Você está na página 1de 14

Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

2023•19(2)•pp.230-243 Artigos de revisão | Review Articles

Carmem Beatriz Neufeld 1


Nilton Correia dos-Anjos 2
Teoria dos modos de Beck: uma revisão de
Isabela Pizzarro Rebessi 1 escopo
Beck’s theory of modes: a scoping review

Resumo
Este estudo revisou e sintetizou a literatura nacional e internacional sobre os principais
aspectos da teoria dos modos, relacionada ao modelo cognitivo de Beck. Para isso,
foram realizadas buscas nas bases de dados Scielo, PubMed, Scopus e PsychINFO.
Das 1.437 produções encontradas, 11 estudos foram incluídos na revisão de escopo. Os
resultados revelaram aspectos importantes acerca da teoria, abrangendo a definição e
a estrutura do modo, seu processo de ativação, sua adaptabilidade e sua especificidade,
bem como intervenções clínicas direcionadas ao modo e indicações de novos estudos
e/ou avanços teóricos. Por fim, uma nova representação gráfica da ativação do modo
foi proposta. Esses achados apoiam a compreensão de que a adaptação do modo sofre
influência dos ajustes entre o self e as demandas situacionais externas, das expectativas
socioculturais e da presença de vieses cognitivos persistentes, o que explica oscilações
da personalidade envolvendo psicopatologias e comportamento adaptativo. Lacunas
na literatura foram identificadas, sobretudo na nacional, com insuficientes estudos
empíricos sobre a eficácia da teoria dos modos e suas particularidades. Compreender
globalmente os processos adaptativos e desadaptativos da personalidade humana
revela ser essencial na prática clínica dos terapeutas.
Palavras-chave: Teoria dos modos, Terapia Cognitivo-Comportamental, Psicopatologia.

Abstract
This study reviewed and synthesized the national and international literature on
the main aspects of the Theory of Modes related to Becks Cognitive Model. For this,
searches in Scielo, PubMed, Scopus and PsychINFO databases were performed. Of
the 1437 productions found, 11 studies were included in the scoping review. The results
revealed important aspects about the theory, covering the definition and structure
of the mode, its activation process, its adaptability and specificity, as well as clinical
1
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de interventions directed to the mode and indications for new studies and/or theoretical
Ribeirão Preto – USP, Psicologia – Ribeirão Preto
– SP – Brasil. advances. Finally, a new graphic representation of mode activation was proposed. These
2
Universidade Federal da Bahia, Psicologia - findings support the understanding that mode adaptation is influenced by adjustments
Salvador – Bahia – Brasil.
between the self and external situational demands, sociocultural expectations, and the
Correspondência: presence of persistent cognitive biases, which explains personality oscillations involving
Carmem Beatriz Neufeld. psychopathologies and adaptive behavior. Gaps in the literature have been identified,
E-mail: cbneufeld@usp.br
especially in the national literature, about the insufficiency of conducting empirical
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema studies aimed at the effectiveness of the Theory of Modes and its particularities.
de Gestão de Publicações) da RBTC em 27 de
fevereiro de 2023. cod. 375.
Understanding globally the adaptive and non-adaptive processes of human personality
Artigo aceito em 02 de setembro de 2023. reveals to be essential in the clinical practice of therapists.
DOI: 10.5935/1808-5687.20230027-pt Keywords: Theory of modes, Cognitive Behavioral Therapy, Psychopathology.

230
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

INTRODUÇÃO (TM) (Beck, 1996). Segundo Beck et al. (2020), a concepção


de modo é existente desde quando ATB trabalhava com pa-
A terapia cognitiva, comumente conhecida como terapia cientes com depressão na década de 1960. O autor verificou
cognitivo-comportamental (TCC), pode ser compreendida como não somente uma alternância da presença de comportamentos
“uma abordagem psicoterapêutica ativa, focada no problema distintos em indivíduos durante e após o episódio depressivo,
e sensível ao tempo, que se concentra na mudança cognitiva mas também mudanças cognitivas. Os pacientes, quando não
e de comportamento e aceitação” (Wenzel, 2021, p. 16). A estavam deprimidos, não apresentavam crenças desadaptativas
TCC foi desenvolvida por Aaron T. Beck (ATB), no início da comumente presentes quando o quadro psicopatológico estava
década de 1960, a partir da formulação de um sistema teórico instalado, como “A vida não tem esperança” ou “Nada disso vai
que foi avaliado e refinado ao longo do tempo, com a eficácia melhorar”. Contudo, as cognições ressurgiram na presença de
de um conjunto de técnicas e intervenções terapêuticas para sintomas depressivos. Similarmente, tal processo foi identificado
o tratamento de transtornos mentais também sendo testada em pessoas que sofriam de ansiedade social. A presença de
(Beck, 2021). ansiedade era dependente da situação, que poderia envolver ou
Inicialmente, a teoria e a terapia cognitiva foram desen- não a possível avaliação dos pacientes por outra(s) pessoa(s),
volvidas para depressão, sendo, posteriormente, aplicadas de ou seja, um modo ansioso era ativado por estímulos coerentes
modo sistemático para diversas condições psicopatológicas, a ele, o que implicaria a possibilidade de sentirem ansiedade
como suicídio, transtornos de ansiedade, transtornos da perso- (Beck et al., 2020).
nalidade, abuso de substâncias (Beck & Dozois, 2014) e, nos Entretanto, devido à limitação de o modelo cognitivo linear
últimos anos, esquizofrenia (Beck et al., 2020). Portanto, a TCC original enfatizar a função dos esquemas cognitivos como ativa-
tem se concretizado como uma das abordagens teórico-práticas dores das reações emocionais, motivacionais e comportamentais
mais utilizadas para o tratamento de um extenso conjunto de nos indivíduos, o fornecimento de explicações acerca dos fenô-
transtornos psiquiátricos, problemas psicológicos e condições menos psicopatológicos ou não da personalidade foi imprescin-
clínicas que contenham elementos psicológicos (Beck, 2021; dível (Beck, 1996; Beck & Haigh, 2014). Consequentemente, na
Hofmann, 2021), tornando-se referência nos campos de psico- década de 1990, uma teoria preliminar da TM (Beck, 1996) foi
logia, psiquiatria, medicina, serviço social, enfermagem, entre desenvolvida para explicar, entre outros aspectos: a) os variados
outras áreas da saúde que preconizam a prática baseada em sintomas associados aos transtornos psicopatológicos; b) a
evidências (Beck & Dozois, 2011). organização esquemática relacionada às reações psicológicas
Em 2012, foi conduzida uma revisão abrangente de me- intensas; c) uma vulnerabilidade de certos indivíduos a estímulos
tanálises (Hofmann et al., 2012) que relatou a eficácia da TCC específicos que são congruentes com determinados transtornos
para a maioria das condições psicopatológicas. Recentemente, mentais; d) reações psicológicas “normais”; e) a relação entre
Fordham et al. (2021) examinaram a consistência do efeito da função, estrutura e conteúdo da personalidade; f) a remissão dos
TCC em diferentes condições, populações e contextos. Os dados sintomas; g) o processamento das informações; e h) a influência
revelaram que a TCC, além de ter eficácia expressiva, resulta dos aspectos socioculturais nas cognições.
em melhorias na qualidade de vida de pessoas que são porta- Inicialmente, Beck (1996) propôs que as mudanças signi-
doras dos mais variados problemas físicos e mentais por um ficativas no funcionamento dos pacientes deviam-se à ativação
período superior a 12 meses após a finalização do tratamento, ou desativação dos modos, acarretando uma série de reações
independentemente do formato empregado, seja TCC de alta existentes, com influências mútuas. Portanto, os modos foram
ou de baixa intensidade. Ademais, há achados suficientes que definidos como suborganizações dentro da personalidade para
indicam efeitos positivos quando o público-alvo são adultos ou lidar com demandas específicas, sendo integrados por uma teia
crianças. Entretanto, há poucas evidências disponíveis quando de componentes cognitivos, emocionais, motivacionais e com-
se trata de crianças com menos de 6 anos de idade e de idosos portamentais. Além desses elementos, o esquema orientativo,
a partir dos 65 anos de idade. Também não existem evidências que atribui um significado inicial aos estímulos ambientais, e o
significativas sobre se a etnia dos indivíduos ou o país onde sistema fisiológico estão associados ao processo de ativação
residem moderam a eficácia da TCC, pois poucos estudos foram do modo (Beck, 1996). Nesse sentido, pode-se dizer também
realizados em países da África, da Ásia ou da América do Sul, que o modo é uma rede de conteúdos interconectada em uma
por exemplo (Fordham et al., 2021). lógica idiossincrática.
Apesar dos dados confiáveis e estimuladores no que Apesar da significativa contribuição da descrição por-
se refere à eficácia da TCC, inconsistências e lacunas foram menorizada e inicial da TM (Beck, 1996), aperfeiçoamentos
identificadas na teoria cognitiva, o que revelou a necessidade foram realizados, como o detalhamento do modelo cognitivo da
de reformulações ou maior detalhamento no que diz respeito depressão (Clark & Beck, 1999) e a descrição do modelo cogni-
aos conceitos e modelos existentes (Beck, 1996; Beck & Hai- tivo genérico ou geral (Beck & Haigh, 2014). Ademais, o uso da
gh, 2014). Um exemplo de avanço teórico e que repercutiu na TM na literatura para pormenorizar os modos depressivo (Beck,
prática dos terapeutas foi a elaboração da teoria dos modos 2008) e ansioso (Clark & Beck, 2010) tem relevância quanto aos

