem
que dois meses aqui não vai ser mais um martírio. Eu já tinha encontrado o
melhor passatempo. O castigo de Castel se voltava para ele mesmo.
Retorno para o aparelho e faço as outras séries que faltavam. Por
fim, próximo ao horário que sei que Milagros estaria chegando, subo para o
térreo da casa. Eu a vejo ir direto para o altar da avó levando algumas velas.
Sigo após verificar se ninguém estaria por perto. Por mais que a casa tivesse
câmeras, tento usar os pontos cegos ao ir atrás dela.
Aproximo e como se fosse uma coincidência, jogo a toalha próximo
aos seus pés. Simulo que estou pegando-a como não quer nada. Mas só fiz
assim para poder ficar muito perto dela.
E Milagros sabe que estou ali. Já me viu e estava agindo como eu,
com certa naturalidade ao organizar as velas dentro de uma caixa de
madeira.
— Como foi seu dia? — pergunto baixinho ainda abaixado,
enrolando para não pegar a toalha caída próximo ao seu pé. Fico tentado a
seguir, a tocá-la, a subir com minhas mãos pela sua perna.
Penso...
— Bom e o seu?
— O mesmo. Não tem nada para fazer. Me sinto sozinho — digo e
não faço movimento nenhum, mantendo-me como estou. Assim podem
achar que está apenas com a imagem travada.
— Carlos, por favor, não podemos ficar sozinhos conversando aqui.
— Milagros olha na direção da câmera no alto e no canto do pequeno
cômodo em que fica o altar.
— Então não se movimente, finja que está paralisada, assim não vão
achar que estamos aqui conversando.
— Mas...
— Por favor, Milagros. Não parei de pensar em você. Precisamos
conversar quando todos estiverem dormindo.
— Não devemos. Ontem foi um erro.
Sei que hoje poderia ser exatamente assim, com ela negando,
recusando. Aliás, acho que está se sentindo culpada, mas não estou disposto
a aceitar um não só porque está com remorso do que aconteceu entre nós.
— Não estávamos fazendo nada demais, Milagros.
— Como não? — Milagros me surpreende e joga uma das velas
próximo a toalha e se abaixa para pegar, ficando cara a cara comigo. Sorrio
e adoro que tenha feito isso, agindo com esperteza.
— Não! Não aconteceu nada. Segredos morrem quando eles
acabam. Quando não tem mais nada. Ontem foi ontem. Não te disse que era
nosso segredo? — A questiono e jogo as afirmações que fiz, relembrando-a.
— Sim, mas não devemos mais ter esse tipo de segredo. —
Milagros responde em um sussurro enquanto seus olhos vagueiam para os
lados, buscando se certificar que estávamos de fato sozinhos.
— Tudo bem. Podemos ter outros e só conversarmos. Um novo
segredo. Poderia lhe dizer como é Roma. Já visitei o Vaticano quando viajei
para a Itália — mentira, fui para a Itália sim, mas nem passei perto da Praça
de São Pedro. Mas sei que isso poderia motivá-la a querer pelo menos ceder
por mais essa noite.
— Sério?
E deu certo...
Milagros pergunta e sorri, fazendo surgir os dois furos em suas
bochechas. Um de cada lado. Ela parecia uma boneca, com seu rosto
ovalado, delicado. As sobrancelhas eram naturais, nada penteadas em um
salão. Aliás, Milagros era o tipo da beleza natural, sem maquiagens, Botox,
preenchimentos de todos os tipos. E seus cabelos, por mais que sejam
curtos, são lindos e combinam com esse seu jeito virginal.
— Sim... Gostaria muito de estar com você essa noite. — Abaixo o
tom de voz ao ver sua empolgação quando confirmei que fui até o Vaticano.
E por um momento, Milagros me olha, mas logo balança a cabeça
como se estivesse repelindo seus pensamentos.
— Não posso.
— Pode e vai. Espero você no meu quarto depois que todos
estiverem dormindo. — Vou me levantando e fico de pé primeiro.
— Me desculpa, mas não posso. — Ela insiste em negar, em recusar.
— Lembre-se de que nada é pecado, que a resistência é — concluo e
estendo a mão para ajudá-la a se levantar. Quase a puxo para mim e a beijo
ali mesmo, quando seus olhos parecem vitrais pretos, cintilantes e vivos.
Quero provar mais da sua boca e ela sabe o que quero. Sua
inocência é apenas falta de experiência e de vivências.
— Eu te espero e se não aparecer irei até seu quarto. Vamos
conversar somente. — Tento ser convincente. — Já disse e repito: não farei
nada que não queira.
Solto sua mão e me afasto. Não espero para a escutar mais uma vez
negar e dizer que não podemos. Sei que pode estar se condenando ao
pecado por uma penitência que não é sua, que é apenas um mero discurso
do que é certo e errado. Não me sinto culpado e ter o que quer nunca será
um erro para condenar ninguém ao inferno.

***
Porra... Milagros não viria. Era uma possibilidade que eu sabia
muito bem que poderia acontecer. A princípio eu não me incomodaria, mas
estava me sentindo perdido e com raiva por estar aqui esperando por ela.
Mesmo tudo podendo dar errado, no fundo confiava que ela viria.
Que daria certo minha jogada mais cedo. E não sei porque estou assim,
irritado. Não há sentimentos, é só desejo, é só uma prova de quem pode
mais.
Se ela não vier não veio, o jeito é ir aos poucos, pois sei que logo
faria o que quisesse com Milagros. Essas reticências da sua devoção eram
um saco, isso sim.
Bufo e me preparo para ir até seu quarto quando sou surpreendido
pelas batidas na porta do meu. Penso que pode não ser ela, mas não quero
nem pensar nessa hipótese. Já estou tão puto comigo por estar ansioso
esperando por algo instável que se não for vou ficar ainda mais irritado.
Não sei, não faço ideia do motivo de estar assim, sentindo-me ser
consumido; se é por Milagros estar me frustrando ou se é mesmo porque
quero ela aqui perto.
Vou até a porta rapidamente, antes que quem estiver ali vá embora.
Se for ela pode pensar que cansei de esperá-la.
Seguro firme a maçaneta e a giro, puxando a madeira contra meu
corpo. E ali está ela, dentro do seu hábito ridículo, com o véu branco
cobrindo os cabelos. No entanto, seu olhar está um pouco vermelho, como
se estivesse chorando.
— Aconteceu algo? — pergunto diante da minha percepção.
— Vim para lhe dizer que não quero estar sozinha com você, Carlos.
Não podemos ser amigos. — Milagros sussurra e continua parada, me
encarando decidida.
— Por quê? — indago e me aproximo mais para puxá-la para
dentro.
Além de ser o que quero, não seria bom se sua avó abrisse a porta
do quarto ao lado do meu e nos visse ali aquelas horas. Contudo, Milagros
recua, como se meu toque fosse queimá-la.
Não aceito...
— Não podemos conversar aqui e você me deve uma explicação
porque não podemos ser amigos — falo autoritário e novamente invisto
meu corpo para frente, alcançando-a e puxando-a pelo braço para entrar,
levando seu corpo para trás do meu.
Isso evitaria que ela corresse e se negasse a ficar ali. Então, além de
fechar a porta, a tranco e tiro a chave, guardando-a no bolso de trás da calça
jeans.
— O que aconteceu? — Tento me aproximar enquanto faço a
pergunta, mas Milagros se afasta, ganhando uma distância ao ir para o
centro do meu quarto, mas insisto e encurto o espaço entre nós. Seguro seu
rosto deixando-o entre minhas mãos. Peço para me olhar e espero sua
pergunta, que demora bem mais para vir.
— O que está fazendo comigo? O que fiz para você? — Milagros
diz tão baixo, em um som quase inaudível. Seu sussurro não só revelava
que algo havia acontecido como também uma insegurança visível nos
tremores em seus lábios.
— Não me fez nada.
— Claro que fiz. Por que quer ser meu amigo?
— Porque somos praticamente uma família, quero saber mais sobre
você, tê-la por perto. É simples...
— Então por que me beijou ontem? Por que disse que me queria se
sabe que tudo isso é proibido para mim?
Porque quando quero algo não preciso dar explicações.
Essa seria minha resposta, no entanto, não estarei recuando, mas
avançando e conquistando. Quero Milagros por diversos motivos. E um
novo me faz ter mais certeza ainda dos meus desejos por ela e de que não
vou aceitar um não.
— Porque não tenho uma explicação para lhe dar, eu apenas quis —
respondo baixo e prestes a fazer de novo, entretanto freio qualquer impulso
que possa ter e apenas fico admirando a forma como seus lábios se formam,
quase como um coração, com o lábio inferior com aquele corte natural
dividindo cada lado. — Mas por que quer saber?
Milagros não responde e suas pequenas mãos ficam sob as minhas,
como se fosse puxá-las de lá para poder se livrar de mim.
Por fim, após o silêncio nos deixar ali, um olhando para o outro, ela
o quebra.
— Porque eu não sei mais no que pensar, se me culpo ou se
enfrento...
— Enfrentar o quê?
Eu sabia que não podíamos, mas mesmo assim o queria.
Precisava era enfrentar essa imersão e volúpia que meu corpo
passou o dia todo desejando. Parece que tudo rodopiou e voltou para o
mesmo ponto quando estava convicta de que não viria. Estava
completamente perdida. Até achei que conseguiria, mas quando percebi
estava perdida em lágrimas, me culpando e ansiando por mais.
Por Carlos. E não como um simples amigo. Como homem, como
alguém que passaria horas me beijando como fez na noite anterior.
— Enfrentar o que sinto... — Por fim, estou desesperada, já não
consigo mais me coordenar racionalmente. Tudo que quero é gritar, é deixar
esse desespero sair de dentro de mim.
Durante todo o dia busquei entender o que estava acontecendo
comigo e porque me sentia de um jeito estranho, como se ele estivesse me
fazendo falta. Passei horas com uma dor que não é dor, mas que é agônica,
um medo que só foi melhorar quando estava vindo embora, quando sabia
que poderia encontrá-lo e que estaria bem perto dele. Foi como o doente
quando toma seu remédio e melhora. Me senti exatamente moribunda e
carente dele. E isso tudo me chocou como se uma avalanche despencasse
toda sobre mim. Estava ficando louca, ao menos era como me sentia, como
uma lunática desesperada para ter o que não se pode ter.
— E o que você sente, Milagros? Não precisa ter medo. — Carlos
me encara poderoso e profundo. Sua voz é rouca e ao mesmo tempo grave,
ela adentra em mim e impregna cada espaço meu. Aliás, tudo. Como o
toque de seus dedos contra meu rosto, seu cheiro e as veias dilatadas no
dorso de suas mãos grandes. Esfrego lentamente meus dedos por elas e
sinto a calidez de sua pele.
Mas ainda nessa luta entre o desejo e a razão me afasto, dando-lhe
as costas. Carlos não me impede, apenas me segue, mantendo-se ainda tão
perto quando caminho para perto da janela da varanda do seu quarto, que é
como o meu. As cortinas brancas refletem a luminosidade pelo lado de fora.
Olho para elas e penso como podem refletir algo se estão fechadas. E assim
sou eu, tem algo explícito dentro de mim que não consegue ultrapassar uma
barreira simples.
Na verdade, não posso dizer o que sinto se nem mesmo eu consigo
definir. Não tenho coragem. É tudo tão confuso e distorcido. Não tem uma
conclusão exata, só sei que é como se Carlos fosse um enorme ímã que me
atraísse para ele. Que está logo atrás, perto de novo. Suas mãos firmes e
cálidas repousam sobre meus ombros e deslizam, afagando meus braços ao
descerem mais.
— Você se sente como eu me sinto, Milagros. — Carlos então
encerra o silêncio que criei e não só sinto toda minha pele se arrepiar, mas
sua voz arranhá-la toda com o timbre pesado e sensual. — Que todo meu
corpo deseja, mas que minha razão não quer ceder.
Carlos então encosta seus lábios no meu ouvido e toca meu lóbulo.
Ele suga, engolindo enquanto suas mãos chegam ao fim dos meus braços e
passam para minha barriga, fazendo um retrocesso para voltarem para cima.
— É pecado sim, sentir e não vencer o desejo do seu corpo, Carlos.
— Tantas coisas são e tantas outras não passam de mentiras
contadas para conter o que é bom, o que é prazeroso.
E já não posso conter mais nada. É loucura!
As mãos firmes sobem e sem força alguma não as impeço de
ficarem sobre meu peito. Aliás, fecho meus olhos quando elas se fecham
sobre os pequenos montes e os apalpam.
Estava indo longe demais.
— Só sinta, Milagros... Não precisa enfrentar nada e nem ninguém.
Somos só nós dois aqui, ninguém vai saber. Não se puna e se liberte.
Carlos continua e acabo cedendo sob suas palavras, que entram não
só na minha mente, mas na minha alma, dominando-a.
Enquanto sua boca brinca, se diverte em meu pescoço e orelha, uma
de suas mãos deixa meu seio e desce de novo para minha barriga, me
deixando em contradição.
Não sei o que estou fazendo.
— Se fosse ruim eu jamais a deixaria enfrentar o que está sentindo.
É bom... — murmura rouco e eu estremeço, me remexendo contra seu
corpo. Sinto algo duro pressionado no alto da minha bunda. Carlos se
remexe também, quando escorrega e me toca, cravando seus dedos em
mim, alcançando o alto de uma das minhas coxas.
— Ah... — arfo alto quando ele toca em seguida o centro por cima
de todo o tecido.
— Isso... Mas se quiser que eu pare é só pedir. — Não respondo,
estou embriagada com a sensação daquele lugar estar molhado, no entanto,
não havia percebido que Carlos abriu alguns botões, criando uma passagem
por toda a saia do vestido, deixando apenas a barreira da meia-calça fina.
As duas mãos se mexem, uma me toca próximo a meu sexo, que
passou a ter vida. Uma única vez resolvi que tocaria ali e cheguei a seguir
em frente, mas a culpa me corroeu tanto que nunca mais me toquei,
contudo, nesse momento não sinto nenhuma culpa ou algo do tipo. Apenas
de que meu corpo está reagindo.
Que Deus fosse misericordioso e me perdoasse por minhas
transgressões e por me tornar impura.
Fecho os olhos e me solto de uma vez. Permito que Carlos não pare,
que prossiga quando seus dedos ultrapassam a barreira de seda e param
sobre o ponto que se contrai em frenesi. Meu coração entrou em um ritmo
frenético, acelerado. Minha respiração ficou entrecortada e rápida. Minha
boca ficou seca e se abriu, na tentativa que me ajudasse a respirar melhor
quando Carlos também ultrapassou minha calcinha de algodão e pude sentir
dois de seus dedos deslizarem sobre meus pelos, indo na direção do botão.
Mas não só eu estava assim. Ele arfava pesadamente contra meu ouvido
enquanto sua outra mão aumentava a pressão que exercia ao massagear meu
seio.
— Caralho... Você está molhada demais. — Sei que estava
permitindo e que poderia ter dito não, mas fomos longe demais. Tento
segurar em seu pulso e impedi-lo de continuar, porém o movimento e a
invasão fazem com que eu apenas o segure.
— Carlos... — sussurro seu nome quando queria gritar assim que a
ponta do indicador tocou meu clitóris e remexeu sobre ele. De fato, eu
estava molhada, úmida. Aquele visco todo era o que nunca havia sentido,
mas sabia o que poderia ser. Eu estava excitada, eu estava sendo mulher.
— Deliciosa, apenas sinta. Não reprima e muito menos se culpe por
sentir prazer.
Não poderia deixar que ela se distanciasse e sei que é covarde, mas
a quero. Ainda mais quando seu olhar, seus gemidos são a confirmação que
ela também quer.
Claro que nunca faria nada que a forçasse. Apenas dei um empurrão
para que descobrisse e me permitisse ultrapassar.
Beijo toda sua orelha, quero sua boca, mas sua boceta com certeza é
a coisa mais deliciosa nesse momento.
E porra... Milagros está muito molhada. Não quero parar. Remexo e
incito-a a gemer enquanto a toco com malícia, com desejo, com vontade.
Seu clitóris está excitado como eu. Meu pau doía e contraía, preso,
querendo assumir o lugar dos meus dedos, mas ainda era cedo. Milagros
precisa sentir passo a passo do que quero lhe proporcionar.
Amasso seu seio e deixo seu corpo completamente colado no meu.
O seu se remexe involuntariamente enquanto deslizo no vale até a entrada
da sua boceta. Por um momento penso em como deve ser apertada e gemo
apenas por pensar que ali deve ser uma pequena porção do paraíso.
Eu tinha aberto alguns botões frontais do hábito preto. O que foi
suficiente para caber minha mão por aquele espaço, mas delimitava um
pouco dos meus movimentos. Esfrego a ponta do indicador com mais
pressão sobre seu clitóris melado. Aperto seu peito e seu quadril remexe
sem controle.
— Linda... deliciosa, gostosa e só minha — sussurro e mordisco o
lóbulo, descendo pelo pescoço enquanto seus lábios estão entreabertos,
emitindo gemidos sexy.
Sim... Milagros era uma virgem, mas não deixava de ser sexy a
forma inocente como seu corpo reagia. Na verdade, eu queria que estivesse
de frente, comigo dentro e assistindo todas suas expressões de prazer.
Paro e solto a mama, ficando apenas com minha mão entranhada nas
dobras quentes e molhadas da sua boceta. Retiro aquele véu ridículo e o
jogo em qualquer parte do chão. Em seguida agarro seu cabelo e forço seu
rosto a se virar para mim. Alcanço sua boca e esfrego a minha na sua e
calo-a quando vai gemer, enfiando minha língua entre seus lábios.
