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A Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

Introdução

Aaron T. Beck (1921-2021) foi um psiquiatra norte-americano e docente na


Universidade da Pensilvânia, que ficou conhecido como o “pai da Terapia Cognitiva”, que faz
parte das diversas Terapias Cognitivo-Comportamentais (Beck, 1997). A terapia Cognitiva foi
comprovada eficaz em diversos estudos no tratamento da depressão, fobia social,
Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC),
Transtorno Bipolar, Esquizofrenia, transtornos da personalidade, dependência química,
problemas conjugais, suicídio, transtornos alimentares, entre outros (Knapp & Cordioli).
Estudos de neuroimagem também apontam para a capacidade significativa das TCC em
produzir mudanças fisiológicas e funcionais em diversas áreas cerebrais (Knapp & Beck,
2008). Trata-se de uma abordagem relativamente recente com uma alta aplicabilidade a
diversas queixas, que vem crescendo e formando adeptos pelo mundo todo. A seguir,
falaremos um pouco sobre o seu surgimento, base teórica e principais técnicas.

Origens da TCC

Na década de 1960, uma “revolução cognitiva” começou a surgir nos Estados


Unidos, que ficou conhecida como a segunda onda das psicoterapias de base
comportamental (Dobson e Scherrer, 2004). A insatisfação com o modelo de ênfase
externalista sobre as causas do comportamento, bem como o fato de serem usados
organismos simples (animais) para o estudo do comportamento humano e uma baixa
preocupação com questões clínicas (Barbosa & Borba, 2010) havia impulsionado a busca por
uma abordagem que abrangesse aspectos internos do indivíduo – a cognição, que pode ser
definida como a “função que envolve deduções sobre nossas experiências e sobre a
ocorrência e controle de eventos futuros” (Beck & Alford, 2000).

Um bom exemplo dessa transição são os estudos de Albert Bandura e a


aprendizagem por imitação, também chamada de modelagem. Nesse tipo de aprendizagem,
diferentemente da aprendizagem por consequências proposta por Skinner, os seres
humanos adquirem novos comportamentos sem a necessidade de um reforço que se
suceda à resposta diretamente. Assim, o aprendizado se dá também pela observação das
consequências no comportamento dos outros, sendo este reforçado socialmente, de forma
indireta. Para tanto, a observação seria seguida de um processo cognitivo (Bandura, 1965).

Também podemos citar aqui: os estudos sobre treinamento autoinstrucional de


Meichenbaum (1993), no qual autoinstruções verbais seriam capazes de mudar o
comportamento do indivíduo; os estudos sobre linguagem, incluindo os de Lev Vygotsky
(1989), que verificou o sucesso na aprendizagem gramatical de crianças sem a necessidade
do uso de reforçadores – para ele, o foco da aprendizagem está no processo de mediação
do conhecimento; análises de Michael Mahoney (1974) que apontaram para a importância
do processamento cognitivo sobre o comportamento, podendo ser inferido e sustentado

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cientificamente; críticas de Lazarus (1980) que apontou falhas nas técnicas psicoterápicas da
Análise do Comportamento na época, consideradas insuficientes por ele e; entre outras
propostas da Psicologia Cognitiva (Knapp & Beck, 2008).

No entanto, vale destacar aqui que não apenas da insatisfação com o modelo
comportamental surgem às terapias de base cognitiva, mas também da Psicanálise (Knapp
& Beck, 2008) – esta, pela falta de uma base empírica sólida e por ser muito longa
clinicamente. Uma das primeiras TCC a surgir foi elaborada por Albert Ellis, originalmente
psicanalista, e foi chamada de Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC). Ellis
desenvolveu o modelo ABC, que propõe que qualquer evento ativa crenças individuais que,
por sua vez, geram consequências emocionais, comportamentais e fisiológicas. Tais
consequências poderiam ser modificadas por meio de debates e questionamentos (Ellis,
2001).