231
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

aspectos teóricos e às aplicações clínicas. As referidas produções Em decorrência de ser considerada uma das principais
indicam que, ao longo dos anos, a expansão da TM proporcio- atualizações do modelo cognitivo, supõe-se que a aplicação da
nou a atualização do modelo cognitivo da TCC, aumentando a CT-R tem implicações importantes para o futuro da teoria e da
compreensão e as inovações no continuum entre adaptação e terapia cognitivas, por possibilitar o refinamento do tratamento
desadaptação, processamento de informações, mecanismos da de populações com psicopatologias específicas, o aumento da
ativação dos esquemas, entre outros. ênfase nos modos adaptativos dos indivíduos (e não apenas nos
Embora a TM tenha avançado, ainda são escassos os desadaptativos) e o investimento em uma conceitualização cog-
trabalhos que fazem referência à teoria, seja propondo melhorias, nitiva transdiagnóstica que aborda diferentes populações (Beck
seja utilizando-a para melhor entendimento do funcionamento et al., 2020). Consequentemente, o mapeamento e a análise da
adaptativo e desadaptativo dos indivíduos com condições psico- utilização da TM no campo da TCC demonstram ter relevância
patológicas ou não (Beck et al., 2020). Apesar de não haver dados para uma das práticas clínicas de maior evidência na atualidade.
concretos, supõe-se que a maioria dos tratamentos de pessoas Portanto, o objetivo deste artigo de revisão foi identificar, mapear,
com transtornos mentais ou com condições relevantes para a sintetizar e relatar de forma abrangente a literatura relevante
TCC ainda utiliza como referencial teórico unicamente o modelo disponível sobre a TM relacionada ao modelo cognitivo de Beck
cognitivo linear original, baseado em pensamentos automáticos, e responder à questão “Qual o uso que as literaturas nacional
emoções, comportamentos e no sistema de crenças centrais e internacional no campo da terapia cognitivo-comportamental
e intermediárias, sem considerar outros aspectos essenciais, têm feito da teoria dos modos?”. Especificamente, pretende-
como os relacionados ao processamento de informações, aos -se responder às seguintes subquestões: Quais as evidências
fatores socioculturais, à memória e à funcionalidade adaptativa empíricas disponíveis acerca da TM? Qual a sintetização do
do indivíduo (Beck, 1996; Beck et al., 2020; Beck & Haigh, 2014). modelo cognitivo que inclui a TM? Quais as possíveis lacunas
Cabe ressaltar, ainda, que as revisões dos modelos cognitivos de conhecimento existentes para a realização de pesquisas
não são mutuamente excludentes, sendo possível afirmar que futuras acerca da TM?
o modelo cognitivo linear original está contido no modelo modal
(Rudd, 2000). MÉTODO
Uma importante diferenciação a ser feita e que geralmen-
te é debatida na literatura são os conceitos de modo para a TCC
Tipo de estudo
e para a terapia do esquema (Beck et al., 2020). Distintivamente,
a segunda abordagem terapêutica (Arntz et al., 2021) define o A fim de alcançar o objetivo mencionado, foi efetuada
modo, comumente denominado modo esquemático, como o uma revisão de escopo. Trata-se de uma abordagem que mapeia
estado emocional-cognitivo-comportamental do indivíduo em um sistematicamente uma temática na literatura ao identificar con-
determinado momento, sendo produto das respostas de enfren- ceitos fundamentais, teorias, fontes de evidências e lacunas no
tamento aos esquemas iniciais desadaptativos. Esse construto é campo de pesquisa (Peters, Marnie, et al., 2020). Devido ao seu
compreendido como representações mentais disfuncionais que caráter exploratório e descritivo, o estudo de escopo é indicado
têm sua origem na infância e que são fruto da relação entre o para ser precursor de uma revisão sistemática, para sintetizar
temperamento infantil e os aspectos contextuais adversos aos as evidências disponíveis em um determinado campo, para lo-
quais a criança foi submetida (Arntz et al., 2021). calizar e analisar lacunas na área de pesquisa, para elucidar os
Recentemente, a TM tem ganhado destaque na TCC principais conceitos existentes e os aspectos a eles relacionados
por ser significativamente relevante para a condução da terapia e para examinar a condução das pesquisas (Peters, Marnie, et
cognitiva orientada para a recuperação (CT-R), desenvolvida al., 2020). Desse modo, foi utilizada a estrutura metodológica
para pacientes diagnosticados com esquizofrenia e condições de revisão de escopo do Joanna Briggs Institute – JBI (Peters,
psicopatológicas graves (Beck et al., 2020). Resumidamente, Marnie, et al., 2020), de acordo com as seguintes etapas: 1)
o foco dessa modalidade terapêutica é não somente desativar definição e alinhamento do(s) objetivo(s) e da(s) pergunta(s); 2)
os modos desadaptativos do paciente, mas também promover desenvolvimento e alinhamento dos critérios de inclusão com
a ativação e a manutenção dos modos adaptativos. A CT-R o(s) objetivo(s) e a(s) questão(ões); 3) descrição da abordagem
envolve uma abordagem humanista do tratamento, com busca planejada para busca de evidências, seleção, extração de dados
de interesses, habilidades e potencialidades dos indivíduos a e apresentação das evidências; 4) procura pelas evidências; 5)
fim de reforçá-las e de construir experiências enriquecedoras e seleção das evidências; 6) extração das evidências; 7) análise
motivadoras (Beck, Grant, et al., 2021). Portanto, investigações das evidências; 8) apresentação dos resultados; e 9) resumo
têm contribuído para evidenciar a efetividade da nova modalidade das evidências em relação ao propósito da revisão, tirando con-
terapêutica, como na redução de crenças derrotistas, no maior clusões e observando quaisquer implicações das descobertas.
relato de autoconceito positivo e na melhoria do humor em pa- Ademais, a presente investigação foi conduzida conforme o
cientes portadores de esquizofrenia (Grant et al., 2018), além da checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and
diminuição dos sintomas positivos e negativos (Grant et al., 2017). Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)