Devoro sua boca com sofreguidão e desespero enquanto continuo a
masturbá-la. Chupo sua língua, mordo seu lábio inferior e estava prestes a
enfiar o dedo dentro da sua boceta quando lembrei que se tratava de uma
virgem e que para ajudar estava com o hábito de uma freira, ou melhor, de
uma quase, mas não me importaria de enrolá-lo até sua cintura e fodê-la
ainda vestida com ele. Contudo, não vou ser um filho da puta e cretino ao
não saber que a primeira vez dela precisa ser com calma, deixá-la ainda
mais molhada que está.
Não nego que agora vou até o fim, não hoje, mas logo. Vou fodê-la,
vou fazê-la ser minha de todos os jeitos. Vou corrompê-la.
Pressiono seu rosto e continuo desesperadamente em um beijo
cálido e sórdido. Sua boca fica dentro da minha, me beijando de volta
enquanto geme e rebola sem saber o que está prestes a acontecer com ela.
Posso estar lhe dando prazer, mas estou sentindo algo tão poderoso,
tão dominador que quase me esqueço de novo da barreira em sua boceta.
Estávamos envoltos a uma intensidade. Ela era minha ali, entregue e
rendida.
— Carlos. — Milagros estremece e sussurra ao afastar seus lábios
dos meus. Ela geme alto e sabendo que isso poderia atrair alguém até ali a
calo de novo com meus lábios e a beijo com voracidade, sentindo seu corpo
convulsionar. Aumento a intensidade e esfrego meu dedo mais rápido sobre
seu clitóris até sentir que está prestes a gozar.
E porra...
Ela abre os olhos e me encara. Vejo o brilho deles se intensificar e
logo solta aquele maldito som gutural, aquele grito de liberdade ao desabar
lânguida e entregue, toda trêmula. Ajo com rapidez e aperto seu corpo
contra o meu, servindo de apoio para que não desabe enquanto suas coxas
pressionam minha mão ali no meio delas.
— Carlos... — diz ofegante meu nome.
— Diga, minha doce Milagros...
— O que aconteceu comigo?
Quero rir da sua pergunta, mas por se tratar de ser virgem e de ter
sido criada envolta a freiras, espero sua respiração se acalmar e sua cabeça
agora estar virada para frente para lhe falar. Alcanço seu ouvido e sussurro:
— Você gozou, teve prazer, sentiu, não resistiu, se entregou. E se
tornou minha!
Não dava para ficar ali. Não dava para encarar o que tinha
acontecido. Segui por um caminho sem volta... Queria correr, mas Carlos
me vira para ele após tirar sua mão do centro das minhas pernas. Ele gira
meu corpo e faz com que eu fique cara a cara com ele.
Meu corpo ainda sofria pequenos espasmos. Se arrepiava. Minha
respiração era irregular e o meio das minhas pernas continha o vestígio de
que atravessei a barreira imposta. De que não tinha mais como voltar atrás e
resistir ao pecado.
A não cair em tentação.
— Não sinta culpa... — Sua voz era como veludo e seda ao mesmo
tempo.
Sei que tínhamos acabado de cruzar o limite, de que nada mais seria
como antes. E por mais que eu estivesse me enchendo dela eu queria mais.
E deixei quando baixou sua cabeça e me beijou com gentileza. Diferente da
possessividade de antes.
Senhor, me perdoe, mas não sei resistir à tentação...

Pode parecer lamúria. Mas não foi o caminho que tinha escolhido;
me deixei levar por essa atração insana que sinto, à qual sou compelida
quando estou perto dele. Fico cega, fico cadente. É como se meu corpo
apenas obedecesse ao comando da sua voz.
Não queria que fosse assim e não deveria ser também.
— Você tem o direito de viver, Milagros.
Seus braços estão ao meu redor, seus olhos nos meus e suas palavras
sendo apenas jogadas em meio ao turbilhão que se forma junto a todas as
outras. A penumbra só ajuda a tornar tudo ainda muito perdido, como se eu
entrasse na escuridão dele.
Sim... sou tragada por ela.
A vergonha e a culpa me atingem com tanta intensidade que não
consigo encará-lo. O sentimento de querer que sua boca me beije mais, de
desejá-lo, é mais forte que minhas convicções. Fecho meus olhos quando
sinto seus braços me travarem mais junto ao seu corpo. De modo que não
pudesse sair nunca mais dali.
Carlos é a tentação a que precisava resistir e não tive forças. Sinto-
me tão culpada, não com remorso do que fizemos, ou mesmo da forma
como deixei me tocar, ou em como tive prazer, em como gostei. O que me
deixa desesperada a ponto de não saber mais quem sou é por ter quebrado
tantos princípios aos quais eu tinha feito uma escolha.
Não adianta o que fale, do quanto eu clame pela misericórdia para
remir meus pecados. Eu prometi servir, eu desejei com todas as minhas
forças não ser alguém a favor do sistema. Mas algo, quando estou perto
dele, faz com que eu o deseje, que esqueça de tudo e todas as proibições
impostas. É desesperador. E foi assim desde o dia que o vi, desde aquela
noite onde me segurou para que eu não caísse ao reencontrá-lo após anos
sem o ver. Foi seu olhar, suas palavras e toda sua escuridão que me fizeram
ir para o seu lado.
De certa forma estou impura e o hábito começa a me incomodar.
Não sou digna de usá-lo ao ter permitido cada carícia, cada beijo nos braços
dele. Tento me afastar, mas Carlos continua a me apertar contra seu corpo.
— Milagros... — Ele sussurra meu nome e o gentil toque dos seus
dedos segurando meu queixo direcionam meu rosto para o alto, para encará-
lo. — Não se sinta culpada. Apenas sinta o que está acontecendo. Seja livre.
Então, lentamente, Carlos encosta seus lábios contra os meus.
Não consigo dizer não e já não tenho forças quando de novo aceito
seus lábios se apossarem dos meus, da sua língua invadir e escravizar a
minha. O movimento é calmo, mas logo se torna voraz, desesperador e
novamente estou deixando de lado o anjo que me alertou do pecado que
estaria cometendo ao permitir que Carlos domasse minhas decisões.
Estou de novo na encruzilhada quando sua boca escorrega para meu
pescoço e de novo sua mão se entranha entre os fios do meu cabelo e os
puxa, levando minha cabeça a ir para trás enquanto sua língua ganhava
espaço, deslizando por todo meu pescoço.
Eu fui ali para dizer não, mas fui fraca.
— Quero você, Milagros.
— Não podemos... — choramingo ainda conseguindo pelo menos
falar, ainda que seja da boca para fora. Já que todo meu corpo está reagindo,
permissivo e desesperado.
— Não só podemos, como estamos fazendo. — Carlos esfrega seus
lábios contra a minha pele me fazendo arrepiar mais, me fazendo ansiar.
— Eu não posso... — Carlos para de me beijar e movendo minha
cabeça como quer faz com que eu o encare de novo.
— Não pode ou não quer, Milagros?
Não posso, mas quero...
Sei que tinha prometido não desejar, não me corromper por desejos
da carne, por ser mundana a ponto de permitir e me tornar impura.
— Vamos lá... — Então Carlos age diferente do que pensei, ao me
soltar e se afastar, no entanto me levando junto com ele. Ele se senta na
cama e me traz para seu colo. Caio ali sobre suas coxas firmes, ficando
literalmente escarranchada, com as pernas uma de cada lado do seu corpo.
Suas mãos se mantêm ao meu redor, me amparando e me prendendo ali ao
mesmo tempo.
Eu estava tão confusa e com as forças drenadas, mas totalmente
rendida.
Sei que Milagros estava lutando, estava se culpando. Eu a entendo,
mas não sinto o mesmo. Posso ser egoísta, mas eu a quero. E sou pego de
surpresa por me sentir vulnerável e com medo de que ela saia dali. Eu a
quero!
Tocá-la, sentir seu cheiro, estar com ela nos meus braços é como se
alimentasse o animal esfomeado dentro de mim. Já não é mais por um
capricho ou por egoísmo. É porque a quero mesmo.
Desço as mãos pelas suas costas enquanto minha boca novamente se
fecha sobre a sua, porém Milagros, mesmo cheia de reticências, está de
novo me dando espaço, me deixando entrar. E eu não teria piedade alguma.
Nunca tive quando quero algo.
Ela poderia ser parte do céu, mas eu era parte do inferno.
A encaro e vejo culpa, o desejo refletido na escuridão dos seus olhos
pretos. Sou experiente, já tive tantas mulheres antes que é impossível não
saber que Milagros também me queria. Aliás, as evidências, o seu cheiro no
meu dedo confirmava isso. Mas nada disso me deixava sedento quanto a
inocência ali.
Posso parecer perverso, mas na verdade eu estava desesperado para
ter algo que ninguém mais teria. Que seria só meu.
Aperto-a mais contra meu corpo e sinto meu pau palpitar
enlouquecido sob o jeans, a cueca e sua bocetinha, que deveria estar ainda
mais melada depois de ter gozado.
Caralho...
Quero sentir, quero estar dentro do seu corpo.
Sem que ela espere, giro nossos corpos e a jogo contra o colchão.
Milagros fica assustada, mas não diz nada, apenas entreabre os lábios
enquanto me encaixo entre suas pernas. Desço e apoio meu peso sobre um
dos meus braços e me curvo. Primeiro sugo seu lábio inferior e paro.
— Posso? — sorrio como se tivesse dando a ela o direito de escolha.
Mal sabe que eu mesmo o revoguei assim que a beijei pela primeira
vez. No entanto, esse era o sinal seguro, era a forma como ela dizia sim
apenas balançando sua cabeça, me deixando ir em meio a sua culpa, me
condenando ao inferno por corrompê-la.
Mas o que importa é como eu a quero e a terei.
Milagros então permite que eu a beije. Dou a ela minha língua em
oferta e por mais inexperiente que seja ela sabe o que tem que fazer. E faz,
ao sugá-la para dentro da sua boca.
Uma poderosa emoção se apoderou de mim e deixei de ser passivo
ao gostar da forma como estava mais aberta. É claro que ela sabia que não
tinha mais volta.
A beijo com intensidade e deixo sua boca após mordê-la e começar
a deixá-la ainda mais marcada por mim. Milagros terá em cada mísero
ponto do seu corpo parte de mim. Minha boca desce para o pescoço e
escorrega mais. Movo meus dedos rapidamente, abrindo os botões frontais
daquele maldito hábito que a escondia. Abro até a metade da sua barriga e
rio frustrado quando vejo a outra peça horrorosa que está por baixo, a
escondendo, porém, vejo a sombra do mamilo rosado e o contorno dos
pequenos seios, marcando o tecido. Estão eriçados e por cima mesmo do
pano os mordisco. Milagros geme alto e apenas paro para silenciá-la.
— Não podemos fazer barulho, mesmo que eu adoraria escutar cada
gemido que saísse dessa boca gostosa — sussurro e ela apenas assente, após
sorrir envergonhada.
Quero sentir seu corpo.
Então termino de abrir todos os botões. Ajudo-a a tirá-lo e, em
seguida, me ajoelho e seguro uma de suas pernas e a encolho, tirando seu
sapato, que mais se parece com os que sua avó usa.
Todo esse conjunto de não ser uma mulher vaidosa, com roupas
caras, a torna tão diferente e desesperadoramente desejosa para mim.
Tiro o outro sapato e não deixo de olhar fixo para seu rosto corado.
Milagros me encara e está séria. Na verdade, acho que como tudo é tão
novo deve estar assustada.
— Você é linda demais... — Tento dizer algo, suavizar e consigo, ao
contemplar o sorriso acanhado surgir ali no rosto angelical.
Subo as mãos e desço a meia-calça por suas coxas, vou enrolando-a
até os pés e mantendo contato com Milagros através de olhares, seguro um
dos pés e massageio antes de chupar, lamber e espalhar beijos. Faço com o
outro e deixo Milagros agitada. Ela tenta recolher o pé da minha mão, mas
seguro e sorrio, mostrando que eu estava no controle.
Então subo, deslizando minhas mãos pela sua pele macia, parando
nas coxas roliças. Olho para o alto delas e vejo a calcinha. Outra peça
grande demais para aquele lugar. E inclino meu corpo de volta para cima do
seu, mas ao subir resfolego meu rosto e meu nariz bem sobre sua boceta.
Porra... Seu cheiro de mulher é delicioso.
Esfrego a ponta do meu nariz ali, naquela umidade que antes estava
com meu dedo ali. Por dentro estava querendo era arrancar tudo de uma vez
e me enfiar entre suas pernas. Entretanto, não posso deixar de me lembrar
que Milagros é virgem e preciso ir com calma. Talvez, nesses dois meses,
alguma vez foderíamos firme, como dois amantes de longa data. Mas hoje
eu daria a ela a prova de que prazer não é pecado e que pecado é resistir-
lhe.
Saio de perto da sua boceta e subo, levando junto o tecido de
algodão. Paro sobre o umbigo perfeito e a barriga plana. Lambo e beijo o
lugar enquanto Milagros se contém em gemer baixo. Me deixando ainda
mais insano, desesperado para pular as etapas.
Queria mesmo era que gritasse meu nome.
— Deliciosa... — sibilo antes de enfiar a ponta da minha língua em
seu umbigo e rodeá-lo como faria na entrada da sua bocetinha intocável.
Não demoro muito e subo mais, descubro os pequenos peitos. Milagros não
tinha um seio enorme, eram menores e perfeitos, como eu gosto. Era o ideal
para caber todo dentro da minha boca. Porém não a toco ali, antes termino
de tirar toda aquela espécie de camisola, passando-a pela sua cabeça. Jogo a
peça para o lado e a deixo quase nua, apenas ainda com a calcinha
horrorosa.
Milagros, talvez por vergonha, se encolhe e cobre com os braços
seus peitos.
— Não precisa se envergonhar. Você é linda — digo e é visível o
quanto está nervosa, amedrontada. Eu também estava um pouco aflito.
Nunca estive com uma mulher virgem, sem experiência alguma. As que tive
eram em sua maioria prostitutas de luxo, modelos querendo um pouco da
minha fama. Mas alguém como ela ainda não. E isso a fazia tão única! Por
isso daria a ela a melhor experiência sexual. A encheria de prazer até não
aguentar mais.
Pelo tempo em que ficássemos aqui, ela seria minha.
Possessivo ou não, eu não abriria mão. Meu corpo já a reclamava
como sua de um jeito que não se tratava de uma vingança contra meu irmão
e sim por minha própria necessidade crescente de querer estar ao seu lado.
— Não precisa se esconder — insisto e a beijo antes, na tentativa de
deixá-la um pouco mais relaxada. O que funciona bem. Milagros deixa os
braços ao lado do seu corpo quando eu recuo um pouco e com um único
movimento arranco minha camiseta, passando-a pela cabeça e tendo o
mesmo fim que as roupas dela.
E dessa vez sou eu quem geme e precisa se controlar quando sinto
sua pele na minha e seus mamilos eriçados contra toda a musculatura do
meu tórax. Me controlo e a beijo intensamente.
Boca com boca, ela começa a corresponder, a ir mais profundamente
na entrega, beijando e gemendo. Pressiono meu corpo contra sua boceta,
meu pau está fodidamente duro e dolorido. Milagros então choraminga e
como queria largo sua boca ao mordiscá-la, encerrando o beijo e seguindo
para seus peitos, raspando toda minha boca por sua pele quente e macia.
Chego e não faço entremeios, abocanho uma das pequenas mamas e as
sugo, mamo ferozmente, circulo o mamilo com a ponta da língua antes de
mordiscá-lo e Milagros faz sons incompreensíveis com a boca.
— Precisamos tomar cuidado — alerto-a de que isso poderia fazer
com que alguém nos ouça e o que menos quero nesse momento é que sua
avó bata ali na porta para saber o que está acontecendo. Apesar que
Irmandade toma medicações e dorme como uma pedra, porém pode
acontecer o improvável.
Retomo a sugar seus peitos, um de cada vez e estou quase
explodindo, poderia gozar assim. O que seria deliciosamente bom.
Sim... gosto de muita putaria, de sexo, de foder, de meter fundo e
duro. Não nego! E ter uma virgem não só faz parte dela, mas de uma foda
completamente cheia de fetiches. Não que eu estivesse fissurado a isso, mas
estava em Milagros, em torná-la minha. Era como se ser o primeiro me
tornasse seu dono.
Era desejo de ser o primeiro e o último.
Não sei o que está acontecendo comigo. Acho que todo homem se
torna possessivo quando a mulher é só sua.
Passo a boca de um peito para o outro e logo desço de novo,
brincando por segundos em seu umbigo. No entanto, já estou prestes a
gozar na calça, meu pau está melado e desesperado, tamanho desejo que
sentia por ela. Mas antes precisava prepará-la.
— Preciso de você — digo quando paro com a boca sobre o monte
do seu púbis ainda coberto pelo algodão da calcinha. — Posso? — pergunto
sabendo que não teria um não para me parar.
Então alcanço o cós de elástico e puxo para baixo, revelando a
boceta coberta por pelos. Milagros era toda primitiva e natural. Sua essência
simples e inocente fez o animal dentro do meu peito rugir. Ajoelho-me e
termino de tirar sua calcinha e, mais uma vez envergonhada, Milagros leva
as mãos sobre seu púbis. E também para seus peitos de novo como se
estivesse se escondendo. Mas fico admirado ao contemplá-la ali; mesmo
acanhada era a visão celestial de um anjo, de uma criação impecável. Era
como uma bela pintura, delicada. Seu corpo era perfeito. Era como
imaginava, curvas bem traçadas, coxas roliças, quadris um pouco largos e
seios pequenos. A composição perfeita do paraíso.
Seguro sua mão e peço que me olhe. Milagros faz o que peço e sem
que se sinta mal, pergunto se é realmente o que quer. Posso ser um filho da
puta, mas jamais forçaria uma mulher a qualquer coisa que ela não quisesse,
principalmente ela, que estava se tornando irrevogavelmente especial para
mim.