Outra TCC originada de um psicanalista é a Terapia Cognitiva de Aaron Beck. Este, ao


tentar provar a teoria freudiana da depressão como uma hostilidade retrofletida reprimida
nos sonhos de pacientes, constatou que esta viria muito mais de um “senso de derrota,
fracasso e perda” do que de um sentimento de hostilidade (Beck & Ward, 1961). Constatou
também que os temas das pessoas ao dormirem eram semelhantes com os de vigília,
levando-o a concluir que os sonhos poderiam ser simplesmente fruto dos pensamentos do
indivíduo. Beck, então, propôs que os sintomas da depressão poderiam ser explicados por
processos cognitivos tendenciosos negativos das situações sobre si, sobre o mundo e sobre
o futuro – a tríade cognitiva (Beck, 1976). Desde então, a TC se expandiu para aplicação em
diversos outros transtornos e contextos (Knapp & Cordioli, 2008).

Dessa forma, tem-se: de um lado, um anseio pelas técnicas e base científica


experimental da Análise do Comportamento, ao mesmo tempo em que há a busca por
novos modelos de análise motivados pelo desinteresse ou desagrado por parte dos novos
terapeutas comportamentais pela teoria behaviorista e; do outro, a tendência a procurar
explicações e soluções plausíveis para os transtornos mentais e demais queixas clínicas, de
forma rápida e eficaz (Barbosa & Borba, 2010). O resultado foi uma combinação de técnicas
e teorias emprestadas ou derivadas de diversas abordagens, e outras de origem própria,
gerando uma abordagem única.

A Terapia Cognitivo-Comportamental de Aaron Beck

O termo “Terapia Cognitivo-Comportamental” é usado para se referir a toda


psicoterapia que tenha a cognição como um processo mediador na relação do indivíduo
com o ambiente, e que utilize técnicas que envolvem tanto estratégias cognitivas como
comportamentais (Beck, 2005). Conforme apontado por Knapp & Beck (2008), “o princípio
fundamental da TC é que a maneira como os indivíduos percebem e processam a realidade
influenciará a maneira como eles se sentem e se comportam. Desta forma, o objetivo
terapêutico da TC, desde seus primórdios, tem sido reestruturar e corrigir esses

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pensamentos distorcidos e colaborativamente desenvolver soluções pragmáticas para
produzir mudança e melhorar transtornos emocionais”. Assim, a TCC baseia-se em três
proposições gerais: 1) o comportamento é resultado de processos internos e externos ao
indivíduo; 2) a cognição pode ser avaliada, monitorada e medida e; 3) o comportamento
pode ser alterado se mudar a respectiva cognição (Beck, 1997).

Para Dobson & Dozois (2001), existem diversas TCC que vão variar de acordo com o
seu desenvolvedor e seus enfoques, mas que vão compartilhar entre si as mesmas
proposições fundamentais: 1) há um limite de tempo de tratamento, sendo este de curta
duração (cerca de 12-16 meses para ansiedade e depressão ou de 1-2 anos para transtornos
de personalidade e crônicos) e uma estrutura a ser seguida; 2) sua aplicação é voltada para
problemas presentes ou transtornos específicos; 3) o paciente tem um papel ativo na
psicoterapia, assim como o terapeuta; 4) as TCC são educativas, tanto sobre o modelo
teórico como sua prática fora do consultório e; 5) por ser educativa, o paciente acaba
“tornando-se seu próprio terapeuta”, isto é, ele aprende a se autoanalisar e a levar o que
aprendeu para outros contextos.

No entanto, trabalharemos aqui com as especificidades da Terapia Cognitiva de


Aaron T. Beck. Para ele (Beck, 1997), existem três níveis de cognição que fundamentam a
sua teoria:

⦁ Pensamentos Automáticos: são pensamentos que ocorrem na fronteira da


consciência e que acontecem de forma espontânea e rápida,
interpretando determinada situação. Por serem imediatos, não estão
baseados na reflexão ou deliberação quando ocorrem e tendem a ser
quase sempre negativos. Entretanto, seu conteúdo pode ser avaliado
conscientemente. Assim, constitui como objetivo primeiro do terapeuta a
identificação desses pensamentos (que coexistem com pensamentos mais
realistas) a fim de modificar o comportamento correspondente para que,
futuramente, o paciente aprenda a identificá-los sozinho.