232
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

(Tricco et al., 2018). Ressalta-se que não foi publicado o protocolo Extração de dados
da presente revisão e que esta pesquisa contou com o apoio
Os dados foram extraídos e inseridos em uma tabela
financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
para caracterizar as produções incluídas na revisão, de acordo
e Tecnológico (CNPq).
com as seguintes informações: identificação e características
Estratégias de busca: bancos de dados e dos textos (título, ano, fonte, periódico, idioma, país de estudo,
critérios de inclusão e exclusão autores, objetivo(s) e abordagem metodológica) e principais
resultados e/ou contribuições para a TM.
A partir da pergunta norteadora “Qual o uso que as lite-
raturas nacional e internacional no campo da terapia cognitivo- Análise de dados
-comportamental têm feito da teoria dos modos?”, o processo de
Para interpretação e síntese dos resultados, os dados ex-
seleção e categorização das produções foi realizado por dois
traídos foram classificados em categorias. A divisão foi unicamen-
revisores independentes e, no caso de divergências, chegou-se a
te didática, com a finalidade de propiciar uma análise descritiva
um consenso sobre a consulta e análise de uma juíza especialista
e proporcionar a discussão das associações realizadas com a
na área. Contudo, não houve divergências e a avaliação da juíza
literatura específica da área de estudo, além de possibilitar uma
não se fez necessária. O levantamento bibliográfico foi efetuado
visão crítica dos achados, destacando pontos fortes, limitações
entre 18 de fevereiro e 15 de março de 2021, por meio da seleção
e sugestões para investigações futuras.
de artigos, capítulos, livros, dissertações ou teses publicadas
em inglês ou português nas bases de dados eletrônicas Scielo,
PubMed, Scopus e PsychINFO. A escolha das bases teve como
RESULTADOS
princípio a relação do tema da revisão com os conteúdos inde-
xados, além do fato de as bases serem compostas por estudos Características dos estudos
internacionais e nacionais. Ademais, não houve limite de período Os 11 estudos incluídos na revisão de escopo foram
de publicação, a fim de alcançar a amplitude da TM no campo publicados entre 1996 e 2021, em inglês, e foram produzidos
da TCC. A partir da expertise de dois revisores especialistas na ou realizados nos Estados Unidos (n = 9), no Reino Unido (n =
temática e de consultas a produções publicadas sobre o assunto, 1) e em Portugal (n = 1). O formato das produções foi variado,
foram definidos termos de pesquisa e utilizadas as seguintes incluindo artigos (n = 7), livros completos (n = 2) e capítulos de
combinações de descritores e operadores booleanos para todas livros (n = 2). Especificamente no que se refere à modalidade
as bases de dados eletrônicas: 1) (teoria dos modos OR modos dos artigos, foram identificados: artigos teóricos (n = 4), com
OR modo) AND (terapia cognitivo comportamental OR tcc OR dois estudos que apresentaram e discutiram casos de pacientes
terapia cognitiva) AND (beck OR aaron t. beck); e 2) (theory of para demonstrar a aplicação clínica da teoria; artigos originais
modes OR modes OR mode) AND (cognitive behavior therapy (n = 2), sendo um com abordagem qualitativa (n. 7) e outro
OR cbt OR cognitive therapy) AND (beck OR aaron t. beck). com abordagem quantitativa (n. 8); e um artigo de revisão (n =
Inicialmente, foi realizada uma busca livre, sem filtros, 1). Ademais, a maioria dos estudos (n = 7) tem ATB como um
nas bases selecionadas, por meio dos descritores mencionados, dos autores. Na Tabela 1 estão apresentadas a relação e as
sendo identificadas 1.437 produções. Com base nesse levanta- características dos estudos que integram o corpus da presente
mento, foi realizada uma triagem a partir da leitura dos títulos, dos revisão. A enumeração foi em ordem decrescente com base no
resumos e das palavras-chave, com a utilização dos seguintes ano de publicação.
critérios de inclusão: 1) literatura diretamente relacionada ou A maioria dos estudos (n. 1, 3, 4, 5, 7, 8, 9, e 10) enfati-
que se referia ao conceito de modos de ATB; e 2) foco ou men- zou os aspectos teóricos e clínicos de modos específicos não
ção à terapia cognitivo-comportamental. No total, foram triados adaptativos, como os modos suicida (Ghahramanlou-Holloway
previamente 53 textos. Então, realizou-se uma nova triagem, a et al., 2015; Rudd, 2000) e depressivo (Moorey, 2010). Entretanto,
partir da leitura na íntegra de todos os textos, sendo descarta- uma pequena parcela das produções (n. 2, 6 e 11) concentrou-
dos aqueles que não estavam em inglês ou em português, que -se nos fundamentos da TM, ao pormenorizar a composição e o
eram duplicados e que não abordavam o construto de modo no funcionamento do construto. Acrescenta-se que, dos três estudos
contexto da abordagem da TCC. Nessa etapa, 16 documentos publicados nos últimos 5 anos, somente um (n. 2) consistiu na
foram elegíveis. Por fim, foi efetuado mais um refinamento, com atualização do modelo modal. No entanto, todos os três estudos
a exclusão dos textos que não contemplavam a temática da pre- (n. 1, 2 e 3) utilizaram a TM para o tratamento de indivíduos com
sente revisão, ou seja, que não mencionavam a TM e discutiam problemas de saúde mental graves, principalmente a CT-R para
parcial ou totalmente acerca do modo. Portanto, 11 estudos foram portadores da esquizofrenia. Ademais, os achados revelaram
incluídos para análise final nesta revisão de escopo. Todo o pro- a ausência de produções com enfoque central nos modos re-
cesso de seleção foi resumido em um fluxograma (ver Figura 1). lacionados às condições não psicopatológicas. Na Tabela 2, é

233
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

Figura 1. Fluxograma do processo de pesquisa e seleção de estudos para a revisão de escopo.

Tabela 1. Caracterização dos estudos incluídos na revisão de escopo.


Base de
Nº Autoria (Ano) Idioma/País Formato Dados relevantes sobre artigos empíricos
dados

Método Delineamento População estudada

Beck, Grant, Inverso, Estudo teórico de


1 Brinen e Perivoliotis Inglês/EUA Livro PsycInfo Qualitativo Estudo teórico apresentação de
(2021) abordagem terapêutica
Artigo teórico Estudo teórico de
Beck, Finkel e Beck
2 Inglês/EUA com caso PsycInfo Qualitativo Estudo teórico apresentação de
(2020)
clínico abordagem terapêutica
Estudo teórico de
Capítulo de
3 Beck (2018) Inglês/EUA PsycInfo Qualitativo Estudo teórico apresentação de
livro
abordagem terapêutica
Pessoas diagnosticadas
Beck, Davis e Freeman
4 Inglês/EUA Livro PsycInfo Qualitativo Estudo teórico com transtornos de
(2015)
personalidade
Estudos sobre tratamento
Ghahramanlou- Artigo de Revisão de
5 Inglês/EUA Scopus Qualitativo de pacientes com ideação
Holloway et al. (2015) revisão literatura
suicida
Artigo teórico Estudo teórico sobre
6 Beck e Haigh (2014) Inglês/EUA com caso PsycInfo Qualitativo Estudo teórico avanços do modelo
clínico modal de Beck
Inglês/ Artigo empí- 22 pós-graduandos em
7 Moorey (2010) PsycInfo Qualitativo Estudo de caso
rico TCC
Reino Unido
29 pessoas do sexo
Inglês/ Artigo Estudo de casos masculino com disfunção
8 Nobre e Gouveia (2000) PsycInfo Quantitativo
Portugal empírico e controles sexual e 102 sem
disfunção sexual
Apresentação teórica do
9 Rudd (2000) Inglês/EUA Artigo teórico PsycInfo Qualitativo Estudo teórico
modo suicida
Estudo teórico sobre
10 Beck e Clark (1997) Inglês/EUA Artigo teórico PsycInfo Qualitativo Estudo teórico
modelo modal e ansiedade
Capítulo de Apresentação do modelo
11 Beck (1996) Inglês/EUA PsycInfo Qualitativo Estudo teórico
livro modal

234
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

Tabela 2. Estudos incluídos na revisão de escopo e suas contribuições para a Teoria dos Modos.

Nº Autoria (Ano) Principais contribuições para a Teoria dos Modos

Beck, Grant, Inverso, Descrição do acesso, energização, desenvolvimento, atualização e fortalecimento do modo adaptativo na Terapia
1 Brinen e Perivoliotis Cognitiva Orientada para a Recuperação (CT-R) para indivíduos que sofrem com problemas graves de saúde
(2021) mental.
Definição, descrição da estrutura, processo de ativação, adaptação e a desadaptação dos modos, bem como a
Beck, Finkel e Beck relação destes com a psicopatologia, principalmente no que diz respeito aos mecanismos responsáveis pela
2
(2020) ativação e mudança dos componentes da personalidade na esquizofrenia. Além disso, aborda em como a Teoria
dos Modos fornece uma base para uma nova psicoterapia para esquizofrenia e outros transtornos mentais.
Importância do uso de intervenções terapêuticas para a promoção do deslocamento do modo regressivo
para o modo adaptativo em pacientes portadores de esquizofrenia. Ademais, descreve a aplicação clínica para
3 Beck (2018)
a manutenção da ativação do modo adaptativo por meio de uma progressão de tarefas comportamentais
direcionadas aos objetivos individuais do paciente.
Ênfase na importância do modo para se compreender que as respostas dos indivíduos (p. ex., subjetivas,
Beck, Davis e Freeman cognitivas, comportamentais, psicológicas) são fortemente inter-relacionadas, formando uma estrutura
4
(2015) psicológica interativa multidimensional. Ademais, a compreensão do processo de ativação dos modos dá base
para a Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade.
Ghahramanlou- Com base na conceituação da ativação do modo suicida, são indicadas estratégias cognitivas e comportamentais
5
-Holloway et al. (2015) a serem empregadas a fim da não recorrência de comportamentos suicidas.
Expansão da Teoria dos Modos a partir da descrição do Modelo Cognitivo Genérico ou Geral. Especificamente,
6 Beck e Haigh (2014) o modelo modal fornece substrato para episódios maníacos e de depressão endógena. Além disso, há uma
caracterização do modo autoexpansivo e do autoprotetivo.