— Não se esconda. Nada do que estamos fazendo é errado, minha
linda — repito o que disse antes e entrelaço meus dedos nos seus,
esperando que ceda e tire sua mão. Assim ela o faz.
Sei que não teve experiência sexual alguma, aliás, estou tentando
deixá-la confiante e confortável.
Pronto...
Assim que ela se solta, volto a me curvar, segurando suas coxas e
afastando-as mais, abrindo-as para me acomodar ali. Pendo minha cabeça
para baixo e com os dedos busco as dobras em meio à penugem rala de
pelos pretos como seu cabelo.
Minha boca fica seca e meu coração dispara ao contemplá-la toda
aberta e receptiva. Gemo agoniado e fecho os olhos sabendo onde quero
estar. Abaixo mais minha cabeça e minha boca busca o pequeno botão
rosado. Escorrego a ponta da língua e faço o risco até a entrada da sua
boceta.
— Que gosto delicioso.
Gemo baixo e faço movimentos lentos. Quero aproveitar ao máximo
cada gota do seu sabor.
Milagros também geme e percebo que está agarrando o lençol ao
seu lado. Enrolando o tecido em sua mão. Olho para cima e a vejo assim
como minha percepção imaginou. Mas ela está de olhos fechados e seus
lábios entreabertos. Seu peito sobe e desce descompassadamente. É a
imagem mais linda que já vi na vida. Meu peito quer explodir e sei que
quero apenas ela.
A chupo com firmeza quando minha boca para sobre o clitóris.
Intensifico as lambidas no vale dos grandes lábios, descendo e subindo.
Penetro-a com a ponta da língua e preciso segurar o seu quadril, que ganha
vida própria, remexendo em frenesi. Aperto sua carne e não paro até sentir
seu corpo se convulsionar de novo e sua umidade impregnar ainda mais
minha boca.
Então ela goza, segurando os gemidos, mordendo o lábio inferior,
reprimindo a explosão que seu corpo sofre.
Caralho... quero estar dentro dessa mulher.
A visão do seu gozo é ainda mais bela e perfeita. Se eu achava que
tê-la rendida, corrompida, entregue era tudo que eu queria, ledo engano.
Eu quero bem mais.
É desesperador querer e saber que é errado. Minha consciência ataca
feroz e juíza de que eu tinha ido longe demais, mas que ainda havia tempo.
Que nada mais seria como antes, que eu havia me tornado uma mulher
impura para fazer os votos.
Imunda...
Por outro lado, parte de mim se sentia feliz, aquecida e regozijada. E
tudo porque Carlos por duas vezes me levou ao paraíso. Então o prazer não
é algo ruim. É maravilhoso. Uma mistura de plenitude e calor, de conquista
e paixão.
Aperto mais os olhos, sentindo a forma como todo me corpo se
encontra sensível quando Carlos me beija e sinto meu próprio gosto em
seus lábios. É bom, é algo que me desperta a ficar com minha mente só nele
e no que conseguiu fazer comigo. É lascivo, dominante e irracional, com o
gosto de tudo que pode ser chamado de pecado.
O beijo de volta e já até sei como devo fazer ao deixar sua língua
entrar em minha boca por completo, dando a minha para ser escravizada por
ela. No entanto, a necessidade de poder sentir seu corpo como se tivesse
entrando no meu é nova, feroz e alucinada. Então, pela primeira vez deixo o
instinto me guiar ao tocar em seu corpo. Ao subir com minhas mãos até sua
nuca enquanto sua boca está prestes a me devorar.
Carlos remexe seu quadril e posso sentir como está firme. Claro que
não sou um alien e sei muito bem que homens tem pênis e dobram o
tamanho quando sentem desejo. E o dele parece estar rijo como uma barra.
Ele esfrega e o jeans é apenas a barreira entre nós. Para não ter mais jeito de
voltar atrás.
Inclusive minha consciência grita em vão. Pede para eu pará-lo, mas
cada célula do meu corpo assumiu todo o controle e diz que não, que quer
mais.
— Deliciosa... — Carlos deixa minha boca e faz aquela voz rouca,
sussurrada bem no meu ouvido.
Não posso falar que não gosto, porque desde aquela noite que me
beijou pela primeira vez e que disse da mesma forma, baixo, perigoso e
atrativo, gostei. Acho que é assim que ele atrai sua presa. Claro que me
sinto um animal indefeso e inofensivo diante dele.
Sou virgem e nunca sequer cheguei perto de como estamos. Nem em
pensamentos, e talvez se os tivesse não seria nada perto disso. Jamais
pensaria que prazer era bom. Aprendi que o prazer e o pecado foram todo o
mal primário de nossa existência. No entanto, não vi o que pode me
acontecer de ruim como aconteceu com Eva ao comer o fruto proibido.
Carlos disse que posso seguir em frente se caso eu quiser ainda
seguir com meu noviciado. Que ninguém precisa saber que experimentei e
não resisti à tentação.
— Quero você, quero estar dentro de você, Milagros. — Ele para as
mordiscadas em meu pescoço para sibilar. — Seja minha...
Eu já era sua.
Mexo a cabeça, assentindo. Em contrapartida luto contra toda minha
razão.
Carlos então se levanta e se afasta. Abro os olhos e busco entender o
que fiz ou o que falei, mas não, ele só estava tirando a calça que leva para
baixo junto com a cueca. Ficando completamente nu a minha frente. Eu o
acho belo. Logo acima do pênis ereto seus músculos sobem bem traçados e
delimitados. É lindo! Essa é a segunda vez que o vejo como veio ao mundo,
porém com sua rigidez despontada. Fico encarando, curiosa e amedrontada.
Sabendo onde exatamente iria em mim. É diferente dos livros, da minha
imaginação. Seu membro é grande, roliço, a ponta é avermelhada e
iluminada. Parece a imagem de Adônis.
Não sei o que pensar, se estou com medo do que vai acontecer ou se
vou gostar.
Que sexo é bom já ouvi dizer, mas também que copular é sujo
quando não está na base do casamento. E para mim, além de todas essas
primícias, foi ensinado que é imoral.
Ao invés de ser Maria me tornei como Lilith. Ou Maria Madalena...
Até mesmo como Eva.
— Se não quiser eu vou entender. — Carlos diz ao mesmo tempo
que sobe de novo sobre sua cama e caminha ajoelhado, voltando para o
meio das minhas pernas abertas.
Sinto-me exposta sim, mas seu corpo me cobre lentamente enquanto
sua boca se une a minha. Não tenho tempo de responder, pelo menos o
poder que exerce, me cativando, não me deixa pensar, analisar e muito
menos ter voz para dizer não.
— Vá em frente. Você está apaixonada por ele...
Escuto dentro de mim e não esperava que pudesse saber que o que
sinto é paixão, mas não tem nada que explique que não seja. Aliás, até na
Bíblia a paixão é relatada como algo potente e poderoso. E essa sensação
que sinto todas as vezes que estou perto dele é devastadora. É magnética e
forte.
Fecho os olhos e então não tem mais volta ao me entregar. Ao
deixar que ele me mostre que não é pecado ser amada.
Remexo-me e travo minha respiração quando sinto a ponta do
mastro rijo deslizar por onde sua boca e seus dedos estavam pouco tempo
atrás. Gemo e quero gritar quando sinto a grossura tocar e escorregar.
É ainda melhor que sua boca e seus dedos.
Então Carlos fica suspenso poucos centímetros, me encarando sério
e perturbadoramente com aquele seu lado sombrio.
— Vai doer! Mas... — murmura e tudo que estava antecipando se
torna uma inconstância de dúvidas e medos dentro de mim.
— Mas...
— O que sentiu hoje não vai ser nada perto do que vai acontecer
depois que se acostumar comigo dentro de você. Ainda quer continuar?
Podemos parar por aqui.
Sei que está me dando o direito de escolha, contudo aquela voz que
tem me incentivado constantemente a cruzar a linha do perigo diz que devo
continuar, que já não tem mais como remediar o inevitável.
Então, ao invés de dizer sim busco sua boca, me entregando sem
pensar no que vou sentir ou se vou me condenar amanhã. Ergo um pouco
minha cabeça, indo de encontro com a sua, porém, antes de me beijar
assisto seus lábios se abrirem em um enorme sorriso enquanto uma de suas
mãos conduzem a ereção bem ao centro, na entrada da minha vagina.
— Não pode gritar, minha linda... minha doce Milagros.
— Mas é grande. — Acabo dizendo por impulso ao pensar que é tão
pequeno onde ele deve colocar.
— Meu pau vai caber perfeitamente. Sua boceta vai se abrir para
recebê-lo. É natural, é obra do criador sermos assim — fala enrouquecido e
por mais medo que esteja sentindo, a forma aberta e escrachada como diz
me incita.
Pau e boceta certamente são palavras que jamais usaria. E que
provavelmente escutá-las nunca mais me causarão aquele misto de
incredulidade e vergonha.
— Não tenha medo, é bom. Prometo que vai gostar...
Assinto e tento relaxar, abrindo mais minhas pernas quando Carlos
impulsiona seu quadril para frente. Abrindo, me rasgando.
Quero gritar, mas não posso. Não quero mais, quero me acovardar
quando a dor é pulsante, quase dilacerante. Sinto como se estivesse sendo
rasgada ao meio, tanto que não sinto as lágrimas romperem. Só não sei mais
se é pela dor ou por ser atingida pela culpa. Sinto Carlos fazendo força e a
ardência se intensificar.
Fecho os olhos. Eu quero é aquilo que senti quando beijou e lambeu
minha boceta. E pelo jeito não vou sentir nunca mais...
Choramingo arrependida. A dor é intensa.
— Milagros? Olhe para mim! — Carlos murmura uma ordem e
estou quase o mandando sair, dizer que estou arrependida, porém, quando
abro os olhos e o encontro me olhando preocupado, fico calada sem saber o
que falar. Aliás, nem respirar estou conseguindo.
— Está doendo muito — sibilo e desvio o rosto para o lado,
envergonhada.
— Mas estou todo dentro de você. E por Deus, que boceta
maravilhosa. — Carlos geme e diz espremido, mantendo-se imóvel.
Como pode ele estar gostando se sinto tanta dor? É incômodo, arde
muito.
— Vai passar, vai doer um pouco da primeira vez, mas depois não
vai sentir nada além de prazer. Prometo!
Não sei porque eu estava em dúvida, mas no fundo acreditava em
suas palavras. Tanto que ele fica um tempo assim, me beija calmo por
minutos e então depois, quando acho que vai retirar, ele volta a entrar todo
dentro de mim, só que dessa vez apenas arde, mas uma ardência prazerosa.
— Está doendo ainda?
— Não! Apenas ardendo. Um incômodo.
— Eu disse que poderia confiar em mim.
Carlos remexe, entrando e saindo lentamente. E sim, até que a
sensação é boa. Sinto a forma como sou esvaziada e preenchida. Contudo,
sou surpreendida quando meu corpo já não se importa como o incômodo e
requer mais.
Acredito ser sadomasoquismo, uma espécie de flagelo. Muito bom...
Vou sentindo que os beijos que se aprofundam e seu pau que escorrega
ainda mais molhado estão me levando para um lugar ainda mais
desconhecido. Sinto um misto de euforia se aproximando, como se essa
sensação fosse o remédio. Tudo vai se tornando um misto de tornado com
ondas altas e Carlos continua, ofegante. Seu corpo desliza raspando todo em
mim. E confesso que quero mais...
— Por favor, mais... — choramingo descontrolada, sem saber o que
de fato estou pedindo quando sua boca me ataca, me castiga contra a pele
do meu pescoço. Meus mamilos raspam contra seus músculos firmes e seu
pau me invade várias vezes em um vai e vem.
— Ainda não; é sua primeira vez, mas faço outra promessa. Prometo
que vou te foder em todas as posições e que vou fazer você ainda gritar,
chorar, sorrir de tanto prazer.
Gostosa...
Deliciosa...
Que boceta maravilhosa e apertada.
Quero te foder, quero te comer, meter fundo...
Essas são as sucessões de frases que Carlos me diz e já não sei quem
sou, porque estou gostando da forma decadente como as sussurra em meu
ouvido. Não só a forma depravada como diz, mas cada gemido, cada
reação.
E a teoria de que quando esquecemos da dor ela some é verdade. Já
não a sinto, sinto desejo, paixão, sensações contínuas de arrepios, frio, calor
e plenitude. E quando menos espero meu corpo treme por completo, um
aperto começa no pé da minha barriga. Uma contração involuntária e boa.
Aperto minhas pernas contra o corpo dele e quero subir, quero...
Perco-me no montante de sensações que me invade se fundindo a
uma só. Vou ao paraíso. É mais forte, incontrolável, entro em um estado
completamente paralelo quando sinto que estou flutuando. Me arrepio tanto,
como se o calor tivesse se transformado em frio.
— Carlos... — O chamo para ver se estou de fato vivendo tudo isso
com ele. Se está ali.
— Oi, meu amor... — Ele murmura rouco e rosna um som
animalesco contido e jogado dentro da minha boca. Olho em seus olhos que
cintilam. Seu quadril bombeia com mais vigor até ir parando lentamente.
Descubro que eu e Carlos tivemos um orgasmo e mesmo com a
culpa batendo palmas para entrar não posso deixar de aceitar que de fato ele
tinha razão. Resistir a isso seria um pecado.
Olho para o reflexo no espelho após observar meu hábito jogado no
chão do banheiro. Estou enrolada com a toalha ao meu redor. Preciso de um
banho, de tirar de mim essa culpa que começa a me acusar.
Sei que seria assim, que não seria impune minha transgressão. E
tudo começou assim que resolvi deixar Carlos e seu quarto. Tive que vestir
o hábito, a roupa pela qual toda sua simplicidade tem um significado. Que
carrega tantos ideais.
E eu tinha os meus.
Quando fiz 15 anos, já estava ali naquele colégio fazia 9 anos,
convivendo diariamente com as irmãs do Convento de Nossa Senhora de
Guadalupe dos Milagres. Eu não cresci tendo acesso a nada e para mim
estava tudo bem. Eu gostava e admirava aquelas mulheres que se
entregavam por causa de um amor maior.
Queria ser como elas.
Por isso optei por ficar, por seguir, tanto que eu era nova e a Madre
disse a Castel e a minha avó que não seria bom. Que eu deveria procurar me
conhecer primeiro para depois tomar uma decisão pela qual seria minha
vida e meu caminho. Assim que me noviciasse eu faria o Juniorato. Aí
então faria meu voto perpétuo. Mas já não estou convicta se poderei
continuar depois que me deixei corromper. E não foi por Carlos, foi porque
me apaixonei por ele.
Porque não sei mais dizer não.
Sinto-me imunda e culpada, sem saber o que fazer e o que esperar.
Carlos disse que poderia esquecer e fingir que nada aconteceu quando me
pediu ajuda, quando me envolveu, quando me levou para a sua escuridão.
Mas me pergunto como esquecer se quando fecho os olhos, como estou
fazendo nesse momento, eu o vejo, o sinto, o quero. Estou impregnada por
ele em todos os poros do meu corpo.
Já não sei de mais nada.
Respiro e abro os olhos para me encarar na tentativa de achar a
antiga Milagros. Melhor tomar um banho e tentar não pensar em mais nada.
Estou completamente dolorida e cansada. Pensar de cabeça vazia é mais
fácil para encontrar uma solução.
Porque eu vou precisar. Tudo tomou um rumo novo.
Tiro a toalha e, antes de me virar para a direção da ducha, vejo meu
corpo, olho para ele em busca de alguma mudança depois que transei com
Carlos. Dizem que as mulheres mudam quando perdem sua virgindade. Mas
é o mesmo corpo, a não ser pelo sangue seco entre a junção das coxas. O
sinal de que tudo mudou. Que nunca mais serei a Milagros de horas atrás.
Sem mencionar que não nos protegemos, então eu tinha seu sêmen dentro
de mim.
Tudo era ainda mais complicado do que eu poderia imaginar.
Caminho pelada para a ducha e entro sob a agua morna. Deixo-a
cair e não me movo. Fico por minutos ali, parada, pensando em como
conseguir sem pensar nele e na forma que quando está perto tudo se torna
tão contraditório, confuso, criando uma verdadeira bagunça.
Por fim, não encontro uma solução. Serei impura, mentirosa, pois
não conseguirei seguir em frente e fingir que nada aconteceu.
Lamento e o choro vem. Não que eu esteja arrependida do que
aconteceu e sim porque não conseguirei enganar ninguém. Não me sentirei
limpa o bastante para usar de novo meu hábito. Uma mulher de Deus jamais
se esconderia atrás do pecado da mentira, da enganação. Pois serei indigna
se esconder e continuar.
Essa constatação me toma como uma grande tempestade se
aproximando.
Não sei o que fazer e como vai ficar.
Deixo as lágrimas se misturarem com a água corrente e fico mais de
uma hora ali, até toda minha pele estar enrugada. Só então saio, me troco e
me preparo para dormir. Perto da hora do sol nascer.
Reviro na cama, tudo ali me incomoda, mas não é o problema e sim
sou eu. A culpada por ter mudado todo um curso. E ainda ficar dividida,
com medo, me sentindo a pior pessoa do mundo.
Não consigo dormir, meus pensamentos são divergentes. É em
Carlos, em todos os motivos, os quais não serei nunca mais a mesma. Quero
estar com ele, quero voltar atrás. É tão confuso e perturbador que resolvo
não sair da cama.
Não quero ter que usar o hábito. Não quero ser herética.
Tento dormir quando minha avó vem até o quarto e tenta saber o que
está acontecendo. E de novo estou pecando ao mentir que deve ser apenas
um vírus, que não há nada de mais.
Como não?
Se me sinto perdida, desesperada em um mundo meu que está de
pernas para o ar. E tudo porque me deixei levar por tentações, que poderia
muito bem ter resistido quando Carlos me deu a opção.
