Os reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder
régio, França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
A condição sobrenatural, sagrada ou divina assumida pela figura dos reis e
também das suas famílias reais foi uma característica exclusiva dos soberanos da Idade Média, particularidade esta que pode ser vista em distintas civilizações da época.
Deve-se salientar que os monarcas eram parentes, correspondentes ou
intercessores dos deuses e que a figura deles estava vinculada a poderes sobrenaturais por intermédio de cerimônias, ritos de investiduras, práticas cuja finalidade seria a separação da figura do soberano dos seus súditos, transformando aquela realidade em autêntica.
Entretanto, não somente a realeza tinha o monopólio da condição de
indivíduos sagrados, visto que fatores como a riqueza e o poder de uma determinada família e seus sinais de sucesso e prosperidade, eram entendidos como demonstração evidente das benesses dos deuses.
A particularidade dessa condição sobrenatural do soberano igualmente se
manifestava baseada em seus próprios ancestrais, pelos componentes mantidos pelo sangue de sua família que já anteriormente cruzavam com o mundo sobrenatural. O soberano era o mandatário por direito das famílias consideradas sagradas, e desse modo intervinha nessa sobrenaturalidade e no terreno dela, servindo como intercessor entre os homens junto ao poder divino.
Quando o monarca alcançava sucesso em suas atividades políticas, a
sociedade poderia se considerar organizada. As relações políticas geradas entre os reis e seus súditos tinha a mesma correspondência com aquelas concebidas entre o poder das divindades sobre as criaturas e ambos se assimilam, de modo que um correspondia ao outro.
De forma resumida, o texto em análise de Marc Bloch mostra a existência de
um entendimento generalizado, no decorrer da Idade Média, o qual atribuía aos soberanos daquele período características divinas, de que eles eram possuidores de poderes sobrenaturais, que poderiam operar milagres. Segundo o autor, essa concepção surgiu em virtude da estreita relação dos soberanos com a igreja, isto é, com as instituições religiosas, que inventavam e conservavam as crenças da população, transmitindo esse poder para os reis, pois só se pode atribuir caráter sobrenatural ao poder deles se existir o componente religioso inserido, servindo de base e sustentação.
Inicialmente associada à ancestralidade de suas famílias com indivíduos
considerados santos e detentores de poder no passado, essa peculiaridade divina relacionada à unção acabou por ocupar espaço fundamental no imaginário da sociedade medieval.