7 Moorey (2010) Apresentação do modelo de manutenção da depressão com base na Teoria dos Modos.

Caracterização da relação das dimensões sexuais cognitivas, afetivas, comportamentais e fisiológicas do modelo
8 Nobre e Gouveia (2000)
cognitivo da disfunção erétil com referencial da Teoria dos Modos.
Descrição do modo suicida, incluindo seus componentes e aplicação clínica, com base na Teoria dos Modos e sua
9 Rudd (2000)
relação com a psicopatologia.
Caracterização do modelo de processamento de informações de ansiedade, envolvendo o papel do modo
10 Beck e Clark (1997) primário, de orientação e do metacognitivo. Além disso, destaca contribuições clínicas referentes à desativação e
ativação dos modos.
Descrição da Teoria dos Modos, englobando definição, estrutura, ativação, especificidade dos modos, bem como
11 Beck (1996)
aspectos da aplicação clínica na Terapia Cognitivo-comportamental.

apresentada a síntese das principais contribuições dos estudos oportunidades e obstáculos no ambiente e na cultura (Beck et
da revisão à TM. al., 2015). Portanto, a função do modo é contextual, ele é sempre
A seguir, são apresentados os resultados, alocando as ancorado em uma cultura ou sociedade, e, assim, influenciado
produções em categorias com base nas semelhanças entre por esse contexto (Beck et al., 2020). Nessa direção, Beck et
seus conteúdos. A classificação foi composta por: 1) definição e al. (2020) detalharam o papel do construto na adaptação dos
composição dos modos; 2) ativação e adaptabilidade dos modos; indivíduos a uma determinada conjuntura. Os modos exercem
3) especificidades dos modos; 4) intervenções direcionadas aos uma função de equilíbrio entre os meios interno e externo das
modos; e 5) agenda futura. Ressalta-se que alguns estudos pessoas, e, em geral, tal processo ocorre naturalmente, como,
foram incluídos em mais de um grupo. por exemplo, no caso do surgimento de medo diante de um
perigo real.
Definição e composição dos modos Ao se considerar a necessidade do indivíduo de res-
Oito trabalhos (n. 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9 e 11) mencionaram ponder a uma situação específica do meio, é necessária a
explicitamente o conceito de modos, e a maioria utilizou a produ- presença de uma operação, de forma síncrona, de um conjunto
ção de Beck (1996) para definição do termo. Verificou-se que a de sistemas que integram os modos. Nove trabalhos (n. 1, 2, 4,
compreensão do construto modos quanto à cronologia dos textos 6, 7, 8, 9, 10 e 11) afirmaram que o modo é composto de uma
não se modificou profundamente. O modo é delineado como rede integrada por componentes cognitivos, emocionais, com-
uma suborganização (Beck, 1996, 2018; Beck et al., 2015; Rudd, portamentais e motivacionais. Entretanto, somente sete (n. 2,
2000), uma construção interna (Beck et al., 2020) específica da 4, 6, 7, 8, 9 e 11) descrevem, integral ou parcialmente, de forma
personalidade ou uma maneira de agir ou fazer (Beck, John, et minuciosa, a estrutura do referido construto.
al., 2021) que tem como função a organização de respostas, Comumente, o componente cognição é o primeiro a
quando ativado, para lidar com demandas específicas, desafios, ser ativado ao realizar avaliações automáticas dentro de um

235
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

contexto (Beck et al., 2020), ou seja, é responsável pelas funções o referido subsistema pode conter vieses no foco atencional,
que integram o processamento de informações e a atribuição pois o indivíduo direciona sua atenção aos estímulos negativos
de significados (Beck, 1996). As cognições formam estruturas ambientais, a fim de atribuir significados. Ademais, pessoas
complexas relativamente estáveis denominadas esquemas que realizaram diversas tentativas de suicídio orientam-se com
(Beck et al., 2015), com conteúdos intitulados crenças, que se maior frequência para situações, experiências e dados do meio
referem às avaliações, regras, expectativas e suposições que que ativam o modo suicida, em comparação aos indivíduos
exercem influência nas memórias e associações dos indivíduos não suicidas, devido ao seu esquema orientativo (Rudd, 2000).
(Beck & Haigh, 2014). Desse modo, as crenças têm efeitos A etapa final do processamento de informações ocorre
sobre outras dimensões da personalidade, como: afeto, que pelo subsistema nomeado sistema de controle consciente ou
contempla a experiência emocional subjetiva; motivação, que metacognição (Beck, 1996), elaboração secundária ou modo
frequentemente ocorre de maneira automática e espontânea, metacognitivo (Beck & Clark, 1997), sistema de processamento
além de ter origem nos esquemas principais do indivíduo e reflexivo (Beck & Haigh, 2014) ou, mais recentemente, processa-
estar associada à ocorrência das respostas comportamentais mento reflexivo/superordenado (Beck et al., 2020). Ao funcionar
posteriores; comportamento, que contempla a inibição ou a sobreposto ao modo (Beck et al., 2020), seu papel é refinar ou
expressão comportamental, sendo que sua adaptabilidade corrigir o significado atribuído no primeiro subsistema automático
pode não ser congruente com a motivação (Beck et al., (Beck & Haigh, 2014), ou seja, diante dos dados avaliados pelo
2020). Ademais, as respostas fisiológicas, juntamente com processamento automático, ocorre uma nova análise, consciente
os componentes cognitivos, emocionais, comportamentais e e deliberada, durante a qual o indivíduo pode utilizar estratégias
motivacionais, funcionam de forma síncrona para a operação de resolução de problemas, tomada de decisão e raciocínio
do modo (Beck et al., 2020) e são relevantes não somente pela (Beck et al., 2020). Dessa forma, o processamento reflexivo/
influência direta no comportamento dos indivíduos, mas também superordenado exerce uma função essencial para manter os
devido à forma como os indivíduos as interpretam (Beck, 1996). modos adaptativos ativados ou para desativar ou reduzir os
impactos da ativação dos modos desadaptativos, pois possibilita
Ativação e funcionalidade dos modos a ocorrência de restrição ou desinibição de reações comporta-
Todos os 11 trabalhos incluídos na revisão abordaram, mentais (Beck et al., 2020).
direta ou indiretamente, a ativação do modo, que está associada Contudo, verificou-se que, no decorrer do tempo, não
ao processamento de informações (Beck & Haigh, 2014). Quatro houve atualização da primeira representação gráfica da ativação
estudos (n. 4, 6, 10 e 11) descrevem essa etapa detalhadamente. do modo apresentada por Beck (1996). Porém, dois estudos
Além disso, verificou-se, na análise das produções que integram expuseram ilustrações adaptadas, ao descreverem o modelo
a revisão, uma variedade na nomenclatura envolvendo esse cognitivo da disfunção erétil (Nobre & Gouveia, 2000) e o modo
processo, que ocorre por meio de dois subsistemas que inte- suicida (Rudd, 2000). Elaborado pelos autores da presente
ragem mutuamente e são conduzidos pelos esquemas (Beck revisão, a fim de sintetizar os achados encontrados e facilitar
& Haigh, 2014). Inicialmente, estímulos externos e internos são a compreensão de tal processo, sugere-se, na Figura 2, um
processados e avaliados por protoesquemas, que exercem a esquema de representação da estrutura de ativação do modo.
função de monitorar, detectar, abstrair e categorizar os dados No que se refere à funcionalidade do modo, quando esse
do ambiente externo e as experiências subjetivas que podem é disfuncional/distorcido ou, ainda, quando o processamento
ser relevantes para o indivíduo, seja por envolver questões vitais, de informações contém tendenciosidades, pode gerar modos
ganhos ou perdas pessoais, ameaças ou mesmo questões do desadaptativos compostos, dentre outros elementos, por crenças
dia a dia. Entende-se que os protoesquemas funcionam como rígidas ou distorcidas; elementos cognitivos enviesados, como
uma “porta de entrada” para o processamento dos estímulos e interpretações, memória e atenção; e, por fim, repercussões
podem ser considerados esquemas evolutivamente primitivos nos outros sistemas, de acordo com o contexto, incluindo afeto
(Beck, 1996; Beck & Haigh, 2014). As ações dos protoesquemas demasiado ou inadequado e comportamentos disfuncionais
ocorrem por meio do que foi denominado inicialmente de es- (Beck & Haigh, 2014). Assim, apesar de existirem mais modos
quema orientativo (Beck, 1996), depois, de modo de orientação adaptativos do que não adaptativos nos indivíduos, os modos
(Beck & Clark, 1997) e, por fim, de sistema de processamento configuram-se como desadaptativos ou “latentes” quando estão
automático (Beck & Haigh, 2014). excessivamente ativados ou hipertrofiados, ou seja, quando as
Nessa primeira etapa, os dados são processados de pessoas se veem como fracas, incompetentes e incapazes,
forma rápida, involuntária e, geralmente, não consciente, e cate- veem os outros como ameaçadores, que lhes rejeitam, e veem
gorizados com alta probabilidade de conter erros de significado seu futuro como incerto e negativo, o que aumenta a probabili-
(Beck & Haigh, 2014) e de ativar os sistemas afetivos, motivacio- dade da presença de psicopatologias (Beck et al., 2015, Beck,
nais e comportamentais (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020). Grant, et al., 2021).
Por exemplo, ao descreverem o modelo de processamento de Entretanto, o processamento reflexivo/superordenado
informações da ansiedade, Beck e Clark (1997) afirmaram que pode funcionar como uma espécie de fator protetivo, pois pode

236
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

Figura 2. Diagrama da ativação e da estrutura do modo integrado ao processamento de informações*.