Mas eu o quis. De um modo estranho, como se tivesse uma força
poderosa que me atraía, que me fazia ir sem olhar para trás.
Passo o dia todo me atormentando, buscando por respostas que não
as encontro em lugar algum. Não quero comer, não sinto fome e passo a
tarde chorando, lamentando tantas coisas perdidas, convicções,
aprendizados e tudo que eu achava saber da vida. Em contrapartida meu
corpo está sensível, deixando as evidências do que aconteceu entre nós dois
aflorar.
Meu peito está dolorido, meu sexo ainda ardia quando precisava ir
ao banheiro. Mas meu corpo estava saciado, amado. O difícil era aceitar que
tudo que sempre quis agora se tornava minha maior renúncia.
Não sei o que pensar e fazer. Na verdade, acho que estou mais para
um caso perdido.
Carlos esteve mais cedo aqui, bateu à porta e sussurrou meu nome,
mas queria ficar sozinha, pensar, procurar uma solução. Não o atendi.
Talvez hoje eu estaria ainda mais confusa e estar perto dele não me deixa
pensar claramente.
E tarde da noite, quando me sinto ainda mais perdida e sufocada por
não conseguir pensar no que fazer, decido andar pela propriedade em busca
de ar. Quem sabe assim eu tenha qualquer ideia do que posso fazer.
— Boa noite, Milagros. — Martín está indo para seu quarto quando
cruzo com ele ao sair para o jardim. Os quartos dos homens de confiança de
Castel ficavam no lado oposto. A vigília acontecia mais por câmeras. E
quando ele estava aqui, homens se espalhavam por todos os lugares.
— Boa noite — respondo e me encolho. Vou para perto da piscina e
penso em colocar os pés dentro da água, mas não o faço e continuo a
caminhar. E quando vejo estou próxima a uma escada meio que escondida
que levava para o subsolo da casa. Ao fim dela havia uma porta e de lá saía
um som.
Curiosa, pois sabia que ali era apenas um cômodo inutilizado, pelo
menos era, desço as escadas e percebo que a porta está entreaberta.
Aproximo e espio para ver o que tem dentro e quem estaria ali àquelas
horas. Vejo que não é mais um local sem nada. Há aparelhos de academia
espalhados pelo lugar. E é Carlos quem está lá dentro, sem camisa, apenas
de short e descalço, desferindo socos contra um saco suspenso no ar.
Olho na sua direção e penso em sair sem que me veja, mas aquela
sensação doida de querer estar perto dele prevalece. Mas titubeio quando
penso que mais cedo ele procurou por mim e eu não quis falar com ele.
É estranho o ver assim, depois da noite que tivemos juntos. Não sei
explicar, sinto vergonha, sinto raiva de mim.
Acho melhor ir embora. Assim será bem melhor. Quando estiver
bem vou procurá-lo para conversar. No entanto, não consigo sair do lugar.
Quando me dou conta ele está parado, segurando o enorme saco de areia e
seu rosto está virado na minha direção.
Mordo o lábio, indecisa sobre o que fazer: se me viro e vou embora
mesmo ele tendo me visto aqui ou se me aproximo e me deixo novamente
ser levada pelo desejo que tenho por ele.
A noite passada foi sobre eu não ter controle do que quero, dos
meus princípios. Mas agora é sobre o que devo fazer, como vou conseguir
me recuperar de que estou invalidada para me tornar uma freira.
— Eu fui até seu quarto, Anunciata disse que você não estava bem
hoje. — Sua voz se mistura à melodia do solo de guitarra que ecoa nas
caixas do som estéreo que estão por todo o forro.
— Eu estava dormindo — respondo com mais uma mentira, só para
não dizer que eu sabia e que não queria falar com ele. Na verdade, eu acho
que era mais medo.
— Está sem aquele véu ridículo. — Carlos fala e sorri.
Sim... não quis usar nem ele e nem o hábito. Não me senti à vontade
de colocar algo tão representativo para mim enquanto ainda estiver me
sentindo perdida.
— Está linda com esse vestido.
Olho para o lado quando ele faz o elogio e quando volto meu rosto
na sua direção, não está mais lá, está bem perto de mim.
— Carlos, por favor — peço em súplica sem lhe explicar o motivo
pelo qual estou negando e balançando a cabeça.
— O quê? Acho que pulamos a fase de que somos amigos e não
devemos isso e aquilo.
— Não estou dizendo isso, apenas que perto de você eu não sou eu,
não consigo pensar, respirar e dizer não — confesso.
— Eu também não. Você se tornou a melhor coisa desse inferno.
Ele vira o rosto para os dois lados, se referindo ao Cuartel
Salvitierra.
— E você me levou para ele — falo com pesar. Não que eu estivesse
culpando-o do que aconteceu entre nós dois, mas estava ressentida comigo
mesma, por não conseguir sustentar minhas escolhas e por tudo aquilo que
estava lutando.
É muito difícil uma noviça começar no Juniorato aos 18 anos e eu
estava. Agora nem sei mais o que serei da vida.
— Não diga isso. — Carlos tenta me alcançar, mas recuo um passo
para trás. Preciso de espaço para conseguir ser pelo menos um pouco
coerente. — Assim me sinto culpado.
Fungo estarrecida.
— Você não tem culpa de nada. A única culpada sou eu. Você me
deu opções, Carlos. — Não queria que acontecesse isso, mas sinto de novo
as lágrimas romperem.
— Milagros... — Carlos se aproxima e todas as forças que ainda me
restaram ruíram quando ele me abraçou, me trazendo para seus braços,
como se isso me protegesse de mim mesma e de tudo de ruim que estava
sentindo. — Não pense isso. Você não tem culpa, nós não temos culpa.
Aconteceu algo natural, que poderia acontecer com qualquer outra pessoa.
— Eu me sinto culpada, suja — lamento e suas mãos então afagam
minhas costas e meu cabelo quando encosto meu rosto em seu peito suado.
— Suja? O ato de duas pessoas que sentem atração uma pela outra
não é sujo.
— Mas não era para mim. Eu estava certa que viveria minha
castidade, meus votos.
— Você não tem o controle do que sente. — Ele diz e parece ser tão
simples a forma como pensa, mas não é. Não quando tudo que tinha se foi.
Contudo, sei que na vida sempre terão vários caminhos.
— Mas não vou poder mais voltar para o convento.
— Por quê?
— Porque não sou mais pura.
— Milagros, você pode fingir que nada aconteceu e seguir em frente
se quiser. Eu jamais direi a alguém o que aconteceu, mas isso depende de
você, de você se aceitar.
— Mas seriam blasfêmias, mentiras quando eu precisar fazer o voto
de castidade.
— Então não faça, não vá... — Carlos diz sério e quando olho para
seu rosto, vejo sua mandíbula toda contraída e aquele tormenta se formando
em seu olhar.
Não falo nada e ele se mantém em silêncio. E de novo perco a
vontade de sair dali. É uma guerra onde sei que a perdedora sou eu. Fecho
os olhos e respiro fundo. Sinto seu cheiro se impregnar nas minhas narinas.
O toque das suas mãos me atordoa, me causa arrepios, meu coração se
acelera e minha respiração falha. E tudo de novo se torna apenas um borrão
maciço de coisas que não fazem mais sentido.
Seus dedos estão em contato com minha nuca. Por mais triste que
esteja comigo mesma, sou ciente do quanto gosto de estar entre seus braços
e sentir cada carícia sua.
— Se for te fazer bem posso evitá-la. — Por fim, sem deixar de me
encarar, Carlos diz baixo, como se estivesse apenas dizendo da boca para
fora, indo contra o que seus olhos demonstram.
E não! Eu não quero.
Sei que hoje eu o evitei, mas é porque são tantos conflitos que só
precisava ficar um pouco sozinha.
Fico na ponta dos pés e sou eu a tomar a iniciativa dessa vez,
perdendo qualquer pudor.
Apesar de ela ter dado início ao beijo sou eu quem a traz mais para
perto, colando nossos corpos. Não iria beijá-la, mas não resisti quando senti
seus lábios nos meus.
Desde a noite passada não paro de pensar nela um minuto sequer.
Por mim, Milagros não teria deixado minha cama. E que se fodessem todos
se nos flagrassem. Porém, não queria ser egoísta e pensar somente em mim
enquanto ela estava se martirizando por algo que foi excepcional.
A procurei mais cedo quando fiquei sabendo que não estava se
sentindo bem. Fiquei preocupado. Até porque eu estava apenas esperando
qualquer brecha para ir até ela. E fiquei completamente frustrado quando
sei que não estava dormindo e sim me evitando. Por isso resolvi que daria o
tempo dela.
O que está fazendo? — pergunto ao encerrar o beijo e encará-la.
Eu estava disposto a não parar o que mal começamos, mas não
queria vê-la triste. Não que antes fosse me importar. Porque certamente não
iria, mas depois de ontem, da sua entrega e de ser só minha, vi que me
importava com ela muito mais do que esperava.
— Já que estou em pecado vou aproveitá-lo. — Milagros fala baixo
e novamente encosta sua boca na minha e então eu a puxo pela nuca
lentamente, pressionando meus lábios nos seus. Estou ciente que ela não
sabe o que realmente está se passando com ela. Mas estou convicto de que a
quero de todas as formas.
A pressiono mais com a outra mão, deixando-a no meio de suas
costas. Aspiro seu cheiro ao ficarmos com os lábios rentes um ao outro após
cessarmos o beijo e logo o reiniciamos com mais vontade, pressão e
desejo.
E caralho... Não pude nem muito elogiá-la, falar o quanto gostei
dela não estar vestindo aquele maldito hábito horroroso. Mesmo que esse
vestido não seja algo mais do meu gosto, ainda assim Milagros é capaz de
ficar linda vestida com um saco de lixo. Seu cabelo e o corte combinam
com seu rosto, com seu estilo de inocência roubada.
Milagros solta um grunhido sexy dentro da minha boca quando não
só eu sinto que meu pau está endurecendo rapidamente, mas ela também.
Arquejo e mordo seu lábio inferior com mais força, já ficando desesperado.
E eu a beijo de novo, beijo seu pescoço, a parte de trás da sua orelha. Ela
não só me dá passagem e mais espaço como também joga sua cabeça para
trás e se doa por completo.
— Eu preciso de você, Milagros! — Me aperto mais em seu corpo,
espremendo seu quadril contra minha rigidez.
Uma parte muito distante do meu cérebro está dizendo que talvez
ela, amanhã, entre novamente nesse processo de culpa, de se questionar,
mas não permitirei hoje. Só consigo pensar que preciso dela aqui ou em
qualquer lugar. Que necessito do seu corpo, da sua alma e tudo que lhe
pertence. Eu deveria estar saciado por ter conseguido o que queria, mas
quanto mais sinto o gosto da sua boca eu quero bem mais.
A noite passada não foi mais só sobre minhas intenções e o que
planejava fazer, foi sobre um desejo físico, cadente e tempestuoso. Mas
agora é sobre entrega, paixão e necessidades.
A pego no colo e suspendo-a no ar. Peço que cruze as pernas ao
redor da minha cintura e se agarre a mim. Seguro-a, deixando minhas mãos
pouco abaixo da sua bunda enquanto aprofundo o beijo, carregando-a para
o tatame no lado oposto após fechar a porta e apagar as luzes. A deito com
cuidado. Não é macio, mas também não é tão duro. Cubro seu corpo com o
meu e continuo a beijá-la sem parar. Deixo meu joelho entre suas pernas e
empurro contra sua boceta quando começo a tirar toda sua roupa. Beijando
cada espaço que vou revelando.
— Carlos! E se chegar alguém? — Há uma certa hesitação e medo
em sua pergunta. Mas ninguém viria aqui a uma hora dessas.
— Ninguém vai vir aqui — garanto e termino de tirar o vestido
floral, deixando-a de sutiã e calcinha. Que os tiro sem delicadeza alguma,
tornando o momento mais frenético e intenso. E primeiro chupo seus
pequenos peitos, mas dessa vez vou com sede, com desespero. Ontem ela
era a virgem que eu queria a todo custo deflorar e hoje é minha mulher, que
me deixa com tesão, com desejo.
Mordo ao redor e mordisco em seguida os mamilos intumescidos,
permitindo que Milagros gema alto. E que porra de mulher gostosa. Cada
gemido, cada som que sai da sua boca ao se entregar para mim é música
para meus ouvidos, me incitando mais e mais.
Enquanto brinco em seus peitos também a toco, deslizando meus
dedos entre as carnes meladas. Dou um longo grunhido em pensar que logo
vou me enterrar todo em sua cremosidade perfeita. Não só eu sinto que é
urgente, Milagros remexe seu quadril quando enfio
o indicador dentro da sua boceta. Ela grita e ergue os quadris,
tirando sua bunda do chão espontaneamente. Está tão molhada, quente e
apertada que me apresso, já não aguentando mais ao tirar meu short e cueca
rapidamente.
— Amanhã você será você mesma, sem culpas e remorsos. Não está
fazendo nada de errado, apenas sendo mulher, tendo prazer... — reafirmo o
que havia dito só que em outras palavras assim que fico mais acomodado
entre suas coxas e cubro seu corpo com o meu, alcançando sua boca com a
minha. Não espero e lentamente guio meu pau, enfiando-o com cuidado na
sua bocetinha apertada.
Caralho...
Fecho os olhos quando vou entrando em seu corpo e meu pau vai
esticando-a toda para recebê-lo. Espero se acostumar e pergunto se está
doendo. Não posso esquecer que menos de 24h atrás ela era ainda proibida,
intocável, inviolável. Milagros então diz que sim e se remexe para me
mostrar o quanto está bem.
— Safada... De santa não tem nada. — A princípio me arrependo no
mesmo instante que falo, mas ela não parece entender e muito menos fazer
qualquer associação religiosa.
A encaro e seguro seus pulsos, levando-os para cima de sua cabeça e
uso os joelhos para me impulsionar para frente quando quase retirei todo
meu pau. Deslizo para dentro e para fora devagar, lento e arrebatador,
sentindo cada aperto, cada contração de sua boceta estreita.
Estou duro para cacete e acho que nenhuma outra mulher me deixou
tão fodidamente fodido quanto ela. A noite de ontem foi um prelúdio de
tudo que ainda poderíamos fazer. Posso dizer que é uma combinação mais
que perfeita, é uma química explosiva.
É perfeita...
Continuo bombeando, mas perco o controle, quero ir mais fundo.
Agarro sua perna e peço que apoie em minha cintura, seguro e a puxo até
sentir que toda sua bocetinha me engoliu. Estoco mais forte quando percebo
que Milagros não está se sentindo incomodada e muito menos com dor,
aliás. A danada geme e remexe o quadril, pedindo por mais.
Meto nela loucamente, vou fundo, vou dizendo sujeiras em seu
ouvido. Já pouco me importo se posso assustá-la. Só quero que tenha prazer
e logo sinto ela romper em gozo e é sexy para caralho assisti-la arfar
quando todo seu corpo se torna lânguido. Em seguida sou eu quem entra
nesse estado de entorpecimento em uma onda alucinante, só que dessa vez,
antes de
me derramar dentro do seu corpo, me retiro e me masturbo,
expelindo todo meu sêmen sobre sua barriga.
Já sou um bastardo irresponsável por não prevenir em nenhuma das
duas vezes. Afinal, fui trazido para cá sem nada. E camisinha só se pedisse
para Valquez, Martín ou Héctor e claro que iriam me perguntar quem eu
foderia. Então, como tenho certeza de estar sadio e de nunca ter transado
sem preservativo antes, não vi mal algum. Mas ontem não me controlei e
acabei enchendo-a com meu gozo.
Deito ao seu lado, exausto e ofegante, apoiando minha cabeça no
antebraço direito.
Também puxo ela para perto, para meus braços e coloco sua cabeça
sobre meu coração.
— Doeu?
— Não, incomodou no início, mas não doeu. Bem que disse que
seria melhor.
Rio e esfrego com carinho os dedos em seu braço, deslizando para
cima e para baixo.
— A tendência de tudo que é bom é melhorar cada vez mais com a
prática.
Conversamos mais, explico e reafirmo sobre ela não pensar em mais
nada. Faço Milagros me prometer que não pensará e que continuará com
sua vida normal até o fim desses dois meses. Que ela não precisa tomar uma
decisão agora quando sugiro que se não der certo ela pode ir para Las
Vegas. Tenho certeza que Castel proporcionaria todo o luxo para ela e assim
poderia ficar mais perto de mim. Mas que essa era uma escolha só dela.
Milagros então prometeu que voltaria a trabalhar voluntariamente na
igreja, entretanto que não usaria mais o véu de seu hábito, pois não se sentia
digna. Conversamos mais. Mudamos de assunto e pela primeira vez a senti
se abrir, falando de diversos assuntos. Contei-lhe o motivo de estar aqui
quando me disse que ouviu parte da conversa naquele dia com Castel. Mas
não demorou muito para eu estar segurando seus pulsos de novo sobre sua
cabeça. Fodendo-a deliciosamente. Ondulando meu quadril com força e
vigor. Estocando rápido até fazê-la gozar de novo. Eu sigo no mesmo ritmo
e logo sou eu. A limpo quando terminamos, pegando uma das toalhas dali.
E ficamos até o amanhecer ali, abraçados, transando, nos desejando até o
amanhecer, quando nos vestimos e subimos separadamente antes que
qualquer um pudesse acordar.
Como ela acorda cedo, caso alguém a visse já tínhamos ensaiado o
que falar. Mas fui ao inferno e a levei comigo quando, ao se despedir, ela
me beijou e disse que gostava de mim.
Eu estava ferrado, pois também começava a gostar dela de um jeito
bem especial.
— Vem aqui... — digo para Milagros ao tentar segurá-la para que
não fugisse.