⦁ Crenças Nucleares ou Esquemas: estruturas cognitivas internas relativamente


duradouras que armazenam as características de estímulos, ideias ou
experiências, usadas para organizar novas informações de modo
significativo, que determinam como os fenômenos são percebidos e
conceitualizados. Assim, a percepção do indivíduo correspondente a essas
estruturas é mais difícil de ser mudada, pois se trata de um processo
automático e rígido. Uma vez modificados os pensamentos automáticos, a
TCC pode focar nas crenças nucleares.

⦁ Crenças Intermediárias: são regras, atitudes ou suposições formuladas pelo


indivíduo na forma de afirmações do tipo “se... então” ou “deveria” que
se apresentam de modo inflexível e imperativo.

Ainda segundo a autora, a TCC tem como principais técnicas: 1) o empirismo

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colaborativo, que consiste no uso de experimentos comportamentais realizados pelo
paciente e sugeridos pelo terapeuta; 2) a descoberta guiada, inspirada no questionamento
socrático; 3) a ativação comportamental, que envolve o paciente atribuir notas quanto às
expectativas do mesmo sobre realizar determinada tarefa, usada em casos de recaída e; 4) a
conceitualização de caso, composta por atualizações constantes sobre a hipótese inicial.
Pode-se falar, ainda, em: agendamento de atividades, avaliações de prazer e habilidade,
prescrições comportamentais de tarefas graduais, experimentos de teste da realidade, role-
plays, treinamento de habilidades sociais, técnicas de solução de problemas, Registros de
Pensamento Disfuncional (RPD) e feedbacks (Knapp & Beck, 2008).

A Herança da TCC e o surgimento da Análise do Comportamento Clínica

A TCC está longe de ser uma evolução em termos conceituais para a Análise do
Comportamento sob uma perspectiva Behaviorista-radical, pelo fato de haverem muitas
divergências teóricas. No entanto, sua chegada nos EUA representou grandes avanços para
a terapia do modelo operante. Esta, com o nome de "Modificação do Comportamento",
antes encontrava-se voltada mais para o laboratório e focada em intervenções muito
restritas na clínica para pessoas com deficiência e adultos institucionalizados com
problemas psiquiátricos crônicos, enquanto outro grupo derivado do modelo clássico, com
o nome de "Terapia Comportamental", voltava-se para outras queixas típicas da clínica
(Guilardi, 2012).

O surgimento da TCC faz com que a ideia de comportamentos encobertos de


Skinner ressurjisse como forma de explicar a cognição em termos comportamentais e
intensificar o interesse em espandir a aplicabilidade da clínica baseada no modelo operante,
o que resultou na "Análise do Comportamento Clínica" (CBA) - "um ramo da análise do
comportamento aplicada que se distingue pelos tipos de clientes atendidos, problemas
clínicos abordados, procedimentos utilizados e ambiente no qual a intervenção é
conduzida" (Leonardi, 2015). A CBA, no entanto, é representada por diferentes modalidades
terapêuticas: Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Psicoterapia Analítica-Funcional
(FAP), Terapia Comportamental Dialética (DBT), Terapia Comportamental Integrativa de
Casais (IBCT) e a Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness. Dessa forma, tem-se a Terceira
Onda das Psicoterapias de Base Comportamental, ou seja, o resgate da filosofia, conceito e
metodologia empírica da Análise do Comportamento.

No Brasil, a TCC se desenvolveu em um cenário diferente: enquanto nos EUA


existiam duas terapias distintas de base comportamental - a Modificação do
Comportamento e a Terapia Comportamental, sendo que estas estavam enfraquecidas
devido às críticas e insatisfações, por aqui, devido às dificuldades acadêmicas da época
(Rangé, Falcone e Sardinha, 2007), os dois modelos citados se fundiram e ainda estavam no
seu auge. Dessa forma, segundo Guilhardi (2012): "A segunda onda norte americana dividiu
os terapeutas comportamentais no Brasil e, por um lado, deu origem ao grupo de
terapeutas cognitivo-comportamentais, enquanto catalisou, por outro lado, novos
desenvolvimentos da terapia comportamental operante".

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A seguir, falaremos um pouco sobre as modalidades terapêuticas da 3ª onda:

1) Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT):

2) Psicoterapia Analítica-Funcional (FAP):

3) Terapia Comportamental Dialética (DBT):

4) Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT):

5) Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulnes:

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