*Representação gráfica adaptada do modo de Beck (1996).

inibir uma resposta desadaptativa ou reduzir a implementação e c) modos menores, direcionados à realização das atividades
de um modo específico, além de promover uma resposta fun- cotidianas e cujo processo de ativação e desativação é contro-
cional. O modo adaptativo é aquele em que toda a rede com lado mais facilmente pelo indivíduo, completamente diferente
as dimensões da personalidade do indivíduo (cognição, afeto, nos quadros psicopatológicos.
motivação e comportamento) está respondendo funcionalmente Ademais, além da classificação quanto à funcionalidade
às necessidades internas e aos fatores externos, promovendo do modo (modo adaptativo e desadaptativo), conforme discutido
um equilíbrio entre os meios (Beck et al., 2020). na subseção anterior, os estudos incluídos na revisão revelam
Em síntese, os conteúdos dos estudos incluídos nesta que existe uma categorização dos modos no que se refere à
revisão sugerem que a personalidade é composta por um sis- psicopatologia, ou seja, pertencendo ao grupo mais amplo de
tema de modos, integrados por componentes cognitivos, emo- modos desadaptativos. Assim, os variados modos psicopatoló-
cionais, motivacionais e comportamentais (Beck et al., 2020), gicos (Beck, 1996) podem ser considerados modos primitivos,
que irão influenciar no processamento dos estímulos ambientais como, por exemplo, depressivo, ansioso, suicida, pânico, fóbico
até a formação de uma resposta (Beck et al., 2015). A ativação específico e obsessivo-compulsivo, o que corresponde aos
dos variados modos, incluindo a passagem de ativação de um transtornos mentais ou problemas de saúde mental. Além disso,
modo para outro, dependerá, dentre outros fatores, de como os a classificação pode contemplar transtornos da personalidade,
indivíduos interpretam os dados do contexto que lhe é imposto, comportamentos compulsivos (uso de drogas, comer excessivo,
bem como do seu foco atencional, possibilitando, portanto, a anorexia e autolesões) e quadro psicótico. Três textos (Beck,
adaptação ou não às situações (Beck & Haigh, 2014; Beck et 2018; Beck et al., 2020; Beck, John, et al., 2021) trataram es-
al., 2020). pecificamente sobre os modos relacionados à esquizofrenia,
um (Beck et al., 2015) acerca dos modos nos transtornos da
Especificidades dos modos personalidade, um no que diz respeito ao modo depressivo
De modo geral, Beck (1996) define três categorias de (Moorey, 2010), um quanto ao modo associado à disfunção
modos: a) modos primitivos, com foco nas demandas relaciona- erétil (Nobre & Gouveia, 2000), um com relação ao modo an-
das à evolução, como sobrevivência, proteção e segurança; b) sioso (Beck & Clark, 1997) e dois referentes ao modo suicida
modos construtivos, a fim de aumentar os recursos individuais; (Ghahramanlou-Holloway et al., 2015; Rudd, 2000). Ao abordar

237
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

o modo suicida, Rudd (2000) diferencia os modos suicidas dos enfatiza a modificação de crenças disfuncionais, principalmente as
modos não suicidas ou modos facilitadores, que são integrados incondicionais categorizadas como centrais básicas. Por sua vez,
por cognições, afetos e comportamentos que aumentam o risco Beck e Clark (1997) foram específicos ao proporem intervenções
da ativação do modo suicida, por incluírem comportamentos cognitivas e comportamentais para o tratamento de pacientes que
autodestrutivos, por exemplo. Ainda, o autor propõe mais uma sofrem de ansiedade a fim de desativar o modo de ameaça primitivo
categoria: os modos compensatórios, que abrangem condutas e fortalecer a ativação de modos de pensamentos mais constru-
que diminuem a ocorrência de comportamentos associados tivos e reflexivos. Contudo, os autores não pormenorizam quais
ao risco de suicídio, bem como incluem crenças funcionais técnicas e estratégias são indicadas, apenas citam a importância
que são importantes para a realização de uma reestruturação de reduzir os erros cognitivos associados aos quadros ansiosos e
de cognições desadaptativas pelos indivíduos. Beck e Haigh a técnica de exposição.
(2014) também descrevem dois tipos de modos relevantes para Ghahramanlou-Holloway et al. (2015) também propuse-
a compreensão de depressão endógena, mania, sintomas de ram intervenções para um único modo, o suicida. Para tanto,
ansiedade e paranoia: o modo autoexpansivo e o modo auto- descreveram a terapia cognitiva pós-admissão, uma adaptação
protetivo. O modo autoexpansivo é uma rede direcionada ao de um protocolo da TCC destinada à prevenção do suicídio em
aumento dos recursos pessoais ou do valor que o indivíduo pacientes internados. O tratamento é composto por quatro fases:
atribui a si. Por sua vez, o modo autoprotetivo é constituído por conceitualização de caso, aquisição de habilidades, prevenção
uma rede orientada para a identificação de perigos e ameaças, de recaídas e pós-tratamento ambulatorial. Além das estratégias
bem como para seu enfrentamento. comuns a outros protocolos, como reestruturação cognitiva, de
Beck et al. (2015) resumem, de modo preciso, a relação regulação emocional, de aquisição de habilidades (p. ex., resolu-
entre a especificidade e a ativação dos modos nos processos ção de problemas), a terapia cognitiva pós-admissão apresenta
psicopatológicos. Os autores apontam para o fato de que a forte intervenções específicas para desativar o modo suicida e ativar
ativação dos esquemas e modos disfuncionais está na essên- modos adaptativos dos pacientes. Ademais, resumidamente,
cia dos transtornos mentais. Por exemplo, no quadro ansioso, Rudd (2000) descreveu o tratamento direcionado aos pacientes
o modo da ameaça fica ativado excessivamente; no quadro suicidas. Apesar do destaque da reestruturação cognitiva no
depressivo, o modo possui esquemas dominantes referentes a tratamento, o autor compreende que os indivíduos não podem
uma autodesvalorização do indivíduo; e, no quadro de pânico, realizá-la sem ativação do modo suicida com todos os seus
o modo envolve componentes que se associam à iminência de componentes. Consequentemente, aspectos como o processo
uma catástrofe. Quanto aos modos nos transtornos da perso- de ativação do referido modo e os aspectos emocionais, moti-
nalidade, Beck et al. (2015) afirmam que esses tendem a ser vacionais e comportamentais que o integram são fundamentais
mais densos, estáveis e facilmente ativados, em comparação para que ocorram mudanças significativas e prolongadas na
aos modos dos quadros mencionados anteriormente, e o que personalidade dos pacientes. Portanto, a ocorrência das cri-
diferenciará cada transtorno da personalidade são as crenças ses suicidas deve ser esperada pelos terapeutas, pois é uma
e estratégias predominantes. Por exemplo, no modo narcisista, etapa importante do tratamento para que ocorram alterações
preponderam as crenças para alcançar maior status; no de- nos conteúdos, redução dos estímulos que funcionam como
pendente, dominam conteúdos referentes à busca por alívio e gatilhos e limiar de ativação do modo suicida. Rudd (2000)
vínculo; no obsessivo-compulsivo, a finalidade de conquistar enfatiza que, no início do tratamento, concentrar o trabalho nos
maior controle sobre si mesmo e os outros. modos facilitadores e no desenvolvimento e refinamento dos
compensatórios (ver definições na subseção “Especificidades
Intervenções direcionadas aos modos dos modos”) não contribui para a melhora dos pacientes, pois
A maioria das produções incluídas na revisão abor- os referidos modos não estão na essência do suicídio.
dou elementos de intervenções que consideram aspectos refe- Já Moorey (2010), ao abordar os ciclos de manutenção
rentes à TM, exceto Nobre e Gouveia (2000), que enfatizaram da depressão, indicou que o modelo proposto com base na
o processo de elaboração do modelo cognitivo da disfunção TM é útil para a primeira fase do tratamento. Ou seja, o modo
erétil com base na TM. A seguir, são descritas as intervenções desenvolvido deve ser utilizado no processo da conceitualização
propostas pelos estudos da revisão que têm como foco todo o do caso, tanto para sessões iniciais, a fim de que os pacientes
modo ou os componentes que o integram. Ressalta-se que, por tenham uma visão geral dos fatores que mantêm ativado o modo
não se tratar do escopo do presente artigo, não será detalhada depressivo e recebam psicoeducação sobre o modelo cognitivo,
a descrição das estratégias e técnicas. quanto para especificar os componentes modais referentes aos
Na primeira descrição detalhada da TM, Beck (1996) indi- indivíduos. Aos benefícios do uso dos ciclos de manutenção da
cou três ações essenciais para o “tratamento” do modo desadap- depressão, acrescenta-se a elucidação para os pacientes de
tativo: desativá-lo, modificar suas estruturas e conteúdo, e construir que a presença de sintomas depressivos se deve ao quadro
ou reforçar modos adaptativos a fim de neutralizá-lo. Para isso, além psicopatológico, e não aos aspectos pessoais dos pacientes,
de estratégias de distração e de treinamento de habilidades, o autor bem como o auxílio na definição dos objetivos do tratamento.