Descobri que o melhor local para ficar com ela era na academia, lá
as câmeras não funcionavam como pensei que funcionassem. Descobri em
um dos dias que notei que eram apenas enfeites. Por quê? Eu não sei, já que
Castel é cuidadoso ao extremo com a segurança dessa casa.
— Eu preciso ir, Carlos.
Era de manhã e uma vez ou outra dormíamos ali, para não levantar
suspeitas. Porque aqui as câmeras não funcionavam, mas as do corredor dos
quartos sim. Então seria bem provável que nos descobrissem se ficássemos
entrando e saindo do quarto um do outro às escondidas. Então a academia
se tornou nosso lugar. Pelo menos conseguíamos nos revezar para entrar e
sair pra quando as câmeras externas registrassem não ficasse parecendo que
entramos e saímos juntos. Além disso, peguei a chave reserva e deixei
comigo.
Há mais de um mês estamos nos envolvendo, vivendo como
amantes secretos e a cada dia posso dizer que quero que se decida a ir
embora para Las Vegas comigo.
— Só mais um beijo. — Tento encostar meus lábios em sua boca,
mas Milagros me provoca e recua o rosto.
Em uma conversa, quando mais uma vez se culpou por tudo, disse
que na vida há caminhos para ser feliz além de se entregar a uma vida de
abnegação. Tanto que ela acabou percebendo. Na verdade, minha intenção é
fazê-la se decidir por mim. Mas estou com meus planos já preparados caso
ela diga que vai voltar daqui uma semana para o convento na cidade do
México. Ainda essa noite conversamos sobre o assunto, mas não sei porque
e nem sei o real motivo que fico temoroso com o que pode decidir.
— Carlos, nos beijamos a noite inteira e nessa eu preciso dormir. —
Milagros sorri e se remexe, tentando sair dos meus braços.
— Então durma na minha cama.
— Está louco? Minha avó está desconfiada.
Irmandade anda questionando Milagros desde que deixou de usar o
hábito; para disfarçar ela até o usa, mas não o usa mais com o véu. A
convenci de usar sem preceitos de ficar se culpando, apenas como parte de
despistar e não gerar ainda mais desconfiança.
— Ela disse que estou diferente.
— Eu não acho que esteja diferente. Eu acho que está ainda mais
gostosa e que seus peitos estão ainda melhores. — Pego e levo minhas
mãos nos seus seios e os afago por cima do vestido, no entanto precisamos
nos afastar quando alguém tenta abrir a porta da academia.
Não. Milagros olha na direção da entrada e se assusta. Ela bate de
leve em minhas mãos, se afastando de mim quando a voz de Valquez
sobressai.
— Carlos! Está aí dentro?
Olho curioso, pois não tem como ele saber que estava aqui a essas
horas. É muito cedo.
— Eu sei que você e Milagros dormiram aí. E estão aí. Preciso falar
com você urgente.
Ela me olha assustada.
— Será que descobriram? — Ela sussurra e aquela Milagros alegre,
entregue, volta a ser a de antes, amedrontada, com medo de tudo e todos. Já
a conheço bem para saber o que se passa em sua cabeça. O modo como me
olha e morde o lábio diz tudo.
Passei a conhecê-la melhor que ela mesma.
— Acho que não. Se soubessem, ou melhor, se Irmandade soubesse
já estava aqui querendo arrancar minhas bolas, minha linda — falo baixo e
a pego desprevenida quando ela olha assustada na direção da porta e selo
seus lábios rapidamente.
— Carlos, isso é sério.
— Vamos lá, pombinhos. Um dos dois vem aqui abrir. Estou
sozinho! — Valquez diz, mas não o respondo ainda. Quem sabe ele entenda
que não vou abrir e saia.
— Pelo amor de Deus, o que vamos dizer?
— Nada, não responda, se não assumirmos não vão poder afirmar.
— Vamos lá, Carlos. Abra essa porta. Não quero ter que usar a
chave reserva. — Valquez insiste e Milagros fica ainda mais assustada.
— Não se preocupe porque não tem como, só se arrombarem a
porta. Estão comigo todas as chaves daqui.
— Mas se ele contar para minha avó?
Sei que seu medo era mais por alguém ficar sabendo. Para mim seria
ótimo, assim não precisaria escondê-la. O maior problema será enfrentar a
ira de Castel quando souber que não só o corpo de Milagros me pertence,
mas seu coração.
— Se tivesse que contar já teria — digo e tento convencê-la de não
ter medo.
— Juro que não vou sair daqui enquanto não abrirem, logo mais
toda a casa estará de pé aí quero ver como vão se safar.
— Fica calma. Acredite em mim.
Milagros assente receosa.
Vou ter que abrir a maldita porta e ver o que esse infeliz quer. Até
porque, se eu agir rápido e deixá-lo entrar, posso conseguir fazer com que
Valquez fique de boca fechada. Então me afasto de Milagros, garantindo
para ela que nada vai acontecer.
Abro a porta e não deixo que o treinador entre ainda.
— Então os dois estão aí? Desde quando, Carlos? — Valquez
inquire e tenta olhar por cima dos meus ombros. Acredito que procurando
ver onde Milagros estava.
— O que foi? — respondo com outra pergunta. Até porque seu olhar
e sua fisionomia dizem que algo está acontecendo.
— Castel está vindo. Disse para eu avisá-lo que você volta ainda
hoje para Las Vegas. — Surpreendo-me com o que noticia. Não esperava
que Castel fosse vir antes do prazo.
O que será que aconteceu?
Meu prazo era para daqui uma semana eu voltar. É quando se
encerra o prazo da minha suspensão.
— Acho melhor Milagros subir logo, antes que a avó dela dê falta.
Valquez insiste em entrar e não vejo outra alternativa senão lhe dar
passagem para que entre. Ainda não estava preparado para que soubessem.
A possibilidade era grande, mas não assim repentina e com o recado de que
meu irmão mais velho estava vindo. Eu e Milagros sempre cogitamos a
hipótese de que seríamos descobertos e não que contaríamos.
— Então a senhorita Chunchirreta está bem aqui com meu
campeão? — Valquez entra e fica parado ao meu lado, olhando na direção
de Milagros, que parece que está diante de um fantasma.
— Como ficou sabendo? — pergunto não tendo como remediar
nossa confissão a ele.
— Meu quarto é do seu lado. Não se esqueça.
Porra...
Sempre tomamos o máximo de cuidado, aqui sempre foi o único
lugar que ninguém poderia escutar. Mas nas vezes que transávamos em meu
quarto tentava não fazer barulho nenhum.
Olho para Milagros e tento pelo menos confortá-la, garantindo que
vai ficar tudo bem.
— Você é um filho da puta. Castel dessa vez vai te matar.
— Preciso ir. — É só o que Milagros diz. Mas posso ver que é nítido
como está assustada e amedrontada. No entanto, assim que passa por mim
seguro seu braço, impedindo que vá sem falar com ela.
— Estou com medo, Carlos. — Ela sussurra e evita olhar para
Valquez, abaixando a cabeça e desviando seu olhar para o lado.
— Não fique, Valquez não vai contar para ninguém — afirmo
convicto. Mesmo que ele tenha já mostrado algumas vezes que é mais leal a
Castel do que a mim, sei que ele é alguém que preza pela paz e não
começaria a terceira guerra mundial bem sob o teto dos Salvitierra.
— Por favor, Carlos. Minha avó e Castel vão ficar decepcionados
comigo.
— Ei... ei... Calma aí! Castel e Irmandade não são seus donos.
Valquez pigarreia como se eu estivesse dizendo algo de anormal, o
que me faz olhar para ele com raiva.
— Eu sei, mas...
— Milagros! Já conversamos sobre isso. Você é dona da sua vida
para decidir o que bem entender. Castel é seu protetor, mas não tem o
direito de condená-la àquele convento. E acho que chegou a hora de se
decidir.
Não queria encurralá-la, não queria que se sentisse pressionada a
decidir, mas diante do fato de que vou voltar para Las Vegas, Milagros vai
ter que se decidir.
Por alguns segundos seguro seu rosto entre meus dedos e fico
encarando-a. Queria era beijá-la e mostrar que estou aqui e que estou
disposto a enfrentar Castel para ficar com ela. Já havia dito isso
anteriormente. Até porque esse sempre foi meu plano, desde o início. Ele só
mudou na parte onde inclui Milagros ao meu lado.
E sim... eu estava apaixonado pela minha noviça rebelde, mas
mesmo querendo-a como um louco eu não a forçaria. Está certo que às
vezes manipulo a situação a meu favor. Jamais eu a forçaria a algo. Assim
como não gosto que Castel faça comigo, como se ele fosse meu dono. Claro
que eu iria lutar até o fim por ela, mas se no fim nada desse certo, se ela me
dissesse que sua escolha era voltar para o convento eu a deixaria ir.
— Está bem! — Milagros por fim assente e antes que saia a puxo
para meus braços e beijo-a ali mesmo na frente de Valquez, que fica me
encarando com a fisionomia de poucos amigos. Pouco me importo e que
foda-se ele com o sermão que vai pregar em mim assim que ela sair.
— Te espero para irmos embora juntos, mas sabe que sempre a
decisão será sua.
Ela mexe a cabeça e sem se despedir, envergonhada, deixa eu e
Valquez a sós.
— Agora sei porque estava andando na linha. Era para ninguém
perceber o que estava acontecendo bem debaixo do nariz de Irmandade e
Castel. Estava bom demais para ser verdade. — Valquez tripudia, mas ao
mesmo tempo fica sério.
E sim... eu estava treinando e fazendo tudo que Castel queria.
Inclusive não reclamava e não me rebelava. Todo bom lutador sabe a hora
certa de atacar seu oponente.
— Mas porra, Carlos. A Milagros? Você fodeu com a vida dela. —
O treinador aumenta o tom de voz. — O que tem nessa cabeça aí? Castel
vai acabar com sua vida. Você sabe muito bem que ela é a protegida dele e
de como ele acha que cuidando dela salda a dívida de honra que tem com os
Chunchirreta.
— Castel só quer controlar a tudo e a todos — retruco e vou até o
tatame pegar minha camiseta que está jogada sobre ele.
— Não. Com Milagros é diferente. Ele a tem como filha dele. Só
quer protegê-la da maldade do mundo. Mas o que você vai e faz? Corrompe
a jovem noviça. — Ele ri com ironia.
— Vá se foder. Você não sabe de nada. Agora só não conte para
ninguém, deixe Milagros decidir o que quer primeiro. Não é por mim é por
ela — falo convicto ao parar diante dele. Faço em forma do apelo em nome
dela. Pode ser que assim Valquez não diga nada a ninguém. O que acho que
ele não vai fazer de qualquer jeito. Que vai segurar a língua para evitar que
meu irmão tome qualquer atitude contra mim. Pelo menos com isso sempre
acreditei no seu bom julgamento.
— Não vou falar nada por ela. Porque você foi bem filho da puta,
Carlos.
Se fui, não me importo que pense assim. Fiz o que quis, mas as
coisas mudaram no decorrer dos dias. No entanto, não me preocupo com o
que está pensando.
O deixo para trás, mas antes ele dá um último aviso. Aliás, dois.
— Ela é boa, não é perdida que nem você. Não a faça sofrer. Outra
coisa, Castel logo estará aí e suas coisas já estão sendo arrumadas para ir
embora.
Concordo e não falo nada. Saio e vou refletindo que só vou embora
de Cuidad se Milagros for junto comigo. E já prevejo outra briga com
Castel quando eu disser que não vou mais embora. Na verdade, estarei
apenas esperando pela resposta dela para dizer ao meu irmão que Milagros
é minha e que estará comigo onde eu estiver.
Há coisas e pessoas que não mudam. Criam suas convicções e
mesmo errados acreditam fielmente que estão certos. Não há diálogos, não
há opções, é sempre somente suas vontades que devem ser prevalecidas.
Castel era intransigente assim.
Não demora muito tempo para virem me avisar que ele havia
chegado e que queria falar comigo. Anunciata, como sempre, dá a
informação completa. Nada com ela é pela metade e isso é até bom. Mas o
diz em relação a meu irmão me deixa em estado de alerta e nervoso. Ela
disse que ele está animado e que não pretende ficar para o almoço, que
devemos voltar o quanto antes para Las Vegas. O que significa que preciso
falar com Milagros urgentemente.
E eu odeio a forma como ele conduz tudo, como se fosse o
ventríloquo e eu sua marionete no seu show particular de horrores. Ele
simplesmente faz e toma as atitudes como bem entende. É um egoísta de
merda. Apesar que, ter me mandado para Cuidad foi o melhor que poderia
me acontecer. Mal ele sabe que me fez muito bem.
Aliás, pode se dizer que foi o próprio que colocou o lobo perto do
seu cordeiro.
Claro que gostar de Milagros não estava nos meus planos. Era para
apenas para atingi-lo de um modo preciso, no entanto me vejo
completamente envolvido, querendo-a como um louco. Aliás, gosto tanto
dela que estou aqui ansioso, pensando em como vou contar a todos que
Milagros vai embora comigo. Assim espero que seja.
— Já vou descer, Anunciata — informo a mulher e espero que saia.
Logo em seguida faço o mesmo, também deixo meu quarto, porém, antes de
descer e me encontrar com Castel, paro diante da porta do quarto de
Milagros com urgência. Precisava saber qual sua decisão, dependeria
totalmente dela o rumo de como as coisas sairiam lá embaixo. Se ela fosse
comigo, contaria a todos que estávamos juntos.
Não queria pressioná-la em hipótese nenhuma, mas o prazo chegou
dias antes do que estávamos esperando.
Dou batidas na porta e por alguns minutos espero que abra, mas
nada dela. Então, ansioso, aguardo responder, chamo mais algumas vezes
até que resolvo girar a maçaneta da porta a abri-la. Mas ela não está ali, o
que gera uma grande desconfiança de onde poderia estar. Não sei porque
tenho uma sensação estranha e fico intrigado. Ela deve estar lá embaixo, já
que seu protetor também está lá.
Eu não posso conversar com meu irmão antes de saber qual a sua
decisão. Combinamos que seria assim. No entanto, assim que chego no fim
da escada fico sabendo que ela foi à igreja. O que me deixa ainda mais
intrigado. Não há um sentido para ela ter ido. Sei que ir faz parte do seu
dia-a-dia, mas não hoje. Não quando preciso de sua resposta. De ter a
certeza de que a terei ao meu lado.
É... eu estava era apaixonado... e o medo me assola com a
possibilidade de que ela não me escolha.
— Pelo visto teve alguém que se comportou bem... — Mando diz
em tom provocativo ao vir de uma das portas que levava para a área externa
da casa. Seu sorriso sarcástico e irônico, a sua marca registrada está ali.
— E você cheirando a bunda de Castel como sempre — retruco
impaciente. Hoje é um dia que não estou muito para seus deboches. Avanço
em frente, passando por ele sem falar mais nada.
Eu e Mando sempre estivemos dentro dessa dinâmica de um
implicando com o outro.
— Castel o está esperando. — Ele fala mais alto e solta sua risada
sarcástica.
— Já estou sabendo. E dessa vez você não chegou primeiro. —
Mantenho as costas viradas para ele e sigo na direção do escritório.
Não sei, é estranha a forma que estou me sentindo, um misto de
euforia e alegria, de medo, de angústia. Começo a temer que algo não saia
como quero. As possibilidades são grandes.
Quando entro observo que Castel e Valquez estão conversando
animados. E o motivo pelo qual está aqui e veio me buscar pessoalmente, só
pode ser por causa de algo extraordinário e muito rentável. O que explicaria
todo esse seu bom humor.
Há tempos não o vejo assim.
— Carlos, meu campeão... — De braços abertos para me abraçar,
Castel vem em minha direção. Como se nada tivesse acontecido entre nós
ele me abraça animado. Fico parado sem entender. Olho na direção de
Valquez, que parece compartilhar da mesma euforia.
— Você não perdeu seu cinturão. — Castel se afasta um pouco, mas
segura meus ombros. — A WCC decidiu que mesmo o suspendendo, diante
das circunstâncias vai manter seu título e... — Meu irmão olha animado
para Valquez e em seguida se vira de novo para mim, sorrindo. — Tem uma
luta para o dia seguinte do término da sua suspensão.
Pronto... eu sabia que tinha muito dinheiro envolvido para estar tão
feliz assim.
Hipócrita...
Castel então me solta e vira, rodando em volta de si próprio,
comemorando.
— Já está tudo organizado. Tenho novos apostadores e Dexter
Saliviev vai estar presente.
Dexter Saliviev[14] era outra estrela campeã do WCC, mas abandonou
a liga e pelos rumores fiquei sabendo que faz parte da Bratva, a máfia russa.
O que não me admira muito se Castel estiver fazendo negócios com eles.
— Inclusive estaremos voltando para Las Vegas daqui a pouco.
Preciso de você ainda nesta tarde para uma coletiva.
Porra... seu desgraçado!
Castel mais uma vez já tinha feito seus planos sem me perguntar se
de fato eu iria ou não. O que não deveria me surpreender. No entanto, estou
prestes a lhe dizer que não irei até poder conversar com Milagros e que se
foda sua coletiva. Mas Valquez está com seus olhos fixos em mim, sabendo
que estou prestes a ir contra o que seu patrão quer. É como se estivesse me
enviando um pedido para que eu não dissesse nada, para esperar ainda.
Mas não vou!
Tento me comunicar com ele através de caras e bocas enquanto meu
irmão segue eufórico, contando dos planos que já traçou, ao telefone com
alguém, que não faço a mínima ideia de quem possa ser. E assim que
consigo, sem atrair muito a atenção de Castel, fico perto de Valquez e me
sinto à vontade para saber mais informações sobre Milagros.
— Eu não sei, Carlos. Mas não fale nada ainda para Castel. Faça o
que ele está dizendo, não brigue e nem o contradiga.
— Eu só saio daqui com Milagros do meu lado, Valquez; nenhum
maldito dos homens dele dessa vez me enfia dentro daquele avião —
informo baixo, evitando que Castel escute e queira saber o que é. O que
estou prestes a fazer, com Milagros ou sem.
— Não faça isso, Carlos. Vou tentar enrolar o máximo que
conseguir até Milagros chegar, mas sabe como ele é. Se disser que é hora de
ir, vá.
— Pronto. Cinco dias e você voltará para os holofotes dos
octógonos. Valquez estava me contando que andou treinando muito. Que
está preparado para voltar. Estou feliz, irmão. Me orgulho muito de você. —
De fato, Castel estava em seus melhores dias. Poucas foram as vezes que
me elogiou, que mostrou estar feliz. Mas sei bem qual o motivo de tanta
felicidade; ela tem muitas casas e cifras.
Retorno para o Cuartel Salvitierra decidida. A conversa com Padre
Juan deixou de ser uma confissão para ser o melhor conselho que poderia
receber.
Apesar de todos meus anseios acabei dizendo que estava apaixonada
por alguém e que estava disposta a deixar tudo para ficar ao lado dessa
pessoa.
Claro que não entrei em detalhes de quem era. Afinal, estávamos em
um ato de confissão.
Ele me disse tanto sobre seguir as vozes dos nossos corações. E que
se eu amava um homem e tinha tanto medo de perdê-lo, que eu não poderia
deixar passar a oportunidade de viver esse grande amor. Que temos apenas
uma vida para ser vivida. E essa frase só me fez lembrar de Carlos. Do
quanto ele sempre me disse isso.
Eu o amo e não sei se suportaria viver sem ele, ou mesmo esperar
que um dia a vida nos coloque diante um do outro de novo.
Vou para Las Vegas com ele, porém a esperança e a euforia que
estava sentindo foi se esvaindo assim que o carro se aproxima da enorme
propriedade no alto da colina. Algo dentro de mim passou a urrar em
desespero. Como se estivesse pronto para acontecer alguma coisa ruim.
Sinto aquela fadiga e aquele sentimento de tristeza se apossando
com força de mim. E descubro o motivo por estar me afundando em uma
tristeza inexplicável. Carlos foi embora. Sou contemplada com essa notícia
assim que dou um passo para dentro. Anunciata, a pessoa que mais sabe
sobre tudo dentro dessa casa, diz que todos foram e que não deveria ter nem
uma hora da partida deles. Que Carlos voltará a lutar e que ainda hoje vai
dar uma coletiva para canais de esporte.
E o balde de água gelada cai sobre minha cabeça.
Sinto-me perdida e não consigo entender o que estão dizendo. As
vozes delas se tornam ecos dentro da minha cabeça. Acho que entrei em um
estado cataléptico.
Aliás, as duas não param de falar no nome Carlos desde que
cheguei. Minha avó está radiante porque seu menino havia se reerguido
como uma fênix. Que ele estava bem. Que havia aprendido com seus erros.
É... alguns aprendem com os erros, em contrapartida outros
insistem neles.
Inclusive posso me enquadrar. Errei e não aprendi que deveria ter
me mantido distante de Carlos desde o primeiro beijo. Fiz tudo ao contrário,
entreguei meu corpo, meu coração e toda a minha vida em suas mãos. E
agora estava sendo deixada para trás da pior maneira.
Ele não me esperou...
Não sei nem o que pensar, apenas sinto meu coração se partindo ao
meio, como se alguém estivesse enfiando uma faca nele e dividindo. Uma
onda nauseante toma meu estômago, preciso vomitar. Subo as escadas
correndo, acredito que não perceberam a forma como estava me sentindo.
As duas estão tão eufóricas por causa de Carlos que duvido que
prestaram atenção que eu estava saindo de perto.
Contudo, sinto que estou entrando no inferno e a ânsia só aumenta
quando entro no quarto e sei o que realmente aconteceu. Ele foi embora
sem dizer adeus!
Olho ao redor em busca de algo que tenha passado despercebido por
mim, mas não tem nada mesmo, nenhum recado, nenhuma explicação.
Mas por que ele faria isso?
Questiono-me, lembrando das suas palavras:
“Você precisa se decidir e vou esperar para ir comigo para Las
Vegas ainda hoje...”
É difícil de acreditar. Nego para mim. Sinto que vou desmaiar.
Quando ele me disse que me queria ao seu lado parecia ter vida, ter
paixão. Mas não, foram apenas promessas vazias.
Fui uma tola por acreditar que Carlos me esperaria. Aliás, eu fui
uma idiota desde o início, por acreditar que ele me amava. Que Carlos
Salvitierra tinha um coração e que era meu.
Mas não.
Ele se foi...
Seguro-me para não cair. Ainda estou sendo tomada por sua
ausência e suas falsas promessas com tanto impacto que não sei o que está
acontecendo comigo. E para piorar, eu não posso falar com ninguém para
saber o que motivou ele ir embora assim, sem falar comigo. Não posso
gerar desconfianças porque estou tão interessada em Carlos.
Fomos cuidadosos por mais de um mês. A não ser por Valquez ter
nos descoberto, mas não contávamos, não falamos, mal nos olhávamos,
agíamos com normalidade quando estávamos perto de outras pessoas.
Mas por quê?
Não... não poderia ser. Ou poderia sim. Talvez não tenha nem
explicação, apenas quis ir embora sem mim. Simples assim.
Não consigo me conformar que tudo esteja acontecendo dessa
forma. Parecia que ia ser diferente.
Fecho os olhos, tentando achar uma resposta. Encosto contra a porta
fechada do meu quarto e escorrego meu corpo por ela, até bater com minha
bunda no chão.
Ele tinha me dito que queria que eu fosse com ele...
Não dá para acreditar que Carlos me deixou, não me esperou.
De olhos fechados começo a relembrar todos os momentos que
estávamos juntos. Tenho as lembranças mais lindas ao seu lado. Nos
amando, conversando, falando de coisas da vida. É impossível que isso
esteja acontecendo. Carlos não poderia ter me deixado. Eu o escolhi.
Começo a chorar, enfio meu rosto entre meus joelhos. Sinto que
meu coração está prestes a se romper totalmente.
O que será de mim?
Larguei tudo por causa dele e agora estava sozinha. Eu sabia que ele
se cansaria um dia e iria embora, mais cedo ou mais tarde.
— Milagros! Está aí? — Minha vó bate na porta depois de um
tempo.
Estou, mas não queria falar com ninguém.
— Padre Juan me ligou para saber se chegou bem! — Ela diz do
outro lado.
— Sim, vovó. Está tudo bem sim! Só estou com calor. Vou deitar
um pouco e descansar — informo, mas não posso abrir a porta e deixar que
veja meu estado. Isso só geraria desconfianças e o que menos queria nesse
momento era que ela me enchesse de perguntas.
— Quer ir ao médico?
— Não, vovó. Estou bem! — respondo com convicção e torço para
que vá logo. Só quero ficar sozinha. Preciso pensar no que fazer, já que tudo
foi ao contrário do que esperava.
Tinha que falar com Milagros. Há dois dias Valquez me disse que
daria um jeito sem chamar atenção.
Naquele dia não fui corajoso para dizer que não iria embora sem ela.
Na verdade, eu pensei nela, em como ela queria que fosse. Mas Castel
quando diz que é hora de ir ele vai e não quer saber de mais nada. Até o
último minuto achei que fosse vê-la entrar lindamente e correr para os meus
braços.
— Carlos, como vou ligar para Irmandade e dizer que preciso falar
com Milagros? O que vou dizer? Ela vai querer saber o que tanto preciso
falar com sua neta! — Ele justifica, mas nada que diz vai mudar esse
sentimento desesperador que sinto.
— Eu vou lá. Vou trazê-la comigo, ela querendo ou não — digo e
reforço o que venho falando.
Eu estava prestes a ir até Cuidad antes dessa maldita luta. Valquez
disse que assim que terminasse a luta ele mesmo me enfiaria em um avião
para lá. Que preciso ter calma e concentração. Mas não consigo. Quero
estar com ela, quero sentir seu cheiro. Preciso dela do meu lado.
Eu estava prestes a fazer qualquer loucura.
Tanto que estava me comportando sem reclamar, sem questionar,
apenas para que eu conseguisse o que queria.
— Liga para Anunciata, sei lá. Vocês eram amigos — sugestiono
qualquer opção que vem na minha cabeça.
Eu só quero poder falar com ela, saber da sua decisão. E trazê-la
para cá.
Ah... se eu tivesse certeza de que iria ficar comigo, ninguém me
seguraria.
Mas e se ela se decidiu e optou que vai voltar para o convento e
fazer os malditos votos?
Não a impediria, mesmo sabendo que seu lugar é ao meu lado.
— Carlos, você precisa ter calma. Eu já lhe disse que terminou a
luta você vai. Vou falar com Castel sobre a possibilidade de você retornar
para lá. Digo que senti o quanto fez bem e que pode continuar fazendo.
Juro, Carlos, que depois da luta você vai para Cuidad.
Odeio não ter o controle da minha vida. Odeio ter que ser o peão do
tabuleiro de alguém.
— Não ficarei nenhum minuto sequer depois da luta. Estou
avisando. Conto para todos o porquê quero voltar para Ciudad de Juárez.
— Tenha mais um pouco de calma. Milagros não merece ser exposta
assim. Primeiro você precisa saber da decisão dela para poder conversar
com Castel e Irmandade.
— O caralho que vou pedir permissão para eles. Se Milagros disser
que não vai voltar para aquele maldito convento, nada e ninguém vai me
impedir de ficar com ela.
Infelizmente estava tão desesperado que recorri a Valquez. Afinal,
ele era o único que poderia me ajudar e o único que estava sabendo de tudo.
— Carlos! É só o que peço, mais três dias e tudo se resolve. Entre
dentro desse terno e vá naquele coquetel, sorria, tire fotos e deixe Castel
satisfeito. Eu prometo que vou conseguir sem alarde algum que você vá
para Cuidad assim que terminar a luta.
Valquez segura meu rosto entre suas mãos e faz suas promessas
olhando em meus olhos.
— Eu só estou ajudando-o porque vejo que de fato Milagros é a
melhor coisa que aconteceu na sua vida. Só tive meu campeão de volta por
causa dela. Bem ou mal, foi ela que o fez mudar.
Milagros não havia me mudado. Tudo foi uma junção de fatos e
atitudes que precisava tomar para que ninguém soubesse o que estava
acontecendo. Mesmo no início, quando tudo era apenas para atacar Castel
onde mais lhe doía. No entanto, Milagros se tornou o meu tendão de
Aquiles.
Faço o que Valquez me pede. Meu desespero é tanto que acredito
que vai me ajudar.
Visto o terno e fico pronto para continuar sendo o fantoche de
Castel.
***
Pela noite toda fico em um canto. Apenas estou ali de corpo; minha
alma, meus pensamentos estão em Cuidad e na linda morena de cabelos
curtos que estou completamente apaixonado.
Queria mesmo sair dali sem dizer nada. Tomar as rédeas da minha
vida e dizer foda-se a tudo e todos. Poderia me rebelar e ir fazer o que bem
entendo. Mas diferente das outras vezes, tenho medo que isso a prejudique.
Não quero tomar qualquer atitude que afete a ela. Eu prometi que
respeitaria sua decisão — talvez não reaja bem —, mas vou aceitar, vou
insistir. Contudo, vai ser como ela quer. Não posso forçá-la a largar tudo
que sempre quis por minha causa e porque eu a quero de todas as formas.
— Boa noite, Carlos! Está muito solitário hoje.
Olho para o lado e vejo Myka Korskovik se aproximando dentro de
um lindo vestido preto. Ela sorri e segura sua taça de dry martini próxima
de mim.
— Seu irmão me disse que está de volta.
— Boa noite, Myka.
Respondo e tento sorrir, apenas por educação. E sim... eu estava
sozinho. Aliás, não queria falar com ninguém. Queria que tudo isso
terminasse logo para voltar para aquela maldita cobertura e esperar chegar
logo essa luta.
Estava contando os dias.
— Vejo que está bem. — A linda modelo, loira e de olhos
extremamente azuis se aproxima e segura a lapela do meu terno. Sorrio
ironicamente. Sei que está tentando me seduzir.
— Sim, muito bem. E você também — respondo apenas para ser
educado.
— Ah... levando a mesma vida. Viagens, job’s e... ainda estou
esperando aquele jantar.
Eu e Myka já saímos algumas vezes. Toda vez que Castel queria
levantar minha popularidade depois de um escândalo era ela quem aparecia,
como um suposto affair. Como se tivéssemos um romance tórrido, ou algo
assim, apenas para as pessoas especularem sobre minha vida pessoal. Mas
confesso que diversas vezes eu a fodi pela noite inteira após ela
desempenhar seu trabalho.
E sei muito bem quem a mandou até aqui. Mas só que dessa vez eu
não precisava da modelo. Era de outra mulher que eu precisava. Uma que
ficaria ainda mais linda dentro de um vestido como o dela. Que é só minha.
Que faz com que eu anseie para que o dia termine logo só para tê-la em
meus braços.
— Quem sabe um dia — respondo apenas por educação, deixando
entrever que poderia ter uma possibilidade.
— Vai ser uma pena. Mas poderíamos ir hoje para sua cobertura
enquanto não me leva para jantar. — Myka não só insiste, mas também se
aproxima mais quando quase fico cego com o flash me atingindo.
— Mas que caralho... O que está fazendo? — Gentilmente espalmo
minhas mãos no ar, criando uma barreira entre eu e a modelo após ela tentar
me beijar.
— Achei que tínhamos algo. Já que somos velhos conhecidos.
— Não, não temos, Myka — falo firme, recuando para trás. — E
nunca vamos ter.
A modelo se assusta. Acho que não esperava que eu fosse rejeitá-la,
afinal, já tínhamos pulado da fase de que somos um casal, sabíamos
exatamente que era totalmente profissional. Ela fazia o que Castel queria ao
posar ao meu lado como uma suposta namorada, eu a comia no final. Mas
isso ficou para trás. Então não me sinto um filho da puta por não querer
nada com ela. A única mulher que desejo e quero ficar é Milagros.
— Desculpa, mas preciso ir.
E que se fodam Castel e toda sua corja.
Atravesso entre as pessoas e vou cumprimentando-as até conseguir
chegar na saída. Olho para os lados à procura de alguma fisionomia
conhecida. Vejo Martín próximo dali e me aproximo dele.
— Pede um carro. Estou indo embora — digo após me perguntar se
precisava de algo.
— Mas Castel...
O interrompo.
— Eu disse que quero ir embora. E vou!
Poderia estar me segurando e acatando em silêncio até o dia da luta,
para poder voltar a Cuidad, mas não queria mais ficar ali, tendo que
aguentar mais manipulações de meu irmão.
Martín então assente e não demora muito para me avisar que o carro
está a minha espera. Volto para minha cobertura. Nesses dias ela se tornou
um lugar vazio e solitário e é em Milagros que penso, na sua risada, no seu
jeito carinhoso e tímido.
Porra...
Eu estava completamente apaixonado. Eu a amava!
Estava péssima esses dias. Mal tenho deixado a cama. Devo ter
comido algo que não me fez bem. Minha avó acha que devo ter pegado
algum vírus. Até pediu para Anunciata me trazer uma sopa de milho, mas
só o cheiro já estava fazendo meu estômago revirar.
— Não, Milagros! Não vou levar de volta para a cozinha enquanto
não comer. Há dias mal come, mal sai desse quarto. Já falei com a sua avó
para chamar um médico. Não é normal.
— Deve ser algum tipo de vírus ou mesmo uma intoxicação
alimentar. Já ouvi dizer que tem pessoas que ficam passando mal por dias.
Que não conseguem comer nada — justifico.
— Então tente comer. — A mulher insiste, colocando a bandeja
sobre meu colo.
Não tenho outra solução a não ser tentar comer um pouco. No
entanto, assim que coloco a primeira colherada com a sopa na boca, não
consigo e sinto de novo aquele gosto amargo e algo subindo pela minha
garganta.
— Preciso ir ao banheiro — digo abafado, colocando a mão na boca
para impedir que eu vomite sobre a cama, a bandeja e ela. Me apresso, e
com a sua ajuda para tirar a bandeja sem que caia tudo, corro em seguida
para o banheiro.
Não sei quanto tempo fico ali, agachada no chão com a cabeça
quase toda enfiada dentro do vaso sanitário. Eu já não tinha mais o que
vomitar e mesmo assim aquela ânsia estava ali.
Levanto-me do chão e escovo meus dentes, até o creme dental tem
um gosto enjoativo. Olho no espelho e vejo que estou mesmo com aspecto
de alguém muito doente. Pálida e com olheiras profundas.
Talvez seja por tudo que está acontecendo.
Não tenho notícias de Carlos desde que foi embora. Pensei em ligar
escondido, porém, descobri que não só tenho medo de que me diga que tudo
era uma grande mentira, mas que estou ressentida por ter sido deixada por
ele.
Não quero pensar mais nele. Juro!
Respiro fundo, lavo o rosto de novo e saio do banheiro, mas fico
parada sem conseguir reagir quando vejo o rosto de Carlos em uma foto na
TV. Anunciata ainda estava ali e provavelmente foi ela quem ligou o
aparelho.
Era ele mesmo. E pelo jeito era alguma fofoca sobre sua vida,
porque mais fotos apareciam e uma mulher falando em inglês que Carlos
foi flagrado em uma festa com uma modelo. Uma linda loira. As fotos ali
eram dele com ela. Mas não consigo muito bem entender o que está
dizendo. Apenas que dessa vez esperam que eles assumam o
relacionamento.
É tudo que escuto antes de sentir as lágrimas me tomando e tudo
escurecendo.