238
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

No que se refere ao tratamento dos indivíduos com A CT-R, que tem influência de alguns aspectos dentro
transtorno da personalidade, Beck et al. (2015) enfatizaram da abordagem cognitivo-comportamental, como o fato de ser
que os objetivos principais são diminuir a valência dos modos transdiagnóstica, é baseada nas potencialidades dos pacien-
desadaptativos e possibilitar a intensificação e maior disponi- tes e focada na construção de uma vida significativa por meio
bilidade dos adaptativos, seja pela modificação dos esquemas dos valores (Beck, Grant, et al., 2021; Beck et al., 2020), e
disfuncionais, seja pelo desenvolvimento dos funcionais, pressupõe conceitualização de caso, aprendizagem por meios
respectivamente. Ademais, Beck et al. (2015) evidenciaram experienciais, fortalecimento de crenças e ações positivas, e
o papel das intervenções cognitivas como principais provo- tem ênfase em uma boa relação terapêutica. O conceito de
cadoras das mudanças almejadas; contudo, ressaltam que, recuperação da CT-R engloba a recuperação de interesses,
comumente, é essencial a utilização mais duradoura de uma capacidades e aspirações, a habilidade de resolução de pro-
diversidade de estratégias com foco na reestruturação das blemas e comunicação efetiva, e resiliência (Beck, Grant, et al.,
cognições dos pacientes com transtornos da personalidade. 2021). Os componentes essenciais do tratamento consistem em
Apesar de haver especificidades na seleção de intervenções acessar e ativar o modo adaptativo do paciente, incentivando
de acordo com cada transtorno da personalidade, em geral, seu desenvolvimento e manutenção, e trabalhando no fortale-
a intervenção para esse grupo clínico é composta por técni- cimento do modo para a construção da resiliência, bem como
cas e estratégias cognitivas (p. ex., rotulação de inferências para reduzir a força do modo desadaptativo (Beck, Grant, et
imprecisas ou distorções, exame de possíveis explicações al., 2021; Beck et al., 2020; Beck, 2018).
para o comportamento das pessoas, análise das informações Ao focar a ativação e a manutenção do modo adaptativo,
nos diários de esquemas e definição de ideias ou construtos a CT-R (Beck, Grant, et al., 2021) tem quatro objetivos essen-
relevantes ao autoconceito ou à atual situação do paciente), ciais: 1) acessar e energizar o modo adaptativo, por meio da
comportamentais (p. ex., registro e programação de atividades, conexão humana mediante interesses e atividades que estimu-
ensaio comportamental, modelação, treinamento de assertivi- lam o indivíduo, para que o modo ocorra com mais frequência
dade, técnicas de redirecionamento comportamental, análise e de forma previsível; 2) desenvolvê-lo por meio da eliciação
da cadeia comportamental, tarefas graduadas, controle de e do enriquecimento de aspirações, ou seja, extrair significa-
estímulos e manejo de contingências) e experienciais (p. ex., do do que as pessoas realmente desejam em suas vidas; 3)
role-play, recordar experiências e revisar a infância, imagens atualizá-lo com ações diárias positivas, para que se realizem
mentais, exercícios tranquilizantes e expressivos, clarificação os significados valorizados pelo indivíduo, o que aumenta a
de valores e exercícios com base na atenção). probabilidade de fortalecer as crenças positivas e enfraquecer
Apesar da existência dos protocolos tradicionais de as negativas; e 4) fortalecê-lo ao obter conclusões no decorrer
TCC para transtornos mentais específicos (Beck & Haigh, das experiências vivenciadas no processo terapêutico, o que
2014), há uma unicidade de método para a ocorrência de promove o desenvolvimento de resiliência e autonomia. Todo
desativação do modo desadaptativo e ativação do adaptativo, o tratamento é guiado pelo Mapa de Recuperação, utilizado
para casos psicopatológicos ou não, conforme descrito por para coleta de informações e planejamento de estratégias e
Beck et al. (2020). Similarmente a Beck et al. (2015), Beck intervenções.
e Haigh (2014) elencaram uma série de intervenções de
acordo com os componentes do modelo cognitivo geral. A
Agenda futura
seleção inclui intervenções cognitivas (p. ex., psicoeducação Dos 11 estudos analisados nesta revisão, somente duas
e reestruturação cognitiva), comportamentais (registro e produções (Beck et al., 2020; Rudd, 2000) abordaram a neces-
monitoramento das atividades, identificação, engajamento em sidade de realizar avanços no que diz respeito à TM. Apesar de
comportamentos pró-sociais e em atividades significativas ou Rudd (2000) enfatizar a importância de refinar a teoria do modo
prazerosas, relaxamento, distração, uso de comportamentos suicida, ele não especifica os aspectos teóricos que precisam
competitivos de neutralização, tarefas de exposição graduais e de maior profundidade. Porém, o autor indica que é fundamental
ensaios comportamentais) e de foco atencional (p. ex., revisão realizar estudos de caráter experimental que validem o modo
minuciosa dos registros, experimentos comportamentais e em questão, como, por exemplo, investigações que explorem
práticas de atenção plena) (Beck & Haigh, 2014). as particularidades do sistema de crenças e as diferenças
Beck et al. (2021), Beck et al. (2020) e Beck (2018) pro- modais de acordo com o transtorno mental do indivíduo, e que
põem intervenções modais que integram a CT-R para pacientes desenvolvam e validem uma escala de tolerância ao sofrimento
com esquizofrenia, e Beck, Grant, et al. (2021) e Beck et al. baseada no modelo modal.
(2020), para indivíduos com condições psicopatológicas graves, A imprescindibilidade da presença de instrumentos para
como casos com sintomas negativos, delírios, alucinações, de- medir os diversos componentes dos modos também foi indicada
safios de comunicação, trauma, automutilação, comportamento por Beck et al. (2020). São duas as recomendações: 1) medir a
agressivo e uso de drogas, por exemplo. intensidade ou velocidade de ativação dos modos e 2) examinar

239
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

cognições e atitudes específicas relacionadas ao processo de forma tão sistemática nos seus estudos. No entanto, parece
desativação de um modo para a ativação de outro. Ressalta-se que sua inclusão será fundamental, pois uma das vertentes
que, dentre os estudos incluídos na presente revisão, somente atuais da TCC, a CT-R, dedica-se ao tratamento de condições
o de Nobre e Gouveia (2010) descreveu e utilizou uma medida psicopatológicas graves e tem como base a TM (Beck, Grant, et
com tal foco. O Questionário de Avaliação do Modelo Sexual al. 2021). A essa necessidade, soma-se a existência de revisões
avalia especificamente três integrantes do modo: pensamentos e possíveis atualizações dos protocolos clínicos existentes com
automáticos em situações sexuais e respostas afetiva e fisio- a integração da TM (Beck, 2021).
lógica associadas a cada pensamento. Outro achado desta revisão é que, ao longo dos anos, a
produção acerca da TM permaneceu concentrada nos Estados
DISCUSSÃO Unidos, congruente com o concluído por Fordham et al. (2021),
ao revelarem a limitação da existência de investigações no cam-
O objetivo deste artigo foi identificar, mapear, sintetizar po da TCC em países fora dos EUA. Além disso, nas produções
e relatar, de forma abrangente, a literatura relevante disponível revisadas, verificou-se uma contribuição majoritária do autor
sobre a TM relacionada ao modelo cognitivo de Beck. A revisão principal do modelo modal, ATB. Os achados evidenciaram a
de escopo elucidou cinco categorias principais de achados necessidade do aumento da realização de estudos, principal-
acerca da TM, que são discutidos com maiores detalhes nesta mente ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas
seção. Inicialmente, os estudos revelaram uma escassez de e metanálises, que abordem a aplicação clínica com base na
investigações empíricas que demonstrem a validade da TM e, TM sob diferentes condições, populações e contextos a fim de
no que se refere aos estudos inclusos com tal característica, promover avanços teóricos e práticos no campo da TCC.
eles apresentam limitações, pois se restringem a modos es- No que se refere à definição e à composição dos modos
pecíficos – o depressivo (Moorey, 2010) e o da disfunção erétil descritos, constatou-se que, no decorrer do tempo, a conceitu-
(Nobre & Gouveia, 2000) –, não avaliando aspectos teóricos alização e a função do construto mantiveram-se com poucas
mais globais da TM. alterações, o que revela a consistência da TM. Entretanto, os
Uma hipótese para o quantitativo reduzido de pesquisas resultados indicam que a descrição mais detalhada dos com-
empíricas sobre a TM é a compreensão não total de aspectos ponentes que integram os modos e suas interações é algo que
importantes da teoria por parte dos terapeutas e pesquisadores ainda precisa ser mais bem explorado nas produções. Supõe-se
do campo da TCC. Apesar de ATB ter identificado a existência que a insuficiência de aprofundamento quanto aos elementos
de modos no início da elaboração da teoria cognitiva, entre as modais pode dificultar a melhor compreensão do processo de
décadas de 1960 e 1970 (Beck et al., 2020), somente na década ativação dos modos. Possivelmente, em decorrência dessa de-
de 1990 foi apresentada à comunidade científica a primeira dução, dentre outras justificativas, Beck et al. (2020) sugerem a
formulação da TM com a descrição dos componentes modais e necessidade do desenvolvimento de instrumentos para medir os
o processo de ativação, dentre outros elementos (Beck, 1996). diferentes componentes dos modos. Portanto, verifica-se que,
Contudo, alguns dados teóricos só foram esclarecidos depois apesar de os modos serem uma rede composta por domínios
de quase 20 anos, envolvendo o continuum entre adaptação cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais que
e desadaptação, o processamento de informação e a ativação atuam de forma síncrona e interagem mutuamente, os estudos
do esquema, por exemplo (Beck & Haigh, 2014). Por fim, no- enfatizam predominantemente os elementos e o funcionamento
vas contribuições, como a relevância do papel dos aspectos do componente cognitivo (p. ex., Nobre & Gouveia, 2000). Beck
socioculturais na ativação dos modos e, pela primeira vez, a et al. (2020) alertam para o fato de que, mesmo considerando
indicação explícita por ATB da necessidade de se produzir in- que os esquemas cognitivos sejam cruciais dentro de um modo,
vestigações acerca da TM, só foram realizadas recentemente pois, por exemplo, controlam o processamento de informações
(Beck et al., 2020). Desse modo, o fato de a formulação da TM (Beck & Haigh, 2014), o modo deve ser compreendido de forma
ter ocorrido em um processo longo e, ainda assim, com dados holística com todos os domínios integrantes da personalidade.
não totalmente esclarecidos pode ter sido uma razão para os Esse entendimento é uma mudança paradigmática da pas-
pesquisadores do campo da TCC não terem se aprofunda- sagem do Modelo Cognitivo Linear para o Modelo Cognitivo
do empiricamente sobre a ela. Acrescenta-se que, devido à Modal, ou Modelo Cognitivo Geral (MCG), sendo observado no
primeira descrição da TM ter sido publicada por meio de um histórico de construção e aperfeiçoamento da TM (Beck, 1996;
capítulo de livro (Beck, 1996), a dificuldade de acesso à pro- Clark & Beck, 1999; Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020).
dução também pode ser um fator que afeta os profissionais ao Ademais, a maioria dos estudos revisados não explora
redor do mundo. Ademais, não dissociado das mencionadas características mais específicas dos modos, como aspectos da
hipóteses, supõe-se que, pelo fato de o modelo cognitivo linear intensidade, da carga e da durabilidade de modos adaptativos
conseguir explicar quase que totalmente os diversos quadros e não adaptativos. É preciso não somente desenvolver estudos
psicopatológicos e ser útil em seu tratamento, os pesquisadores que meçam os referidos elementos modais, conforme explici-
podem não ter sentido a necessidade de englobar a TM de tado por Beck et al. (2020), mas também que contemplem tais

240
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

variáveis na formulação dos modos desadaptativos. Produções desde a década de 1990, a necessidade de olhar para além da
incluídas na revisão são limitadas nesses aspectos, como psicopatologia (Beck & Clark, 1997), sendo congruente com o
Ghahramanlou-Holloway et al. (2015), Moorey (2010), Nobre e novo direcionamento apontado por Beck (2021).
Gouveia (2000) e Rudd (2000). Além da necessidade de uma representação gráfica
Ainda no que diz respeito à visão global do modo, a revi- atualizada do processo de ativação do modo que incorpore ele-
são é congruente com explicações recentes sobre como ocorre mentos como o processamento de informações, já contemplada
a ativação de modos desadaptativos ao envolver a presença pelo esquema proposto na presente revisão (ver Figura 2), é
de erros no processamento de informações e vieses cognitivos preciso, ainda, incluir formas distintas de resultados funcionais
que desencadeiam afeto positivo ou negativo, e motivações e e disfuncionais para os indivíduos. Ademais, verificou-se que os
comportamentos disfuncionais, por exemplo (Beck, John, et al., estudos revisados precisam de atualizações que considerem
2021). Possivelmente, devido ao primeiro componente a ser avanços recentes da TM (Beck, John, et al. 2021; Beck et al.,
ativado no modo geralmente ser o cognitivo, que ativa outras 2020) acerca do funcionamento dos modos desadaptativos,
funções da personalidade (Beck et al., 2020), isso contribui como os modos suicida (Ghahramanlou-Holloway et al., 2015;
para que os investigadores que utilizam a TM enfatizem essa Rudd, 2000), depressivo (Moorey, 2010) e de disfunção erétil
via de desadaptação do modo. Tal conjuntura é um campo fértil (Nobre & Gouveia, 2000).
para compreensões imprecisas do modelo cognitivo e para Outro aspecto identificado em decorrência da revisão
intervenções advindas dele. Portanto, o uso exclusivo do mo- de escopo realizada foi o maior detalhamento da influência de
delo cognitivo linear original trata-se de uma visão limitada da outros fatores na ativação do modo. Segundo Beck et al. (2020),
abrangência atual da teoria cognitiva. Essa suposição tem como além do equilíbrio entre o meio externo e interno das pessoas,
base a mais nova edição de um dos livros mais importantes as suas expectativas socioculturais também exercem um papel
do campo da TCC (Beck, 2021), que já contempla importantes nesse processo. Por exemplo, é consenso que a formação e
elementos da CT-R, fundamentada expressivamente na TM, os conteúdos das cognições inseridas no sistema de crenças
no tratamento de pacientes que não apresentam problemas dos indivíduos variam de acordo com o contexto cultural, e
severos de saúde mental. Ressalta-se que Beck (2021) indica, esse também repercute nos comportamentos (Naeem, 2019).
no prefácio da produção, que atualmente a CT-R está sendo Portanto, a TM de Beck contribui para que o campo da TCC
adaptada para clientes não hospitalizados com a maior varie- consiga contemplar os componentes socioculturais em pes-
dade de transtornos mentais ou com problemas psicológicos quisas e tratamentos.
ou, ainda, que sejam portadores de condições médicas com No tocante às intervenções direcionadas aos modos,
componentes psicológicos. verificou-se que predominaram produções que enfatizam a
Além disso, os achados revelam que uma das maiores desativação dos modos desadaptativos. Contudo, somente a
contribuições da TM para o campo da TCC é que, a partir do partir das implicações no tratamento de clientes portadores de
processo de ativação dos modos, é possível elucidar que os esquizofrenia é que se passou a utilizar, de forma mais con-
sintomas pertencentes aos transtornos mentais são um conti- sistente, estratégias e técnicas com a finalidade de construir e
nuum com as reações cognitivas, emocionais, motivacionais e ativar modos adaptativos, bem como de mantê-los ativados. Tal
comportamentais “normais” e com os erros da vida cotidiana conjuntura, diante dos resultados promissores da CT-R (Grant
(Beck, John, et al., 2021). Ou seja, comumente, os indivíduos et al., 2018; Grant et al., 2017), culminou em novas tendências
conseguem se ajustar às demandas específicas do meio com no campo da TCC.
a ativação de um modo adaptativo, por sentirem ansiedade
em situações de perigo real, raiva como resposta a ofensas, CONSIDERAÇÕES FINAIS
tristeza diante de perdas ou alegria e prazer quando têm um
ganho, ocasionando reações síncronas funcionais. Porém, A presente revisão tem algumas limitações. Recente-
quando esse processo é exagerado, torna-se desadaptativo, mente, tem-se investido mais em pesquisas sobre a CT-R, que
e sintomas podem surgir (Beck, John, et al., 2021; Beck et é baseada na TM; mas devido à janela de busca estipulada para
al., 2020). Portanto, os vieses no processamento cognitivo e esta revisão, não foi possível incluir estudos mais recentes que
a alternância na ativação dos modos ocorrem, também, na demonstrem as intervenções e explicitem de forma mais con-
ausência de psicopatologias, uma vez que as estruturas de creta o uso da TM, como o estudo de Beck, John, et al. (2021).
composição do modo podem ser observadas em seu funcio- Além disso, optou-se por restringir as buscas a produções
namento e ativação (Beck et al., 2020). A discriminação de cujo foco era a TM de Beck e suas implicações clínicas, e não
determinados transtornos facilita a identificação dos gatilhos abranger estudos que tangenciavam o tema ou que traziam ou-
de ativação, cognições, emoções e comportamentos, porém tras definições de modos e esquemas. Sugere-se que estudos
isso não constitui uma limitação do uso do modelo, justamente futuros façam comparações mais amplas sobre semelhanças
por ser transdiagnóstico (Beck & Haigh, 2014) e por ter foco de e diferenças entre a definição de modos de Beck e a de outros
intervenção na ativação e desativação dos modos. Beck aponta, autores, podendo, assim, impactar a prática clínica. Além disso,