Acordo tempo depois e estou deitada sobre a cama. Minha avó está
sentada na poltrona ali ao lado. O quarto estava escuro, provavelmente era
de noite. E assim que ela percebe que acordei se aproxima, tocando minha
testa.
— Você desmaiou, Milagros. O que está acontecendo com você,
minha menina? — Sua voz sai baixo, em um tom preocupado, que me faz
sentir remorso de não dizer que estou assim porque estou sofrendo e com o
coração partido.
Dizem que quando se ama e tem seu coração quebrado pela pessoa
amada, você não come, não dorme direito, não quer sair da cama. Que se
sente mal com tudo. E era exatamente como eu estava.
— Amanhã bem cedo a levarei no médico. Já marquei uma consulta.
— Não há necessidade alguma, vovó. Eu estou bem! — Sorrio e
tento ser firme ao dizer que eu não tinha nada. Porém, é incontrolável a
forma como a lembrança daquela notícia me vem à mente.
Quero chorar ao pensar em Carlos com outra mulher. Ele me deixou
porque está apaixonado por outra pessoa.
— Não! Não está, Milagros. Tenho anos de vivência e sei que não
está nada bem. Mas precisa estar até na semana que vem, quando deve
voltar para o convento.
O que me diz me dá ainda mais pânico ao pensar que eu não quero
mais voltar e sim estar com Carlos. Eu tinha o escolhido depois de tanto
lutar contra o que achei que queria para mim.
— Agora durma bem. Qualquer coisa me chama que venho.
Minha avó se despede ao beijar minha testa e novamente estou aqui,
sozinha, desesperada por querer alguém que não me quis. Se soubesse que
amor também era sofrimento eu não teria me permitido amá-lo.
— Vamos precisar fazer uma ultrassonografia e alguns exames,
Dona Irmandade. — Escuto a médica dizer a minha avó após ter feito uma
série de perguntas a mim, sobre o que estava sentindo, quando foi a última
vez que menstruei. Se eu tinha algum namorado.
Inclusive eu neguei tudo, mas acabei dando algumas informações
precisas sobre o que estava sentindo. No entanto, ela pede para ficar a sós
comigo enquanto me examina. Minha avó conta a ela que estou prestes a
me tornar uma freira. E o tom da sua voz é de alguém que está orgulhosa, o
que me faz sentir tanto remorso por saber que por quase dois meses eu
menti, eu escondi que eu não era o que pensava.
Eu não tinha mais a vocação e a devoção que suas palavras
descreviam e isso me fez sentir ainda pior do que estava. Contudo, assim
que ela deixa a sala de exame a médica retorna e começa a me examinar.
Mas primeiro pede que tire toda minha roupa, vista um roupão e deite sobre
uma maca. Era uma ginecologista na verdade. A mulher então diz que por
eu ser virgem que apenas vai fazer o exame ginecológico superficialmente.
Fico receosa, pois já tinha ido em ginecologistas antes. Não é
porque eu seria uma freira que não precisava estar em dia com minha saúde.
Inclusive a Madre superior fazia questão que tivéssemos uma rotina médica
impecável. Então, por mais que eu me sentisse constrangida e um pouco
sem jeito. Não tinha problema algum ela me examinar.
E não demora muito. Quando termina, ela pede para que me vista e
retorne ali, para conversar comigo antes de pedir para que minha avó entre.
Assim que retorno após me vestir, ela está em uma sala apêndice a
que estávamos digitando algo em seu computador. Fico parada entre as duas
salas esperando que me peça para sentar.
— Sua avó sabe que teve relações sexuais, senhorita Chuchirreta?
— A mulher é direta, me pegando de surpresa ao levantar seu olhar na
minha direção. — Ela sabe que está grávida?
Por um momento penso que estou dentro de um sonho com a
pergunta que me fez: “De que se minha avó sabe que estou grávida...”
Grávida?
— Milagros! — A médica chama pelo meu nome, mas não consigo
nem me mover, apenas escuto só a palavra “grávida” ecoar na minha mente.
Então quando percebo ela está parada bem à minha frente,
segurando meus ombros, como se estivesse servindo de apoio para eu não
desabar.
Minhas pernas estão moles, meu corpo já não reage e minha
consciência grita alucinadamente.
— Está tudo bem?
— Não... — falo e nego com gestos ao mesmo tempo.
E... não! Claro que não estava bem.
Eu estava grávida e...
Fecho os olhos e os aperto evitando que eu chore ali.
— Sua avó sabe que teve relações com um homem? Ela me disse
que você é uma noviça e que em poucos dias se tornaria uma freira. Então
você deveria ser virgem.
Concordo e não digo nada.
— E você não é mais virgem. Ela sabe disso?
— Não, ninguém sabe.
Sinto meu corpo tremer. Sinto raiva, decepção, medo.
— Por acaso você não está sofrendo abuso sexual?
— Não. Eu consenti.
Sim... foi consensual, foi desejado cada momento com Carlos.
— Ufa... sinto-me aliviada.
— Mas e o pai do bebê?
A médica está me enchendo de perguntas das quais eu não quero
responder e muito pensar. Não quero dizer que o pai do meu bebê me
abandonou.
Do meu bebê? Eu não posso estar grávida! O que vou fazer?
— Sério que estou grávida?
— Sim. Pelo que me disse e sua menstruação está atrasada. Não fiz
o exame ginecológico, mas pelos sintomas a possibilidade de estar grávida
é quase de 100%.
— Não pode ser! — penso em voz alta e lamento.
— Por que? E onde está o pai do bebê já que foi consensual?
— Ele me abandonou! — falo pela primeira vez para alguém o que
de fato aconteceu. De que fui abandonada. De que Carlos foi embora e não
me esperou.
— Por Deus... — A mulher me abraça enquanto deixo as lágrimas
saírem.
E por um tempo fico ali, sendo amparada, até que ela se afasta e me
encara.
— Vou precisar informar para sua avó.
— Não! Por favor — desespero.
Minha avó não poderia saber, ninguém poderia.
— Milagros — ela diz meu primeiro nome —, você não pode
enfrentar isso sozinha. Antes ela saber e te ajudar a ficar sabendo quando
sua barriga crescer.
— Mas você não tem certeza. A senhora disse ainda há pouco. —
Busco por qualquer porcentagem que me diga que ela está errada e que não
passou de mera coincidência e suposição.
— Eu disse, mas tenho quase certeza. Me responda uma coisa:
Vocês se preveniram, você toma pílula?
Fecho os olhos e nego, respondendo não para as perguntas.
— Então um exame só vai provar que estou certa. Você está grávida.
— Não pode ser. Tem que estar errada, doutora.
— Milagros! Eu não estou errada. Vamos fazer o seguinte. Vou
pedir para o laboratório vir colher seu sangue. O pessoal lá são amigos
meus e fica aqui no andar debaixo. Vou pedir com caráter de urgência.
Enquanto isso vamos fingir que estamos fazendo seu exame. Geralmente
esse exame não leva muitos minutos para ficar pronto. É mais por
burocracia que demoram a dar o resultado. Então assim que confirmarmos
sua gravidez você escolhe. Eu conto ou você conta para a sua avó!
A médica não me dá opções, aliás, ultimamente ninguém tem me
dado opções. A minha vida toda não teve opções para eu escolher.
— Rosalina, pede para Peres se ele pode vir aqui no meu consultório
sem que ninguém o veja para colher um BetaHCG[15].
Não demora muito para um homem entrar na sala dela e colher meu
sangue e demora muito para ele ligar e dizer o resultado. Parece que os 20
minutos que pediu para lhe passar o que havia dado demorou uma
eternidade. E sim, eu estava grávida.
Valquez bate sobre meus ombros e depois segura meus ombros e os
chacoalha. Pulo e respiro nervoso, me concentrando e ouvindo as diversas
vozes vindo da arena.
Somos somente eu e ele. E pela primeira vez não vou começar uma
luta com Castel fazendo seu teatro motivacional de que somos superação,
que somos fortes. De que viemos para mostrar para o mundo o poder que a
família Salvitierra tinha.
O que me deixou intrigado. Ele não perderia seus minutos de fama
quando eu entrasse e toda a mídia esportiva estivesse voltada para mim.
Não sei porque, mas ele estava em Cuidad, aonde eu queria estar.
Aonde eu deveria estar. E onde é o meu lugar. De certo havia sido chamado
pelo El Príncipe. O único a quem Castel é submisso e abaixa a cabeça.
Mas bem... Dou vários pulos e me movo, me alongando, me
esquentando.
— Assim que terminar não darei entrevista. Quero sair daqui e ir
para Cuidad.
— E você vai. Mas espere Castel, ele deve estar chegando.
— Não vou esperar porra nenhuma — digo e logo escuto meu nome
ser anunciado e ecoado.
— Vamos! — Valquez me dá um empurrão.
Estou nervoso. Acho que todas as vezes fico, mas dessa vez sinto
um frio percorrendo toda minha coluna, uma bola se formar dentro do meu
estômago.
— O campeão mundial de pesos pesados, Carlos Salvitierra
defenderá mais uma vez seu cinturão em uma luta épica.
Os gritos e a vibração de todas aquelas pessoas ecoam em minha
mente. Olho para os lados e ergo o braço direito enquanto caminho pelo
corredor sob mãos querendo me tocar. E dali até o fim eu apenas enxergo
tudo o que nasci para fazer.
E não demora muito para eu terminar a luta. Quando pisei no
octógono eu só queria terminar logo e o fiz. Levando o outro lutador a
nocaute no segundo assalto e no primeiro round.
Eu só queria terminar e sair dali. Ir para Cuidad e ver Milagros,
dizer que a amava.
Mais uma luta ganha e agora eu poderia fazer o que queria, sem a
intervenção de qualquer um.
No entanto, assim que retorno para o vestiário encontro Castel com
o semblante pesado, apenas de calça e sem camisa, deixando evidente todas
suas tatuagens. Ele era um pouco mais baixo que eu, mas era musculoso e
também sempre gostou de lutar.
Quando eu era mais novo me lembro dele brincar comigo e dizer
que se tivesse a oportunidade que eu tive, ele também seria lutador.
— Ganhamos mais uma — digo assim que percebo que ele, seus
homens e Mando ao lado dele está sério e que não estão comemorando.
— Valquez saia e me deixe. Quero conversar com Carlos. — Castel
ordena e não muda sua expressão, ele apenas me encara.
— O que foi? Não ganhei sua luta, não tenho dado suas malditas
entrevistas? Por que está me olhando assim — questiono e vou retirando
minhas luvas, jogando-as sobre o banco. Mas Castel não se move e apenas
estala os dentes ao continuar me encarando.
— Saiam todos. — Ele ordena e até Mando nos deixa.
Não gosto da forma como está me olhando, como se estivesse me
sentenciando há algo.
— Não está feliz? Perdeu dinheiro? — o provoco.
— Filho da puta! — Castel se aproxima, ficando perto, bem rente.
Sua mão se fecha ao redor do meu pescoço. Porém não o aperta. Ele
encosta o seu rosto contra o meu e dá para sentir sua ira a forma como
respira pesadamente. — Desgraçado! Eu lhe dei tudo nessa vida, mas não
estava contente com o que tinha.
Sua mão vai se fechando conforme seu olhar se torna ainda mais
perigoso. Imagino o porquê está me dizendo essas coisas. Mas não me
deixo intimidar.
— Você quis a única coisa que não poderia ter. Você foi atrás do que
era proibido para todos nós. — Quanto mais Castel vai dizendo, vai
afirmando, me dando a entender do que se trata ele vai pressionando,
apertando mais ainda sua mão ao redor do meu pescoço.
Pigarreio e o encaro, meu olhar está preso no seu. Não vou me
acovardar.
— Você pegou o que não era seu.
— Ela nunca foi sua! — respondo entredentes.
— Desgraçado, ainda tem coragem de confessar que corrompeu.
Que a sujou com sua imundície.
— Milagros nunca foi sua! Ela é minha!
— Bastardo, desgraçado. — Castel aperta mais meu pescoço e me
empurra, acertando seu punho fechado contra meu rosto, me acertando no
canto da boca e me fazendo cambalear para trás. — Você é um desgraçado,
um verme. Você e nem ninguém poderiam ter tocado nela. Eu a protegi, eu
jurei que cuidaria dela. Mas claro, você não sabe o que é honra. Não sabe
de nada, porque eu sempre lhe dei tudo. Eu sempre o tratei como meu filho.
Mas o que faz, me trai, pega o que não é seu e destrói.
— Eu não a destruí, eu a amo. — Sou acertado de novo.
Sinto o gosto de ferro na boca e antes que eu o encare limpo onde o
sangue escorre. Esfrego ele nos meus dedos.
— Você ama a si mesmo. Só a quis porque ela era minha protegida.
Era intocável para qualquer um.
Castel se descontrola, grita e vem para cima de mim, agarrando meu
rosto.
Confesso que nunca o vi dessa forma.
— Você não sabe, você não entende o que Milagros representa para
mim. Ela é como se fosse minha filha. É a filha do meu amigo, daquele que
deu a sua vida pela minha. Daquele que abriu a porta da sua casa naquela
noite para que eu entrasse com um bebê de um ano que gritava porque há
dois dias não comia. Foi ele e a mãe dele que matou a nossa fome. A mãe
dele foi quem o criou como um filho. E você os agradece como? Como,
Carlos?
Castel se afasta e respira fundo.
— Engravidando ela e depois a abandonando. Usando-a,
humilhando-a. Milagros era inocente e pura e você fez o quê? A sujou, a
corrompeu. A tratou com as suas prostitutas baratas.
Porra... Milagros estava grávida.
Mesmo com tudo ao redor com o clima pesado, sinto meu coração
se aquecer só por saber que ela está carregando nosso filho.
— Eu não a tratei assim. Eu amo Milagros como nunca amei outra
mulher. Se lutei esta noite. Se quase matei aquele homem naquele octógono
de tanto bater nele, foi porque precisava que você estive satisfeito e não
percebesse que eu estava indo para Cuidad pegar Milagros e fugir de você.
— Aumento o tom de voz. — E eu não sabia que ela estava grávida. Ao
contrário do que diz eu a amo e vou ficar com ela, você queira ou não.
— Mas não vai. Você não vai fazê-la sofrer. Eu jurei a Manolo que a
filha dele nunca derramaria uma lágrima. Que a defenderia com a minha
própria vida. E eu não vou deixar que você a machuque. Ainda sendo que é.
Um egoísta que só pensa em si. Você só a quer porque sabe que ela é o bem
mais precioso que tenho.
— O único que só pensa em si é você, Castel. O único que quer
controlar a vida de todos como se fosse a sua é você. Então o único egoísta
é você. E sim! Eu quis ela porque sabia que era sua protegida e seu tendão
de Aquiles. Mas me apaixonei e darei minha vida pela dela e pela do meu
filho. E você não vai tentar me impedir. Ela e meu filho são meus e não
seus.
Castel parte de novo na minha direção, mas para quando percebe
que estou disposto a enfrentá-lo. No entanto, a porta do vestiário se abre e
Mando entra.
— Castel, Milagros foi sequestrada. Gonzales a pegou.
Aquele frio volta a me percorrer por completo. Gonzales é o homem
que matou o pai dela e jurou que um dia todos os Chunchirreta teriam o
mesmo fim.
Castel era intransigente, mas sabia quando era hora de recuar. Tanto
que não se opôs quando disse que viria para Cuidad junto com ele. Mas não
falamos nada. Seu olhar ainda para mim dizia que não tínhamos terminado.
Mas pouco me importava eu queria mesmo era saber que Milagros ficaria
bem. De encontrá-la.
E eu estava desesperado, com medo de que algo acontecesse com
ela.
Quando chegamos em Cuidad, a cidade estava em chamas. Algumas
casas pegando fogo e tudo uma retaliação contra o Cartel. Homens armados
foram nos receber. Castel e Mando se preparavam colocando armas por
debaixo das suas camisas.
Era outro cenário totalmente diferente do que cresci.
Sempre soube do envolvimento, da proximidade e de quem ele
representava para o El Príncipe de Cuidad.
— Já localizamos onde Gonzales está. Ele levou Milagros para 50
km daqui no deserto. — Um dos homens se aproxima e diz para Castel.
— Preparem os carros. Héctor e Martín vão na minha retaguarda.
— Eu vou junto — intrometo e ao invés de Castel dizer algo seu
olhar me varre dos pés a cabeça, como se eu não soubesse o que estava
falando.
— Você não vai! — É Mando que diz. — Você é um lutador e não
um assassino.
Pela primeira vez na vida sou tomado pelo medo, pelo desespero.
— Vou sim. É a minha mulher e o meu filho — digo alto. E me sinto
impotente.
Encaro Castel que me devolve com o mesmo peso a raiva contida
em seus olhos.
— Deixei-o ir. Quem sabe assim ele aprende o significado de honra.
De sobrevivência.
Meu irmão mais velho me dá as costas, dava para perceber que
estava ressentido e com raiva. Mas neste momento apenas estava dizendo o
mínimo possível. Ele continua pegando os cartuchos com as balas,
enfiando-as nos bolsos de sua calça. Nunca antes estive em contato com o
que faziam. Mas por Milagros eu iria até o inferno. Eu mataria quem quer
que tocasse em um só fio de seu cabelo.
Logo, minutos depois, estamos divididos em 10 SUVs que vão na
direção do deserto. Não consigo relaxar. Nunca antes vivi uma tensão como
essa. Com esse medo de que posso perdê-la. Meu coração se espreme e dói
para caralho. Sou um fodido mesmo. Ainda mais agora que sei que ela está
grávida, que minha doce noviça rebelde vai ter um filho nosso.
Aahh... como queria sentir de novo sua boca contra minha.
Fecho os olhos e não tento pensar no pior, mesmo sabendo que
Milagros poderia estar morta quando chegássemos. Não quero nem pensar
nessa possibilidade.
Manolo Chunchirreta era um assassino do Cartel e Castro era de
uma gangue que rivalizava e tentava criar seu próprio Cartel, invadindo as
rotas de El Príncipe. Então em uma noite, Manolo e Castel armaram para
pegarem Gonzales. Mas acabaram matando o filho dele. Ao atearem fogo
na casa. Na casa não estava só o filho de Gonzales. Estava a esposa, nora e
o primeiro neto.
Cuidad virou um verdadeiro pandemônio na terra. E Gonzales jurou
que Castel e Manolo pagariam caro, que ninguém da sua família
sobreviveria.
Ele esperou anos para cumprir sua promessa. Ele esperou Manolo
casar, e Enrieta ter Milagros. E em uma noite ele foi e ateou fogo na casa
dos Chunchirreta, só que conseguiram escapar, porém estavam esperando
que isso pudesse acontecer, então mataram e alvejaram os dois. Milagros só
foi salva porque quando Enrieta viu que estavam prestes a morrer, ela
enrolou a filha em um pequeno pedaço de manta e a deixou em um lugar
protegido. Tanto que foi Castel quem a achou quando escutou seu choro.
Desde então Gonzales foi banido de Cuidad.
E sei que se realmente estiver com Milagros não vai pensar duas
vezes em tirar a vida dela e do meu filho.
Pouco tempo depois, chegamos aonde deram a localização. O local
era no meio do deserto. Tendo apenas poucas casas, mais como tendas e um
galpão ao lado. Estava escuro, a única iluminação era a das estrelas. E
Castel foi o primeiro a descer. Eu o acompanhei e não me importei quando
sibilou que era para eu voltar para trás do carro. Enquanto isso, outros
homens e mais carros que viriam para nos resguardar chegavam e iam
revistando cada tenda abandonada daquele lugar.
Eu não iria obedecê-lo, só queria achar Milagros com vida. Ela era
minha mulher, minha responsabilidade e eu não poderia perdê-la.
— Gonzales, seu filho da puta. Apareça. — Castel grita e sua voz
ecoa.
Um ponto de luz dá um sinal de dentro do galpão. Eu o vejo e dou
um passo para ir, mas sou impedido por Castel.
— Você não vai. Esse desgraçado vai sair daí mais cedo, mais tarde.
Castel espera e de novo grita:
— Você está cercado, vou te encher de bala. Sabemos que se casou e
tem uma nova família. Já tem gente minha indo atrás deles. Solte ela agora.
Então, um homem alto, com seus 50 e pouco anos, sai, com
Milagros em seus braços, amordaçada e com uma arma apontada para a
cabeça dela. Ele na verdade, fica na porta e faz aquilo para mostrar que de
fato ele está com ela.
— Solta ela! — Sou eu quem grita quando não me controlo pronto
para ir até lá.
Nunca em todos esses anos eu quis matar alguém. Nunca tive sede
de vingança. Não até esse momento.
— Olha só, o troféu dos Salvitierra! Quem sabe eu a troque por ele,
Castel. Talvez ele seja mais valioso para você do que a menina de Manolo.
— Eu vou. — Não espero que falem nada e digo antes mesmo de
Castel se interponha.
Dou um passo e mostro que eu aceito trocar de lugar.
— Carlos, volte aqui! — Castel diz, mas eu o ignoro.
— Quanto vale para você o campeão? — O homem pergunta.
— Muito mais do que possa imaginar. Sou a máquina dele ganhar
dinheiro. — Minha intenção não era dizer tais coisas, mas eu precisava tirar
Milagros de lá.
— Filho da puta. Carlos volta aqui. — Castel fica agitado e
repentinamente sinto que meu corpo é lançado para frente, sendo jogado
contra a areia. E uma sucessão de tiros e vozes é ecoado. Me mantenho
deitado no chão com o corpo de alguém sobre o meu. É o de Castel, que
emite gemidos de dor.
Ele foi atingido no ombro.
— Castel! — Chamo pelo seu nome quando vejo que está ferido, me
ajoelhando ao seu lado.
— Você é teimoso, seu filho da puta! Ai... — geme e faz uma careta
de dor —, eles iam atirar em você.
— Eu vou trocar de lugar para salvar Milagros — justifico e o
encaro quando ele segura meu rosto e sua ferida jorra sangue.
— Você não é uma máquina de fazer dinheiro para mim — ele
respira e arfa ao apertar e contrair toda sua mandíbula —, você é o que não
pude ser, você é a parte boa de Sancha. Você é o único que não precisou se
vender. Eu o amo como se fosse meu filho.
Não sei o que falar e como reagir. Seguro seu pulso quando vou
escutando suas palavras. Sinto que aquele ali era o irmão que brigava de
guerra de água e quedas de braços, que era aquele que me fez ter o mundo
aos meus pés.
— Quero que seja melhor que eu e Mando. Quero que tenha o
mundo. Por isso você é o melhor que temos.
Castel fecha os olhos e respira fundo. Os tiros cessam e de novo o
zumbido do vento corta entre nós. Mando se aproxima e mais alguns
homens.
— Cuide de Milagros, faça ela feliz.
Castel solta meu rosto e fico por segundo olhando fixo para seu
rosto contraído de dor, de sua respiração entrecortada.
— Eu juro que vou atrás de todos. Um a um.
— Eu amo você, Carlos. Se fui intransigível é porque você tem que
ser o melhor.
Não tenho tempo de responder para ele, sinto muito por tudo que
aconteceu. Escuto um tiro abafado. Procuro de onde veio e de novo o
mesmo som ecoa vindo do galpão onde está Milagros.
Não...
Meu peito parece que vai se rasgar. Penso nela e disparo a correr na
direção de onde estavam, esquecendo de onde eu estava e o que poderia
acontecer comigo. Viro um animal irracional ao pensar que aquele velho
desgraçado tenha a matado.
Preciso saber...
Meu filho e minha mulher...
Sinto o peso do mundo nas minhas costas quando chego e vejo tudo
fechado. Não escuto nada. Então lanço meu corpo para a porta que abre
facilmente. E lá está Milagros encolhida no chão, amordaçada imóvel e o
desgraçado com uma arma apontada para ela em pés sorrindo como um
lunático.
Esqueço que ele pode virar e atirar em mim quando vou na sua
direção como um louco. E sou mais rápido acertando-o e jogando-o para
trás. Avanço para cima e cubro seu corpo. Fecho os punhos e disparo uma
sequência de murros como se estivesse desferindo-os contra um saco de
areias.
— Filho da puta.
Parece que estou cego eu só quero que esse desgraçado tenha um
fim, mas sinto que sou puxado para trás e Mando é quem entra eu e
Gonzales.
— Você não nasceu para matar. Você é melhor que eu e Castel.
Então Mando aponta a sua arma na direção da cabeça de Gonzales e
dispara.
— Já estamos indo! — respondo e caio com meu rosto na curvatura
do pescoço de Milagros. Ela sorri e se agarra ainda mais em mim, com suas
pernas e seus braços ao meu redor.
— Milagros, sua avó ligou e disse que estão chegando. —
Anunciata aquela fofoqueira e agora a empata foda fica ali na porta nos
apressando pela segunda vez.
Respiro fundo e apenas fico imóvel sentindo a bocetinha da minha
noviça rebelde se agarrar e apertar meu pau, contraindo-a.
— Vamos os dois. Milagros, menina, você já está grávida não
precisa passar o tempo todo dentro do quarto com Carlos. — A mulher
insiste.
Há dois dias eu e Milagros temos matado a saudade um do outro,
ainda mais depois que todos sabiam sobre nós. Nem tinha como esconder.
Mal deixamos o quarto e para mim não há nenhum lugar melhor no mundo
de que está ao lado dela.
Naquela noite, após Mando mandar Gonzales direto para o inferno
achei que ele teria machucado ela. Quase fui com ele para o inferno ao
pensar que na verdade, Milagros poderia estar morta, mas não estava
assustada e de olhos fechados.
A tirei daquele lugar e conversamos. Ela contou que havia fugido de
casa depois que Castel saiu dizendo que iria me matar quando ficou
sabendo que a engravidei. Mas ele jamais faria algo contra mim. Até
porque, o homem que se colocou entre para levar um tiro e salvar o outro,
jamais o mataria. Foi a força expressiva para dizer que ele estava puto
comigo.
E muito puto... Ainda estou com o hematoma pelo soco que me deu.
Milagros disse também, que Gonzales estava à espera para entrar na
casa, mas quando ela saiu sozinha ele a pegou. Que o plano dele era atrair
Irmandade e Castel, matar os dois. E depois ele a mataria.
Mas por sorte nada aconteceu a ninguém, exceto por Castel, que está
deixando o hospital e vindo para o seu Cuartel. Por isso, Anunciata e todos
os outros funcionários estão alvoroçados. Irmandade foi quem ficou
cuidando dele pelos dias em que esteve internado, após a cirurgia de
retirada da bala do seu ombro. E agora estavam vindo embora para casa.
— Acho que ela já foi. — Milagros sussurra e morde o lóbulo da
minha orelha.
Porra...
Não satisfeita em me provocar ela remexe o quadril, pedindo mais.
— Danada. A minha virgem proibida agora é uma safada.
— Quem mandou me desviar do caminho. — Milagros diz e me
oferece seus lábios enquanto volto a entrar e sair de dentro da sua boceta
apertada. Eu a beijo com fome, mas fico receoso com medo de que possa
machucá-la, ainda mais porque está grávida.
E pensar que só descobriu porque passou mal após ter visto uma
fofoca sobre eu estar namorando uma modelo. E então teve que ir ao
médico. Claro que disse a verdade, contei desde o início e como planejava
voltar para buscá-la. Também contei que conhecia Myka há muito tempo e
que não tinha nada com ela, apenas só omiti o passado.
A pecados que devem ser esquecidos. E a outros vividos.
Não me arrependo em nada e muito menos ter engravidado Milagros
em nossa primeira vez. Sim, foi a única vez que gozei irresponsavelmente
dentro dela. E sei que vou ainda ouvir muitos sermões sobre não termos
prevenidos. Mas como? Se eu estava aprisionado aqui e ela uma quase
freira.
Claro que já imaginei a cena dela indo comprar preservativos. Só
não iam pensar que estava fantasiada de freira sexy porque aquele hábito é
horroroso. Mas do contrário...
— Por favor, mais...
— Milagros a gente tem que tomar cuidado com o bebê — digo e
ela aceita, mas pouco tempo estou eu bombeando e estocando rápido,
levando-a a gozar lindamente.
Também gozo em seguida. No tempo exato de Anunciata estar ali de
novo, batendo na porta nos avisando que Castel e Irmandade chegaram.
— Eu amo você, minha noviça rebelde.
— Bom dia, Castel. Como você está? — Vejo aquele homem que
tenho como se fosse um pai vindo, com minha avó ao seu lado, que me olha
e espreme seu olhar em sinal de aviso, que iríamos conversar.
Logo atrás de mim vem, Carlos. Ele para e me abraça envolvendo
minha cintura. O olhar de Castel e de minha avó para a cena não é muito
animosa. Eles não dizem nada e entram no quarto que é do chefe da família.
Nós também vamos em seguida. Carlos ajuda o irmão a se
acomodar melhor sobre a cama. Mas somos surpreendidos quando minha
avó se aproxima de Carlos e segura a ponta de sua orelha, retorcendo.
— Ai, Irm! — Carlos, daquele tamanho se encolhe todo, tombando
a cabeça para o lado, como se ele fosse ainda um garoto de 13 anos sendo
punido porque aprontou.
O que deve ter sido comum por aqui com ele.
— Ai, Irm? Ai, Irm?
— O que eu fiz?
— Você andou aprontando, rapaz. — Minha voz diz e solta sua
orelha. A mulher de cabelos brancos para a frente e aponta o indicador bem
na porta do seu nariz, não se intimidando com a altura e nem o tamanho
dele. — Minha neta é uma moça honrada. Vai ter que casar com ela.
— Ah... é isso?
— É sim! — Ela rebate e Carlos abre um lindo sorriso.
— Mas é claro que vou me casar com ela. E antes mesmo da barriga
crescer. — Carlos diz e minha avó também sorri.
— Mas é bom mesmo.
— E depois vamos morar em Las Vegas.
— Ah... mas não vão mesmo. Meu primeiro bisneto tem que nascer
na cidade dos pais dele. Tem que ser mexicano. Tem que honrar nossos
nomes.
Minha avó diz alto e Carlos só concorda com ela. Mas o que mais
fico admirada de vê-los é como eles se amam. Como uma família não é
feita somente através do sangue. De como o amor nunca vai ser pecado.
Como pais podem amar sem gerar, como irmãos podem ser apenas bons e
grandes amigos. E como o amor pode mudar vidas e salvar vidas.
3 anos depois
Porra...
— O que foi? Não gostou? — Milagros pergunta abrindo ainda mais
suas pernas, mostrando sua boceta toda depilada.
— Como não? — Olho e vejo-a brilhante, pronta para me receber.
Mas quando avanço para ela, Milagros fecha e coloca um envelope bem à
frente dos meus olhos com a palavra positivo.
Caralho, mas que cacete...
Sorrio e a encaro abaixando o papel. Meu coração transborda.
Seguro firme sua nuca, puxando seu longo cabelo preto junto e busco sua
boca. A beijo com fome e com desejo, antes de fodê-la ali naquela mesa.
Eu seria pai de novo.
Desde que Paco nasceu, venho atormentando Milagros para termos
mais um filho. Mas ela se esquiva e diz que nosso menino ainda é pequeno
e que precisamos de mais tempo para nós. Até porque, ela assumiu os
trabalhos na Igreja, como ministra da Eucaristia. Então, acaba que nossa
vida ficou agitada. Também comecei um trabalho com as crianças de
Cuidad. Fiz Castel, com o meu dinheiro construir uma escola, onde treino
meninos carentes, ensino-os a lutar e a sonhar.
Não sabia que poderia amar tanto quem não faz parte de mim, da
minha família e posso dizer que amo pra caralho cada moleque. Que quero
que eles ganhem o mundo. Ainda não me aposentei, mas pretendo defender
mais duas vezes meu cinturão antes. Castel não interpôs, aceitou quando lhe
informei o que faria.
Até porque ele não é mais o braço direito do El Príncipe ele se
tornou o novo el chapo de Cuidad.
Mas agora, eu estou radiante de saber que serei pai novamente. E de
que eu sempre vou ter tudo que quero.
Stephânia de Castro, começou a colocar suas ideias em
2018 com um pseudônimo na plataforma de leitura Wattpad, mas
só em 2019 resolveu publicá-las na plataforma do Kindle/Amazon.
Seu primeiro livro "Duque por contrato" alcançou, nas primeiras
48h de lançamento, o primeiro lugar de e-book mais vendido na
Amazon. Chegando ao seu primeiro milhão de leituras em poucos
meses nesse mesmo ano. A ex-empresária e enfermeira mineira, da
cidade de Poços de Caldas – MG, desde então tem se dedicado e
publicado diversos livros, tanto romances de época quanto
romances contemporâneos eróticos.
Atualmente, após vender sua marca de semijoias, a autora
está focada somente em sua carreira como escritora. Tetê como
alguns a chamam, é casada, tem uma filha e com quase 38 anos
vem acumulando mais de 30 milhões de leituras em seus livros
digitais, ficando sempre entre os 100 e-books mais vendidos com
seus lançamentos.
Autora de livros de sucesso, a mineira diz que se tornar
escritora foi a virada de chave em sua vida.
Série Casa Stwart
Duque por contrato / 2019 – primeira edição
Duque por contrato / 2020 – segunda edição
Os Duques / 2020 – primeira edição
Milady Liz / 2022 – primeira edição

Série Os Mafiosos
De Chanel para Valentino / 2019 primeira edição
Don Valentino
Luca Valentino
Marco Valentino
Rafaello Valentino
Don Dellatore

Livros únicos
Só entre nós dois
Casamento Arranjado
O Apostador
Livros com parcerias
Uma noite para se apaixonar
Adorável Cretino
Amores Inesperado 1
Improvável Atração
Seduzida pelo Cowboy – Duologia Amores do Campo –
Livro 1

Próximo lançamento:
Outubro de 2022

Livros Físicos pelo site www.stephaniadecastro.com.br


Instagram: www.instagram.com/stephaniadecastroautora
Amazon.com.br:https://www.amazon.com.br/Steph%C3%
A2nia-de-
Castro/e/B094JR4157/ref=dp_byline_cont_pop_ebooks_1
[1]
Cartel fictício.
[2]
Chefe fictício do Cartel de Cuidad.
[3]
Significa “o cara” e não um título.
[4]
Warriors Cage Championship – Liga e competição fictícia (Tipo UFC).
[5]
Cidade mexicana situada na divisa do México com EUA, com alto índice de homicídios
devido ser rota de contrabando e narcotráfico.
[6]
Clube de Stripper fictício.
[7]
Hotel fictício em Las Vegas.
[8]
MD como é mais conhecido o 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), é uma droga
ilegal potente e perigosa, desenvolvida em laboratório e comercializada no formato de pó
cristalizado. Trata-se de um derivado da anfetamina, vendido como uma “versão melhorada do
ecstasy”.
[9]
tortilhas de milho recheadas com um tipo de carne e molhos à escolha.
[10]
Canal fictício de lutas.
[11]
Local onde ficam ajoelhados diante do altar, muito utilizado para os noivos ajoelharem
durante a cerimônia religiosa de casamento.
[12]
Período e parte do processo para de fato uma noviça de se tornar freira.
[13]
Outro estágio que a Freira passa, que leva de 3 a 9 anos, reafirmando e fazendo o voto
para sempre.
[14]
Personagem principal de A Tentação do Bad Boy, da autora Flávia Padula.
[15]
Método de exame que diz se a mulher está grávida ou não.
Table of Contents
Sinopse
Nota da Autora
Família Salvitierra
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Bônus
Outras Obras
Glossário

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