241
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

também são sugeridos estudos que tragam conceitualizações Beck, A. T., & Dozois, D. J. A. (2011). Cognitive therapy: Current status and
cognitivas baseadas no modelo modal e intervenções que future directions. Annual Review of Medicine, 62, 397-409.
englobem tal modelo, tal como a CT-R. Outra limitação foi a Beck, A. T., & Dozois, D. J. A. (2014). Cognitive theory and therapy: Past,
ausência, nesta revisão, de produções que não sejam oriundas present, and future. In S. Bloch, S. A. Green, & J. Holmes (Eds.), Psy-
das buscas realizadas nas bases de dados selecionadas, como chiatry: Past, present, and prospect (pp. 366-382). Oxford University.
Clark e Beck (1999), Beck (2008) e Clark e Beck (2010). Nessa Beck, A. T., & Haigh, E. A. P. (2014). Advances in cognitive theory and
mesma direção, não foram encontrados estudos nacionais, o therapy: The generic cognitive model. Annual Review of Clinical
Psychology, 10, 1-24.
que pode indicar insuficiência na atualização dos terapeutas e
pesquisadores brasileiros no campo da TCC. Beck, A. T., Davis, D. D., & Freeman, A. (2015). Cognitive therapy of per-
A partir dos textos selecionados, nota-se, ainda, uma sonality disorders (3rd ed.). Guilford.
lacuna importante na literatura sobre o uso nas intervenções e Beck, A. T., Finkel, M. R., & Beck, J. S. (2020). The theory of modes: Applica-
sobre os aspectos teóricos do modelo modal. Como o modelo tions to schizophrenia and other psychological conditions. Cognitive
Therapy and Research, 45(3), 391-400.
linear é amplamente utilizado nas intervenções em TCC, o
modelo modal acabou sendo menos explorado pela literatura. Beck, A. T., Grant, P., Inverso, E., Brinen, A. P., & Perivoliotis, D. (2021). Re-
Ainda são necessários estudos que aprofundem, por exemplo, covery-oriented cognitive therapy for serious mental health condi-
tions. Guilford.
quais são os modos adaptativos e como eles são formados,
bem como o funcionamento do processamento reflexivo, recen- Beck, A. T., John, B. K., & Beck, J. (2021). The development of psychiatric
disorders from adaptive behavior to serious mental health condi-
temente denominado dessa forma. Além disso, a necessidade
tions. Cognitive Therapy Research, 45(3), 385-390.
de aprofundar intervenções para pacientes sem diagnóstico
Beck, J. S. (2021). Cognitive behavior therapy: Basics and beyond (3rd
torna-se premente, uma vez que Beck postula a abrangência
ed.). Guilford.
do modelo modal também para esse público.
Contudo, a revisão de escopo realizada demonstra que o Clark, D. A., & Beck, A. T. (1999). Scientific foundations of cognitive theory
and therapy of depression. John Wiley & Sons.
modelo modal postulado por Beck na década de 1990 foi sendo
construído e repensado ao longo dos anos, de forma a expandir- Clark, D. A., & Beck, A. T. (2010). Cognitive therapy of anxiety disorders:
Science and practice. Guilford.
-se e abarcar novas possibilidades. A utilização do modelo
modal é possível em casos de transtornos como ansiedade e Fordham, B., Sugavanam, T., Edwards, K., Stallard, P., Howard, R., Das
depressão, transtornos mentais graves como a esquizofrenia e Nair, R., & Lamb, S. E. (2021). The evidence for cognitive behavioural
therapy in any condition, population or context: A meta-review of
em casos sem diagnóstico, de forma a abarcar o funcionamento systematic reviews and panoramic meta-analysis. Psychological
do indivíduo. Baseando-se na cultura e no contexto para enten- Medicine, 51(1), 21-29.
der o que é adaptativo ou não para cada pessoa, a utilização
Ghahramanlou-Holloway, M., Neely, L. L., Tucker, J., Caffery, K., Colborn,
do modelo modal abrange aspectos importantes que vão além V., & Koltko, V. (2015). Inpatient cognitive behavior therapy ap-
da compreensão e do tratamento de sintomatologia. proaches for suicide prevention. Current Treatment Options in
Psychiatry, 2, 371-382.
REFERÊNCIAS Grant, P. M., Bredemeier, K., & Beck, A. T. (2017). Six-month follow-up of
recovery-oriented cognitive therapy for low-functioning individuals
Arntz, A., Rijkeboer, M., Chan, E., Fassbinder, E., Karaosmanoglu, A., Lee, with schizophrenia. Psychiatric Services, 68(10), 997-1002.
C. W., & Panzeri, M. (2021). Towards a reformulated theory underly-
ing schema therapy: Position paper of an international workgroup. Grant, P. M., Perivoliotis, D., Luther, L., Bredemeier, K., & Beck, A. T. (2018).
Cognitive Therapy and Research, 45, 1007-1020. Rapid improvement in beliefs, mood, and performance following an
experimental success experience in an analogue test of recovery-
Beck, A. T. (1996). Beyond belief: A theory of modes, personality, and oriented cognitive therapy. Psychological Medicine, 48(2), 261-268.
psychopathology. In P. M. Salkovskis (Ed.), Frontiers of cognitive
therapy (1-25). Guilford. Hofmann, S. G. (2021). The future of cognitive behavioral therapy. Cogni-
tive Therapy and Research, 45(3), 383-384.
Beck, A. T. (2008). The evolution of the cognitive model of depression
and its neurobiological correlates. American Journal of Psychia- Hofmann, S. G., Asnaani, A., Vonk, I. J. J., Sawyer, A. T., & Fang, A.
try, 165(8), 969-977. (2012). The efficacy of cognitive behavioral therapy: A review of
meta-analyses. Cognitive Therapy and Research, 36(5), 427-440.
Beck, A. T. (2018). Recovery-oriented cognitive therapy for schizophrenia:
A personal perspective. In R. L. Leahy (Ed.), Science and practice in Moorey, S. (2010). The six cycles maintenance model: Growing a “vi-
cognitive therapy: Foundations, mechanisms, and applications (pp. cious flower” for depression. Behavioural and Cognitive Psycho-
3-12). Guilford. therapy, 38(2), 173-184.

Beck, A. T., & Clark, D. A. (1997). An information processing model of Naeem, F. (2019). Cultural adaptations of CBT: A summary and discus-
anxiety: Automatic and strategic processes. Behaviour Research sion of the special issue on cultural adaptation of CBT. The Cognitive
and Therapy, 35(1), 49-58. Behaviour Therapist, 12, e40.

242
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
2023•19(2)•pp.230-243

Nobre, P. & Gouveia, J. P. (2000) Erectile dysfunction: An empirical ap- Tricco, A. C., Lillie, E., Zarin, W., O’Brien, K. K., Colquhoun, H., Levac, D., &
proach based on Beck’s cognitive theory. Sexual and Relationship Straus, S. E. (2018). PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-
Therapy, 15(4), 351-366, DOI: 10.1080/713697434. ScR): Checklist and explanation. Annals of Internal Medicine, 169(7),
467-473.
Peters, M. D. J., Marnie, C., Tricco, A. C., Pollock, D., Munn, Z., Alexander,
L., & Khalil, H. (2020). Updated methodological guidance for the con- Wenzel, A. (2021). Introduction: The evolution and main components of
duct of scoping reviews. JBI Evidence Synthesis, 18(10), 2119-2126. cognitive behavioral therapy. In A. Wenzel (Ed.), Handbook of cogni-
tive behavioral therapy: Overview and approaches (pp. 15-27). APA.
Rudd, M. D. (2000). The suicidal mode: A cognitive-behavioral model
of suicidality. Suicide and Life-Threatening Behavior, 30(1), 18-33.

243

Você também pode gostar